Diferentes?

Capítulo 33 – Companhia sombria

Voltamos ao apartamento de meus pais com a cara mais lavada do mundo para almoçarmos. Passamos um dia maravilhoso com nossos amigos e meus pais. Como sempre, meu pai com as suas tiradas e ainda se aliando a Donna tiraram muitas gargalhadas de todos, principalmente quando pegava no pé de Sophia. Acho que nunca na vida Sophia foi tão sacaneada, mas ela tinha aquele humor ácido também e sempre tirava uma onda com o sogro que em dado momento desistiu.

O pessoal retornou na segunda de manhã e nós voltamos na terça. Sophia entraria em contato com a direção da Grasoil para marcar a reunião. Voltamos para a casa de Itacoatiara e na quarta-feira fui para a Hermes. Tinha designado uma pessoa para acompanhar os trabalhos na Grasoil neste tempo que eu estava praticamente me escondendo do mundo. Magda tinha feito para mim o contato com a Peck e eles, apesar de temerosos não suspenderam o contrato. Como não era eu que cuidava diretamente da consultoria deles, parece que não houve tanto alarde.

Estava na minha sala vendo tudo que havia ficado para trás e que havia se tornado pendência quando o telefone tocou. Era minha secretária.

— Alô.

— Cléo, é a Rosalina, secretária da Grasoil ao telefone. Passo a ligação?

— Pode passar, Renata.

— Dona Cléo?

— Oi Rosalina, pode falar. Sou eu.

— Temos um novo diretor que veio de Oslo. É o senhor Gunda. Ele pediu para entrar em contato com você para marcar uma reunião e se possível ainda hoje à tarde.

Sinos de alarde tocaram em minha cabeça. Nesse momento, eu realmente não queria falar com ninguém ligado a direção da Grasoil, principalmente sem falar com a Sophia. Ela iria para Oslo ainda sem data e qualquer palavra mal colocada poderia colocar à prova a sua negociação.

— Tem que ser hoje, Rosalina? Eu realmente estou atarefada aqui…

— Sabe o que é, Dona Cléo, desde semana passada quando chegou, pediu-me para fazer o contato e eu não a encontrava. Então ficava até fácil, mas ele está impaciente e já está colocando a minha competência à prova…

— Entendo.

Inspirei fundo. Sabia que algo aconteceria com relação à Grasoil, só que eu estava empurrando para não ter esse contato tão cedo.

— Certo. Marque para amanhã de manhã e estarei aí.

— Mas se eu disser que consegui falar com você, ele vai me pressionar entende?

— Ele fala português?

— Não.

— Então diga que arranjarei um tradutor para nos comunicarmos e quando conseguir, eu entrarei em contato.

— Está bem, Dona Cléo. Acho que vai servir de desculpa.

— Por que acha que é desculpa?

— Porque eu tenho acesso a seu cadastro e seu currículo está anexado. Lá diz que fala inglês.

Eu sorri. A Rosalina era bem esperta.

— Você fala inglês, Rosalina?

— Sim.

— Então a desculpa está furada de qualquer forma. Ele vai dizer que você pode traduzir.

— Na verdade Dona Cléo, como eu já o conhecia e não gostava muito dele, eu falo com ele pronunciando muito mal para que ele não me encha a paciência. Espero que a Dona Sophia resolva logo esse problema para manda-lo de volta de onde veio.

Eu ri ao telefone e Rosalina acompanhou-me.

— Então Sophia tem falado com você?

— Comigo? Não, nunca mais falei com ela.

Rosalina gargalhou dessa vez e eu a acompanhei.

— Sabe o que acho, Rosalina? Que a Grasoil Brasil não está muito satisfeita com a nova direção.

— Só digo que ele não tem encontrado as coisas muito fáceis para ele aqui. Quem mandou entrar num pedestal! As pessoas sentem a diferença.

— Então ele é arrogante. Mas a Sophia também não é lá um símbolo de simpatia. Pelo menos quando não quer.

— Todo mundo vê a diferença, Dona Cléo. Ela é exigente sim, mas sempre foi muito educada e não tratava as pessoas como cachorro.

