Diferentes?

Capítulo – 17 — Mostre a sua cara

Eu havia me banhado e tomava o café. Minha tensão aumentava à medida que a hora da chegada de Cassio Brandão se aproximava. Não estava mais certa sobre a decisão de ficar e fazer companhia a Melissa. Percebi uma movimentação na sala e o meu desconforto aumentou. Continuei a comer na cozinha para protelar o confronto com aquele que seria a salvação da mulher que agora, eu sabia que amava e ao mesmo tempo ele era a minha frustração.

Alguns minutos depois, Melissa entrava pela porta da cozinha dizendo que seu pai havia chegado e queria que eu o conhecesse. Não poderia ser pior, pois a garota estava realmente empolgada em apresentar a amiga da mãe para o pai.

Fomos apresentados e a minha situação se complicava, pois ele foi extremamente gentil, elegante e agradável, além de bonito. Tudo que uma mulher procura em um homem para relacionamento. Sabem perfil de site de encontros? Era mais ou menos assim que eu estava o vendo. Tudo isso acrescido de uma boa carga de “grana” e projeção profissional.

Meu desconforto permaneceu até o momento que o telefone tocou. Melissa atendeu, pois os detetives disseram para que assim fosse. Mais uma tática que eu não estava interessada em entender e analisar àquela altura. Mas quando Melissa falou a palavra mágica, eu me prostrei de frente para ela e ao lado do marido.

– MÃE! A senhora está bem?

– “Meu amor, fica calma. Não posso falar muito agora, mas está tudo bem! Entre em contato com Jussara a assessora de seu pai, ela pode ajuda-la, conhece absolutamente tudo da vida dele”!

Escutamos um barulho que não entendemos o que foi e logo depois uma voz metálica falava rápido, dando instruções. Minha mente vagava perdida no som da voz anterior. Estava apavorada com a possibilidade de não escutá-la nunca mais. Só me aprumei quando ouvi a outra voz falando algo que caiu como um bloco de concreto em minha cabeça.

– … se as coisas não forem do jeito que “tô” falando, ela vai aparecer tão estragada que nem o caminhão de lixo vai querer levar!

– Deus!

Exclamei ao mesmo tempo em que, deixei meu corpo cair sobre o sofá. Cássio Brandão já sacava seu celular e fazia ligações para gerentes de banco, a assessora e afins.

………….

A mulher entrou novamente acompanhada no quarto com seus asseclas e gargalhava com satisfação.

– Seu maridinho quer você mesmo de volta. Já está agilizando o pagamento. Você deve ser gostosa mesmo para esse desespero todo.

Voltou a gargalhar. Sophia tentava compreender porque essa mulher carregava tanto desprezo.

– Acho que até eu vou te provar antes de despachar!

Desta vez Sophia não conseguiu segurar o temperamento.

— Pois acho que para você se sentir tão diminuída perante a mim, você deve ser pior do que ruim!

Os olhos da mulher quase saltaram das órbitas em fogo. Ela berrou em cólera ensandecida. Sophia nunca tinha visto uma reação tão violenta a uma provocação e esquivou-se instintivamente pondo seus braços sobre o rosto.

— VOCÊ ACHA QUE QUANDO ELE GOZA É EM VOCÊ QUE ELE PENSA? NÃO! É EM MIM, SUA PUTA!

 A mulher tentou pegar um taco que seu companheiro segurava para atacar-lhe. O homem segurou sua mão impedindo-a.

— Você não vai fazer nada agora! — Falou enfático. — Ainda vamos ligar para darmos as coordenadas e eles vão querer falar com ela novamente! Eu quero a grana! Não quero perder por conta de uma provocação idiota!

Ele a empurrou para fora do quarto e o outro homem os acompanhou, trancando a porta.

Após uns segundos, Sophia ainda se encontrava com a respiração pesada.

— Então é você mesma! Deus, Cássio! Você não poderia ter escolhido melhor?!

………………….

A movimentação na rua era enorme. Viaturas de polícia circulavam com as sirenes ligadas e os guardas do bloqueio não estavam mais conseguindo conter a quantidade de gente e repórteres que se agrupavam na porta da delegacia. Eu já estava há uma hora e meia em uma sala de interrogatório, sem saber como Sophia estava. Depois de um cara, que eu não conhecia me perguntar sobre meu ex-namorado insistentemente e sobre um aplicativo de rastreamento instalado em meu celular, do qual eu nem imaginava que existia, Beth entrou.

– Beth, o que tá acontecendo?

– Calma. Você já vai ser liberada.

– “Tô” dando as calças para isso! EU QUERO SABER O QUE ESTÁ ACONTECENDO!

