— O que está acontecendo?!…
Em segundos, Lady Líberiz estava com um punhal cingindo a garganta da mulher.
— Quem é você?
Fira perguntou, pressionando o punhal, abrindo um corte de leve na pele da cativa.
Havia segurado uma das mãos de Divinay e num giro prendeu nas costas, imobilizando-a. Colou o corpo junto a ela, não dando espaço para a outra escapar. Uma gota de sangue escorreu pelo pescoço e a acompanhante de Fira grunhiu com a dor.
— Eu que pergunto! Quem é você? – A mulher questionou, assustada.
— Você não me enganou em momento algum, desde que se aproximou e começou a conversar comigo. Sabe quem sou e começou a falar sobre a opinião, a vontade do povo e, também, em como o rei, condes e duques veem a política. Por quê? Se eu não achasse que não fosse um gesto de muita estupidez, seria capaz de jurar que faz parte do grupo “Rélia” que vem roubando os silos de grãos e os arsenais dos condados.
— Sim, seria estúpido! – Divinay se apressou em falar. – Eu não faço parte do “Rélia”. Só sou uma idealista…
Divinay grunhiu novamente e a respiração acelerava. Fira havia apertado mais o punhal, abrindo um talho maior no pescoço dela. Tomava cuidado para não ferir a traqueia, ou perfurar uma artéria. Continha-se para que o corte fosse apenas superficial.
— Você tem duas alternativas: uma é me falar quem é e me dizer por que veio falar comigo todas aquelas coisas; e a outra, é morrer neste penhasco, depois que eu lhe empurrar.
— Você não teria coragem…
Divinay argumentou, tentando enfraquecer a coragem de Fira e ganhar tempo para se soltar, mas a duquesa não dava trégua. Rasgou mais a pele, num corte superficial. A amiga de Bert não teria chances e começava a ver que Lady Líberiz não era a mulher passiva e induzida pelos condes, como ela imaginara.
— Está bem! Cuidado com esse punhal! – Reclamou desesperada. – Eu sabia quem era você, mas não tenho nada a ver com esse grupo rebelde!
Fira inspirou fundo, tentando conter a vontade de empurrar aquela mulher penhasco abaixo, para que fraturasse o pescoço. Inventar uma desculpa, não seria problema.
“Por que as pessoas não acreditam no que eu falo? Se ela não faz parte do grupo Rélia, eu não sou a soberana de Liberiz.”
— Tudo bem. Já que foi, em parte, sincera comigo, serei metade condescendente com você.
Num movimento rápido, Fira retirou o punhal do pescoço de Divinay e cravou-o em uma de suas coxas, retornando a lâmina, logo em seguida, para o pescoço. A mulher gritou, ecoando pelo vale um som estridente de dor. Ela tentava se ajoelhar, mas Fira travava firme o braço nas costas. Se Divinay sucumbisse à dor e fosse ao chão, o ombro dela deslocaria.
— Pode gritar à vontade. O som da casa de Bert está alto e observei que viemos bem distante. Era por isso que eu estava olhando para o rancho de Bert e Maia. Queria ter certeza de que ninguém nos incomodaria e que seus gritos não chegassem até lá. Também não se preocupe que alguém nos procure, pois vi que seus amigos imaginaram que viríamos nos divertir.
— Você é louca!
Gritou a mulher, ainda arfante pela dor. Fira revirou os olhos. Tinha convicção de que a outra escondia algo, mas o quê?
— Não sou louca e você sabe. Vou perguntar pela última vez e pense bem na resposta, pois não sou mulher de descumprir o que prometo. Se conhece tanto de mim e de política, sabe que estou sendo verdadeira, certo? – Sacudiu a mulher pelo braço, arrancando outro grito dela. – Devo dizer que, neste pouco tempo, a minha curiosidade aumentou. Então me diga: quem é você, por que se aproximou de mim e qual a sua posição no “Rélia”?
Vendo que a mulher se calara, travando uma luta interna entre se denunciar e morrer, Fira resolveu estimular a tomada de decisão dela.
— Está bem. Já chega! Se não quer me contar nada, também não viverá para contar essa nossa conversa para seus companheiros.
Torceu o braço da mulher, ainda mais, e o tracionou para cima. Certamente a dor do ombro e da coxa ferida, impediriam Divinay de correr, facilitando Fira empurrá-la na direção do penhasco. Como imaginou, conseguiu conduzi-la até a borda sem problemas.
