Em Qualquer Lugar

Capítulo XV – O que eu faço?

Aghata

Já tinha tomado meu banho e estava muito ansiosa por saber que a Paula estava na mesma cidade que eu. Eu já imaginava minha vida só e estava resignada. Mas agora isso; a Paula perto acelerava o meu coração. O destino tratou de me por próximo a ela, e meus sentimentos retornaram com toda a força. Continuava amando-a, intensamente, e só a possibilidade de me esbarrar, em qualquer esquina com ela, me deixava atordoada, sem saber o que fazer. Escutei alguém bater à minha porta e fui atender. A Ana estava junto com o Cacá, me chamando para jantar. Eu fiquei feliz, afinal eu teria a possibilidade de me explicar para um cara que, na época, confiou em mim…

— Vamos, sim. Onde vocês querem ir?

— Vamos comer aqui, no restaurante do hotel mesmo. Acho que ficaremos mais confortáveis.

A Ana comunicou.

— Está bem. Vamos descer.

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— Então ele estava em contato com o Gustavo e não falou nada para você?

— Eu não sei muito bem a história da parte dele, mas pelo que eu pude perceber em nossa discussão, o Gustavo o procurou depois que o Roberto visitou a secretaria a primeira vez junto com ele.

— Ele deu ouvidos ao Gustavo?

— Olha, Cacá, a única coisa que eu soube, através do André, é que ele achava o Gustavo mais articulado e um melhor representante para o projeto. Ele disse que sabia que eu não admitiria passar o projeto para ele, antes de assumir. Disse que queria que eu pensasse melhor a respeito da renúncia. A questão é que, por tudo que eu vivi com o André e tudo que ele me ensinou, para mim, foi uma pedrada na testa. Eu nunca imaginaria que ele se venderia, muito menos por tão pouco. Ele nunca havia se mostrado desonesto para comigo. Mas depois que eu renunciei, soube de inúmeras coisas que ele fez por baixo dos panos e nunca me disse. Isso, realmente, acabou comigo.

— Que droga de destino! A Paula amargou, eu amarguei e você também, por conta disso! Mas a Paula ficou muito mal e está muito receosa e altamente precavida. Todas as atitudes dela são pensadas e não confia em mais ninguém. Ela não consegue ser rude, mas é cética com relação às pessoas. Nem para ver os pais ela voltou mais.

Eu fiquei triste por saber que aquela garota meiga, cheia de vida e alegria tinha se fechado, em parte por minha causa. Afinal, eu a coloquei em contato com aquele sonho.

— Cacá, eu só gostaria que ela soubesse o que se passou, de verdade. Eu não tenho mais esperanças que ela volte a gostar de mim, mas saber que ela acha que eu compactuei com aquilo, me faz muito mal.

— Com toda a sinceridade, Aghata, eu acho que ela nunca deixou de te amar. Mas acho que ela ficou muito machucada, também. Hoje, antes de sair, eu conversei com ela e ela quase me mandou calar a boca.

— Aghata. – Ana falava pela primeira vez. – Eu e o Cacá queremos conversar com ela.

— Não.

— Não?!

Os dois falaram ao mesmo tempo.

— Não, eu não quero estragar o relacionamento de vocês. Já basta nós duas sofrermos. Não diga que é minha amiga, Ana. Pelo menos, por enquanto.

— O que pretende fazer?

— Eu não sei ainda, mas quero encontra-la, sem vocês se meterem. Qual o horário que ela vai para a universidade, Cacá?

— Todo dia de manhã, das oito às treze horas. Mas eu não quero mentir para ela, Aghata!

— Você não vai mentir. Só me dê até quarta-feira. Me dê dois dias apenas, se eu não conseguir me aproximar dela, aí então você fala.

— Eu não vou dar mais do que isso, Aghata. Gosto muito da Paula, para ela ficar sem querer falar comigo.

— Eu concordo com o Cacá, Aghata. A Paula está reticente demais. Não acho que se você aparecer sem mais ela lhe dará ouvidos.

— Cacá, você poderia falar com ela que me viu na cidade, em uma loja… não sei… Apenas para ela saber que eu estou por perto.

