Depois do café, nós duas partimos para o trabalho: você foi para o escritório, eu, por enquanto trabalhava em casa. Marina passava algumas horas comigo e trazia o “galego” a tiracolo. Você ligava de uma em uma hora, carinhosa, preocupada e eu amava isso, mas sabia que estava provocando essa situação com minhas crises emocionais. Não era pra ser assim, mas hoje era um dia especial. Lembrei de tuas palavras… “Faz uma comidinha especial…”, sim eu faria.

Aproveitei que Marina ainda estava em casa e pedi ajuda para aprontamos tudo o mais rápido possível. Quando ela saiu, me beijou as faces e disse.

— Tem calma.

Eu sabia do que ela estava falando, me conhecia, sabia que estava no meu limite. Pus nossa música pra tocar e fiquei te esperando. Acho que cochilei e acordei com o barulho na porta. Levantei-me pra te receber e qual não foi minha surpresa quando vi sua grande amiga adentrar em nossa casa junto com você que logo me abraçou e beijou.

– A Lídia vai viajar pra mesma cidade que eu e convidei-a pra jantar.

Olhei você como se não acreditasse no que ouvia.

– Claro… – disse como se não fosse eu. – Fica à vontade, Lídia, a comida está pronta na cozinha. Eu estou sem fome, vou trabalhar um pouco.

Me virei para ir ao escritório e você me alcançou. – Endless, você está bem?

Te olhei ainda não acreditando e respondi automática. – Sim, estamos bem.

Então você percebeu a decoração romântica da sala: a mesa posta para dois, as velas aromáticas. Ia dizer alguma coisa, mas  calei sua boca com meus dedos.

– Não se preocupa… – fui para o escritório.

Saí do escritório quase três horas depois. Na sala, as velas continuavam acesas e não havia mais resquícios de jantar na mesa da sala, arrumada como sempre ficava. Fui olhar os filhotes como fazia antes de dormir. No nosso quarto, fui direto pro chuveiro e não acendi a luz pra não te perturbar. Sentia-me cansada mais que o habitual.  Iria procurar Jorge amanhã mesmo. Ainda bem que já havia aprontado sua mala.

Faltavam alguns detalhes que eu deixava com você. Deitei na cama com cuidado pra não te acordar e  virei pro lado contrário, de banda, porque com a barriga pra cima não dava. Eram apenas seis meses, mas as crianças eram grandes. Conversava com elas em pensamento pra ficarem quietinhas que mamãe precisava dormir. Senti teu braço me envolver o ventre e teu hálito quente alcançar meu ouvido.

– Feliz dia dos namorados, amor. – me mostrou uma caixa que abri sem te olhar. Dentro um colar com um pingente em forma de coração que se abria em duas partes: na primeira, uma foto com nós juntinhas e na outra uma interrogação.

– Pros nossos bebês. – senti teus lábios em meu pescoço. – Te amo e nunca disse isso pra ninguém… E dizer pra você é muito mais difícil, porque me tira toda a segurança que construí um dia. Uma mulher linda e agora, mãe dos meus filhos. Nunca poderia imaginar… – apertou-me forte e senti pela primeira vez a tua segurança.  – Não vou te deixar nunca, Endless. Não saberia pra onde ir… Não mais. Desviei o caminho quando me apaixonei por ti. Não tem mais volta. – virei-me pra te olhar e me surpreendi com teus olhos transbordando lágrimas. – Não tenho mais pra onde ir. – te beijei com amor. – Sobre hoje… – te calei com outro beijo mais carinhoso, mais sensual.

– Quero que me ame agora, por favor. Não vai me machucar, nem as crianças. Me dê seu amor agora, quero senti-lo na pele, agora… Nos ame. Me faça entender que não preciso estar insegura, me faça entender que sou sua e só sua, e que és minha, desde sempre.

