Depois do Colorir

4. Magia de fada

Luísa vai para casa, toma banho e dorme profundamente. Apesar de toda gama de sentimentos, o cansaço vence. Acorda depois das dez e imediatamente pensa em Helena. Faz o café e continua pensando num jeito de vê-la. Uma ideia surge.

– Oi Sê!

– Oi Lu!

– Tá muito ocupada agora cedo?

– Nada que não possa fazer depois, por quê?

Luísa conta sobre a história que fez com que Serena se transformasse numa fada. Ela ri muito e combinam de irem juntas ao hospital. Luísa para o carro  e vai até a loja.

– Bom dia Dona Marta!

– Oi minha flor!!

Se abraçam e se beijam carinhosamente.

– A Serena já tá vindo. Mas olha, aonde vocês vão?? – diz colocando as mãos no rosto num gesto assustado e engraçado.

– Por quê?

– Por isso!! – Serena aparece na porta vestida de fada.

– Que isso??? – Luísa pergunta já dando risada.

– Ué você me transformou numa fada, como quer que apareça na frente da menina???

Luísa explica para Marta a história.

– Ah Luísa, você é um ser iluminado mesmo! – Marta diz com os olhos marejados.

– Que isso Dona Marta! – responde muito sem graça.

– Vamos Lu!!! – Serena diz já puxando a mão da amiga.

Chegam ao hospital.

– Sê como você vai subir assim????

– Oxi, subindo ué! – diz e sai do carro.

Todos a olham admirados. Serena age como se vestisse uma roupa normal, do dia a dia. Luísa não contém o riso ao ver a cena.

– É esse o quarto. A porta tá fechada então a Helena deve estar aí.

Luísa bate na porta e entra.

– Lu!!!! – a animação na voz de Mariana deixa a médica comovida novamente.

– Oi minha princesa! – e a beija.

– Bom dia Luísa.

O tom de Helena é frio, nem faz menção de se levantar para cumprimentar Luísa.

– Bom dia Helena. Mari tenho uma surpresa pra você!!

– Jura, outra fruta encantada???

– Hummm melhor que isso! Mas você precisa fechar os olhos e jurar que só abrirá quando eu falar!!

– Juro!!!!!

Luísa vai até a porta e chama Serena. Helena se surpreende ao vê-la vestida a caráter. Serena sorri e a cumprimenta com um lindo sorriso.

– Pode abrir Mari! – diz Luísa.

A emoção de Mariana ao ver a fada comove a todos, todas ficam com os olhos cheios d´água.

– Você existe!!! – a voz da menina sai feliz e seus olhos brilham demais.

– Sim minha pequena!!

Serena brinca e responde a todas as perguntas da menina. Luísa e Helena ficam paradas admirando a beleza da cena.

– Bom, por que as duas moças aí não vão dar uma volta enquanto eu conto histórias para essa princesinha? – Serena dá uma piscada para Luísa.

– Isso, aí fica só nós duas né fada Serena!!!

– Podem vir só daqui duas horas, pois faço questão de curtir muito essa menina flor!!

Helena fica dividida e não responde, quando Luísa percebe que ela pode dar uma desculpa qualquer, pega em sua mão e responde:

-Sim senhoritas! Então voltaremos daqui duas horas.

Elas deixam Mariana e Serena e saem do quarto.

– Posso te levar para um lugar calmo e lindo? – Luísa pergunta com receio.

Helena aceita com um meneio de cabeça. Seguem quietas até o carro que está parado na rua lateral. Luísa abre a porta para Helena entrar. Seguem até o parque do centro da cidade. Estaciona e olha para Helena.

– Vem moça, vamos dar uma volta ao ar livre.

Caminham por uns minutos ainda em silêncio. Como é dia de semana, não há muito movimento. Luísa a leva até o lago.

– Nunca entrei aqui. – Helena quebra o silêncio.

– Amo esse lugar. – lembra que Laís também entrou lá pela primeira vez com ela e hoje é assídua frequentadora.

Sentam na beira do lago.

– O que foi Helena?

– Nada. – a voz ainda é fria.

Luísa puxa de leve o rosto de Helena para que a olhe.

– Você está estranha desde que chegamos ontem ao hospital. Foi pelo que aconteceu na minha casa?