“Pelos sete infernos! Como as pessoas são teimosas! Vamos lá, Divinay, abra a boca. Não gostaria de lhe matar. Seria um desperdício de tempo e vida…”
Firapensava, enquanto solavancava o corpo quase sem forças, na borda do escarpado.
— Está bem! Está bem! Eu faço parte do Rélia, mas não lutamos contra você!
A mulher gritou para impedir a ação de Lady Líberiz.
Fira sorriu de lado, satisfeita. Agora poderiam conversar sem jogos. Afrouxou a pegada e a trouxe de volta para a segurança do platô. Caminhou com ela até uma árvore caída e jogou-a no chão para que se apoiasse no tronco. Seguramente Divinay não tentaria fugir, e mesmo que o fizesse, não teria condições de correr. Caso conseguisse, poderia enviar soldados para prendê-la. Havia se denunciado como integrante de um grupo rebelde e isto era suficiente para validar os atos da soberana.
Fira se sentou em uma pedra de frente à Divinay, esperando que ela se refizesse. A rebelde estava arfante e trazia muita dor estampada no rosto. O braço encolhido junto ao peito, indicava que talvez estivesse com ele deslocado. A outra mão estava sobre o corte da coxa.
Lady Líberiz avaliou seu feito. Correu os olhos por todo corpo de Divinay e viu que ela sangrava muito na coxa e a mão que pressionava o corte, também estava coberta de sangue. “Acho que exagerei”. Levantou-se e viu a mulher se retrair.
— Calma. Como eu falei antes, sou uma mulher de palavra. Não vou lhe matar… por agora.
Agachou ao lado de Divinay e retirou a barra da camisa dela de dentro das calças. Rasgou a borda e passou o pedaço de pano sobre o corte, apertando forte. Estavam próximas e Divinay pode ver o rosto de Fira, enquanto a ajudava no curativo improvisado. Já tinha visto Lady Líberiz em audiências públicas, mas normalmente o povo era mantido à distância, dificultando a definição dos traços do rosto dos nobres. Ela era muito mais bonita do que se lembrava. Começou a gargalhar, levando Fira a olhar para ela atravessado.
— O que há de tão engraçado?
Após fazer a atadura na perna e uma tipoia improvisada com um pano de seu alforje, se afastou e voltou a se sentar na pedra outra vez. Estava irritada, pois a rebelde não parava de rir. Esperou, pacientemente, que o ataque da outra passasse. Não ficaria se debatendo com a sua cativa. Quando Divinay se acalmou, olhou Fira nos olhos e falou:
— Como eu sou estúpida. Um dia, um grande amigo me falou que a arrogância e a vaidade são os piores defeitos de um ser humano. Elas nos levam a outros defeitos e acabamos cometendo erros terríveis, que podem nos levar à morte. Eu tinha isso como uma regra e sempre fui cautelosa. Quando você me deu assunto na casa de Bert, fiquei envaidecida, afinal, Lady Fira Líberiz estava correspondendo às minhas investidas e olhares. Imagina se a duquesa se interessaria por uma camponesa como eu?! – Voltou a rir.
Fira reparava na mulher e sorriu com as palavras dela. Divinay estava enganada, outra vez. Todos com quem a duquesa já havia se deitado eram homens e mulheres comuns. Nunca ficou com nobres, guardas e oficiais de exército, sendo Rogan a única exceção.
Era verdade que nunca dormiu com ninguém do próprio ducado. Quando sentia necessidade, fazia alguma viagem para outros ducados para espairecer. Misturava-se em festas comemorativas e sempre acabava com alguém enfiado em sua cama à noite.
— Não se menospreze, Divinay; você é uma mulher muito interessante. Certamente se não falasse tanto de política e com um discurso revolucionário, teria minha atenção de outra maneira.
— Desculpe-me, Lady Líberiz, mas do jeito que conduziu a coisa toda, eu custo a acreditar.
— Então você não é tão perceptiva quanto eu pensava. A minha questão com você não era por discordar de suas ideias, desgostar de suas atitudes, ou achá-la inapropriada para estar comigo. Foi apenas porque você estava insistente na conversa. Não pense que vejo as ações do “Rélia” como pura rebeldia ou rebelião.
— Quer me convencer de que não acha que somos rebeldes? É uma mulher inteligente, sem dúvida, mas depois do que me fez sofrer ainda há pouco, e diz que foi só por uma conversa política?
Fira sorriu. A sua cativa estava retraída. Divinay queria ganhar tempo. Percebeu que Lady Líberiz não a deixaria ir, sem saber tudo o que queria.Fira avaliava seu próximo passo.
