22.
I
— Céus! O que fizeram com você?
Tito ajudou Carla a sentar em uma poltrona, enquanto Júnior ajeitava Carolina no sofá ao lado. Carla sorriu com carinho para a amiga que segurava uma arma com firmeza.
— Estou bem, Di — respondeu, fazendo uma careta quando Diana ergueu um pouco a alça da sua camiseta e examinou o ferimento em seu ombro.
— Se isso é estar bem, não quero nem ver quando estiver mal. Idiota! Não podia ter me esperado? Parece que estou revivendo àqueles dias em Porto Rico — reclamou, evocando lembranças de um passado não tão distante.
— Desta vez, sou inocente — defendeu-se Carla, erguendo uma das mãos.
— Você nunca foi inocente! — revidou Diana se aproximando de Carolina, sentou ao seu lado e sapecou um beijo em sua bochecha, o que foi recebido com surpresa pela moça e curiosidade por parte de Carla. — Fico feliz em ver que você também está bem, mas não vou negar que sinto um pouco de raiva já que não fez o favor que lhe pedi.
Carolina a olhou um pouco confusa, então se lembrou que na noite em que havia partido, Diana tinha lhe pedido para evitar que Carla cometesse uma loucura.
— Que favor? — Carla questionou.
A ladra a olhou um pouco emburrada. Tinha ficado sinceramente preocupada e abalada ao descobrir sua captura, chegou a imaginar o pior. Não conseguia suportar a ideia de perder aquela amiga querida, a única pessoa que foi capaz de lhe tocar a alma após tanto tempo vivendo de mentiras e escuridão.
— Quieta, loira! — se colocou de pé e guardou a arma na cintura.
Odiava armas, aliás, matar nunca foi uma opção para ela. Porém, quando Tito disse que iria resgatá-las, não hesitou em lhe pedir uma. Havia passado a maior parte do tiroteio se escondendo atrás de um carro, mas se arriscou a dar alguns tiros e, tinha certeza, havia acertado a perna de um inimigo e alguns vasos de plantas.
— Da próxima vez que me der um susto desses, juro, eu mesma te mato! — ameaçou.
Apesar da dor e do medo que ainda corriam em suas veias, Carla riu da amiga e Marcos observou aquele diálogo recostado em uma parede com um charuto aceso em uma mão, um copo de uísque na outra e a arma na cintura. Estava surpreso em ouvir o riso de Carla e o modo caloroso com que seus olhos fitavam Diana e depois buscavam Carolina.
Ele despejou um pouco da bebida em um outro copo e se aproximou do centro da sala onde as três mulheres estavam.
— Sei que não bebe, mas parece estar precisando de alguns goles disto — falou, entregando o copo a Carla que o aceitou com um inclinar de cabeça e sorveu todo o conteúdo dele em um só gole, fazendo uma careta, enquanto sentia o calor da passagem do líquido em sua garganta dar-lhe um pouco mais de ânimo. — Mandei que chamassem o Dr. Pontes, logo uma ambulância da clínica estará aqui.
— Obrigada — ela devolveu o copo e, com um gesto, chamou Tito que estava junto à porta dando ordens em voz baixa a um homem.
Ele encerrou suas ordens e se aproximou silenciosamente deles.
— Tudo em ordem?
— Sim, meus rapazes estão dando cabo dos corpos e assumindo a segurança da propriedade.
— Ótimo, mas a noite ainda é uma criança e preciso que coloque em prática o que combinamos.
Ele sorriu e ela buscou o olhar de Diana que lhe dirigiu um sorrisinho vitorioso e retirou do bolso do casaco um envelope já amassado por toda a ação pela qual ela passou.
— Dá próxima, me arranja algo mais difícil para fazer — entregou o envelope a loira que o pegou com mãos trêmulas e sujas de sangue seco. Leu seu conteúdo com uma leve ruga no canto da boca e o entregou a Marcos.
— O que é isso? — ele questionou, mas ela não respondeu e com um inclinar de cabeça, indicou que lesse e tirasse suas próprias conclusões. Sua fisionomia foi se transformando à medida que seus olhos percorriam as linhas do contrato que Santiago havia feito com outros associados. — Eu vou…
— Dormir sossegado e esperar que Tito cuide disso — Carla o interrompeu e retirou os papéis de suas mãos, entregando ao rapaz que se retirou da sala imediatamente. — Não se preocupe, dei-lhe ordens para que os trouxesse até você.
— Como sabia disso e onde o conseguiu?
Ela deixou um suspiro longo escapar, não se sentia em condições de lhe contar nada naquele momento e o som da chegada da ambulância da clínica na propriedade veio a calhar.
— Amanhã — disse e ele inclinou a cabeça em assentimento, concordando que ela necessitava de cuidados assim como Carolina que, havia notado, não tirava os olhos dela.
II
Carolina já estava na cama quando ouviu as batidas na porta.