Helena quer falar tudo o que pensa e sente, mas está tão confusa que fica inquieta e ao mesmo tempo, sem saber como agir, como falar.

– Helena, ontem o que aconteceu foi lindo, amei. Sei que pra você foi uma surpresa, talvez cedo demais, inesperado e confuso. Mas eu agi conforme meu coração e meu corpo pediram e só continuei, porque vi que você também queria.

– Lu eu não sei como permiti, sei que também gostei, mas nunca nem tinha imaginado beijar uma mulher quanto mais fazer amor. Sou casada e nunca fui pra cama com alguém que conheci em tão pouco tempo.

– Só me responde uma coisa, você gostou?

– Sim.

– Então não há nada de errado.

– Claro que há! Sou casada!

– Sim é. Por isso a culpa? Acha que fez algo monstruoso?

– Fui infiel e em tanto tempo de casada, jamais fiz algo do tipo, me sinto péssima.

– Você é feliz?

– Com tudo que está acontecendo com a Mari, não.

– Esquece um pouco dessa situação. Se tudo estivesse bem com ela, você seria feliz, melhor, você era feliz e realizada no seu casamento antes da doença dela?

Helena olha para o lago e fica pensando por um momento. Sem olhar para Luísa, desabafa:

– Não… Me casei por estar apaixonada, fomos felizes nos primeiros anos, mas acho que o desgaste normal de qualquer casamento nos atingiu…. Fomos nos tornando amigos.

– Amizade é sempre boa, mas numa relação amorosa só ela não basta.

– Você já casou?

– Sim e foi bom até que aconteceram algumas coisas ruins.

– Faz tempo? Ficou casada quanto tempo?

– Tem uns anos, depois disso tive apenas uma relação séria que durou alguns meses. Gosto de estar solteira.

Helena a olha tentando decifrar sua expressão.

– Nunca mais amou ninguém?

– Me apaixonei por essa última namorada, somos amigas até hoje. Depois dela ninguém me encantou.

Helena gostaria de ser quem a encantasse, mas nem tinha certeza do que sentia por Luísa. Seria amor? Paixão? Ou apenas estava carente e a linda médica veio suprir o que faltava?

– Lu eu gostei muito de ontem, mas e agora?

– Seremos amigas, continuarei visitando vocês e vida que segue!

– É isso que quer? – diz meio decepcionada.

– Helena por acaso você está disposta a mais do que isso? Com você não foi sexo como tem acontecido comigo há um bom tempo. Sinto algo mais que desejo. Só que não vou embarcar em algo se você estiver indecisa. E tão pouco quero atrapalhar sua vida.

– Lu eu estou muito confusa de verdade. Não tenho o que te responder.

– Então não responda nada. Seremos amigas e, se um dia você se decidir por algo diferente, a gente volta a conversar. Combinado linda? – e dá seu lindo sorriso.

Helena sorri e elas se abraçam. Um abraço demorado, bom, acalentador.

Luísa olha em volta e vê que estão sozinhas, segura o rosto de Helena com uma das mãos, aproxima sua boca do ouvido dela e diz baixinho:

– Você é linda sabia?

– Lu….acabamos de combinar que seriamos duas amigas e…

– Então por que você tá arrepiada?

– Por que tá frio….rs

– Não, porque está excitada. – a voz de Luíza é carregada de sensualidade.

– Estamos no parque!

Colando ainda mais seus corpos, Luísa coloca sua outra mão por baixo da camiseta de Helena, fazendo carinho em sua barriga.

– Lu assim é covardia… – Helena suspira.

– É? Tá eu paro!

Quando faz menção de se afastar e tirar sua mão, Helena agarra sua nuca e beija sua boca.

– Assim você me deixa em dúvida de como agir Helena. – as palavras saem sufocadas, pois as bocas estão muito próximas.

– Não consigo pensar direito perto de você Lu.

Luísa se afasta e senta de frente à Helena.

– Bom vamos nos conhecer. Meu nome é Luísa Campos, tenho quase 40, sou médica, fui casada por 9 anos com uma mulher, sou lésbica desde sempre, nunca me envolvi com homens. Gosto de mulheres da minha idade ou mais velhas, pratico meditação, sou espírita, gosto de esportes, mas não ando praticando. Venho de uma família que amo e que me ama, nasci no interior do Paraná, tenho poucos e ótimos amigos, sou alegre na maior parte do tempo. Hum… faltou alguma coisa?