— Mapeei os movimentos de vocês. Nunca roubaram de um condado próspero e avançado. A ação de vocês sempre atingiu condes que sacrificam seus vassalos e fazendeiros e não dão suporte em troca. Os fazendeiros e pessoas comuns nunca foram assaltados e somente os silos dos condados, depois de negociados os grãos.
Fira se calou, observando as reações da amiga de Bert, que baixou a cabeça, sem responder à ponderação da duquesa. Lady Líberiz resolveu continuar a explanação para ver se conseguiria alguma palavra da rebelde.
— A cidadela também nunca foi assaltada, pois a maioria dos silos de lá pertencem ao livre comércio; e os fazendeiros que se dispõe a negociar por um bom preço, frequentam os pregões. Alguns fazendeiros saem de seus condados e arriscam serem abordados e roubados nas estradas, para poder negociar melhor e ter uma vida mais decente no resto do ano. Soube, também, que alguns fazendeiros de Avar sofreram emboscadas na estrada há três meses, mas foram “ajudados” por um grupo armado não identificado.
Divinay sorriu ao escutar o discurso da soberana. Ela era eloquente e direta. A rebelde tentava entender a cabeça de Lady Fira. Até bem pouco tempo, achava que ela era uma mulher mimada e que queria enfrentar a Assembleia para tomar o trono por puro capricho. Mas depois que assumiu, Divinay viu a duquesa tomar decisões em prol do povo que contrariava a vontade até mesmo de seus condes mais fortes.
— Impressionante. Quer que lhe dê os parabéns por entender a forma como o “Rélia” funciona? – Respondeu debochada.
— Não. Nesse exato momento, eu quero que fique calada.
Levantou se aproximando da outra, que tentou levantar para ensaiar uma fuga, mas não conseguiu, devido às dores e ferimentos.
– Não vamos começar de novo, Divinay. Fique quieta e… sinto muito por isto, mas preciso saber muita coisa de você.
Bateu na cabeça da mulher com uma pedra que havia pegado no chão assim que levantara. Foi até sua égua, pegou cordas no alforje e retornou, prendendo os braços e as pernas da rebelde. Pegou o casaco que trazia pendurado na sela e amarrou em volta da cabeça da cativa para que se ela acordasse, não visse para onde Fira a estaria levando.
***
— Desçam o passadiço! Lady Dotcha está no portão principal! – Um guarda gritou do balaústre da muralha.
Já era tarde. Ao escutar o alvoroço no pátio, Rogan se encaminhou até a sacada do quarto. Viu Fira rebocando um cavalo com um corpo atravessado na sela.
— Pelos Deuses! O que Fira está fazendo?
Saiu correndo, descendo as escadas externas, em direção ao pátio. Quando chegou, Fira já havia apeado e mandado que prendessem a mulher desacordada, num quarto sob vigilância.
– O que está havendo? -Perguntou Rogan, vendo que os seus soldados estavam cumprindo as determinações de Fira.
Ordenara, há algum tempo, ao grupo de soldados e servos do castelo de pedras, que obedecessem a “Lady Dotcha”. Todos, sem exceção, tinham sido contratados em um reino longe de Alcaméria. Rogan tomara cuidado para contratar somente pessoas que tinham laços de família bem fortes e que passavam necessidade. Desta forma, se disporiam a seguir com ela para uma terra distante. O soldo que recebiam era maior do que a maioria dos soldados comuns conseguiam, assim não faziam perguntas e cumpriam tudo sem se importar quem eram as suas contratantes. O dinheiro vinha de Lady Líberiz.
— Podemos dizer que houve um incidente. Vamos entrar que explico tudo. Dependendo do que essa mulher venha a nos falar, ou teremos uma cativa aqui, ou uma aliada.
Rogan não gostara da novidade, mas queria escutar de Fira o que ela estava aprontando, antes de se posicionar.
Lady Líberiz era uma mulher habitualmente desconfiada. Não queria ser importunada ou que servos escutassem a conversa das duas. Dirigiu-se diretamente para o quarto que fora dedicado a ela naquele castelo, dois dias antes. Entraram e, enquanto Rogan se sentava em uma das poltronas, Fira chamou um dos guardas.
— Temos algum curandeiro no castelo? – Perguntou ao homem que, pelo uniforme, parecia ser um oficial.
— Temos sim, milady.
— Mande-o vir aqui.
— Sim, senhora.
Logo que fechou a porta, Rogan a questionou impaciente.
— Fira, quem é a pessoa que trouxe? Sabe que não podemos nos arriscar a sermos reconhecidas, ou mesmo, sermos vistas juntas.
