Em Qualquer Lugar

Capítulo XVII – Que destino!

Ana Maria

– Cacá, você sabe o que aconteceu? A Aghata está fazendo as malas e disse que vai embora. Disse que quer esquecer tudo e irá voltar para onde precisam dela.

— Claro que não sei, Ana, eu estava com você, se lembra? Não estive ainda com a Paula, mas, possivelmente, elas discutiram. A Paula essa noite sonhou com alguma coisa e acordou suando e chorando. Ela não quis me contar, mas aposto que tem a ver com Aghata, ela estava muito empolgada na época e estava amando muito a Aghata. Você sabe o que é ver a pessoa que você ama ao lado do cara que roubou suas ideias, suas esperanças e seus sonhos e nada fazer para mudar isso? Aghata concordou, silenciosamente, com tudo! Conhecendo a verdade agora, sei que não foi por mal, sei que eles a enganaram também, mas durante muito tempo eu senti raiva da Aghata, por mim e pelo que ela fez com a Paula. Como desfazer essa confusão de anos em apenas dois dias? Eu sei que a Paula é teimosa, mas eu sei que ela ainda ama a Aghata e sei que ela só vai ser feliz algum dia, se elas se acertarem. Se a Aghata, na menor dificuldade fugir, elas vão padecer e nunca vão encontrar a felicidade.

Eu sorri para ele. Nunca vi um homem hetero tão sensível, pelo menos um que tivesse uma pegada tão boa! Ri de meus próprios pensamentos.

— O que foi?

— Nada, só estava pensando em como eu tenho sorte. Adorei ter me inscrito naquele congresso que não tinha nada a ver comigo. Eu acho que vou agradecer muito à Aghata, sem desmerecer o sofrimento dela…

Ele sorriu para mim e me pegou pela nuca, me dando um daqueles beijos gostosos que só ele sabia dar.

— Ana, eu vou voltar. Não quero deixar a Paula sozinha agora, quero saber como ela está.

— Acho que você tem que ir mesmo, pelo que você me conta, a Paula é uma garota muito sensível e certamente ela deve estar mal também. Eu vou subir e conversar com a Aghata. Tentarei fazer com que ela desista dessa ideia de ir embora, mas a conhecendo como eu a conheço, não vai ser muito fácil. Você diz que a Paula é teimosa, mas a Aghata quando põe uma coisa na cabeça é uma mula.

— Seria bom se ela ficasse. Eu sei que com o tempo a Paula se renderia e ai elas poderiam conversar mais tranquilas sobre tudo e se acertar de vez.

— Mesmo que a Aghata não me dê ouvidos agora, vou deixar uma sementinha na sua cabeça dura.

— Está bem.

Ele me beijou outra vez e se foi. Subi para ver como estava a Aghata. Apesar de sua aparente fortaleza, sabia que ela estava ruída por dentro.

Paula

Tudo aconteceu tão rápido que nem tempo de pensar eu tive. Falei o que vinha na cabeça, o que vinha da minha alma. “Meu Deus! Como meu corpo reage aos carinhos dela! Eu vou ficar louca!” Não queria deixar meus alunos sem orientação, mas estava atordoada e abalada com o que aconteceu. Saí de minha sala mais ou menos uns dez minutos, depois de Aghata.

— Ingrid, por favor, desmarque os alunos que eu tenho essa manhã. Terei que fazer umas coisas e não sei se voltarei mais à universidade.

— Sim, Srta. Atanar. A senhorita está bem?

— Estou sim, Ingrid, foi só uma indisposição. Eu ando muito cansada, mas já passou. Não se preocupe…

Fui caminhando para o corredor, mas ainda deu tempo de escutar a Ingrid falar.

— Eu sempre me preocupo com a senhorita…

Não estava certo ela continuar alimentando esse sentimento por mim. Sabia que uma hora eu teria que falar com ela, mas não tinha a menor disposição para isso, naquele momento. Fui para casa. Iria fazer minha mala e me refugiar no único lugar que, talvez, trouxesse alguma paz para mim; a minha cabana de veraneio perto do parque florestal.