Beth inspirou fundo e pediu que o outro detetive ou sei lá quem, saísse da sala. Ela se sentou a minha frente e me lançou um olhar compadecido.

– Rastreamos um dos números dos sequestradores. Esse número foi utilizado uns três meses atrás para ligar para o seu celular.

– O quê? – Falei atônita e quase sem voz.

– Me deixa explicar primeiro tudo e depois você tira suas conclusões. Há três meses, foi instalado um aplicativo de rastreamento em seu celular. Pelas ligações feitas neste mesmo dia e que foram resgatadas por nós junto à companhia de telefonia, elas não foram feitas por você e sim por duas pessoas diferentes. Uma era seu ex-namorado ligando para o número dele e falando com você, outra era um amigo de faculdade dele ligando para uma mulher. Seu número registrou ligações com estas duas pessoas durante três dias consecutivos e em momento nenhum você apareceu em qualquer ligação que não fosse a com o seu ex-namorado. O que nos levou a concluir que você não estava de posse dele nestas datas.

— Eu emprestei meu celular ao Marcos há uns três meses atrás para ele viajar… – Falei atônita.

— Quando começamos as investigações imediatamente após o sequestro, a primeira coisa que fizemos, foi pedir todas as gravações de ligações dos últimos quatro meses de todas as pessoas envolvidas com Sophia neste tempo. Foi assim que descobrimos estas ligações e foi quando pedi seu celular para averiguações. Neste momento descobrimos também o aplicativo. Rastreamos de onde ele era monitorado e conseguimos saber o número que fazia a vigilância dos seus movimentos.

— Mas por que o Marcos…

— Calma. Não parece que ele está envolvido realmente. Deixe que eu termine.

— Tá bom! Tá bom! Fala, vai!

— Bom, não vou ficar aqui explicando todo o processo e ao longo do tempo você saberá os detalhes, mas resumindo a história, a sua participação na concorrência de Grasoil foi indicada por seu ex-noivo, certo?

– Sim, foi. Pelo menos isso ele fez corretamente. – Eu começava a achar que o Marcos estava envolvido em tudo aquilo e não estava acreditando nesta realidade. Estava em uma desorientação total com as informações que Beth me passava.

– Ele foi orientado pelo amigo dos tempos de faculdade nesse processo de concorrência. Este amigo vem a ser filho de um amigo da família Brandão, mas que passava por um momento de dificuldades financeiras. Na realidade, esse rapaz é filho de um grande amigo de Cássio Brandão.

— Quer dizer que foi o filho desse amigo?

Beth me olhou atravessada já pronta para me mandar calar a boca. Eu também mandaria se me interrompessem toda hora.

— Tá desculpa, Beth. Anda fala logo!

Ela quase pulou na minha garganta dessa vez.

— Posso terminar?

— Tá! Pode!

 — Cássio Brandão foi procurado há algum tempo atrás por este velho amigo que pediu um emprego para o filho. Ele, compadecido da situação, pois o seu amigo havia perdido o emprego e prestígio, por conta de um caso de um paciente que o processou, pediu a Sophia uma chance para o filho dele. Sophia o encaixou, mas em uma função de início de carreira. Parece que o rapaz não era muito afeito ao trabalho convencional.

— Então foi ele?

Os olhos revirando dela me mostraram que eu estava sendo inconveniente. Mas vamos combinar que eu “tava” nervosa, né! Ela voltou a falar.

— Ele namorava uma mulher que havia conhecido em uma recepção feita pela clínica em que o senhor Brandão trabalha e que vem a ser a mesma clínica que o pai dele trabalhou durante uns anos. A mesma clínica que o demitiu. O ponto de ligação é que esta mulher que o rapaz namorava era amante do Sr Brandão há um ano e meio e também sua assessora. Seu nome é Jussara.

— Ei! A Sophia falou dela quando estava no telefone com a Melissa!

— Sim. E foi isso que nos deu a certeza de estarmos no caminho certo e nos fez agir. Até então, eram apenas suposições por termos pego uma ligação feita de um dos números para o número de celular dela há duas semanas. Dois de nossos investigadores a seguiram de manhã quando ela se encontrou com o senhor Brandão no aeroporto. Era para termos escoltado ele do aeroporto até a sua casa, mas como esta personagem que já estávamos procurando o encontrou no aeroporto, nossos dois agentes me contataram e pedi para a seguirem. De lá ela foi direto para o cativeiro.

— Que cretina! Como a Sophia soube que era a assessora de Cássio? – Beth me olhou atravessado novamente. — Mas vai, termina a história.