Lady Líberiz estava por um triz. Previa uma longa discussão com Rogan e ainda teria que voltar naquela noite para o castelo de Líberiz. Não dormiria nada; e na manhã seguinte, teria uma reunião da Assembleia com consulta pública.
— Por favor, Rogan, compreenda. Tudo aconteceu de repente e tinha que tomar uma decisão. Deixe o curandeiro chegar para que eu lhe dê instruções e então, conto a você o que ocorreu. Não quero ser interrompida por ninguém.
Estava de pé no meio do quarto e passou a mão pelos cabelos. Sentia que uma dor de cabeça se aproximava. Caminhou até a mesa e viu uma garrafa de vinho com duas taças. Sorriu ao lembrar que na outra noite, Rogan fizera tudo para agradá-la e conquistá-la, mas nada fora tocado, pela forma como as coisas aconteceram entre elas. Abriu a garrafa e derramou o vinho nas duas taças, levando uma delas até sua sócia. Bebeu um grande gole, tentando relaxar.
Rogan observava a forma de Fira agir e deduziu que ela estava agitada e tensa. Imaginou que a pessoa que trouxera tivesse feito, ou visto algo, que denunciasse o esquema das duas.
Mas como?
Bateram na porta e Fira atendeu.
— Milady.
Um senhor de barba a cumprimentou e fez uma leve reverência.
— Qual o seu nome?
— Me chamo Zavas, senhora.
— Zavas, quero que vá até o quarto da mulher que eu trouxe para o castelo e a atenda. Amanhã à noite estarei aqui para vê-la e a quero em condições de conversar comigo. Peça para os soldados entrarem com você e desamarrá-la. Diga que está lá para tratá-la, mas não quero, em hipótese alguma, — enfatizou as palavras — que diga onde ela está, ou a deixe falar algo, mesmo que para isso tenha que amordaçá-la, entendeu bem?
— Sim, minha senhora.
— Se acaso ela ficar nervosa…
— Pode deixar, minha senhora. – Interrompeu o homem. – Eu sei como lidar com cativos. Se ela for uma ameaça ou falar demais, eu tenho umas ervas sedativas que podem fazê-la dormir.
Fira sorriu. Gostou da postura do curandeiro. Um homem sem curiosidades, sem perguntas e sem questionar seus patrões.
— Obrigada.- Dispensou-o, fechando a porta logo em seguida.
Rogan a olhava e Fira sabia que tinha que lhe dar uma explicação. Inspirou fundo e se sentou na poltrona ao lado. Discorreu, sem detalhes, em como foi parar na casa de sua escudeira para o aniversário de casamento. Após, contou com mais detalhes sobre a abordagem de Divinay e tudo que ocorreu, culminando na ida dela para o castelo com a mulher desacordada.
— Pelos deuses, Fira! Por que não empurrou a mulher do penhasco?! – Rogan falou mais agressiva do que queria. – Ela já tinha dado a informação que queria e em nada nos ajudará no nosso plano, pelo contrário. Agora temos que vigiar alguém que não nos interessa.
— Ela não me deu todas as informações que eu queria. Era uma questão de governança! – Falou enfática.- O que acha em ter um grupo rebelde, assolando as terras e minando a confiança do ducado? Eles não sabem onde pisam e atuam apenas com o pé nos ideais. Eu não posso fechar os olhos para quem sou! Governo Líberiz e tenho que cuidar das questões internas também. Se no meio disso tudo que estamos planejando, eu largar o governo de mão, em breve não terei motivos para levar nosso plano adiante.
— Sim, é uma questão de governança, Fira. O que vejo é que essa mulher poderá trazer mais problemas viva do que morta. Você poderia ir atrás dos amigos dela depois, até mesmo de sua escudeira. Ou acha que ela é inocente e não sabe o que os amigos dela fazem?
Rogan e Fira já estavam de pé, uma de frente para a outra. Quando a discussão se acirrou, levantaram-se alteradas, falando tão próximas que o fogo do olhar de uma se refletia nos olhos da outra.
— Então me diga, senhorita espertinha; muitos me viram sair com ela. Agora devem pensar que estamos passando uma noite maravilhosa sob o luar, mas, e se eu a tivesse empurrado penhasco abaixo?
A duquesa passou a mão pelo rosto, tentando se acalmar.
— Acha que eu convenceria correndo pela casa adentro de Bert, com jeito de mulher desesperada, dizendo que ela se acidentou em meio a um interlúdio amoroso?