— Eu não sei não, Aghata…

O Cacá passou a mão pelo rosto, demonstrando apreensão e desgosto por enganar sua amiga.

— Cacá, pense que estamos apenas tentando acertar quatro anos de nossas vidas.

— Está bem, falarei com ela hoje ou amanhã de manhã, mas não darei mais do que até quarta-feira. Também quero voltar a ver minha amiga feliz, sem essa aura de tristeza que nunca mais saiu de seus olhos, mas não quero enganá-la.

Eu sorri. O Cacá era um cara especial e fiquei feliz por minha amiga tê-lo encontrado.

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Paula

Não conseguia dormir e já eram mais de duas horas da manhã. Sentei para terminar de ler meu livro, na varanda, quando eu vi o Cacá entrar. Algumas coisas estavam rondando a minha cabeça e eu queria saber por que ele chegou daquele jeito, na hora do almoço, e por que me disse aquelas coisas no fim da tarde.

— Cacá, você poderia vir aqui?

Ele chegou meio cabreiro e estava um pouco perturbado.

— Senta aqui, vamos conversar.

— Paula, eu…

— Cacá, só me fala o que aconteceu. Por que você está desse jeito? Eu fiz alguma coisa?

— Paula.

— A Ana fez alguma coisa para você?

— PAULA!  Eu vi a Aghata, aqui na cidade!

Uma grande granada havia caído em minha cabeça e eu desejei não ter pressionado o Cacá para me falar o que ouvi. Fiquei abobalhada, atônita e completamente fora do mundo. “Aghata aqui”? Meus pensamentos faziam tanto sentido como uma sopa de letrinhas.

— Eu vi a Aghata, em uma loja de conveniência.

— E daí?

Eu falei, mas a realidade era outra. Na minha cabeça o “e daí” era “e agora”? Passei tanto tempo achando que eu estava protegida e… e… Eu não sei mais nem o que pensar.

— Paula, você não acha que é hora de enfrentar tudo isso? Não acha que é hora de saber tudo que aconteceu e que ainda está encoberto? De saber o que houve realmente e seguir a sua vida com mais tranquilidade?

— Enfrentar o quê? E depois talvez eu nem a encontre…

— Ah! Dá um tempo! Você é muito teimosa! Eu vou dormir que é o melhor que eu faço…

— Cacá, fica. ¨¨ Eu tô com medo…

Ele voltou e me abraçou. Eu não estava só com medo, eu estava apavorada. Depois de anos, tentando me convencer que eu era uma fortaleza e que enfrentaria qualquer coisa em minha vida, o meu pequeno castelo ruiu. A verdade é que eu enfrentaria qualquer coisa, nunca mais ninguém me faria sofrer, mas a Aghata eu esperava nunca mais ver em minha vida. Ela, eu não conseguiria enfrentar nunca!

— Vamos subir. Eu fico com você até dormir.

Fomos para meu quarto e ele deixou que eu ficasse encolhida em seu colo.

Não sei que horas o Cacá saiu de meu quarto. Eu estava tão exausta das emoções que nem o vi sair. Levantei-me e fui tomar um banho e me arrumar para ir à universidade. Quando desci, o Cacá tinha feito um belo café da manhã para tomarmos. Eu já estava melhor e tomei a decisão de que nada do que pudesse acontecer me abalaria. Afinal de contas, eu era uma mulher ou uma ratazana?

— Bom dia! Eu acho que vou fazer a linha indefesa e carente mais vezes. Isso aqui tá muito bom!

O Cacá sorriu, alegre por me ver de bom humor.

— Não acostuma. Eu só tive um pequeno acesso de piedade.

— E quando for um grande acesso de piedade? Você vai me pagar um jantar com champagne?

Ele me jogou o pano de prato e nos sentamos, rindo, para comer.

— Vou à universidade, mas às duas horas estarei de volta. Você vai almoçar comigo?

— Não sei, Paula. Eu marquei com a Ana para a gente andar por aí hoje de manhã, talvez eu não volte na hora do almoço.

Gostei de saber que o Cacá estava se interessando por alguém por mais de dois dias. A Ana devia ser uma mulher legal.