Helena ri do jeito leve e direto dela.

– Posso perguntar conforme as dúvidas forem surgindo?

– Claro Helena! Agora sua vez!

– Me chamo Helena Souza de Matos, tenho 39 anos, sou advogada e trabalho na empresa da minha família, mas meu sonho é dar aula de história em alguma universidade. Sou casada com o Fabio há dez anos, tenho uma filha maravilhosa chamada Mariana que tem oito anos, minha família se resume à minha mãe e à minha irmã mais nova, agora também a do meu marido, mas nunca me dei muito bem com eles. Nunca fui fã de exercícios apesar de saber que são necessários, odeio dentista, amo orquídeas, mesmo antes da doença da Mari era mais séria que alegre ou espontânea.

– Posso também fazer perguntas?

– Claro Lu! Quem começa?

– Eu porque sou loira e linda!! – as duas caem na risada.

– Ok! Vai lá loira linda! – Helena dá uma piscada e um beijo leve na boca de Luísa.

– Vou seguir a ordem que foi dizendo ok? A empresa é da família do seu marido ou da sua?

– Da minha família. Meu pai construiu um pequeno império na área de confecções.

– Por que não foi dar aulas?

– Entrei muito nova na faculdade e acabei cedendo ao desejo dele de fazer Direito. Comecei a outra faculdade quando terminei a primeira, foi um perrengue familiar, mas terminei. Meu pai morreu justo quando eu estava acertando para dar aulas. Acabei tomando seu lugar na fábrica. Não tive coragem de largar até hoje.

– Como conheceu seu marido?

– A família dele sempre foi nossa principal cliente. Nos conhecemos quando devíamos ter uns 24 anos. Num jantar desses que sempre tinha em casa, acabamos ficando. Foi indo e quando vi, tinha dito sim pra ele.

– Por que optaram pela adoção?

– Porque sempre foi um desejo meu, ele mesmo nunca quis filhos. Embarcou comigo nesse sonho.

– Ele é bom pai?

Helena joga uma pedrinha no lago e demora um pouco para responder.

– Sim, é atencioso e trata com carinho a Mariana. Sabe, logo que comecei a trabalhar na fábrica, lutei até conseguir montar um orfanato que existe até hoje. Sempre frequentei e quando a Mari chegou lá, tinha apenas cinco meses. Foi retirada dos pais porque usavam drogas e uma vizinha chamou a polícia. Tinha ouvido berros de criança, enfim, arrombaram a porta e acharam ela ali, largada no chão toda suja e esfomeada.- nessa hora caem lágrimas dos seus olhos.

– Nossa que situação!

– Sim. Estava casada há dois anos e nem ele e nem eu, pensávamos em filhos. Mas vi a Mari e a amei no primeiro segundo! Discutimos muito e por dias, até que depois de quase um mês assim, eu disse que me separaria se fosse o caso, mas que eu adotaria a Mari de qualquer maneira.

– Logo ele aceitou para não te perder. Deve te amar muito!

– Sei lá, acho que sou uma boa mulher para ele. Rica, inteligente, de certa forma bonita, um belo objeto para ele desfilar pela sociedade. – seu tom é frustrado.

– Mas vocês não se amam?

– Hoje me questiono. Gosto dele, no começo era muito bom. Depois que casamos que realmente percebi que o que sentia por ele era uma profunda amizade, que sinto até hoje.

– Quer que eu pare?

– Não Lu, de certa forma está sendo bom desabafar. Nunca fiz isso com ninguém. Estou te contando e ao mesmo tempo refletindo.

– Não tem sua irmã ou amigas??

– Minha irmã é mais nova e se mudou para a Itália para fazer faculdade, tinha 19 anos. Vinha de férias aqui. Nunca convivemos muito. Agora é casada e vem uma vez por ano. Não sou muito de me abrir, tenho duas amigas de anos, mas sei lá, nunca me senti à vontade para falar dessas coisas.

Helena vê como isso é semelhante entre Helena e Laís, será um karma? Pensando nisso, deixa escapar um sorriso.