Rogan bufou e começou a respirar arfante. Além de Fira trazer um problema para elas, ainda escutara que outros pensaram que ela estaria se deitando com aquela mulher. Lady Líberiz via a raiva latente no olhar.
– E estaria se deitando com ela se não fosse uma rebelde?
Fira espremeu os olhos. Ficou impossível para ela segurar a raiva. Não acreditava no que escutava. Não era possível que Rogan estivesse com uma crise de ciúme. Aquela discussão toda era um absurdo para Fira Líberiz. Não tinha que dar conta a ninguém de seus atos, dentro do próprio ducado. Ela se aprumou, tentando trazer razão aos pensamentos, quanto ao incidente todo.
— Eu vou embora, Rogan. Não estamos em condições de discutir nada agora. Você está alterada e eu tenho que chegar em meu castelo, antes do amanhecer. Bert chegará cedo e tenho que ter uma desculpa, na ponta da língua, para explicar meu sumiço da festa dela. Ainda tenho que dizer que não vi mais Divinay e de uma forma convincente.
— Ah! Então você vem até aqui, deixa o saco estragado e depois vai embora?!
— Só me faça um favor, Rogan. – Fira falou firme e pausadamente. – Não quero você mostrando seu rosto para ela. Deixe-me pensar em algo até amanhã à noite, tudo bem?
Fira se virou e saiu do quarto, sem dar chances de Rogan retrucar. A outra se jogou na poltrona furiosa. Sentia como se as coisas estivessem saindo de mão.
Calma. Você não fez isso tudo para ser pega e enforcada na praça principal de Alcaméria.
Estes pensamentos estremeceram o corpo de Rogan. Tentou se tranquilizar e deixar para ponderar no dia seguinte.
***
— Bom dia, milady!
— Bom dia, Bert!
Bert encontrara sua soberana sentada à mesa do quarto, lendo uma série de pergaminhos. A escudeira se deparava com esta cena quase todos os dias de manhã. Mal Bert sabia que Fira havia dormido pouco mais de três horas naquela noite.
A escudeira estava curiosa, pois Lady Líberiz fora vista saindo da casa acompanhada de Divinay e nenhuma das duas havia retornado para a festa. Ela não perguntaria. Seria muito abuso de sua parte, mas pelo semblante tranquilo e alegre de Fira, muito diferente do dia anterior à tarde, suspeitava que a noite de sua soberana havia sido boa.
— Bert, poderia fazer um favor para mim? Leve uma mensagem a Dinamark, pois pretendo me ausentar alguns dias.
— Devo me aprontar para esta viagem, milady?
Fira baixou o pergaminho que lia para encarar Bert. Tinha um pequeno sorriso no rosto e pensou que seria a oportunidade perfeita, para dispensar a escudeira por uns dias e ficar mais solta para suas ações.
“Se fizer algo que não queira que saibam, não deixe que participem de seus planos”.
— Não, Bert. Acho que vai se livrar de mim por uns tempos. Eu vou para o meu castelo de campo em Remis. Tenho pessoas que podem me auxiliar lá, você sabe. Quero apenas uns dias para me refazer. Por isso que preciso de Dinamark aqui, o mais cedo possível. Ele terá que calar a boca desses condes, até a próxima Assembleia.
— Acredito que reclamarão muito de sua falta. Os soldados da guarda vivem relatando que sempre dispensam condes mais atrevidos que tentam ter uma palavra com milady, sem que a senhora os chame.
— Por isso preciso de algumas semanas sem me atazanarem. Todos estão cansados com essas reuniões consecutivas e acabam se alocando aqui no castelo de Líberiz, sem retornarem aos seus condados. Meu problema agora é com os documentos que vejo. Os condes estão relapsos com relação às próprias terras e tenho que articular alguma coisa com Dinamark para sanear isto.
— A senhora se ausentando por semanas, não gostaria que lhe acompanhasse, mesmo? É muito tempo.
— Não precisa, Bert. Depois que entregar a mensagem para Dinamark, poderá ir para sua casa. Vou sair assim que possível. Se livre de mim e aproveite esses dias com Maia. – Sorriu para a escudeira.
— Que nada, milady. Gosto do meu trabalho.
— Mas um descanso é sempre bom. Por isso que vou passar estes dias longe, deixando que eles se engalfinhem, mas resolvam o problema.
Fira estendeu para Bert o pergaminho que teria que levar até o conde. A escudeira o pegou e, antes de sair, não se conteve. Estava muito curiosa e apreensiva também. A casa dela era humilde e seu modo de vida não era lá muito bem-visto.
