Encontros Desastrosos

Ainda me preocupo com o alto índice de encrencas em que eu costumo me meter. Sabe aquelas ocasiões em que você calcula todas as possibilidades de algo acontecer e sempre pensa: “Isso não vai acontecer comigo!”, mas como toda probabilidade há sempre uma chance?

 

E acreditem se quiser, sou aquele tipinho de pessoa que, tendo a mínima chance, sempre acontece. Aliás, se fossem coisas boas até que seria bom. Algo como a chance de um em um bilhão de ganhar na mega sena, mas é justamente o contrário que acontece comigo. Se em cada 100 tentativas de atravessar a rua que tenha uma poça cheia de água e um carro passar jogando toda a água sobre você é 1, eu sou a “sortuda” que leva o banho.

 

Ainda me pergunto como estou viva com esses altos índices de acidentes. Está certo que eu estou fazendo drama. Mas o que é a vida sem um bom drama? Mas, enfim, essa propensão por acidentes também ajudou a mulherada a se manter afastada de mim. Minha última namorada, Adriane, e eu fomos a uma sorveteria e estávamos lá, sentadas uma do lado da outra e, não sei o que aconteceu, mas consegui fazer o meu sorvete ir parar todo no vestido novinho em folha dela. Isso com duas semanas de namoro e, desde então, estou sozinha há praticamente três anos.

 

E olha que isso foi fraco! Ainda me lembro de quando estava no segundo ano, apresentando um trabalho no meio do salão da escola cheia de gente e meu dente fez o favor de descolar, caindo no meio da explicação. E eu continuei lá explicando sem um pedaço do dente que quebrei quando tinha 9 anos, beijando o escorregador do clube em que frequentava.

 

Ou como na semana passada, quando fui no shopping e tinha aquelas portas automáticas que abrem e fecham sozinhas. A danada da porta decidiu fechar antes que eu passasse e dei de cara no vidro. Foi dolorido, ainda tenho o galo cantando na testa como prova.

 

Melhor parar por aqui. Quem sabe, mais pra frente, conte outros dos meus micos.  

 

Mas, chega dessa vida. Cansei! Agora, com a internet, vou procurar uma mulher aqui. Existem vários sites de relacionamentos onde posso cadastrar um perfil adequado. Acho que vou começar a namorar virtualmente, assim, não exponho minha próxima namorada ao perigo de andar comigo. E foi o que fiz, cadastrei o meu perfil em vários desses sites.

 

Ops! Que cabeça a minha! Esqueci de me apresentar. Podem me chamar de Juliana ou, apenas, de Ju como minhas amigas me conhecem.  Não me acho feia, mas, também, não sou aquela coisa tipo “Oh! Como ela é linda!”. Digamos que sou bonitinha (feinha disfarçada). Tenho 23 anos, 1,62 de altura, magra, cabelos lisos e negros, pele branca, olhos esverdeados. Acho que já deu para me imaginar…

 

Algumas podem até achar que sou bonita, mas o que assusta é como eu consigo ser desastrada. Não tenho culpa! Rola uma lenda familiar que foi uma praga de uma feiticeira em uma das minhas ancestrais, ou seja, ser desastrado em minha família é natural.

 

Esqueci de comentar que tenho uma melhor amiga, a Camila. Essa é o deboche em pessoa. Vive pegando no meu pé por causar tantos acidentes por onde passo. Geralmente, quando nos encontramos ela grita: “CUIDADO GENTE, LÁ VEM ELA! SEGUREM SEUS COPOS, PRATOS…” ou com comentários assim: “JUZINHA, VOCÊ DEVIA USAR UMA ARMADURA, UM DIA VOCÊ SE MATA!”.

 

Ela é morena, um pouquinho maior que eu, olhos e cabelos muito negros. É a simpatia em pessoa, não há uma pessoa que não goste dela, se há, não conheço. O único problema dela é ser hétero, namora com o Diego há 2 anos. Ele não vai com a minha cara e eu não vou com a dele, aliás, desde que ele descobriu das minhas preferências, vive tentando persuadi-la a se afastar de mim.

 

Como se ser lésbica fosse uma doença transmissível, mas, ainda bem, que minha querida amiga pentelha não permitiu que o namorado a controlasse assim.

 

Continuando, estava eu e minha fiel escudeira (Camila), olhando e analisando os perfis das candidatas. As exigências eram as seguintes: mulheres entre 20 e 35 anos, inteligentes, bom papo, comunicativas, etc. (Sou uma pessoa exigente em algumas coisas, claro!).

 

Enfim, encontrei um perfil super romântico, o qual tinha a foto de uma loira exuberante. Lohana Guimarães vulgo Lô Lô, 25 anos, universitária e interessada em artes.

– É essa aí, Ju! Manda o convite.

 

– Cami, não. Deve ter algo errado nisso aí!

 

– Manda um e-mail, larga de ser trouxa! Eu que não gosto de mulher e não acho mulher bonita, estou achando essa aí o máximo!

 

– Isso é que é o preocupante!

 

– Olha o e-mail dela aqui! Vai, você não tem nada a perder!

 

– Tudo bem… Entrei na chuva, vou me molhar!

 

Comecei a redigir o e-mail:

 

“Querida Lohana,

 

Encontrei o seu perfil no encontreoseuamor.com.br e me interessei. Gostaria de poder marcar um encontro com você, para nos conhecermos e bater um papo legal. Espero ansiosamente por sua resposta e pelo nosso encontro.

Att: J. F.”

 

Uma hora depois já tinha a minha resposta:

 

“J.F.,

 

Fico muito feliz que tenha se interessado em meu perfil. Claro, que podemos nos encontrar. Tenho tempo disponível para amanhã à noite. Vamos à boate Dragnight na Rua Joaquim Marmelo, bairro Visconde do Fubá, às 20h. Meu telefone é 8156-2259.