Cheguei em casa e Cacá não estava, provavelmente estava curtindo a cidade com a Ana. Estava feliz por ele, pois sabia que o Cacá não ficava mais do que dois dias com uma mulher se ele realmente não gostasse. Ela devia ser especial e o Cacá era um cara que merecia. Embora eu sempre falasse que ele era um canalha, que sempre deixava um monte de meninas na pista, eu achava que ele era meio perdido por sempre estar procurando alguém e nunca encontrar. Dessa vez, acredito que o cupido acertou em cheio. O Cacá falava dela com carinho, nunca a desmerecendo e enaltecendo suas qualidades. Ele nunca falou comigo das outras meninas desmerecendo, mas nunca falou de nenhuma depois de ter saído com elas, assim que, suponho que a Ana esteja sendo diferente e que ele está curtindo esse estado enamorado. Tinha que arrumar minhas coisas rápido, pois a hora que o Cacá voltasse, ele iria me infernizar e não conseguiria arrumar minhas coisas. Quando puxei minha mala do closet para arruma-la, o destino quis novamente mexer bem fundo na minha ferida. Uma caixa cheia de fotografias da minha família, minhas, de meus antigos amigos, caiu aberta esparramando tudo pelo chão. E qual não foi a minha surpresa, quando me deparei com uma foto minha e de Aghata, na noite em que ficamos juntas pela primeira vez na festa do André! Ela havia me dado essa foto alguns dias depois que começamos a namorar, pois um fotógrafo da mídia havia tirado e ela resolveu me fazer uma surpresa. Peguei a foto no chão e admirei a forma como ela me olhava. Ainda estava no início da festa, ela estava ao meu lado, olhando eu falar com os empresários, mas seu sorriso parecia ser direcionado só para mim. Essa foto sempre me encheu de emoção, pois ali parecia que ela estava me admirando. Balancei minha cabeça, coloquei tudo de volta na caixa e recoloquei a caixa no closet. De fato, eu nunca mais havia visto esta foto, mas também não conseguia me desfazer dela. Esse breve pensamento me incomodou. Será que eu não me esqueceria dela nunca? Será que eu estava fadada a amá-la para sempre? Como isso podia ser?

Quando eu já estava terminando de arrumar as minhas coisas, escutei um barulho no andar de baixo. Ele começou a subir as escadas e bateu na porta do meu quarto.

— Paulinha, você está aí?

— Tô aqui dentro, Cacá. Pode entrar.

Ele abriu a porta e encarou com certo espanto a mala.

— Onde você pensa que vai?

— Cacá, por favor. Não torne as coisas mais difíceis. Eu preciso me afastar. Pedi licença por uns dias na universidade. Aleguei problemas pessoais.

— Por que você está fazendo isso? Tem a ver com a Aghata?

— Ela foi à universidade hoje. Era ela a minha visita. Cacá, eu gostaria que você entendesse, eu preciso pensar em tudo que está acontecendo… Eu não estou me entendendo, apesar de toda a mágoa e dor que eu tenho aqui dentro, ela mexe comigo até hoje! Eu estou enlouquecendo com isso. Como eu posso acreditar que ela não me fará mais nada? Que eu não vou sofrer de novo acreditando nela?

— Ela não irá mais procurar você, Paula.

— Como você pode ter tanta certeza?

— Porque eu a vi. Eu… Eu estive com ela hoje e… Ela está hospedada no mesmo hotel que a Ana.

— Você falou com ela?

— Sim, ela disse que iria embora. Estava com os olhos vermelhos, parecia que tinha chorado, mas não falou mais do que isso.

— Cacá, você está escondendo alguma coisa!

— Estou.

— Então, fala logo! — Falei exasperada.

— Olha, Paula… Eu não quero que você fique chateada comigo, você é minha melhor amiga!

Eu vi que ele estava desesperado por ter me escondido algo tão importante, mas eu não tinha mais forças para brigar com ninguém, muito menos com ele. Eu queria saber o que estava acontecendo, queria organizar as coisas dentro de mim.

— Vamos, Cacá, conta logo!

— Jura que você não vai brigar comigo?

— Juro. Agora fala… Ou melhor, não juro não, por que se você aprontou para mim, eu…

— Eu não aprontei nada para você, Paula! Eu só deixei de te contar.

— DEIXOU DE ME CONTAR O QUÊ?

Eu estava gritando com ele.

— Aquele dia que eu cheguei bêbado foi porque eu a havia visto.

— Isso você me falou.

— Mas não falei da maneira certa. Eu a tinha encontrado no hotel da Ana, porque a Aghata é a amiga que a Ana estava esperando…

— O que? A Ana conhece a Aghata?

— Conhece. Elas são amigas desde a faculdade.

— E por que você não falou?

— Porque eu tinha medo de você ficar com raiva da Ana e ela é uma mulher muito legal. Eu tô gostando realmente da Ana, Paula. Mas eu não suportaria que você se afastasse de mim por eu estar namorando a amiga da Aghata!

Eu coloquei a mão na cabeça e desabei na cama. As coisas estavam saindo muito do controle.