— Rosalina, me dê uma hora. Vou conversar com algumas pessoas e dar uma olhada no nosso contrato. Talvez seja melhor encarar logo. Deixe-me ver o que faço por aqui e te dou um retorno.

— Está bem. Eu dou uma enrolada nele.

— Obrigada Rosalina.

Despedi-me e liguei para Bartô. Ele se encontrou comigo em minha empresa e conversamos sobre o possível desenrolar da conversa com Gunda. Liguei para Rosalina e marquei na parte da tarde.

Cheguei à Grasoil vinte minutos antes da reunião e fui à sala de Dago.

— Oi.

— Oi, Cléo! Que bom que veio aqui. Eu queria perguntar…

— Dago, eu tô aqui para falar com o Gunda. Ele me chamou.

Dagoberto parou o passo e elevou a sobrancelha.

 — Ferrou agora!

— Por quê? O que houve?

— Ele me chamou hoje, inquirindo diversas coisas do seu contrato. Respondi a todas as perguntas, mas ele me perguntou por que a multa por rescisão da Grasoil era tão alta e não havia multa para a rescisão da Hermes.

— Porque meu jurídico é “foda”?! Pode ser essa resposta?

Falei já começando a me irritar com o cara sem nem conhece-lo.

— Não brinca, Cléo. O fato é que quem analisou seu contrato fui eu e eu estava tão empolgado com essa consultoria que deixei passar batido. Vi a cláusula, mas não liguei. Não é uma prestação de serviços cara para a Grasoil, entende? A Grasoil tem contrato de bilhão para cima na área de exploração. Esse contrato é coisa micha.

— Obrigada por me mostrar que estou vendendo meus serviços por pouco. Que saco! O cara vai se pegar nessa “meleca” de cláusula! Foi você quem assinou, não foi?

— Sim, fui eu. Eu sou o gerente de qualidade. Mas a Sophia é que era a gerente geral e foi com endosso dela. Não dá para falar que ela não sabia. Ela confiou em mim.

— “Merda”! Desculpa. Estou falando palavrão pra caramba, mas tô vendo que o objetivo de vida desse cara nesse momento é pegar no meu pé para dar rasteira na Sophia.

— Sem problemas. Também acho que é uma merda. Sophia já tinha que estar a caminho de Oslo!

Eu olhei para ele.

— O que foi? Mais da metade da diretoria daqui já sabe. Aliás a galera tá é torcendo a favor.

— Mais da metade sabe por quê?

— Ora Cléo! Quem você acha que está ajudando nisso tudo que anda correndo de boato? A gente não sabe quem está fazendo o que, mas sabe que a galera tá ajudando. O Raphael mesmo eu sei que é um deles.

— Espera aí? Vocês não falam sobre, mas sabem que tem gente ajudando?

— Sim. Você acha que alguém vai se comprometer se a coisa não der certo? As coisas correm por baixo. A gente não sabe quem faz o que, mas sabe que os dados estão rolando.

— Deus do céu! Ainda bem que eu tenho uma empresa pequena e que é minha!

— Não esquenta. Vai lá e só toma cuidado porque o cara é víbora.

— Falou. Valeu, Dago.

…………………

Caminhava pelo corredor para chegar à área da direção geral. Corredor este conhecido por mim já há alguns meses. Quem diria que iria para a sala que já me deu medo, alegria e agora apreensão.

— Oi Rosalina! O Gunda já está me esperando?

— Já perguntou se você havia chegado. Posso te anunciar?

— Ainda não. Estou esperando a minha advogada eeee… o meu advogado.

— O Senhor Bartolomeu virá?

Eu olhei para Rosalina e tive a certeza que as pessoas ali, sabiam muito mais da minha vida e dito pela minha namorada, do que ela mesma me contava. Comecei a ficar irada com a Sophia.  Quando chegasse em casa teríamos a nossa primeira DR.

— Calma, Cléo. — Rosalina falou sussurrando. — Eu só liguei para ela para contar o que estava acontecendo, pois achei que a coisa ia esquentar um pouco.

