Gabrielle estava próxima a lateral direita da entrada da cova de Bacco, despejando sorrateiramente um pó que ela, Eve e Xena haviam moído a partir de um minério à base de enxofre. Haviam achado este minério no topo da montanha que abrigava a cova, que ficava em uma base de morro vulcânico. E, o minério se encontrava em abundância, porém misturado com outros componentes, de forma correta, daria uma boa cortina de fumaça. Eve espalhava o pó no outro extremo da entrada. Quando terminaram, cada uma esperou com paciência o sinal de Xena.
Olhavam para cima do morro escondidas e atentas. Num dado momento, as duas viram uma luz intensa, que provavelmente vinha do reflexo do sol contra a espada de Xena. Ambas começaram a acender a cortina feita com o pó, golpeando pedras de pirita.
A cortina de fumaça se inflamou e os guardas da frente da cova gritaram para seus companheiros acudi-los. Quando saíram da entrada da cova para averiguarem a fumaça vinda das laterais, Eve e Gabrielle se esgueiraram pela entrada da frente. Entraram em silêncio e cada uma se postou atrás de uma coluna de rocha para observar o ritual.
Xena sabia que o ápice se daria no auge do solstício de inverno. Teriam que esperar mais uma marca.
Eve e Gabrielle se aproximaram e conseguiram ver as pequenas Xena e Gabi. Ambas estavam amarradas por cordas e Eve arregalou os olhos vendo sua filha de cabeça baixa. Gabrielle colocou a mão no ombro de Eve e fez um sinal com o dedo indicador nos lábios para que ela se acalmasse e fizesse silêncio. Eve baixou a cabeça, esmorecida. Gabrielle tocou novamente no ombro de Eve e apontou para o alto da cova, bem próximo à cúpula acima das fontes.
Eve olhou e viu sua mãe à espreita, as observando intensamente por trás de uma rocha. Eve assentiu com a cabeça para deixá-la tranquila. Xena conseguira entrar pela abertura do alto que a filha havia encontrado.
Ouviram um rumor vindo de trás, a partir da entrada. Se espremeram atrás da coluna de rochas e quando os guardas passaram, elas os agarraram pelo pescoço para que não fizessem barulho e os desacordaram. Tiraram suas roupas e vestiram-se com elas. Entraram no campo de visão de todos, como adoradores da seita. Gabrielle se dirigiu para o lado onde as crianças estavam e Eve para o lado oposto, onde se encontravam um sacerdote, alguns guardas e um homem que parecia ser de alguma importância para a cerimônia.
Gabrielle olhou para o lado em que Eve se postara e percebeu quem era o homem em pé ao lado do sacerdote.
“É ele!” — Pensou. — “Kiwi”
Gabrielle olhou para cima e seus olhos se encontraram com os de Xena, ela assentiu ligeiramente com a cabeça, dando a entender que já havia visto. Xena tinha uma visão privilegiada de cima e conseguia espreitar cada passo dos seguidores de Bacco e Yodoshi.
O sacerdote começou a preleção do ritual. Kiwi se aproximou da fonte da esquerda, onde Gabrielle estava. Ela sentiu um pequeno puxão em sua vestimenta e olhou para baixo. A pequena Xena a reconhecera e estava olhando diretamente para ela. Um frio percorreu a sua coluna com receio que a menina falasse algo. A pequena Xena sorriu e colocou o dedinho nos lábios em sinal de silêncio. Gabrielle sorriu com a sagacidade da menina, retribuiu o gesto para confirmar o que a menina havia expressado. A pequena Xena apenas assentiu com a cabeça.
Gabrielle agora olhava a fonte em que Kiwi havia se colocado ao lado. Observou também os guardas e suas posições. Alguns tinham a fisionomia de ocidentais, mas uma grande parte também tinha a fisionomia de homens vindos da terra do sol nascente. “São samurais”. — Pensou. — “Esses não serão tão fáceis de nos ocupar, são exímios guerreiros”.
Alguns dos guardas que estavam do lado de fora da cova e tinham ido averiguar a fumaça, retornaram e um deles se colocou ao lado de Kiwi para falar com ele. Kiwi levantou a cabeça e lançou um olhar para observar todo o salão. Gabrielle e Eve baixaram discretamente a cabeça sob a proteção das vestimentas que haviam roubado dos guardas. Kiwi voltou a falar com o guarda e passou novamente o olhar pelo salão antes de se voltar novamente de frente para a fonte. O guarda se retirou levando consigo um grupo de guardas para a porta da cova.
Gabrielle varreu o salão mais uma vez para ver se encontrava algo que pudesse ajudá-las ou ainda atrapalhá-las. Voltou-se novamente para olhar Kiwi e agora percebeu que a espada que ele carregava era na realidade a “Katana Sagrada” pela qual Xena havia morto Yodoshi anos atrás. Soube no mesmo momento que ela seria utilizada no ritual para trazê-lo de volta. Olhou para Eve e fez um sinal com os olhos para ela olhar a Katana. Eve não soube bem o que ela queria dizer, mas entendeu que a “espada diferente” era alguma chave importante naquela cerimônia.