— Cacá, eu não sei se você é ingênuo, tapado ou cretino! Você acha que eu me interporia entre você e uma pessoa que você gosta?

— Não se fosse qualquer outra pessoa, mas uma amiga da Aghata?! Olha só, Paula. Eu tive medo, está bem! Só por isso eu não te contei esse detalhe, mas eu te adverti que a Aghata estava aqui.

— É apenas um detalhe, é? E como ela soube que eu estava aqui!?

Aumentei tanto o meu tom de voz que eu mesma me assustei. O Cacá se encolheu todo. Respirei fundo e contei até dez.

— Cacá, senta aqui.

O puxei para a cama e falei com mais calma.

— Me conta como você a encontrou e o que vocês conversaram.

— No primeiro dia que eu dormi com a Ana, a Aghata chegou de viagem de madrugada e bateu no nosso quarto. Parece que ela chegaria no dia seguinte, mas acabou vindo mais cedo. Quando a Ana abriu a porta, eu fiquei pasmo, paralisado, eu juro!

— Tá, tá, Cacá, termina!

— Bem, foi quando ela perguntou para a Ana o que eu estava fazendo ali que eu percebi que ela também tinha ficado surpresa. Aí a Ana contou que elas eram amigas desde a faculdade e que, depois que aconteceu aquilo tudo naquela época, a Aghata tinha caído no mundo e elas não se viram mais. Quando a Ana soube que viria para cá para visitar o laboratório da universidade, ela viu a oportunidade de encontrar a Aghata de novo e mandou um email para elas se encontrarem aqui. A Aghata perguntou se você estava aqui também e eu acabei falando que sim. Olha, Paula, foi muito de supetão. Por isso eu falei que você estava.

— Tá, Cacá, continua. O que ela disse para você?

Eu queria saber de tudo. Vi-me na expectativa de querer saber o que tinha acontecido. De saber a versão dela. Meu coração batia tão forte que parecia que sairia do meu peito e correria pela rua afora.

— Ela contou a versão dela do que aconteceu, ué!

— Então, me conta logo e não enrola!

Quase gritei de novo com ele, e ele não perdeu a oportunidade de me sacanear é claro.

— Tá tão ansiosa assim, é?

— Cacá, eu estou quase cometendo um “amigocídio” no meu quarto, assim que não abusa da minha paciência!

Que raiva. Ele ainda riu de mim!

Cacá contou tudo que a Aghata e a Ana falaram para ele sobre aquela época e eu já começava a pensar no quanto o destino tinha sido cruel comigo e com ela. Que saco! Sou uma idiota mesmo! Depois de tanto tempo e de tudo que eu passei, já estava imaginando as coisas que nós fizemos e a possibilidade de fazer de novo. E essa manhã? O que foi aquilo?! Eu sou tão idiota, tão idiota, que é só ela se aproximar, que meu corpo fica mole e ela faz o que quer comigo, e ainda acho que estou no paraíso! Que raiva! Mas… Mas e se… E se ela, realmente, foi passada para trás? E se, realmente, o André fez essa canalhice com ela? Coitadinha… Sacudi minha cabeça com força.

— Coitadinha, que nada!

— O quê?

— Nada, Cacá. Só pensei alto.

— Pensou alto, o quê?

Eu suspirei. Minha mente estava começando a relaxar e estava começando a querer que essa história fosse realmente verdadeira.

— Cacá,se isso for verdade…

— O que é que tem se for verdade?

— O que é que tem? Tem que ela também comeu o pão que o diabo amassou. Que merda!

Coloquei minhas mãos na cabeça desesperada.

— Se você está pensando em falar com ela, acho melhor você se apressar, porque ela disse que iria embora hoje mesmo. Disse que iria voltar para o lugar onde realmente precisam dela. Ela já estava arrumando as malas quando eu saí do hotel.

— Droga! Droga! Droga!

Mais desesperada ainda eu fiquei. Por que as coisas eram tão complicadas na minha vida? Não podia ter uma coisinha fácil para variar? Meu coração já estava pulsando no cérebro. Acho que eu nunca tomei uma decisão tão importante, tão rápido na minha vida. Costumava ponderar tudo, mas nunca consegui fazer isso com ela. Ela já me deixou louca, me deixou com raiva, me deixou triste, mas já me deu uma alegria e uma vontade de viver que ninguém mais fez. Passei a mão na minha bolsa e puxei o Cacá pela mão.

— Me leva lá.

