Diferentes?

Capítulo 12 – Simplicidade

— Viu, minha mãe! Parece que nem seus amigos sabem tanto assim de você. Mas agora tô mais interessada nas histórias do Dago, depois mamãe te conta a história de todos esses nomes, Cléo.

A garota estava empolgada e apenas assenti, sorrindo para Sophia, pois a cara dela era de, “sabia que isso ia acontecer”, mas ao mesmo tempo, ela estava desfrutando da companhia de todos. Dava para vê-la sorrindo ao longo das histórias que Dago contava. Algumas eu já sabia como aquela em que ela contratou os dois, mesmo sabedora da condição de “casados” dele e outras eu mesma me interessei em ouvir. Dago e Erick contavam de forma bem humorada. Uma delas até me surpreendeu a reação dela.

— … então essa bicha louca que era o diretor de suporte e veio diretamente de Oslo para assumir aqui, começou a infernizar o Erick. O Erick chegou a se esconder por algumas vezes na minha sala e eu dizia que ele estava exagerando. Eu dizia que ele não devia entender direito o inglês do cara e que ele estava confundindo as coisas.

— Eu avisei. – Gritou Erick no meio da história.

— SHIIII! – Chiamos ao mesmo tempo para que Erick parasse de interromper.

— Ei! Fui eu o atacado. Conheço melhor essa história do que ele.

— Mas não com a visão do meu punho.

— O que? Você bateu no homem?

— Calma, Mel. Deixa eu chegar lá. Então, onde eu estava… Ah! Lembrei. Um dia, o Erick foi chamado à sala da Sophia, só que a Sophia e eu estávamos na reunião semanal de gestão. O Erick foi lá e com quem ele dá de cara?! Ele mesmo. O tal norueguês de tamanho 2×2 bichinha da porra.

Todos nós ríamos com a encenação de Dagoberto, ao contar a história.

— O filho da…

— Ei! Não fala palavrão na presença da minha filha.

— Mãe!

— Não tem mãe nem meio mãe! Comigo junto, você não ouve palavrões. Você pode ter crescido, mas as regras continuam valendo.

— Tá certo. Desculpa. Mas então, o filho de chocadeira pegou o Erick e grudou na parede com ele já desmanchando toda a roupa. Erick deu um grito estridente que mesmo com aquelas paredes reforçadas da sala da Sophia nós escutamos do corredor. Já estávamos retornando da reunião e ainda bem que só estávamos nós e a secretária. Saímos correndo e entrei igual a um trator na sala. O filho da… de chocadeira já estava querendo abrir a calça de Erick e ele se debatia e tentava empurrá-lo, mas o homem era enorme. Não teve uma nem duas, arrumei minha mão e acertei um murro nas costelas dele. Quando ele se virou, acertei mais dois naquela cara de bacalhau amassado.

Ríamos da performance de Dago e Erick pontuava coisas mais engraçadas ainda.

— E mamãe?

— Eu estava chocada. Não sabia nem o que pensar. O cara, além de diretor aqui, fazia parte da diretoria da matriz. Nem em um milhão de anos achava que uma coisa assim pudesse acontecer.

— Depois que Sophia colocou a mão em mim é que acordei da minha ira.

— Não sem antes me olhar com cara de quem me esmurraria também. – Falou rindo. – Pensei que chegaria em casa com um olho roxo, tendo que me explicar para todos.

— Você nunca me contou essas coisas. Por quê?

— Para que contar? Não dizia respeito a mim diretamente e depois, são coisas que devemos deixar onde estão. Imagina se trouxesse tudo que vivo no trabalho para casa? Vocês não deixariam mais eu trabalhar, além de nos chatearmos com um fato que já havia sido solucionado.

– Sua mãe tem razão, Melissa. Se toda vez que tivesse problemas ela levasse para casa, imagina como seria sua vida? Ela só respiraria o trabalho, até mesmo em casa.

Ela estava risonha e demonstrava felicidade. Fiquei imaginando as cargas que ela segurava sozinha para não quebrar a harmonia de seu lar.

— E aí? Conta o que aconteceu com o cara!

— Sua mãe mandou-o para o centro médico e ficou nos acalmando. Erick chorava igual a donzela desvirginada.

— Deixa de ser linguarudo. Queria ver se fosse você a ser pego por um fedorento azedo e enorme que nem ele!

— Fedorento azedo? – indaguei querendo entender e Sophia se prontificou a explicar.

— É. Ele era daquele tipo que usava o mesmo terno durante semanas e que achava que não precisava tomar banho todo dia aqui no Brasil.

— Eca! Num calor de 45º daqui do Rio?

Sophia olhou para a filha sorrindo.

— Isso mesmo. E quem tem coragem para falar para o cara que ele está passado?