— Pois eu acho que depois de você ter ligado, ela me devia uma ligação. Esse é o mínimo que eu poderia esperar dela! — Falei sussurrando também. – E espero que a sua ligação para ela, tenha a ver com a situação que ela se encontra em relação a Grasoil e não por conta do que está acontecendo comigo!

Rosalina sorriu sem graça e foi salva pela chegada de Bartolomeu e Magda. Magda conhecia o contrato de ponta-cabeça, pois ajudou a elaborar e Bartolomeu era uma águia. Ele tinha que estar a par do que acontecia para que a reunião da Sophia lá em Oslo não “melasse”.

— Oi, Bartô! Oi Magda! Já pode nos anunciar, Rosalina.

Rosalina nos anunciou e Gunda mandou que entrássemos. Quando passei por ela na porta sussurrei baixinho.

— Pode ligar para “a chefe” e dizer que a reunião começou!

Falei debochada e Rosalina baixou a cabeça para disfarçar o riso.

Parece que o senhor Gunda não esperava que eu viesse munida. Chegou um momento que ele nem se dirigia mais a mim, pois Magda tomava à frente em quase todos os questionamentos que ele fazia em relação ao contrato e Bartolomeu arrematava cortando-o em todas as horas que ele fazia referência a Sophia, deixando claro que a reunião era contratual e não uma auditoria interna. Em dado momento, ele desistiu e nos dispensou. Acho que o deixamos meio irado.

Saímos da Grasoil mais aliviados. O cara não tinha conseguido muita coisa.

— Acho que ele ficou meio “puto”.

Eu falei palavrão novamente e pensei que toda essa coisa que ocorreu conosco estava me tirando do prumo. Começava a me irritar com facilidade e sentia sinais de cansaço.

— Ele sempre fica “puto” em qualquer assunto que se refere à Sophia e ele não consegue detoná-la.

— Mas por quê?

— Porque quando ela foi aceita na direção, ele tinha outro candidato que não foi aceito e isso demonstra desprestígio. Convenhamos que a Sophia também não é muito boazinha quando pisam no calo dela. Depois daí, ele sempre tentou destituí-la e ela sempre conseguiu apoio em outras bases do conselho.

— Quer dizer que isso é um “eterno comer o fígado do outro”.

— É.

— Que legal isso. – Falei irônica.

…………

Havia quatro chamadas perdidas de Beth no meu celular.  Tentei retornar a ligação, mas não consegui. Iria pegar o catamarã para Niterói, pois tinha deixado o carro lá, mas antes tinha que passar na Hermes para pegar uma pasta com documentos. O celular tocou e vi que era Sophia. Subi o elevador falando com ela.

— Oi amor!

— Hoje você me irritou muito com as suas atitudes. A gente vai ter uma conversinha sobre gerenciar a sua vida e a minha.

Ela suspirou.

— Cléo me desculpa, mas…

— Não tem mas… E eu não quero discutir com você nesse momento, pois estou com saudades… e… irritada também. Bartô me falou que você vai pegar um avião agora à noite. Não vai dar nem para me esperar?

— Não vai dar, Cléo. Consegui a reunião para amanhã à tarde logo após o almoço. O horário vai ficar apertado mesmo com o fuso, considerando o tempo de viagem. Eu estou saindo agora de casa.

— Está bem. Então eu vou ficar um pouco aqui na Hermes para terminar umas coisas. Volte com uma boa notícia, pois se demorar mais um pouco, a galera da Grasoil vai responder processo por assassinato de diretor.

A Sophia riu do outro lado da linha.

— Você não é fácil, garota. Arma direitinho!

— Espero que a armação dê resultados.

— Vai dar.

— Vou desligar que já estou saindo… Saudades…

— Vai lá. Saudades também. Te amo!

— Também te amo.

Já estava em minha sala quando desliguei e olhei para o celular, imaginei a cara de nojo da Donna escutando nossa despedida. Ri sozinha, mas meu coração ficou apertado sabendo que ela partiria sem que a visse. Começava a me irritar essas reações, pois bastava Sophia ficar longe de mim para que eu ficasse apreensiva.

