— Ô que casa gostosa, gente! Dá para armar umas coisas legais aqui!
— Donna! Quer sossegar? Não dá para armar nada. Isso aqui é minha casa com a Sophia!
— Iiihhhh! Pelo visto já deu o segundo passo da lésbica.
— Hã?
— Morar junto, queridinha! Segundo passo da lésbica é morar junto. Agora vem a fase do filhinho!
— Filhinho?! Tá louca mulher?!
— Ué?! Já “tão” morando juntas, vão casar e o que vai faltar para os filhos? Não fala que é “equipamento” que a inseminação artificial está aí para isso.
— Fala sério! Nem quando eu namorava homem pensava nisso e você sabe muito bem, Donna.
— Naquela época. Vai que agora você “enamorada” tá pensando.
Donna cantarolou mexendo comigo e Sophia entrou na sala rindo da sacanagem da “bela amiga” que tenho. Donna se jogou no sofá, como sempre fez em minha casa.
— Cléo. Como você consegue aturar esta pessoa desde sempre?
— Com sinceridade, Beth, eu não sei, mas achei que você poderia me contar, afinal…
Fiz um sinal com os indicadores apontando as duas e as juntando.
— Não me leve a mal, Cléo, mas estou com ela há pouco mais de um mês e tô pensando se há devolução da encomenda!
Não sei por que, mas senti o clima pesado entre elas. O rosto da Beth não estava lá estas coisas e a Donna parecia até sem graça. Não comentei nada, pois não queria deixar minha amiga em saia justa.
Beth se sentou no sofá, um pouco mais afastada, Donna retirou as botas e colocou os pés no colo dela. Minha amiga era uma cara de pau, nem se abalou com o que Beth falou e ainda se espalhou, porém percebi certo receio por parte da minha amiga.
— O fato, minha cara “Watson”, é que sou irresistível!
— Sei… E folgada também.
Falei rindo para dissipar o mal estar que senti entre elas.
Sentei-me no outro sofá e Sophia a meu lado.
— Mas conta. A jararaca procurou você?
— É disso que falo a você, Cléo. Ela é um poço de sutileza!
Beth arrematou e mais uma vez o tom diferente na voz. Deixei quieto para falar depois com a Donna em particular. Retornei ao assunto Jararaca… ou melhor, minha futura sogra. Eu havia ligado para Donna para desabafar, no dia que a jararaca… quer dizer, minha futura sogra ligou. Mas ela precisava falar na frente da Sophia? Cara, é a mãe dela, vamos combinar! Fiquei vermelha. Olhei a expressão de Sophia, mas ela estava rindo com a “arte” da minha amiga.
— Desculpa Sophia, eu…
— Fica tranquila, Cléo. Não me incomodei. Gosto da Donna por isso… sem “papas na língua”, mas não a apresentaria logo “de cara” a meus pais.
— Ei! Sou uma lady!
Mel entrava na sala amparando a Lucy, que acredito, estava mais dengosa por conta de receber os cuidados da namorada. Beth levantou-se, deixando as pernas da Donna no chão.
— Cara, tá “F…” essa coisa de cuidar de amiga. Agora que tenho namorada, “tô” dividindo atenção com outra!
Beth não deu atenção e eu e Sophia só ríamos. Lucy ainda tinha dificuldade de andar, pois a cirurgia da perna ainda cicatrizava e na maior parte das vezes andava em cadeira de rodas para não forçar, mas ela já estava de “saco cheio” de só ficar sentada ou deitada. Quando se aproximaram do sofá, Beth olhou para Donna com a sobrancelha levantada.
— Tá bom! Tá bom! Eu percebo quando sou relegada a segunda posição.
Donna se levantou e foi para a poltrona, deixando Beth e Mel ajudarem Lucy a deitar-se. Mel sentou-se na ponta do sofá, colocando as pernas de Lucy em seu colo e Beth se sentou na poltrona ao lado de Donna.
— Então, Sophia? Já ligou para a jararaca?
Olhei para Donna repreendendo-a, mas Sophia e as meninas não colaboravam para coloca-la no lugar. Não paravam de rir. Só Beth que ficou na dela.
— “Cês” querem parar de rir para ver se esse “ser” ganha um pouquinho de compostura?
— Deixe-a, Cléo. Ela está certa para quem é de fora. Ninguém tem que aturar minha avó.
Olhamos para Mel e depois para Sophia e começamos a rir. Mel havia falado no “modo Vasto Arqueiro”.
— O que foi?!
Mel e Sophia perguntaram.
— “Desculpa”, Mel. Quando falamos de sua avó, você fala com jeito “Sophiazinha”.