— O cara fedia mais que bicho morto de três dias. Ninguém aguentava quando ele ia para as reuniões. Chegava uma hora que alguém sempre levantava e abria as portas da varanda mesmo com o ar-condicionado ligado. Comecei a reparar que nesses dias, sua mãe, que sentava ao lado dele, ia ao shopping ao lado e comprava roupas. Depois ela tomava um banho e trocava-as.

— Não acredito que você reparava isso!

— Eu só não, todo mundo. Fazíamos bolão para ver se você sairia antes ou depois do almoço.

Rimos a valer da cara de Sophia com a revelação. Depois ela se juntou a nós e não parava de rir.

— Gente, vocês não tinham ideia. Eu ficava com aquele cheiro no meu nariz e nem conseguia comer. Depois de um tempo, comecei a levar roupas em uma maleta em dias de reunião para não ter que sair para comprar.

— E acabou com o nosso bolão.

— Seus cretinos. Estavam ganhando dinheiro nas minhas costas. Tinha dias que eu não conseguia sair para comprar nada. O que vocês faziam?

— Ah, tínhamos todas essas opções no bolão. Ela vai sair e comprar roupas antes do almoço, ela vai sair e comprar roupas depois do almoço, ela não vai sair, e a última era, ela vai embora para casa. Erick era o único que colocava dinheiro nessa opção. Ele sempre dizia que o dia que acontecesse, ele ia ganhar uma bolada alta.

— E aconteceu. Eu levei, sozinho, a grana de todo mundo. Foi uma grana boa, pois fazíamos como se fossem cotas. Começava em dez reais e ia até mil. Os diretores sempre apostavam mil.

— O que? Até os diretores? Eu não tô acreditando que isso acontecia embaixo do meu nariz!

— Embaixo não, pelo visto, por causa dele! — Quando falei, houve uma explosão de gargalhadas. Sua filha acariciava os seus cabelos sem parar de rir e dizia para ela que a vida era assim. Rimos mais ainda. Erick continuou a contar.

— Quando vinha o resultado era parcelado de acordo com o que a pessoa havia apostado. Nesse dia, você saiu logo depois da reunião e como não voltou depois do almoço, sondamos Rosalina. Ela achava uma bobagem isso, mas nesse dia ela acabou entrando no bolão. A canalha sabia que eu tinha ganho, mas fez jogo duro para falar, pois você tinha dito para ela falar que estava se sentindo mal e tinha ido embora, mas pediu para falar só se alguém perguntasse.

— Cachorro! E eu aqui me preocupando com você. Lembrem-me para dar um aumento a Rosalina. Pelo menos, ela teve a dignidade de resistir até o fim e acatou minhas ordens.

Rimos solto. Sophia realmente não estava chateada, estava tranquila e se divertia. Já estávamos almoçando e as conversas continuaram em torno das histórias de Sophia. Melissa estava eufórica. Parecia que, apesar do carinho, sua mãe sempre ocultou esse lado, ou melhor, sempre poupou esse lado de sua vida para a filha. Essas conversas e essa intimidade não estavam ajudando muito na minha decisão de me apartar dela. Os pequenos gestos, a forma de rir, a maneira como meneava a cabeça para ajeitar o cabelo, Deus, como me afetava!

No momento do café, Sophia começou a contar uma história que aconteceu com ela, quando ela visitou uma das plataformas de extração. Ela estava acompanhada de um engenheiro e bem, minha nuca ficou eriçada e minhas orelhas em pé.

— Era mais uma visita de cortesia do que uma inspeção. – Ela falava — Deus sabe o quanto a operação se esforça para dar tudo certo e que nada esteja fora do lugar quando falam que um diretor vai em visita.

— Por isso muitas vezes você me pediu para agendar visitas em plataformas apenas como uma engenheira?

— Claro! Quando falam que eu vou, estendem até tapete se a gente vacilar. Chega a ser constrangedor. Tem vezes que quero ir apenas para ver a operação. Não quero pompas ou alardes, quero saber como as coisas estão funcionando.

— Papai nunca gostou quando você ficava dois ou três dias embarcada em plataforma. Ele fala que os caras são broncos.

— Pois ele está falando bobagens e depois, hoje em dia muitas mulheres embarcam e são operadoras, outras são enfermeiras e outras tantas engenheiras. Ele está falando de forma tacanha. Por acaso, no início de minha carreira eu não trabalhei embarcada?

— Eu sei. Por papai, você vivia à custa dele e pelo visto, eu também. Ele acha que é o suficiente. Em algumas coisas, ele está tão na vanguarda e em outras é retrógrado. Eu realmente não entendo.

Sophia tratou de mudar de assunto e retornar a história. Este lado de sua vida, parecia que ela não estava com vontade de expor.