 

Um abraço delicioso.

 

Att. Lô Lô”

 

– Viu?! Avisei pra você! Aí, já tem um encontro!

 

– Ok! Você venceu! Então vamos escolher uma roupa para que eu esteja bem e ela goste de mim.

 

– Aquele vestido preto. Você fica um arraso com ele!

 

– Hum…

 

– Acho que vou com você!

 

– Pra quê?

 

– Ah, não sei! Vai que é alguma mulher doida, sei lá! Daí, eu finjo que sou sua namorada!

 

– Ok! Se for dar algum problema você vai se ver comigo! É tudo culpa sua!

 

– Tá, mas, se der certo, e for o amor da sua vida você vai ter que me agradecer a vida inteira!

 

– Ok! Mas, foi fácil demais. Ela até me deu o telefone!

 

– Liga pra ela!

 

– Eu não!

 

– Liga!

 

– Não insista que não vou!

 

– Tá bom… Responde aí, então!

 

Ela mal me deixou falar e já sentou na minha cadeira e começou a digitar a resposta.

 

“Lô Lô,

 

Estou me queimando de ansiedade para estar frente a frente com você e comprovar o quanto você é linda…

 

Até amanhã.

 

Ótima noite!

 

J.F.”

 

O que eu pude fazer? Nada! Já era tarde, a mensagem já havia sido encaminhada.  

Mal vi o dia passar e, quando percebi, já eram 18h. Estava saindo do serviço, quando vi Camila chegar esbaforida, dizendo que não poderia ir comigo ao encontro, mas que me desejava toda a sorte do mundo.

 

A maluca tinha esquecido que era aniversario da sogra e não podia fazer essa desfeita para o namorado.

 

Então o que me restava era ir sozinha.  Vesti o tal vestido preto, o qual “fico um arraso”, palavras de Camila. Cabelos soltos e molhados, uma maquiagem leve e um salto básico para não parecer tão baixa, já que, Lô Lô me parecia ser muito alta.

 

Cheguei à boate Dragnight, ainda não conhecia aquele lugar, mas havia um monte de transformista parada na porta da mesma, todas numa algazarra maluca para entrar, algumas se acotovelando e fazendo escândalo. Mas, não vi uma única mulher! Muito estranho isso! Continuei esperando e, nada da tal Lô Lô.

 

Fiquei meia hora esperando na porta, quando vejo uma loira oxigenada, o cabelo até reluzia de tão loiro, super alta. Medindo assim, mesmo à distância, parecia ter uns 1,85 de altura, porém, um corpo super definido, apesar de que, os seios me pareciam perfeitos demais, até distante dava para visualizar…

 

Fui me aproximando e, para o meu eto, Lô Lô era a tal loira oxigenada.

 

– Er… desculpe.. Você é a Lohana?

 

– Sim, queridinha, o que posso fazer por você?

 

Acho que minha amiga me meteu numa encrenca daquelas, a voz era até fininha, mas era forçada demais. Fora o pomo de adão que se definia no gogó da talzinha.

 

– Acho que temos um encontro!

 

De repente ela ou ele, ah, sei lá! Engrossou a voz.

 

– Acho que você ta enganada, estou esperando o J. F.

 

– Pois é, Juliana Ferreira, sou eu.

 

– Mas você respondeu o meu anúncio no encontrandooseuamor.com.br?

 

– Sim, eu também fiz o meu cadastro lá, olhei o seu perfil e tudo. Vi até sua foto e mandei um e-mail pra você, mas, digamos que, eu pensei que você era mulher desde que saiu da barriga da sua mãe!

 

Ele ou ela, caiu na risada… E eu, super sem graça!

 

– Amor… Nasci mulher em corpo de homem, mas hoje sou mulher artificial.

 

Apontou para os seios super siliconados, mais perfeitos do que um natural de qualquer mulher por aí.

– Trabalho perfeito de um cirurgião. Hoje sou mulher, mas, sabe? Quero um homem! Mas, acho que, infelizmente, você não vai poder entrar na boate. Hoje é a noite das drag e transformistas. Mas, te achei bonitinha, a gente bem que podia ir tomar alguma coisa juntas e conversar.

 

– Claro! Não temos um encontro amoroso, mas podemos ter um de amigos, quer dizer, amigas!

 

– Isso aí, lindinha!

 

Ela agarrou meu braço e fomos caminhando juntas até um barzinho próximo. Passamos a noite toda conversando. Ela era uma pessoa maravilhosa. Pena que era homem, quer dizer, mulher artificial como ela faz questão de dizer. O mal entendido foi porque abreviei o nome no meu e-mail. Só as minhas iniciais, então não dava para saber se era homem ou mulher mandando o e-mail.

 

Minha amiga Lô Lô, que estava tão desesperada quanto eu, também cometeu o erro de colocar no perfil dela “sexo feminino”. Passamos praticamente a noite inteira rindo desse acidente e, aliás, o nome dela é Marcos Vinicius. Mostrou-me até a carteira de identidade que já estava sendo mudada para Lohana Guimarães.

Logo de manhã, minha querida amiga, me liga no serviço.

 

– E aí, como foi?

 

– Você me paga, Camila!

 

-O que foi?

 

Depois de contar toda a história, ela ainda tirou uma com a minha cara, mal conseguindo falar pelo telefone. Fui obrigada a escutar:

 

– Desculpa, amiga! Mas, pelo jeito, gosto de homem até quando ele muda de lado!

 

Desaforada mesmo essa amiga.  Mas, não pára por aí… Ainda não desisti de encontrar o meu amor no encontrandooseuamor.com.br.