Luísa tenta sair o quanto antes do hospital, quer passar no supermercado antes de ir para casa e também comprar algo para jantar. No corredor esbarra em alguém e quase caem.
– Nossa me perdoe!!! – Luísa diz sem graça.
A mulher bate na parede e vai escorregando por ela até sentar no chão, começa a chorar.
– Ei te machuquei tanto assim??? – pergunta já se aproximando da mulher.
A mulher coloca as mãos no rosto e chora de forma profunda. Luísa ajoelha a seu lado e tenta levantar o seu rosto.
– Ei o que foi? Me deixa ver se quebrou algo.
A mulher tira as mãos do rosto e olha para Luísa. Ela tem lindos olhos azuis que, por causa das lágrimas, tem um tom claro e brilhante. A enfermeira do andar vem ajudar, a mulher se levanta e segue Luísa, que a leva até uma poltrona no fim do corredor.
– Marcia por favor traz uma água.
– Claro Dra. Luísa.
A mulher aos poucos se acalma e controla a respiração, Marcia traz a água e volta para o posto de enfermagem.
– Eu não sei o que houve, mas tenho certeza que não foi pelo nosso esbarrão. Posso ajudar?
– Você é médica?
A voz é rouca e um pouco grave, ainda com olhos marejados olha para Luísa com uma expressão triste.
– Sim, sou cirurgiã. – e estende um lenço para a mulher.
– Profissão linda a sua! Eu não teria coragem suficiente para ser médica. – diz enquanto enxuga seus olhos.
Luísa fica observando a linda mulher e quando percebe que está mais calma, pergunta com preocupação:
– Me chamo Luísa. O que houve para você ter uma crise de choro?
– Prazer, me chamo Helena. Bom é uma longa e triste história.
Vendo que seus planos de chegar cedo em casa não seriam concretizados, Luísa toma a decisão de tentar ajudar a mulher triste.
– Olha aqui perto tem uma cafeteria, que tal irmos lá e você me conta?
– Ah você estava saindo, não quero te atrapalhar.
– Olha se me atrapalhasse não a convidaria. Vamos, acredito que te fará bem conversar.
Helena a olha com ternura, pois sabe o quão difícil é encontrar pessoas dispostas e empáticas como a médica que está a sua frente. Luísa levanta e faz um gesto para que Helena a siga. As duas vão em direção ao elevador em silêncio. Entram e Luísa é cumprimentada por dois enfermeiros, trocam algumas palavras. Quando o elevador para no térreo, Luísa sai primeiro e segura a porta para que Helena passe.
– Vamos a pé, a cafeteria fica no próximo quarteirão.
Caminham lado a lado, a médica percebe que Helena está com algum problema sério, talvez alguém que ame e esteja internado, ou será ela que está doente?
Chegam à cafeteria e Luísa automaticamente lembra de Laís. Impossível não lembrar das conversas que tiveram naquele lugar e fica parada por uns segundos.
– Tudo bem Luísa? – Helena percebe um ar de nostalgia no rosto da médica.
– Tudo sim, apenas algumas boas lembranças daqui. Vem vamos sentar nessa mesa do fundo, é mais sossegado.
Luísa chama a garçonete.
– Helena quer um chá? Um café?
– Acho melhor um chá, tem de camomila?
– Sim. Eu vou querer um cappuccino.
Quando a garçonete se afasta, Helena se encosta na cadeira e dá um longo suspiro. Luísa espera que ela se sinta à vontade para conversar.
– Sabe, tem momentos nas nossas vidas que ficamos perdidas, sem saber o que fazer e sem ter muito com quem contar de verdade. – as palavras saem de Helena carregadas de dor.
– Sim. Todos temos nossos desertos para atravessar e nem sempre uma mão para nos apoiar, um colo para nos afagar.
Helena aparenta ter por volta de 40 anos, seus cabelos são castanhos escuros com luzes mais claras, compridos até metade das costas, seus traços são bonitos e suaves, tem a pele muito branca e sua boca é pequena, porém, seus lábios são carnudos. Luísa repara na delicadeza das mãos, pequenas e finas, dedos longos e unhas muito bem feitas.
Helena toma o chá e fica olhando para o nada, seus olhos de tom azul claro parecem perdidos. De forma automática, Luísa toca na mão direita da moça triste que ergue seu olhar para encará-la.
– Helena eu não sei pelo que está passando, mas você estava dentro do hospital na ala de internações. Sabe, sou médica há um bom tempo e percebo quando alguém está passando por um momento triste de doença.
As lágrimas caem novamente dos olhos de Helena, mas dessa vez sem o desespero de antes, escorrem por seu rosto de forma lenta. Luísa agora segura com mais firmeza sua mão.
– Pareço louca né? – Helena dá um sorriso forçado.
– Claro que não! Com certeza está num momento difícil.
– Estou sim. Acho melhor te contar para quem sabe, você me ajudar. Sou casada há dez anos e tenho a Mariana de oito. Tem dois meses que descobrimos que ela tem leucemia. – nesse momento as lágrimas caem numa avalanche.