– Rindo de mim? – Helena provoca.

– Para você minha linda! Por que ainda está casada?

– Olha nossa relação é tranquila, é fácil conviver com ele.

– E como é o sexo? – Luísa pergunta já sentindo o danado do ciúmes.

– Normal. Depois de ontem descobri que é muito sem graça.

As duas riem e trocam um beijo longo.

– Mas agora é minha vez, já respondi muitas pergunta Dra. Luísa!

– Sinta-se à vontade linda.

– Já amou?

– Sim, minha ex esposa.

– Ainda a ama?

– Não.

– Por que seu último namoro acabou?

– Porque tínhamos muito tesão, mas não nos amávamos. Foi uma paixão gostosa, mas passageira.

– Não se sente vazia por apenas transar com as mulheres?

– Não. Não saio transando com qualquer mulher, mas confesso que já aconteceu. Olha Helena, na minha cabeça é muito bem resolvida a separação entre sexo e amor. Adoro sexo, com alguém que amo ou estou apaixonada fica melhor. Mas se não estou, o sexo é bom também.

– Pra mim isso é algo muito novo.

– Pra muitas pessoas ainda é, me julgam como promíscua, nem ligo. Ninguém paga minhas contas.

Elas riem e se beijam, aproveitam o tempo para namorarem como duas adolescentes.

– Ainda tem um bom tempo, por que não vamos pra sua casa Lu? – Helena diz enquanto beija seu pescoço.

– Ahhh Helena, acho que devemos nos conhecer melhor. Não foi você que comentou que esse lance de só sexo a assustava?

– Hummm você tem razão, mas…

– Mas o que srta?

– É que não consigo ficar perto de você e não sentir uma vontade de…

– De?

– Ah você sabe. – Helena diz sem graça.

– Verbaliza mulher! – diz rindo.

– De fazer amor com você Dra. Luísa!

– Mas acho melhor fazermos o que falei. Se um dia, quem sabe, você entender o que sente por mim, a gente volta a conversar. Envolver sexo só vai te confundir mais.

Helena a entende e sabe que tem razão, mas sente certa frustração.

– Enquanto isso, você sai com outras mulheres…….

Luíza a abraça e diz carinhosamente:

– Helena não serei hipócrita de falar que isso não pode acontecer. Mas confesso que há anos não sentia isso que sinto com você.

– Com sua ex namorada e faz pouco tempo. – o bico de manha sai sem querer e se fixa no rosto de Helena.

– Com ela foi tesão e paixão, mas não foi esse treco que ando sentindo.

– Que nome tem esse treco Lu?

Luísa não quer pressionar ou manipular Helena, por isso prefere não ser totalmente sincera.

– Helena sinto algo bom por você, de verdade! – e a beija terna e intensamente.

Elas voltam para o hospital e encontram Serena e Mariana brincando de cartas. Conversam e depois de um tempo, Serena avisa:

– Bom meu amor preciso ir, tenho outras princesinhas para visitar!

– Ahhh…. – Mari cruza os braços e faz cara de choro.

– Filha não seja egoísta! – repreende Helena.

– Bom vou levar a fada e amanhã eu volto pra te ver minha menina! – Luísa beija e abraça Mariana.

– Não Lu, fica que eu pego um uber!

Dessa vez é Helena quem fala:

– Serena não tenho como te agradecer!! Luísa obrigada!!

Elas se abraçam e se despedem de forma carinhosa. Luísa cochicha para Helena:

– Mais tarde te mando uma mensagem. – quando se afasta percebe o sorriso doce que desponta do rosto de Helena.

Já no carro Serena pergunta:

– Por que não ficou Lu??

– Ah Sê! Hoje conversamos muito e foi ótimo, mas ela de fato está muito confusa e, confesso, também estou.

Estaciona o carro em frente à loja de Serena, as duas amigas se despedem e Luísa vai direto para sua casa. Coloca um cd de MPB, abre um vinho e se senta no chão da sala. Repassa a conversa com Helena. Tenta entender o que ela própria sente. Depois de um bom tempo refletindo, diz em voz alta:

– É Luísa pra você ter certeza se é isso mesmo, terá que se testar!

Deita para dormir decidida no que fará no dia seguinte.



Notas:



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