As duas sorriram e Sophia respondeu a Donna.
— Liguei para o escritório de meu pai. Falei com ele diretamente e me disse para falar com minha mãe. Não queria escutar ladainha antes da hora e pedi que se não marcasse com ele, não teria encontro e não voltaria a falar com ela. Minha vida está muito boa para me aborrecer antecipadamente e sei que discutiríamos. Ou ela vai à minha casa, e aí estou no meu terreno, ou não há conversa. Cléo estabeleceu uma coisa boa, que foi um lugar “meu” para nos falarmos. Eu conheço minha mãe e apesar de toda a segurança, a vida que tenho, ela me oprime e a minha filha também. Mas Melissa, eu tentei poupá-la um pouco, porém nem sempre foi possível.
Enfim, gente. Acho que o tempo ia esquentar quando nos encontrássemos com a jarara… a minha sogra, mas talvez houvesse um pote de ouro no fim do arco-íris… Sem trocadilho…
O almoço foi maravilhoso e me deleitei com meus amigos, em especial com a minha amiga, Donna é claro, afinal, ela era a “cereja do bolo”. Mas ainda percebia o clima entre Donna e Beth.
— Juro, Cléo! Ainda vou ouvir que você fez inseminação… – Donna insistiu no assunto “filhos”.
— “Aonde*”? Você está é louca, doida varrida de pedra! Se você quer tanto uma criança na sua convivência, por que não planeja você mesma?
Respondi para Donna.
— Eu não acho que esteja com essa bola toda…
Foi a resposta da minha amiga que baixou ligeiramente a cabeça e desviou o olhar. Beth a olhou, mas desta vez foi sem olhos de repreensão e o silêncio permeou o ambiente até ela quebra-lo.
— Donna, não é porque brigamos por aquilo que estamos terminando, ok? Mas, cara, o que você fez me deixou muito “puta da vida”!
Agora a roupa ia ser lavada e eu nem precisei de muito entendimento para ver que minha amiga vacilou.
— Já disse que vacilei e sei que foi feio, mas cá para nós, acordar com aquela loira do lado já foi um bom castigo, não acha?
— O QUÊ???
Falamos todas ao mesmo tempo!
— Calma! Não é o que estão pensando!
Olhei para Donna e sabia que tinha uma explicação para isso. Com certeza rolou algo estranho e do jeito que a conhecia, custava a crer que tinha algo a ver com traição. Quando vi o sorriso de lado de Beth, me acalmei.
— Seu castigo, Donna, vai ser contar toda a história “tim tim por tim tim” a todas! Aí te perdoo.
Beth riu mais aberto e aí relaxei de vez. Pensei que era mais uma confusão que minha amiga tinha arrumado e que ia ser uma bela história para rirmos muito.
— Anda logo, Donna. Desembucha! Castigo é castigo e esse é um preço baixo para sua reconciliação.
Falei rindo antecipadamente da história que estava por vir. Vi Donna ficar vermelha em uma das poucas vezes em minha vida. Ela olhou para Beth e abanou a cabeça.
— Tá, eu mereço.
Inspirou fundo e começou a contar.
— “Cês” lembram do show que teve na praia de Copacabana anteontem? Bom, minha emissora cobriu, não fui eu quem fez a cobertura, mas tinha convites para a área “vip”. Chamei a Beth e sempre que tem algo assim, a gente faz um “esquenta” no apartamento de um amigo que é ali perto. Bom, tinha umas amigas, casal até, sem essa de galera solteira. Comecei a beber sem comer nada e destilado, mas depois parti para a cerveja.
— Donna! Cara, misturou bebida?!
— Vai escutar ou vai criticar antes de terminar a história? Não ia trabalhar ontem e “tava” na boa. Está bem, vacilei, mas quem não vacila assim na vida?
Fiquei quieta para ela continuar.
— Beth até “tava” tranquila quando saímos para o show, mas eu já estava ficando meio alta. Só que já viu, né? Já estava sem medida também e continuei bebendo cerveja no show. Quando voltamos para pegar o carro, eu “tava” mal e com uma vontade louca de fazer xixi. Não ia aguentar chegar no apartamento desse amigo. Não “tava” no meu juízo e também não ia me segurar. Puxei a Beth para trás de uma banca para ela fazer cobertura e tirei o short e fiz ali mesmo. Nem me lembro como estava a cara da Beth.
Olhei Donna espantada. E quando reparei todo mundo estava rindo e não teve como não rir também, afinal, essa era demais até para Donna.
— Calma gente! Ainda não acabou e ela vai contar tudo. Continua Donna.