— Milady, desculpe-me se acaso a festa não alcançou as suas expectativas.
Fira a mirou com um sorriso muito sutil, mas que Bert conhecia e sabia ser de satisfação. Demorou-se um pouco, como se tentasse escolher palavras para falar.
— Não se preocupe, Bert. Gostei de tudo. Sua festa estava ótima, a comida e sidra maravilhosas. – Deu uma pausa e sorriu mais aberto. – Seus amigos também são muito agradáveis. Mande um abraço para Divinay, se acaso a encontrar.
Bert sorriu encabulada, vendo a alegria estampada no rosto de sua dama e se retirou. No fundo, ela tinha medo desse tipo de aproximação de milady e suas amigas. Não falou para Divinay quem era Fira e temeu que Lady Líberiz achasse um abuso a aproximação da amiga de infância. Quando Bert saiu do quarto, Fira relaxou na cadeira.
– Pelos Deuses! Que coisas mais terei que fazer até isso tudo acabar! – Falou para si mesma.
Era evidente que Fira achava melhor fazer a escudeira pensar que tivera uma noite arrebatadora com a amiga dela e, depois, retornado ao castelo sozinha. Tinha que minimizar a desconfiança sobre Divinay. Se a sorte estivesse do lado dela, talvez Bert e Divinay não fossem o tipo de amigas que se vissem muito, dando tempo a Fira nos seus planos.
****
As coisas estavam tensas no castelo de pedras de Avar. Rogan quase não dormira. Além de pensar no que havia se metido, com este plano de sequestro, ainda tinha uma mulher para vigiar, que não se encaixava no contexto.
Logo cedo, o curandeiro do castelo veio dar a notícia de que a prisioneira estava bem e se recuperando. O corte da perna estava suturado e não sangrava mais e o galo na cabeça, em breve, não seria mais que um pequeno incômodo. Já o corte do pescoço era superficial e havia suturado também. Não geraria maiores problemas.
Rogan resolveu que iria até a mulher. Queria identificar que tipo de problema estava em suas mãos. Seguiu pelo corredor e quando chegou ao quarto guardado pelos soldados, pediu para que fossem se refrescar. Que a deixassem só.
— Milady, não é prudente. Lady Dotcha disse…
— Eu me resolvo com Lady Dotcha. Agora vão! – Ordenou
Colocou uma azeitona na boca, e comeu a parte macia. Segurou o caroço entre os últimos dentes. Desta forma, poderia falar e a voz e o jeito com que se expressaria, modificaria, dificultando o reconhecimento. Pegou um lenço grande que levara, enrolou na cabeça e rosto, amarrando e deixando só os olhos de fora. Abriu a portinhola que dava a visão da cela e viu a mulher deitada no catre, como se estivesse dormindo. Abriu a porta e entrou, fechando com trinco por dentro. Segurou o cabo da espada, sem retirá-la da bainha, mas não se aproximou.
— Acorde!
Falou e viu que a outra não se moveu. Sabia que era perigoso se aproximar. Caminhou até uma mesa velha, que ficava num canto e era o único móvel, além do catre, naquele quarto de paredes escuras. Pegou uma moringa e jogou água em cima da cativa. Divinay se virou furiosa.
— Achava que eu iria fazer um carinho em seu rosto para que me desse atenção?
— Onde está Lady Fira?
— Cale a boca se não quiser que arranque sua língua, entendeu? Só responda o que eu perguntar!
— Se não quiser me dizer por que Lady Fira me colocou aqui, então não precisa ouvir nada de mim.
Divinay respondeu com raiva. Ela havia escutado a outra chamar, no entanto, tinha imaginado que seria abordada por Fira. Se ela conversasse com a duquesa, talvez conseguisse persuadi-la de que era só uma participante sem expressão no grupo.
Rezava para que seu sumiço despertasse a atenção dos amigos do Rélia. Tarefa difícil, pois, às vezes, eles levavam dias e até semanas sem entrarem em contato uns com os outros. Para despistar o governo e os espiões dos condados, optavam por não manter contato constante. Não havia mais que cinco dias, tinham se encontrado e feito uma investida contra o arsenal de Remis. Teoricamente, ficariam duas ou três semanas sem marcarem uma reunião do grupo.
— Qual o seu interesse em Lady Fira? Pelo que soube, você a abordou e não ela a você.
A outra ficou muda e se virou, permanecendo de costas, voltada para a parede. Não havia levantado do catre e o ombro e a coxa com o ferimento, ainda doíam. Rogan normalmente era paciente com prisioneiros, no entanto, sabia que a cativa não falaria com ela de bom grado. Jogou mais água em cima de Divinay.