— Bom, como dizia, esta história não tem muito tempo, mas foi um tanto quanto constrangedora. Foi mais ou menos na época que você passou no vestibular. – Apontou para sua filha. – Eu ia visitar uma plataforma e um dos engenheiros encarregados ia me acompanhar, ele estava cotado para uma gerência e acho que ele se importava mais com o que eu pensaria dele como homem do que como profissional, pois o seu esforço em me agradar era tanto que chegava a ser desmedido.

— Que tipo de esforço? Não foi tudo arrumado de antemão?

— Foi sim, Dago. Lembro que você mesmo cuidou de algumas coisas para esse embarque.

— Ele não estava agindo assim por saber que poderia ser escolhido para uma gerência? – Perguntei.

— A princípio, eu pensei que sim, mas ao longo da visita, vi que ele estava tentando me cativar.

— Cativar de que forma?

— Ah, Mel, cativar. Eee… ele queria me paquerar, entende?

— Iiiihh! Mamãe arrasando corações! Conta vai. O que ele fez?

— Além de querer me içar do helicóptero para eu descer sem precisar usar a escada, escorregar no passadiço por ficar me olhando e não olhar por onde andava, derrubar suco em cima de mim no almoço por querer pegá-lo, antes de todo mundo para me oferecer e praticamente se meter dentro do meu macacão para limpar o que havia feito e completamente sem graça, bom ele não fez quase nada para eu perceber a sua queda por mim.

Caímos na gargalhada. O cara, pelo visto, era um desastre.

— Gente! E esse cara era engenheiro da empresa? Desse jeito ele explodiria uma plataforma fácil!

— Pior que não, Erick. Ele, na verdade, era um excelente engenheiro. Pouco tempo depois, ele foi chamado para gerenciar uma área de exploração no atlântico norte. Acho que só era assim comigo. Toda vez que nos encontrávamos ele gaguejava, derrubava café na sala de reunião, esbarrava em vasos ou coisas na mesa, essas coisas idiotas. Perguntei a várias pessoas que o conheciam pessoalmente e me disseram que ele não era desse jeito, só fazia este tipo de coisas quando me encontrava.

— E você, o que fez?

— Não fiz nada. Fingia que não percebia e ignorava.

— Coitado, mãe!

— Coitado nada. Você queria que eu desse bola?

— Ele era bonito?

— Era.

Dago deslizou feio nessa. Erick o olhou recriminando.

— Quer dizer que você reparava no homem, Dago?

— Só falei que ele era bonito! Não posso achar ninguém bonito, não?

— Bom, gente, a conversa tá boa, mas vou deixar mamãe com vocês e vou me encontrar com umas amigas, para matar a saudade.

— Pensei que fosse embora comigo.

Mel deu um beijo no rosto de Sophia e já se adiantava para cumprimentar todos nós.

— Não fique com saudades, mãe. À noite, a gente se vê. Você podia rachar um táxi com Cléo, assim não vão embora sozinhas.

Olhei para Sophia e ela me olhou com intensidade. Isto não ia prestar. Toda vez que nós ficávamos juntas, acabávamos nos descontrolando. Eu acabava me descontrolando para ser mais exata. Se bem que não estaríamos sozinhas, o taxista estaria junto não é?! Sim, claro. O taxista estaria junto.

— Mmmm… Éééé… Claro! Podemos sim, Melissa. Não se preocupe, eu vou com sua mãe.

— Não me preocupo. Vocês se dão bem. Já percebi que minha mãe gosta de você.

Eu quase cuspi o café que acabava de pôr em minha boca. O que Melissa queria dizer com isso?

— Mel, você não está atrasada, não? – Sophia perguntou para ela.

— Iiihhh! Já tô iiinnndo. Qual o problema de você ter uma amiga, mãe? Você fica sem graça à toa!

— Vai, vai vai! – Sophia beijou novamente a filha, dando um tapinha no traseiro dela.

Melissa sorriu e saiu com Dago a acompanhando. Quando retornou, ele voltou sorrindo e balançando a cabeça.

— Sua filha é um amor, Sophia. – Ele deu uma pequena parada e a olhou. – Tudo bem continuar chamando-a de Sophia, não?

— Claro, Dago! O que acha que sou? Uma ogra?

— Não é queeee…

— Dago, preste atenção no que vou lhe falar. Eu vim aqui com minha filha, não como sua chefe, mas como amiga. Às vezes, sei que não expresso bem meus sentimentos, mas como minha filha disse, eu não sou de muitos amigos, certamente não considero você e Erick quaisquer pessoas em minha vida.

Dago ficou com um sorriso bobo nos lábios e um tanto quanto sem graça. Erick estava mais para o emotivo e cheio de lágrimas nos olhos. Comecei a rir.

— Vocês são duas bibas mesmo, né?! — Continuei rindo, enquanto Erick me tacava uma almofada e Dago um guardanapo.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.