— Tudo bem, mas me dá uma ligada, porque, se você não vier, eu devo dar uma passada em um grupo de leitura que estou frequentando.

— Onde é esse grupo, é lá na universidade mesmo?

— Não, é numa livraria no centro chamada “Arte, Espadas e Conquistas”. É de literatura medieval, por quê? Você quer frequentar?

— Huumm, não. Muito papo cabeça para mim. Gosto de coisas lógicas e isso é piegas demais para a minha humilde cabecinha absorver.

Ele continuava debochado e eu atirei um pedaço de pão de forma nele.

— Ei! Agressão com comida é pecado!

— Preferia que fosse a xícara?

— Você tá muito violenta. Já pensou em fazer tratamento psiquiátrico?

— Não. Desisti no dia em que vi meu melhor amigo dormindo de cara no vaso. Percebi que eu era muito normal.

— Dormir de cara no vaso depois de uma noitada é perfeitamente normal.

— No seu mundo, com toda certeza, é.

Levantei, peguei a minha bolsa e uns papeis do mestrado.

— Você é perversa, pois joga com meu lado frágil.

— Isso não é fragilidade, é sem vergonhice.

Saí, rindo dele.

Aghata

O Cacá foi ao hotel de manhã e disse que a Paula estaria na faculdade e depois iria para um círculo de leituras, em uma livraria. Saí e dei um passeio pela cidade a esmo, só para conhecer, almocei e já passavam das três horas da tarde. Quantas horas um círculo de leituras poderia levar? Fui para a livraria para me encontrar “casualmente” com ela. Rondei pelas prateleiras e me interessei por um romance de uma guerreira grega. Peguei o livro, fui até o balcão para pagar e obter informações.

— Você tem algum lugar em que eu possa ler aqui mesmo e tomar um café?

— Sim, temos essa pequena cafeteria aqui ao lado do balcão.

Ele apontou.

— Disseram-me que vocês tinham salas para leitura.

Joguei para saber de onde ela sairia.

— Ãh… Não. Nós não temos salas para leituras individuais. Temos círculos de leitura que funcionam, diariamente, ali.

Ele apontou uma porta no outro lado do balcão.

— Mas hoje já começou, se quiser participar começam todos os dias às quatorze.

— Ok! Obrigada, por hoje, eu me contentarei com as poltronas na cafeteria.

— Fique à vontade.

— Obrigada.

Despedi-me do rapaz simpático e fui me sentar em uma poltrona que dava livre acesso a visão da porta das salas.

Fiquei lendo a tarde toda, já tinha tomado uns três cappuccinos e um expresso. Passavam das seis e meia da tarde e apesar de, até ter me interessado pelo livro, ele já estava molhado de suor das minhas mãos, tamanho o grau de minha ansiedade. Vi a porta se abrir e as pessoas saírem do reservado. O que quer que eu tenha pensado anteriormente, se perdeu por completo na minha mente perante a visão da mulher que povoava meus sonhos e esperanças, minhas tristezas e alegrias durante anos. Só encontrava alento nos sorrisos de homens, mulheres e crianças esquecidos por toda a humanidade, que necessitavam da minha ajuda e meus conhecimentos médicos. Mas a simples visão da mulher mais bela e brilhante, que eu conheci em toda a minha vida, enchia meu coração de calor.

Fechei o livro de súbito, quando a vi se despedir de todos e se encaminhar para as fileiras de prateleiras da livraria. A livraria estava vazia, pois estava praticamente fechando. Andei entre as prateleiras, observando fascinada a graça e suavidade de seus gestos, seu sorriso ao ver um livro pelo qual se interessava. Ela caminhava para o final do corredor em que estava e eu a acompanhava do outro lado da prateleira, quando ela virou a esquina do corredor, nos encaramos. Seu olhar era de assombro e deixou que seu livro caísse no chão. Meu medo era que ela corresse, mas estava estática, talvez pelo imprevisto de nosso encontro.  Abaixei devagar e peguei o livro, que havia caído, para entregar-lhe.  Que grata surpresa quando o entreguei, o titulo era o mesmo do livro o qual eu lia.