O dia já estava quase amanhecendo quando retornaram da clínica. Carla havia perdido muito sangue e o Dr. Pontes havia insistido para que passasse a noite sob observação, mas ela se recusou e uma Diana muito contrariada as levou para casa e guiou Carla até o quarto para ajudá-la a se banhar sob um olhar enciumado de Carolina.
Maria quis fazer o mesmo com Carolina, mas esta se negou dizendo que se sentia bem e poderia fazê-lo sozinha, mas que aceitaria sua ajuda para refazer o curativo após o banho.
A índia havia saído de seu quarto meia hora antes e, desde então, ela manteve o olhar fixo no teto remoendo os acontecimentos da noite, a raiva das palavras de Carla e o ciúme que sentia por saber que estava com Diana naquele instante.
Havia um peso enorme em seu peito, algo que lhe tirava o ar e angustiava sua alma. Havia tido vinte e quatro horas de uma felicidade insana ao lado daquela mulher e, sabia, jamais seria capaz de esquecê-la depois disso, mesmo que lhe doesse saber que tudo não tinha passado de diversão para Carla.
Afastou o olhar do teto para focalizar a ladra de seu coração fechando a porta atrás de si e caminhando com passos lentos e dolorosos até sua cama. Carolina sentiu as lágrimas lhe chegarem aos olhos, mas não ousou expulsá-las e a viu sentar-se na beirada da cama tornando o seu leito quente e aconchegante. Estava ainda mais pálida do que era, seu belo rosto estava marcado por cortes e arranhões, um de seus olhos estava terrivelmente roxo, os lábios um pouco inchados e cortados. Sua voz soou arrastada quando falou um singelo “oi”.
Um ódio mortal invadiu Carolina naquele instante. Como Santiago ousou deixa-la naquele estado lastimável? “Ah, como queria tê-lo matado”, pensou surpresa com a violência daquele sentimento. Nem mesmo quando desejou matar Carla, ele fora tão forte.
Quase um minuto se passou sem que nada fosse dito. Seus olhares, presos um ao outro por uma linha invisível, falavam de tristeza, de carinho e amor. Então, Carolina ergueu o lençol e a convidou com um olhar carinhoso. Carla não hesitou nem por um instante e, com um sorriso sôfrego, se aninhou ao corpo dela.
Alguns minutos se passaram em que somente o som de suas respirações regulares se fez presente no ambiente e Carolina achou que ela tivesse adormecido, entretanto tomou um susto prazeroso ao ouvir a voz sussurrada em seu ouvido.
— Tudo que disse para Santiago, era mentira.
Carolina sentiu o coração agitar-se, enquanto ela continuava.
— Ele estava certo, existem outros tipos de dor. E a maior dor que ele poderia me causar, seria machucar você. Eu te amo, Carol! Amo desde que a vi pela primeira vez. No início, era apenas o desejo de te proteger, cuidar. Afinal, você era só uma criança. Estava sempre de olho em você, mesmo sabendo que tinha medo de mim. Então, você cresceu e se tornou esta mulher linda e me descobri apaixonada.
Fez uma pausa e escorregou sua mão até o colo de Carolina, sentindo os batimentos dela acelerarem junto com os seus. Queria lhe falar olhando em seus olhos, mas se sentia incapaz de abandonar o abrigo que encontrou entre seus braços e cabelos. No entanto, foi Carolina que se afastou, pois necessitava buscar a verdade daquelas palavras em seus olhos e a encontrou.
— Tentei negar. Tentei fugir desse sentimento aceitando mais responsabilidades, mergulhando nas trevas do meu trabalho. Fugi de você e de mim acreditando que isso logo passaria. Doce engano! Paixão é um sentimento fugaz e o que sentia só cresceu ao longo dos anos até que percebi que era amor. Eu te amo! É muito bom poder dizer isso em voz alta — deixou um sorriso fugidio vir aos lábios. — Sei que não sente o mesmo. Sei que me deseja, vejo em seus olhos quando me toca e o que fazemos juntas é lindo. Penso, que também sinta um pouco de carinho e isso já me basta, pois você realizou o meu maior sonho. O único que tinha, na verdade.
Tocou-lhe a face carinhosamente e brincou com alguns fios de seus cabelos. Carolina entreabriu os lábios para falar, mas os dedos dela pousaram sobre eles suavemente.
— Não, por favor. Só me deixe ficar aqui e encerrar esta noite de pesadelo com um sonho bom entre seus braços — voltou a se aninhar ao seu corpo e Carolina se apertou mais a ela, tomando o cuidado para não a machucar.
Seu coração estava em brasas, feliz pelo amor declarado com voz tão doce e as lágrimas sinceras em seu olhar safira. Queria fazer o mesmo, mas a felicidade era tanta que não conseguia dar voz ao que sentia e contentou-se em se entregar a um sono profundo sentindo o calor da mulher amada e a felicidade de saber que seus sentimentos eram retribuídos.