— A reconheceu apesar de tê-la visto apenas duas vezes em recepções, mas se lembrou de uma risada que ela dera em uma festa e que chamara a atenção, por achar o tom espalhafatoso e agressivo. Sophia contou que no cativeiro, após ouvi-la gargalhar teve um “flash” e passou a reparar em seus olhos o que levantou mais suas suspeitas. Por isso ela tocou no nome de Jussara na ligação com a Melissa.  Mas voltando a história, pelo desenrolar do caso com o Sr Brandão, Jussara percebeu que não haveria qualquer chance dele deixar a sua esposa para ficar permanentemente com ela. Pelas investigações, sabemos que você não tem absolutamente nada com o caso, provavelmente seu ex-noivo também não, mas ainda teremos que fazer outras buscas para o excluirmos. Você entrou por tabela na história. Você era uma pessoa desconhecida e que não teria qualquer ligação intima com a Sophia, mas com o desenrolar do tempo, estaria próxima o suficiente para que eles pudessem cavar oportunidades. O problema é que você se tornou muito próxima a ela em muito pouco tempo.

Desta vez, o projeto de Rizzoli me olhou com sarcasmo e eu fiquei vermelha até a alma. Odiei!

— Na realidade, eles acharam que tinham tirado a sorte grande e resolveram agir. O que provavelmente levaria uns oito meses, até você se ambientar na Grasoil e se aproximar o suficiente de Sophia para que eles pudessem lançar mão desta vantagem, aconteceu rápido. Outra coisa que estava fora dos planos deles e que os fez precipitar foi o fato de você ter terminado com o Marcos. Pelo motivo do rapaz que era namorado de Jussara ser amigo do Marcos, eles conseguiriam informações mais diretas sobre seus passos, porém assim que você entrou na Grasoil, terminou o namoro, fazendo com que eles tivessem que vigiar a Sophia e você mais de perto. Não foi muito difícil, pois o César…

— César?

 — É. César é o nome dele. Bem, ele continuava trabalhando na Grasoil e pelo visto, não era muito notado, porém devia estar sempre por perto e vocês não percebiam. Na realidade, isto foi muito melhor para nós, pois conseguimos rastreá-los com muito mais facilidade. Do resto, foram questões técnicas de investigação.

Eu estava aturdida e irada. Senti-me usada, manipulada e terrivelmente mal de saber que, por tabela, contribui para o sequestro.

– Eu sei o que está pensando, Cléo. Não se sinta assim. Você não tinha como saber.

– Não importa. Eu fui um veículo. – Falei arrasada.

– Pode ter certeza que, o senhor Cássio Brandão foi um veículo muito maior e muito mais importante na operação destes bandidos. Imagina como ele está se sentindo?

– Eu estou pouco me lixando para o que ele está sentindo. Quero saber como Sophia está. Onde ela está?

– Ela está no IML, na perícia. Já prestou depoimento e será liberada assim que terminar.

– Eu quero vê-la! Ela está bem? Vocês a tiraram de lá sem qualquer problema, não é? Eles não fizeram nada, não é?

— Pelo que ela nos informou, não. Eles não fizeram nada. Conseguimos tirá-la a tempo de nada acontecer.

Eu estava à beira da histeria com a possibilidade de Sophia achar que eu tivesse tido qualquer coisa com este sequestro. Queria vê-la, Queria me fundir a ela em um abraço de proteção. Ela teria que me ouvir e acreditar em mim.

– Eu não acho que seja a melhor hora para você vê-la, Cléo.

– MAS EU ACHO! EU QUERO VÊ-LA!

Meu descontrole era total.

…………..

Quando passamos pelo corredor, vi Cássio de cabeça baixa em uma cadeira de espera e Melissa a seu lado, chorando. Parecia um menino acuado, mas depois que cheguei perto e o escutei falar, queria dar uma “voadora” no pescoço dele.

– Como vou explicar isto para a imprensa? Como vou explicar para meus pacientes? Vai ser um escândalo!

– Pai! Como você pode pensar nisso em uma hora como essa?

Mel olhava incrédula para o pai. Parei em frente a ele.

– Acho que o foco de suas preocupações está deslocado. Pense em como sua esposa vai reagir depois que souber disto tudo!

Ele me olhou de forma arrogante.

– QUEM É VOCÊ PARA ME JULGAR? VOCÊ QUEM A LEVOU ATÉ OS SEQUESTRADORES! ELES A PEGARAM NA SUA PORTA!

Mas não fui eu quem dormiu com o inimigo! – Rosnei.

A mágoa de mim mesma era forte e ele a reforçou, mas eu não deixaria ele me arrasar. Eu já estava arrasada por demais e por minha própria consciência. Mas o que falei, caiu sobre sua cabeça também, pois ele baixou a cabeça novamente e balbuciou.

– Eu não sabia… Eu não poderia saber…

Eu poderia julgá-lo? Acho que não, afinal, eu havia dormido com a mulher dele.



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