Na manhã seguinte, quando abri os olhos, tive a sensação única de ter dormido sossegada pela primeira vez desde a gravidez. Meu corpo estava em alerta, sem nenhum tipo de adormecimento ou dor. Parecia que todo o peso dos bebês havia sido transformado em paz… Muita paz. Suspirei satisfeita e lembrei-me da noite anterior.  Meu corpo se arrepiou inteirinho. Tua língua, tuas mãos, teus dedos…  Tua força, teu carinho, teu abraço na hora do gozo. O amor transcendendo nossos olhares. O suor nos cobrindo. A energia passada sem barreiras. Todo sentimento em um só. Te procurei imediatamente, mas o lugar estava vazio. Surpreendi-me com Marina entrando com um café reforçado. Ela sabia do meu regime gravidatório

– Bom, dia minha irmã! – me beijou o rosto como sempre fazia. – Então, está mais calma? – deu um sorriso safado de quem sabia mais do que o necessário.

– Onde ela está? – perguntei já devorando um pedaço de mamão. Marina sorriu sacana.

– Saiu daqui quase correndo, coitada. Me pediu pra não te acordar tão cedo, imagino porque. – e deu uma risada depois, logo após ficou um pouco mais séria, mas sem perder o riso no rosto. – Ela te ama tanto. – segurou minha mão desocupada da comida.

Pedi a Marina que me deixasse no consultório de Jorge. Ela e Biel foram às compras e me pegariam depois de três horas. Cheguei ao consultório sentindo, mais uma vez, o bendito cansaço e ocorreu que eu, subitamente, desmaiasse no corredor, antes mesmo de chegar até a sala dele. Quando acordei, vi Jorge me olhando num misto de preocupação e alívio.

– Que foi? Que aconteceu, Jorge? – perguntei nervosa, preocupada.

Ele me olhou carinhoso. – Sempre se preocupando com tudo, não é querida? – me agarrou as duas mãos, sentou-se na maca onde eu estava. – Vai estar preparada para o que virá. – massageou minha mão, me olhando diretamente nos olhos. Eu gostava disso e ele sabia. – Está preparada para ser mamãe? – não entendi de primeira, mas depois…

– Como? – ele suspirou um tanto impaciente, mas firme.

– Vamos ter que antecipar o nascimento dos bebês, querida. Teus sintomas e depois os exames que fiz constataram que um dos bebês está enlaçado pelo cordão umbilical. Você descobriu isso vindo aqui. Obrigado. – ele beijou minha mão. – Agora dorme e deixa comigo! O Dindo Jorge resolve. – foram as últimas palavras que ouvi depois de cair num sono profundo.

MARINA…

Entrei na clínica imaginando que Mirian já estivesse preocupada, pois eu e Biel demoramos mais que o esperado no supermercado. Entrei puxando o menino as pressas. A sala de Jorge estava vazia. Estranhei imediatamente. Na recepção dei o nome dela e recebi a notícia mais inesperada possível.

— Está sendo operada pelo Dr. Jorge.

– Deve ser engano! Ela só está com seis meses!

A mulher gordinha e com cara pouco amigável repetiu.

– Está sendo operada neste momento pelo Dr. Jorge. A senhora é parente?

Olhei pra criatura com vontade de arrancar-lhe os cabelos um a um com uma pinça. – Sou irmã dela.

– Vou verificar a situação. Aguarde, por favor.

A primeira coisa que me ocorreu depois desse intervério, foi ligar para Cris, ela devia ficar a par da situação. O celular tocou uma, duas, três vezes.

– Alô…

Eu tentei disfarçar o nervosismo na voz, mas não sei se adiantou.

– Cris… é Marina, tudo bem? – gaguejei e foi o suficiente para alertá-la.

– O que aconteceu? Onde está Mirian? Os bebês?

– Calma, Cris, Mirian entrou em trabalho de parto…

– O quê?!!! Eles só nasceriam daqui a três meses!!! – tirei  fone do ouvido tamanho o grito que ouvi.

– Houve complicações. É melhor vir pra cá.

A única coisa que ouvi depois disso foi um “click”.



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