Beth a incentivou e Donna desta vez a olhou séria.
— Não me olha assim, não. Pode continuar. Você vai contar tudinho!
— Bom… Eu estava mal e queria um lugar para deitar. O prédio desse meu amigo estava praticamente em frente e aí falei para Beth para me levar para lá. As meninas iam dormir lá também, pois não poderiam ir embora. Estava todo mundo meio chapado e ninguém queria ser pego na “Lei seca”. Quando chegamos…
— Você quer dizer, quando te arrastei até lá né?
— Você quer “deixar eu” terminar?
Beth fez um gesto estendendo a mão em direção a Donna e meneou a cabeça rindo para sinalizar que Donna prosseguisse.
— … Mmm… Bom, eu me atirei em um dos colchonetes que meu amigo espalhou pela sala e apaguei. Quando acordei no dia seguinte e com uma baita dor de cabeça, olhei para o lado e tinha um cabelo loiro na minha cara. Custei a focar, mas quando fiz, eu gritei pensando: “O que esta loira “tá” fazendo aqui? Cadê a minha Rizzoli”?
A explosão de gargalhadas foi geral. Imaginem alguém acordar de um porre ao lado de outra mulher e sem entender o que houve?! Nessa hora Beth já ria também, mas um sorriso mais que irônico, pois ela era a única que poderia ter explicado a história para a Donna e podia inventar o que quisesse.
— Eu poderia falar um monte de asneiras para ela, mas estava tão “P” que mandei ela se arrumar para irmos embora.
— Mas quem era a loira? – Lucy perguntou.
— Era uma amiga, a Pit, que estava apertada em um colchonete de solteiro com a namorada. Como a Beth estava puta comigo e dormiu sentada na poltrona, ela migrou para meu lado no meio da noite. Só que só fui saber depois de ter escutado horrores da Beth.
Riamos sem parar. Eu, cada vez mais, acreditava que Donna não era deste planeta.
— Você fez isso de propósito Beth? – Perguntei.
— Não. Estava com muita raiva, mas foi merecido o susto.
Beth se juntava a nós rindo, realmente relaxada e sacaneando a Donna.
— Aprendi a lição. Nada de loiras dormindo a meu lado.
Olhamos para Donna. Ela não perdia a viagem mesmo. Depois de toda a história e de ter visto que Beth estava bem com ela, ainda sacaneou.
— Mas, Cléo…
— Oi.
— Você está mais perto da oportunidade de ter filhos do que eu. Por que não?
— Para com isso Donna! Eu não quero ter filhos…
Olhei para Sophia. Realmente não havíamos conversado sobre isso e não poderia falar por ela, mas se fosse por mim, bem eu não gostaria… Ou melhor, ainda não havia pensado…
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Fomos a Oslo. Não quis ficar ao lado de Sophia na entrevista coletiva. Achava que isso exporia muito nossa vida particular. Porém, na cerimônia de posse na empresa e na recepção, eu fiquei. Entendia razoavelmente dos assuntos da indústria de petróleo e energia para interagir, mas certo membro do conselho, não parava de nos alfinetar. Como já havia dito, Gunda ia ser um “pé no saco” da vida corporativa de Sophia.
Quando ele começou a falar com um grupo da Grasoil, que se encontrava perto do nosso grupo, e, Sophia se afastou para pegar bebidas para nós, escutei a piadinha que o dito “ser das profundezas” falou no seu grupo de conversa e foi escutado por todos. O certo é que ele não sabia que eu falava tão bem inglês para entender, mas Sophia já vinha com as taças de Champagne e não deixou por menos. Falou com tom para que os adjacentes ouvissem em um inglês “britânico” impecável.
— “There are people who talk a lot. Other people talk a lot less. The correct people are those who perform.” (Existem pessoas que falam muito. Outras pessoas falam muito menos. As pessoas que estão corretas, são aquelas que realizam).
Ela me entregou a “flûte” de Champagne e sorriu para o nosso grupo sem olhar para os “olhares” do outro grupo. Mas querem saber? Eu quis olhar a carinha do dito “ser das profundezas” e ele estava vermelho. A DO REIII!!
Havíamos chegado à Oslo dois dias antes da posse de Sophia e ela me levou para conhecer a cidade. Visitamos a fortaleza de Akershus Festning, Teatro Nacional, Jernbanetorget, principal praça de Oslo e enfim, restaurantes e museu. Foram dois dias muito bons, mas quando terminou a posse e cerimônia, no dia seguinte retornamos, pois ela estaria na Grasoil em breve e queria aproveitar o restinho de folga comigo antes de recomeçar à frente da gerência.