— Se quiser me banhar, traga um cocho para a cela e se enfie comigo dentro dele.
A rebelde falou debochada.
— Você não faz meu tipo. Teria que a amarrar e espancá-la para que me satisfizesse e, não quero ninguém apaixonada por mim. Certamente ficaria, depois que acabasse com você.
Rogan respondeu à provocação. Ela falara a verdade quanto a mulher não fazer o tipo dela, entretanto a outra parte abominava. Falou só para instigar a raiva da prisioneira.
— Arrotando tanta vantagem, não deve ser de nada. Deve ser convencida assim por insegurança, não?
Rogan estreitou os olhos. A tática que estava usando não daria certo. Tinha que arrumar um jeito de fazê-la falar. “Merda! Agora eu sei o que chamou a atenção de Fira. Ela é prepotente e debochada.” Estava revoltada com os próprios pensamentos, pois havia conseguido chegar a Fira com atitudes parecidas.
— Acho melhor começar a responder, pois não sou tão diferente de Lady Fira para arrancar informações e, pelo que vejo, ela fez um belo estrago em você. Será que vai aguentar mais uma sessão de tortura?
— Você é muito diferente de Lady Fira. Se esconde atrás de um lenço. Ela, pelo menos, tem coragem de se mostrar. – Virou-se no catre ainda deitada, encarando a torturadora.
— Se engana, minha querida. Só tenho esse lenço em meu rosto porque ela proíbe que eu dê as caras. Sabe como é; vai que ela faz um acordo com você e fica ressentimentos de sua parte. Ela gosta dos meus serviços e teme que eu seja pega na rua, covardemente.
— Eu não preciso pegar ninguém pelas costas para resolver meus desafetos. Não sou covarde!
“Isso!” – Bradou Rogan mentalmente. – “Peguei seu ponto fraco”.
— Pelo que entendi do que Lady Fira me contou, você não foi muito honrada quando a abordou. Sabia exatamente quem era ela e tomou isso como uma vantagem para se aproximar e atraiçoá-la.
– Não queria atraiçoar ninguém! Queria conhecê-la!
Rogan sorriu por trás do lenço que cobria seu rosto. Agora estava conseguindo irritar a prisioneira, a ponto dela soltar as palavras, sem ter que utilizar de agressões. Menos uma coisa para se preocupar numa discussão com Fira.
— Ah, sim! Você, que é uma integrante de um grupo rebelde, reconhece a duquesa, se aproxima dela e a envolve, porque quer uma noite ardente com a soberana do ducado. É, deve ser isso…
— Eu não queria me aproximar porque queria envolvê-la. Nós não estamos lutando contra o governo de Lady Líberiz! Queria apenas entender melhor a posição dela no governo. Estamos lutando contra condados corruptos!
— Que estão sob o governo do ducado e governança dela! – Rogan gritou. – Acha que Lady Fira é ingênua? Saiba que sua ação despertou um cuidado maior em milady com relação ao Rélia! Vocês são um grupo que ela via estremecer a segurança do ducado, mas não um grupo que se opunha a ela, mas agora…
— Ela não quis me escutar! Eu queria conversar com ela, somente, mas ela me atacou com um punhal!
— Como ela iria lhe escutar se você estava com a boca ocupada nos lábios dela? É assim que costuma conversar com quem lhe traz interesses políticos?
— Foi ela que me agarrou e beijou!
— Depois que você a conduziu até um lindo escarpado, sob o luar do vale de Liberiz!
Contra-atacou Rogan.
— Não queria que nos ouvissem. Aquelas pessoas da festa de Bert são pessoas simples do povo. São pessoas comuns!
Rogan riu alto. Queria provocá-la até ela soltar as informações. Estava próxima… muito próxima. Se espantou, ao constatar que não estava conduzindo o interrogatório pela segurança do plano e sim, por conta da segurança de Fira.
— Me desculpe pela gargalhada, Divinay, mas é inacreditável o que está sugerindo. Você é amiga de Bert, que é escudeira de Lady Fira. Você é uma rebelde do grupo Rélia. O que acha que Lady Líberiz está pensando a respeito de sua escudeira, hum?
Rogan reparou na expressão da prisioneira. Seus olhos arregalaram em espanto. Sentou-se no catre com dificuldade, pois até então, permanecia deitada. Balançou a cabeça em derrota e visivelmente abalada.