Nesse momento, o sacerdote aumentou a voz e o ritmo do cântico que proferia e Kiwi sacou a Katana de sua bainha e segurou-a no alto, acima de sua cabeça. Um volume inicialmente sem forma começou a surgir da fonte a frente de Kiwi e outro começou a surgir da fonte a frente do sacerdote. O sacerdote tinha em suas mãos uma adaga e a mantinha também no alto para que todos pudessem ver.
Tanto o sacerdote como Kiwi se viraram para o grupo de presos e dois guardas se apressaram para pegar duas crianças e encaminhar uma para cada fonte. Xena saltou do alto e caiu sobre o sacerdote, desacordando-o. Kiwi, percebendo o ataque, segurou uma criança que estava próxima à fonte para adiantar o ritual e trazer Yodoshi de volta. Gabrielle sacou os seus Sais para impedi-lo e se arremeteu em sua direção. Ainda percebeu o início de uma batalha, mas não tinha tempo a perder para se inteirar da situação. Xena e Eve lutavam com os guardas.
— Eve! — Chamou Xena em meio a golpes desferidos para afastar os guardas da fonte e do sacerdote. — Pegue os presos e tire-os daqui!
Eve agora lutava para chegar perto das crianças e moças que se mantinham espremidos num canto, aterrorizados. Gabrielle alcançou Kiwi e começou a desferir golpes com os Sais.
— Você! — A expressão do rosto de Kiwi era de ira.
Ele soltou a criança e arremeteu a Katana em direção a Gabrielle, que se esquivou do golpe e segurou a Katana entre os Sais.
— Se não desistir agora Kiwi, dessa vez não acabará tão bem. — Disse Gabrielle
— É. Não acabará bem e será para você! — Manejou a Katana, se desvencilhando dos sais e lançou mais um golpe que foi prontamente interceptado por Gabrielle.
Xena combatia os guardas habilmente, enquanto Eve reunia os prisioneiros para retirá-los da cova. Mais guardas chegavam e avançavam para conter Xena. O que não era percebido, é que com a energia gerada da luta, as massas estavam tomando forma nas fontes e cada vez mais se aproximavam da composição de corpos reais. A agressividade, ira e o calor da batalha, nutriam as fontes de energia que traziam os corpos de Yodoshi e de Bacco à vida terrena, sem necessitar de sacrifícios humanos.
Gabrielle se desequilibrou com um impacto da Katana quando deu um passo para trás num desnível. Kiwi, aproveitando a oportunidade, projetou seu corpo para frente, para arremeter mais um golpe enquanto Gabrielle estava caída no chão; nesse momento, a pequena Gabi se separou do grupo guiado por Eve e se pôs agachada na frente das pernas de Kiwi, fazendo-o cair também. Gabrielle se recuperou, puxando a garota e a empurrando de volta para o grupo. Xena se aproximava de Gabrielle, ainda contendo os soldados.
— Gabrielle! Temos que matar Yodoshi antes que ele faça a passagem!
Gabrielle chutou o rosto de Kiwi antes que ele se recuperasse da queda, seu corpo foi lançado de costas no solo e Gabrielle desferiu um golpe com a ponta dos Sais direto em seu peito. Paralisou ao olhar a vida esvaindo do corpo que havia transpassado com sua arma. “É mais uma vida que se perde inutilmente por minhas mãos” — Pensou.
— Gabrielle, por favor! Não posso segurar os guardas por muito mais tempo!
Gabrielle saiu da catatonia, pegou a “Katana Sagrada” das mãos de Kiwi, se dirigiu a fonte onde a passagem de Yodoshi já estava quase completa e antes que ele pudesse sair da fonte, girou o corpo fazendo girar a Katana no ar e cortou a cabeça de Yodoshi com um grito de cólera.
Os Guardas Samurais ao verem seu mestre sendo morto, pararam o ataque e dispersaram, dando a Xena melhores condições de avaliar o salão da cova. Olhou a fonte em que Bacco seria trazido e um grande urro ressoou no ar. Bacco estava de volta.
Os seguidores de Bacco se reuniam para atacá-las. Viu que Eve já havia saído com as meninas e as crianças. Segurou Gabrielle pelo braço, puxando-a rapidamente em direção à saída.
— Vamos embora agora, Gabrielle! — Gritou.
— Mas e Bacco?
— Primeiro o primeiro, Gabrielle. — Continuou puxando-a e correndo. — Temos que tirar as meninas e crianças e deixá-las em segurança.
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— Mãe, e agora o que faremos? Bacco retornou. Como vamos mandá-lo de volta ao etéreo?