Olhei o visor do celular e tinha mais uma chamada perdida de Beth. “Deve ter entrado enquanto falava com Sophia”. Pensei. Retornei a ligação e nada. Fazia um “Tuc Tuc” de chamada em espera e depois entrava na caixa postal.

Voltei aos meus afazeres para terminar uma planilha de planejamento para a Destor. Já eram oito e meia da noite quando me toquei que tinha que chegar à estação do catamarã antes das nove senão perderia o último. Fechei o laptop correndo e joguei-o dentro da pasta. Corri para pegar o elevador e quando cheguei ao corredor estava fechando a porta. Alguém que estava dentro impediu que ela fechasse e me apressei para entrar.

— Muito obriga… Marcos?!! O que você está fazendo aqui?

— Esperando a minha amada noivinha!

Falou com um sorriso maldoso e eu tentei parar o elevador. Ele segurou meu braço e tirou uma arma da cintura apontando para minha cabeça.

— Fica quieta, Cléo, que eu não tenho mais nada a perder!

Fiquei gelada e horrorizada. Olhei para o alto e lembrei que a última reunião condominial ficou acertado de colorarem câmeras nos elevadores, mas ainda não haviam posto.

— Calma, Marcos! Do que você está falando? Não temos mais nada há meses!

— Deixa de ser presunçosa. Você acha que eu estava aquele tempo todo apaixonado por você? Eu só te queria por perto para conseguir meu passaporte para sair da droga desse país! Ter uma grana para começar minha vida lá fora, mas o que você fez? Hum? Você me deu um pé na bunda e ainda pegou a ricaça! Cara, se eu soubesse que você gostava de uma “xavasca” eu tinha feito tudo diferente.

— Marcos! Eu não acredito que você estava envolvido no sequestro! Por quê? Seus pais têm bens, eles têm…

— Meus pais? Você não conhece nada da minha família, Cléo. Meu pai abusava de mim desde criança e quando cresci ainda me batia mesmo adulto! Minha mãe sempre foi omissa e ainda posavam de bons pais para todo mundo!

— Deus! Eu não sabia Marcos!

O elevador abriu a porta e ele colou seu corpo ao meu como se fossemos namorados. Sentia a arma nas minhas costelas pela parte de trás.

— Cala a boca.

Sussurrou próximo ao meu ouvido. Àquela hora a rua estava sem quase ninguém.

– Vamos até o estacionamento pegar o carro. Depois vamos dar uma volta e se sua casa estiver fechada e sem ninguém à espreita, vamos passar a noite lá.

— Marcos, por que está fazendo isso? Ninguém sabia o que tinha feito. Você podia…

— Ninguém sabia? A vadia daquela detetive não largou meu pé. Eu é que não sabia disso e quando consegui pegar outra riquinha, ela estourou o cativeiro comigo lá dentro. Só que eu consegui fugir e ainda deixei a outra detetive “vadiazinha” estirada no chão.

— Marcos! O que você fez?!!!

— O que eu já devia ter feito lá atrás. Vamos para sua casa e você vai ligar hoje mesmo para a sua puta dar o dinheiro para te resgatar, isso se ela realmente quiser você.

Chegamos ao estacionamento. Era um daqueles casarios velhos do centro do Rio que havia virado estacionamento. Dentro era escuro e úmido. Apenas um rapaz estava na porta àquela hora e nem levantou a cabeça para ver quem havia passado pelo portão. Marcos me conduziu até um Honda Civic. Abriu a porta e me jogou no lado do carona. Pegou um rolo de “Silver tape” e prendeu minhas mãos unidas e depois no apoiador de braços da porta. Mandou-me colocar as pernas para dentro e fechou. Foi para o lado do motorista, entrou e manobrou o carro. Colocou a arma sob a perna.

— Se você falar alguma coisa enquanto eu estiver pagando o estacionamento, vou dar tanto “pipoco” em você e nesse cara do portão que os dois vão virar peneira. – Rosnou



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