Caminhos em Dias de Luz

Capítulo 4 – Começando a vida.

Caminhos em Dias de Luz

Texto: Carolina Bivard

carolinabivard@gmail.com

Revisão: Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


 

Capítulo 4 – Começando a vida.

Laura iniciou a segunda-feira em seu novo trabalho e morando em um quarto de hotel. Conheceu seus subordinados e gostou de parte deles; não faria um pré-julgamento, mas alguns, já de cara, percebeu que estavam acomodados em suas funções. Não gostou do fato da empresa demitir o chefe do departamento no mesmo dia em que foi admitida para a função. Só isto, já demonstrava que a empresa não tinha o menor comprometimento e nem respeito pelos seus funcionários.

Quando mandou seu currículo, foi chamada para uma entrevista com uma das diretoras da empresa. Ela havia expressado sua insatisfação em como as coisas ocorriam em detrimento às decisões tomadas na diretoria e passadas para os departamentos. Não realizavam uma devida sindicância e os chefes acatavam as decisões sem questionamentos. Também não emitiam seus pareceres técnicos, a respeito da influência dessas decisões.

Ela disse que queria uma empresa mais engajada no mercado e acreditava que a dinâmica praticada era obsoleta, deixando-a estagnada. Laura gostou do seu discurso e ficou extremamente feliz ao saber que havia sido chamada, mas desanimou, depois de saber que entrou no mesmo dia da demissão de seu antecessor, percebendo que a prática era muito comum.

Foi admitida para liderar o departamento jurídico, por sua qualificação em gestão, com a promessa de realocação em uma área mais adequada ao seu perfil, assim que houvesse uma oportunidade.

A diretora havia lhe falado que não tinha muito apoio para realizar mudanças tão radicais, que fora autorizada a interferir em departamentos menos invasivos e, se as mudanças fossem benéficas, estenderiam a outros departamentos. Seria um desafio, já que sua qualificação apesar de gestão e uma cadeira de direito econômico, não coadunava muito com o departamento.

Nessa primeira semana não interveio na dinâmica do departamento, querendo se inteirar das atividades exercidas e da organização em si. Nos dois primeiros dias, se fechou em sua sala e começou a vasculhar e organizar a documentação para poder iniciar seu trabalho de forma mais coordenada.

Notou a animosidade de sua secretária em relação à quantidade de trabalho que estava demandando. Laura também percebeu que havia funcionários que discordavam de sua contratação para liderar o departamento. Alguns deles, já trabalhavam há algum tempo na empresa e, possivelmente, almejavam ascensão, mas a ordem havia chegado “de cima”, então imaginavam que a pequena mulher pudesse ser alguém ligado à família dos diretores.

Uma das coisas que havia aprendido em seus estágios, pouco antes de terminar a faculdade, era não alimentar fofocas pelos corredores e, muito menos, expor nada que fosse estritamente relacionado ao trabalho. Assim ignorou todas as conversas ouvidas no setor.

Descobriu uma coisa interessante, porém denotando falta de ética e extremamente constrangedora. Seu antecessor tinha câmeras espalhadas por todo o setor e que transmitiam para a sua sala, diretamente.

Não eram câmeras de vigilância da segurança; eram câmeras de vigia para olhar se seus funcionários estavam trabalhando em seus postos ou não. Procurou se informar, verificando contratos de funcionários, documentações, ou mesmo a política da empresa e descobriu que as câmeras eram ilegais. Os funcionários não tinham conhecimento delas e, muito menos, as autorizaram.

Dava até para ver quando eles entravam no banheiro. Lógico que não existiam câmeras no banheiro, todavia, na copa e em alguns postos de trabalho, até áudio tinha sido instalado e nessa descoberta é que pegou a conversa de três funcionários com a sua secretária e ela relatando suas atividades durante aqueles dias. Falava com certo desdém.

— Acho que ela quer ficar bem com a diretoria. Fica trancada e vai pedindo coisas de arquivo mais velhos que minha avó. Não sei o que quer ganhar com isso e eu é que me dano toda!

— Vai ver que o papaizinho ou a mamãezinha dela querem que aprimore sua leitura!

Os três riram em uníssono.

Apesar de Laura achar abominável o tipo de invasão de privacidade que seu antecessor praticou, não tinha sangue de barata e resolveu dar um fim naquela conversa.

Saiu de seu escritório, se encaminhando direto para a copa. Chegando, percebeu que os três pararam de conversar na mesma hora. Olhou para eles sem proferir nenhuma palavra, contudo com um olhar de desagrado tal, que os três ficaram extremamente desconfortáveis, achando que ela ouvira a conversa da porta da copa. Laura se encaminhou até a máquina de café e apertou o botão para cappuccino. Enquanto ela esperava a máquina terminar a preparação do cappuccino, os funcionários se dispersaram de volta aos seus lugares.