Luísa com expressão séria, se curva sobre a mesa e com um guardanapo, limpa os olhos de Helena.
– E o que os médicos disseram?
– Que ela precisa de transplante e estamos feito malucos atrás de doadores compatíveis.
– É um momento muito delicado, tem toda razão de estar tão triste. Já testaram a compatibilidade com todos os parentes?
Helena dá um suspiro pesado.
– Aí está o problema. Mariana é adotada e a família nunca a aceitou muito bem. Apesar de saber que é difícil, eu e meu marido fizemos os testes. Infelizmente não somos compatíveis. Pedi para todos os familiares, vieram apenas minha irmã e minha mãe.
– E a família do seu marido?
– Eles não se prontificaram, e meu marido também não insistiu. – sua voz traz um tom amargo.
Luísa apenas a olha e percebe a gravidade do problema.
– Sabe não é minha área, mas amanhã vou conversar com o médico responsável.
– Ah obrigada Luísa, mas sei que eles estão fazendo de tudo. A espera é difícil sabe? Eu venho todos os dias, o dia todo e ainda durmo no hospital.
– Desde quando sua filha está internada?
– Desde que a doença foi descoberta. Imagina uma menina de 8 anos, ativa ficar presa no quarto do hospital? Me corta o coração.
– Mas você nunca vai para casa?? Precisa descansar para aguentar toda a situação.
Helena sacode a cabeça em sinal negativo.
– Ninguém para dividir comigo….
– Ué e o pai, seu marido??
Sai um sorriso cansado e pesado da boca de Helena.
– Ele vem às vezes, geralmente quando sai da empresa no fim do dia. Fica meia hora e vai embora.
Luísa olha com tristeza, pois está cansada de acompanhar dezenas de casos onde apenas a mulher, seja mãe, filha, esposa, acompanha o tratamento do ente, muito raro o homem dividir.
– Entendo que você não quer deixar sua filha sozinha em nenhum momento, mas precisa dividir nem que seja com uma cuidadora.
Pelo que pode perceber, Helena parecia ter condições de pagar alguém, só por isso sugeriu uma cuidadora.
– Não confio e também nem conheço nenhuma cuidadora.
– Olha, a jornada de vocês é longa e árdua. Você precisa estar firme, descansada e forte para estar ao lado de Mariana!
– Eu sei, mas…
– Se você me permitir, posso indicar uma cuidadora, nem que seja para ficar algumas tardes, dormir, sei lá. O que me diz?
Helena a olha com cara de dúvida.
– Estou falando como médica ok? – e dá um sorriso para a moça triste.
– Por quê?
– Pra você descansar e…
– Não! Perguntei por que está sendo tão gentil comigo se nem me conhece?
Nessa hora Luísa percebe o quão solitária Helena é, apesar de ter um marido e família, estava absolutamente só. Olhando de forma carinhosa para Helena, Luísa diz:
– E por que não ser gentil???
Helena pela primeira vez dá um sorriso verdadeiro.
– Se todos fossem como você, seria ótimo.
– Infelizmente as pessoas podem ser egoístas, mas acredito que há muito mais pessoas boas que más.
Helena olha para Luísa e diz com muito pesar:
– Infelizmente eu não penso assim. Tenho dinheiro e não posso “comprar” a medula para minha filha. Tenho pessoas que sempre disseram me amar e agora, que tanto preciso delas, cadê? – as lágrimas voltam a inundar seu rosto delicado.
Luísa entende o sofrimento pelo qual Helena está passando, infelizmente já viu a mesma história com outros personagens. O individualismo e a falta de empatia acabam afastando e machucando as pessoas.
– Olha Helena, sei que acabamos de nos conhecer, mas eu tenho um lema que levo comigo.
– E qual seria?
– O tempo é subjetivo quando se trata de relações humanas e acredito em reconhecimento de energia entre as pessoas.
– Ando tão desanimada que não sei se você está certa ou errada. – dá o último gole do seu chá.
– Tudo bem se eu encontrar alguém de confiança para ao menos trocar algumas horas do dia com você?
Helena a olha intrigada, desde a descoberta da doença de Mariana, ela não teve alguém tão solicita e gentil.
– Sim, posso conversar com ela e se sentir confiança, se a Mari gostar dela, posso fazer um teste de algumas horas na semana.
Luísa fica feliz por ter conseguido ao menos que ela concordasse em tentar.
– Preciso voltar para ver a Mari.
Luísa chama a garçonete e paga a conta. Saem da cafeteria rumo ao hospital.
– Não tem noção do bem que me fez Luísa. – Helena diz com uma sinceridade e ternura que Luísa se comove ainda mais.
– E não é para isso que estamos nesse mundo velho sem porteira? – e a presenteia com seu sorriso largo.
Chegam ao hospital e se despedem com um abraço carinhoso. Helena sobe ao quarto da filha e Luísa vai ao estacionamento pegar seu carro.