Já estavam a meio-dia de distância, afastadas da cova de Bacco e acampadas com as crianças. Xena olhou em volta, vendo as caras assustadas e com fome. Gabrielle havia saído para caçar algo para comerem.
— Eve, você vai ter algum trabalho para deixar essas crianças com suas famílias. Deixe que eu e Gabrielle nos encarreguemos de Bacco.
— Mas, mãe!
— Não tem nenhum “mas”, Eve. Alguém tem que levá-los e achar alguma família para eles. Somos uma equipe, não somos?
— Eu sei, mãe, mas minha filha e a pequena Gabi foram raptadas, estavam dormindo quando eles as pegaram, não viram o que aconteceu no rancho. Talvez hoje, você, Gabrielle e as meninas sejam a única família que me restou…
— Eu sei… Eu sei… — Xena apenas olhou a filha com carinho. — Eve, talvez agora você esteja pensando que as coisas estão muito complicadas, mas depois que você fizer a sua parte e nós a nossa, as coisas voltam a ficar mais claras…
A cabeça de Xena estava a um milhão por hora. Conseguira conter os guardas para que, tanto Eve quanto Gabrielle, desempenhassem os seus papéis como havia planejado. Mas olhando agora para sua filha e o desespero em seus olhos, pensando que talvez seu marido e amigos não estivessem mais vivos… Não sabia se tinha planejado tão bem.
“E Gabrielle?” — Pensou. — “Deuses ela está tão abatida… Será que havia feito a escolha certa?”
Não sabia mais. Gabrielle lutou durante dez anos sem ela, achava que já havia se acostumado a perdas e a matar. Mas não. Via que Gabrielle ainda se abatia muito por tirar uma vida.
“Esse definitivamente não é caminho de Gabrielle.” — Pensou Xena de cabeça baixa.
Gabrielle chegou ao acampamento mais animada.
— Consegui caçar uma corça, mas terão que me ajudar a destrinchar, limpar e assar para esse pequeno bando de gente!
— Tia, eu te ajudei, não foi? Fale para elas, elas não estão acreditando em mim! — Falava efusivamente a pequena Gabi, se lançando no pescoço da tia.
— Foi, sim, meu amor. — Gabrielle abraçava a menina, imaginando o que havia acontecido com sua sobrinha Sarah, Virgil, sua irmã Lila e Abdias.
— Gabrielle, não estimula essa menina mais. Ela já acha que pode sair por aí fazendo o que quer! — Repreendeu Eve.
— Não estou estimulando, Eve. Mas a verdade é que se ela não tivesse interposto entre mim e Kiwi, quando caí na batalha, talvez as coisas não tivessem saído tão bem assim… — Falava Gabrielle com pesar.
— Como? — Perguntou Xena incrédula.
— Quando estava lutando com Kiwi, não percebi o desnível do solo. Dei um passo em falso e caí e ele quase me golpeou. A verdade é que naquele momento, me passou pela cabeça, tudo que houve em Higuchi e eu desconcentrei. Se Gabi não tivesse se interposto, desequilibrado Kiwi, se eu não a tivesse visto ali a mercê daquele homem, eu não voltaria a mim. — Gabrielle falava com desalento.
Xena se sentou ao lado de Gabrielle.
— Eu pensei que você estivesse se sentindo mal por tê-lo matado!
— Xena, ainda hoje, eu continuo achando um desperdício a morte, mas…
— Mas…
— Hoje, eu dou mais valor à vida quando livro pessoas assim… — Gabrielle apontou as crianças — da morte …
Xena a abraçou forte. A pequena Gabi ainda estava no colo de Gabrielle.
— Tia Xena, solta! Você tá me sufocando!
Todas riram juntas.
— É que a tia Xena ama muito sua tia Gabi. — Disse Eve, rindo.
— Eu sei. Também amo a tia, mas nem por isso eu fico sufocando ela! — Disse Gabi irritada.
— Tem certeza que ela não é minha neta e a pequena Xena, sua sobrinha? — Disse Xena com um largo sorriso.
— Eu sou sobrinha da tia Gabrielle, tenho o mesmo nome que ela! — Falou com falsa irritação.
Todos riram novamente.
— Vó Xena! — Chamou a pequena Xena.
— Que foi, meu anjo?
— Eu não lutei, mas ajudei mamãe a levar todo mundo para fora!
— E você fez muito bem, meu amor. A mamãe precisava de ajuda. — Xena pegou a pequenina criatura, cingindo-a ao peito e acariciando seus cabelos.
Gabrielle observava Xena e suas atitudes. “Por Eli, como a amo. Ela não tinha essas atitudes com ninguém, exceto comigo. Como ela mudou… Como ela aprendeu a expressar seu amor…”
Xena sorria e acariciava sua neta em seu colo.
Obrigada pela atualização
Um ótimo dia pra vc Carol
Oi, Blackrose!
E eu agradeço pelo carinho de sempre.
Um bom fim de semana para você e sua família!
Beijão!