Laura retornou à sua sala, ligou para a secretária da diretora Amalie e pediu para conversar com ela. A ligação foi transferida.

— Tudo bem, Laura? Como está indo o início dos trabalhos? Espero que tudo a contento.

— Tudo bem, Amalie. Na realidade, essa semana estou apenas fazendo um levantamento das atividades e da organização do departamento. Entretanto, eu gostaria que você viesse até aqui para ver uma coisa extremamente interessante e, ao mesmo tempo, uma possível dor de cabeça para a empresa.

— Uma dor de cabeça para empresa? – Amalie falou com certo alarme na voz.

— Não vou falar por telefone, você terá que ver com seus próprios olhos e espero que isto não tenha sido autorizado pelas esferas superiores.

— Você está me assustando, Laura.

— Por favor, eu gostaria que você viesse até aqui…

Amalie desligou, dizendo que já desceria para encontrá-la em sua sala.

A sala de Laura era ampla, com visão para a rua e vista para o mar. Tinha uma mesa com uma poltrona de encosto alto e duas cadeiras em frente a ela, para visitantes. Além de um sofá, mesinhas de visita e um frigobar, no outro lado da sala, havia uma tela de setenta e cinco polegadas na parede, uma pequena mesa de reunião com seis lugares, compondo o restante da decoração.

Seu telefone em cima da mesa tocou, ela atendeu e pediu para que Amalie entrasse. O semblante da diretora estava sério e um pouco assustado. Ela era uma mulher na casa de seus quarenta e poucos anos, alta, corpo curvilíneo, porte altivo, traços delicados no rosto e cabelos e olhos castanhos claros. Tinha um estilo clássico de se vestir, porém, elegante. Apesar da delicadeza das feições, refletia certa rigidez e seriedade em seus gestos e não gostava de rodeios.

— O que, de tão sério, você quer me mostrar?

Laura, que já estava de pé, se dirigiu à mesa de reuniões, pegou o controle remoto da tela e acionou.

— Veja por você mesma.

A imagem de todo o departamento segmentada em várias telinhas, distribuídas simetricamente, preenchendo todo o espaço da grande tela, apareceu imediatamente.

Era mostrado cada posto de trabalho individualmente, os corredores, a copa, as entradas dos banheiros e a saída do departamento. Laura apertou uma tecla e, na imagem, corria uma indicação de destaque de tela, ela parou em uma determinada cena e apertou a tecla “ok”. Este quadro tomou toda a imagem da tela e o áudio foi acionado, mostrando a conversa de determinado funcionário ao telefone.

— Você está percebendo o que isso significa, Amalie?

— Meu Deus! Eu não tinha conhecimento disso!

Amalie tomou o controle remoto das mãos de Laura, olhando para a porta, e desligou a tv rapidamente. Foi até a porta e virou a chave para trancá-la.

— Laura, isso não pode sair daqui. Nós temos que dar um jeito de desmontar esse sistema, sem que o pessoal saiba.

— Não se trata somente de desmontar o sistema Amalie, se trata de que o antigo chefe do departamento pode entrar com um processo para desmoralizar a empresa.

Laura se calou por segundos para que Amalie pudesse absorver as palavras e depois, voltou a falar.

— Ele pode acusar a empresa de tê-lo obrigado a implementar esse sistema para vigiar seus funcionários diretamente e aí, choverão processos, vindo do próprio jurídico. Você imagina se um só dos advogados aqui do jurídico souber que é vigiado, o tempo todo, até em suas conversas particulares!

Amalie deixou seu corpo cair na cadeira em frente à mesa de Laura.

— Laura, isso não vai só implicar em ações. Eu posso ter a culpa jogada em minhas costas, por ser a responsável da diretoria por esse setor.

Amalie estava visivelmente abalada.

— Mantenha a calma, Amalie. Nós vamos precisar de muito sangue frio para resolver essa situação. Primeiro, precisaremos de algum advogado, aqui do jurídico, realmente comprometido com a empresa. Tem uns quatro que eu já tiraria da lista, mas com três dias, não dá para perceber o que todos pensam.

— Dr. Amino, definitivamente. — Amalie sugeriu. — Ele já está quase se aposentando, entretanto é nosso mais antigo advogado, tem muita experiência e sempre foi um esteio para a empresa. Quando Queiroz entrou na chefia, Dr. Amino foi tirado de alguns processos e, quando inquirido nas reuniões de diretoria, Queiroz dizia que ele estava desatento e que diminuíra a carga de trabalho dele.

— Doutor Amino não ficou ressentido?

— Sim. Um dia, eu o encontrei o em um restaurante com a esposa e, conversando com ele, disse-me que queria se aposentar, pois seus serviços já não eram mais relevantes. Falava com tristeza, como se tivesse sido deixado de lado, entretanto, nunca proferiu uma palavra contra Queiroz. A partir desse dia, eu passei a achar que Queiroz o preteria, por medo dele ameaçar seu cargo.