— Diga a Lady Fira para não fazer nada com Bert. Sou amiga de infância dela sim, mas nunca a coloquei a par do que faço. Ela tem mulher e filhos e os ama muito. Quando conseguiu este trabalho, se orgulhou, pois quando nova, era uma serva das cocheiras e fora escolhida pela própria Lady Fira para acompanhá-la. Eu nunca colocaria Bert e a família dela em risco. Como me arrependo de ter abordado milady na casa de Bert ontem… – A prisioneira balançou a cabeça desanimada. – Quando acordei aqui, pensei sobre isso e sabia que Lady Líberiz deveria me ligar a ela. Não é certo…
Rogan a olhou com apuro. Poderia estar enganada, mas acreditou nas palavras de Divinay. Costumava interpretar bem as pessoas, mas num interrogatório, com alguém acostumado a se esconder, tudo era possível.
— Agora a asneira está feita. Lady Líberiz costuma ser uma pessoa justa, mas odeia que a façam de idiota. Ela investigará Bert. Se ela achar que é inocente, nada acontecerá à sua amiga, mas se ela desconfiar da lealdade, seus métodos não são lá muito bonitos para acabar com traidores.
Rogan começou a andar para trás para chegar à porta e sair do quarto e Divinay nem levantou a cabeça para encará-la. Quando segurou o ferrolho, escutou a cativa falar baixo.
— Por favor, Bert é só uma mulher que tenta dar o melhor para sua família. Diga a milady que ela é uma boa mulher e é leal. Mantenho meus companheiros do Rélia distantes de meus amigos, que não tem nada a ver com essas questões políticas.
—Talvez dependa só de você convencer Lady Fira. Falarei a ela o que me disse sobre Bert, contudo, se bem a conheço, virá aqui para falar com você, pessoalmente. Ela gosta de escutar com seus próprios ouvidos. Seja convincente.
Quem diria ein, ai ai Divinay eu gostei de tu poxa
*correção: gostava
Oi, Anônimo!
Calma, calma! rsrs Tem muita água pra rolar. Mas sim, ela é uma rebelde. rs
Brigadão!
Um beijão pra você e bom domingo!
Sabia que a tal Divinay não era boa bisca, mas fiquei com pena da pobre, e se o grupo rebelde se juntar com nosso casal MMA vai dá bom e Fira tbm não deu a mínima chance kkkkk. E as dicas de quem será nossa ciumenta Rogan tá rolando kkkkk.
Bjs 😘😘😘
Oi, Blackrose!
Então, a Divinay é uma rebelde mesmo. rs Vamos ver o que as duas protagonistas vão fazer com ela.
Nesse capítulo da semana você já deve ter visto quem ´s a Rogan. rs Gostou?
Um beijão, Blackrose!
Bom domingo e obrigada!
Oiee!!!
Bi, amando de paixão!!!! Cara, Lady Fira é massa!!! E n brinca em serviço!!!
Vamos ver o que essa Rebeldinha quer de verdade…. Eu tô mais desconfiada q as duas juntas!!!
Adoro uma mulher durona, mas ciumenta não, mas até que é bom ver essa vunerabilidade nela, com a personalidade q tem jkkk. Ver medo, se descontrolar. Parece q Fira n é nada ciumenta e n ficou tão ligada nela .. será q esse plano continua com as duas? Diván vai se unir? Ser espiã?
Só n vá destruir Rogan oq gosto dela,viu?! Sem romantismo, gosto das duas juntas nesse plano!!!
Espero q Devan sirva de ponte entre o grupo rebelde e os planos de sequestro ..
Veremos….
Quem n vai gostar do capítulo? Tá louca!!!!
Beijosssssss
PS: Mas tenho uma crítica…. Vc escreveu mtttt pouco!! Hahahahahaha. Querooooo maisss!!!
Oi, Lailicha!
Então, resposta atrasada, mas tô aqui. rs Você já viu no que vai dar com a Divinay e com as duas. rsrs
Cara, ando bem parada de escrever, mas vou ver se dá pra colocar um capítulo maior nas próximas.
Valeu, Lailicha!
Um beijão pra ti e pra sua esposa.
Bom domingo pra vocês e fica na paz!
Amando muito!
Acho que a duquesa vai se unir ao grupo rebelde, isso sim!
Rogan é muito ciumenta! hahahah
Bjuuu
Oi, Pregui!
A Rogan é uma pessoa bem singular. rs Cara, ainda vai ter muita água pra rolar nessa história.
Brigadão, pelo carinho de sempre, Pregui!
Um beijão e bom domingo!