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Ana Maria

Eu não sabia se eu sentia raiva ou pesar. Por que a vida era, às vezes, tão cruel com algumas pessoas? Estávamos, o Cacá e eu abraçados no meio de um aeroporto enorme vendo o desespero da amiga dele procurar alguém que estava tão perdido quanto ela. Eu havia dito o voo e a cidade para qual a Aghata iria, mas o avião já havia partido. Os olhos de Paula não desgrudavam do telão que passava os voos, ininterruptamente. Em seus olhos verdes brotavam lágrimas silenciosas e eu sabia que passaria muito tempo até que elas pudessem voltar a se falar. Algum dia, eu tenho certeza que elas voltariam, mas também sabia que do jeito que a Aghata saiu, ela se refugiaria em algum local inóspito e quase inacessível. A primeira vez que ela partiu, eu fiquei quase dois anos sem falar com ela, porque ela não me mandou notícias e também porque não conseguia mandar, não tinha nenhum recurso que pudesse conectá-la a humanidade tecnológica. Em outras palavras, ou ela estava no meio do mato, ou no meio do nada e não tinha nada à sua disposição para se comunicar.

Só não digo, “que desperdício”, porque o trabalho que ela fazia quase ninguém queria bancar. A verdade é que a gente fala dessas pessoas que vivem em locais miseráveis e acha uma pena que isso exista, mas são poucos que conseguem encarar. São poucos que vão à linha de frente confrontar e a verdade é que a Aghata tinha abraçado isso na vida, para dar algum sentido a tudo que a cercava. Eu não podia culpa-la, assim como não culpava essa jovem por tudo que passou e sofreu. Eu não era amiga dela, mas pelo pouco que vi era uma mulher de fibra e honra. Pessoas como Aghata e a Paula me fazem ter orgulho de ser mulher.

Apertei o braço do Cacá e o olhei. Ele entendeu meu recado e foi falar com a Paula. Ele se aproximou dela e falou baixo para não a assustar, para despertá-la.

— Vamos, Paula.

Ele segurou braço dela, delicadamente, trazendo-a para um abraço. Ela se encolheu em seu regaço e chorou feito criança. Fiquei observando os dois e reparei no rosto dele. Estava sofrido com o sofrimento da amiga.

“Meu Deus! Como estou gostando desse homem!” Me espantei com meus pensamentos, pois não pensava em voltar a amar alguém, pelo menos não tão cedo. Decidi que queria mantê-lo perto de mim, queria retornar para nossa cidade junto com ele. Só me restaria saber se ele queria isso também. Eu era mais velha que ele e dizer que isso não faz diferença, é hipocrisia. Todo mundo olharia para mim e diria que eu estaria dando alguma vantagem para ele, seja lá qual vantagem ela fosse. Não que, na minha cabeça, isso fosse verdade, mas será que ele aguentaria essa pressão? As pessoas podem dizer que se ele não aguentasse seria porque ele não me ama, mas eu sei que isso também não é assim. Tem um velho ditado que minha mãe dizia que é muito certo; “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Quanto precisaria para que furasse a integridade de Cacá? Sinceramente, eu não sei, mas nesse momento, eu não queria dar a mínima para isto. Eu não iria por em risco uma possível relação feliz, mesmo que tivesse o perigo de ruir depois. Eu não sei o que o destino me reservaria, mas também não queria acabar amargurada por não ter feito. Aproximei-me dos dois e puxei-os para a saída.

— Ana.

Pela primeira vez, depois de recomposta, a Paula falou comigo.

— Oi! Diga.

— Você me dá o email da Aghata?

— Claro, Paula!

— Você acha que ela me responderia?

Notei seu tom apreensivo e não me sentia bem em escamotear a verdade.

— Se ela conseguir acessar, com certeza ela te responderá.

— Como assim, se ela conseguir acessar?

— Paula…

Eu suspirei. Não queria dizer o que eu sabia de uma forma tão dura, mas não queria que ela tivesse esperanças de conseguir falar com Aghata tão brevemente. Contei a história, que eu sabia, de como Aghata vivia. E o que a Paula falou?

— Não me importa quanto tempo levará, só me importa saber que ela vai ler…

Sorri. Essa menina tinha garra!

Oito dias depois, eu e o Cacá estávamos retornando e nada de notícias de Aghata. Tinha encerrado minha conta no hotel e passei esses oito dias na casa da Paula com o Cacá. Nesse tempo, eu percebi porque a minha amiga tinha se apaixonado irremediavelmente por essa mulher. Aghata tinha razão. Tinha que amá-la mesmo. Se eu não fosse hetero, seria com uma mulher como a Paula que eu gostaria de passar minha vida.



Notas:



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