— Como Queiroz entrou na empresa?

— Indicação. Ele é cunhado do Serrão, diretor comercial.

As duas se entreolharam em clara constatação de que a situação era mais delicada do que pensaram a princípio. Laura voltou sua cadeira para a grande janela que dava a vista para o mar. Suspirou e voltou-se, novamente, para Amalie.

— Respondendo a sua próxima pergunta, Laura: não, Serrão não ficou feliz com a demissão do cunhado, contudo, eu não estava mais disposta a aturar incompetência. Batemos boca na última reunião de direção.

—  E como o restante dos diretores reagiram, Amalie?

— Metade do conselho diretor ficou ao meu favor e a outra metade está do lado dele. E… eu só estou dizendo isso, pois não tenho outra saída e vou ter que me apoiar e acreditar em você, caso contrário, não diria nada.

— Por quê? Eu sou a chefe do seu departamento e se você não puder contar comigo, de que eu serviria?

— Não é questão de confiança, Laura. Há uma política de sigilo em nossa direção quanto às decisões tomadas em reunião. Há, também, um conservadorismo retrógrado e machista com o qual eu estou prestes a explodir.

— Amalie se acomodou melhor na cadeira. — Veja bem, não somos uma rede de lojas enorme, entretanto somos consideráveis dentro do mercado e essa empresa ainda não deixou os seus conceitos familiares. Todos os diretores, sem exceção alguma, ou são os sócios fundadores, ou são os filhos dos sócios. Como eu disse, não há exceção.

Amalie sorriu de lado, fazendo Laura compreender que a diretora se referia a si. Acenou afirmativamente para que a sua contratante continuasse a explanar.

— Eu sou filha de um dos sócios fundadores e herdei essa posição, mas, pelo menos, procurei uma formação adequada e corri atrás para me capacitar. Isso não aconteceu com alguns de nossos sócios que herdaram, contudo, sempre viveram na aba de seus pais e estão brincando de ter poder.

—  Droga! Por acaso…

— Sim. Serrão é um desses herdeiros que querem brincar de ter poder, ao invés de pensar na empresa como um todo. Ele tem uma porcentagem grande da empresa.

—  Droga!

Laura esbravejou, novamente. Colocou a sua cabeça entre as mãos com os cotovelos apoiados sobre a mesa. Pegou o controle remoto e o ligou, selecionou no menu da tela, a antessala em que sua secretária ficava. Pegou o telefone e ligou para a secretária.

—  O que você está fazendo? – Perguntou Amalie.

— Apenas observe. – Laura apontou para a tela. —  Zuleide, peça para o Dr. Amino vir à minha sala, por favor.

Assim que Laura desligou, acionou o áudio da sala de sua secretária. A secretária desligou o telefone e, logo em seguida, discou outro número.

—  Senhor Serrão? Sim, é a Zuleide. Além da senhora Amalie, ela pediu que chamasse o Dr Amino. Não, não sei. Não deu para escutar a conversa das duas, o Sr. Queiroz colocou um sistema acústico na sala. O senhor não se lembra? Está bem, vou chamar agora mesmo. Está certo, Senhor Serrão.

Zuleide desligou e discou novamente.

— Cláudio? O Senhor Serrão pediu para você e o Alvarez irem, imediatamente, ao escritório dele. Não sei, mas ele falou para irem agora!

Zuleide desligou e fez uma terceira ligação.

— Doutor Amino. O senhor poderia vir à sala da senhorita Archiligias. Sim, ela pediu que viesse imediatamente.

A secretária desligou e permaneceu com uma expressão preocupada no rosto.

—  Acho que agora temos algumas respostas, não?!

— Laura, eu estou estarrecida! Sabia que o Serrão fazia carga contra mim, mas não imaginava a dimensão. Isso é espionagem!


Nota: Aí está o capítulo de carnaval! A partir da semana que vem, iniciaremos as postagens na quarta-feira, começando pela quarta-feira de cinzas. Para quem gosta de brincar o carnaval, divirtam-se! E para quem gosta de sossego, aproveitem o feriadão! Um beijo a tod@s!



Notas:



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4 Respostas para Capítulo 4 – Começando a vida.

  1. Ahhh machista sem vergonha! Eita secretária porcaria e traidora!
    Como vão dar a volta por cima hein, hein! Demora pra postar não, quero respostas e estou cruel, quero ver os maus se darem mal kkkk. Bjs

    • Olá, Ione!
      O pior do machismo são as mulheres machistas, não é? Uma triste realidade…
      Então vamos caminhando, porque terá muito chão até os maus serem esmagados! rsrsrsrs Hoje tem mais, Ione!
      Muito obrigada e vamos a mais um capítulo.
      Um beijão!

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