— Intrigante personagem; ela é forte, mas entrega seu coração rapidamente à fragilidade dos amantes.

Ela deixou o livro em minhas mãos e precipitou a retornar pelo corredor, sem dizer qualquer coisa. Segurei seu braço e a trouxe para perto de meu corpo, eu queria abraça-la, beija-la. Deixei o livro cair, passei um de meus braços por sua cintura e com a outra mão, segurei sua nuca trazendo sua boca para perto da minha. Sussurrei entre seus lábios.

— Corri o mundo atrás de sua lembrança. Só quero que você saiba que nunca te traí, nunca quis te magoar e ainda hoje, te amo com todas as minhas forças.

Beijei-a e seu corpo tremia em meus braços. Nossas bocas se uniram em um beijo sôfrego e cheio de promessas. Mas ela se desvencilhou, de repente, me deixando órfã de seu acalanto e correu para fora da livraria. Não a segui. Apesar da forma, aparentemente, segura com que agi, eu estava muito nervosa, minhas pernas estavam bambas e minha mente estava embotada pelos sentidos que o beijo despertou em mim. Como eu podia amá-la ainda mais? Era tão forte o que eu sentia que parecia que ela estava dentro de minha alma. Ao mesmo tempo em que era maravilhosa a sensação, eu sentia medo pela falta dela. Voltei para o hotel, mas antes liguei para o celular de Ana, pedindo que me encontrasse lá. Quando cheguei, o recepcionista disse que Ana e o Cacá estavam me esperando no restaurante.

— Boa noite.

— Você a encontrou?

O Cacá perguntou agitado.

— Sim. — Eu sorri.

— E como foi? Fala logo!

A Ana sempre impaciente.

— A abordei na livraria e a beijei.

— Você o quê?!

Os dois falaram, ao mesmo tempo, quase gritando, chamando a atenção de todo o restaurante.

— Vocês querem falar baixo.

Senti-me como se estivesse nas nuvens e contei toda a história.

— Aghata, não leva a mal não, mas você está brincando com os sentimentos dela. Ela está muito mexida desde ontem; você aparece do nada e ainda dá um beijo nela para ela pirar mais ainda!

— Cacá, eu não quero que ela fique mal, mas quero que ela pense no que se passou conosco com outros olhos. Tá certo! A parte do beijo, eu confesso, que posso ter exagerado, mas…

— Mas?

— Eu não resisti. Ela está mais maravilhosa do que antes e eu a amo muito!

Acho que o Cacá estava rindo da expressão de imbecil que eu tinha no rosto, mas não me importava em absoluto.

— Amanhã eu tenho uma entrevista com ela na universidade.

— O quê?!

Os dois gritaram novamente.

— Shii, vocês querem falar baixo! Estão me matando de vergonha.

— Você tá maluca? Ela não vai te receber.

— Vai sim, pois eu marquei, diretamente, com o reitor dela. Disse que era médica sanitarista, — o que não é mentira, hoje em dia eu sou médica sanitarista — e disse que era biomecânica também. Falei que havia assistido a uma palestra dela há um ano, isso também não é mentira, eu realmente assisti, mas ela nunca soube. E que me interessei em um método de aprendizagem motora que ela havia descrito. Falei que fazia trabalhos comunitários e que era muito importante para eu falar com ela, mas só teria amanhã, pois iria embora no dia seguinte. Ele se convenceu e mandou a secretária marcar na agenda dela a entrevista.

— E o que você pretende falar? “Oi Paula! Quanto tempo! Você sabe que errou na opinião a meu respeito e eu vim aqui para esclarecer!”

— Não sei, Cacá, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Se ela não me ouvir, se achar ainda que sou uma cafajeste, eu tiro meu time de campo e vou embora, mas não quero viver com a impressão de que eu poderia ter esclarecido tudo e não o fiz.

— Gente, eu não sei quem é mais cabeça dura, você ou ela.

— Só queria pedir para você ir hoje para casa, pois realmente não sei como ela ficou. — Nem precisa pedir, já estava pensando nisso.



Notas:



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