Caminhos em Dias de Luz

Capítulo 18 — Questões

Caminhos em Dias de Luz

Texto: Carolina Bivard

carolinabivard@gmail.com

Revisão: Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


 

Capítulo 18 — Questões

A semana passou e Alesha organizava o departamento com o auxílio de Naomi. As coisas esquentaram novamente, pois os gerentes dos departamentos das lojas começavam a reclamar que não estavam autorizados a demitir funcionários e tinham dificuldades em lidar com empregados insubordinados, além de ter alguns que não tinham perfil para a função. 

Alesha convocou uma reunião com todos os gerentes e discutiu novas diretrizes para a contratação. Quando os gerentes de loja precisassem contratar alguém, deveriam também traçar um perfil do cargo a ser preenchido, para que o RH não convocasse alguém que não se encaixasse na função. 

Assim tentariam minimizar a quantidade excessiva de contratações e dispensas desnecessárias. Alesha e Naomi sabiam que ainda demoraria um pouco até verem surtir algum efeito a estratégia adotada.

Mas a preocupação com Laura estava cada vez maior, há dois dias que ela não entrava em contato e isso estava deixando os nervos de Alesha à flor da pele. Naomi já tinha ido embora e Alesha colocava alguns documentos na estante quando ouviu a porta se abrir. Virou-se e já tinha Laura colada a ela, beijando-a.

— Hum… Que surpresa boa.

A voz de Alesha entre os lábios da loirinha soava rouca. Alesha estreitou o abraço e aprofundou seu beijo, não entendia a necessidade que seu corpo exigia ao se encontrar com o corpo de Laura, mas, pela primeira vez em muitos anos, não se questionava e também não conseguia evitar a onda de felicidade e relaxamento que experimentava ao se encontrar colada a ela. Desvencilhou-se a custo, porém olhou-a séria.

— Me diga mocinha, por que não me telefonou? Estava preocupada e você nem para me dar notícias! O que você acha que eu devo fazer para castigar essa sua irresponsabilidade?

Apesar de ter se deliciado com o beijo de Laura, Alesha se encontrava com o semblante fechado. Laura esboçou um pequeno sorriso e, ainda abraçada, pousou sua cabeça no ombro de Alesha, fechando os olhos e apreciando a incrível sensação de carinho e proteção que sentia ao lado da morena.

— Bem, primeiro eu tive um grande motivo para isso. E segundo, eu gosto muito de você para deixar que algo te aconteça por minha culpa.

Alesha desaninhou Laura de seus braços e olhou-a de forma interrogativa.

— Explique.

— Não acho que seja nada de mais, mas…

— Hum? Anda, fala logo.

A voz de Alesha era serena, mas impositiva. Uma sobrancelha elevada e um semblante sério davam o tom de que Alesha não queria que Laura a enrolasse.

— Meu pai me ligou e…

— E?

— Bem, ele estava com uma voz muito calma, mas cogitou a possibilidade de eu não estar na cidade; e derrubei a ligação. Fiz isso, pois não sei o quanto ele sabe e conhecendo-o do jeito que conheço, é capaz dele conseguir rastrear minha ligação até o meu destino.

— Umhum. E o que mais?

— Você não facilita, né?!

— Não. Você disse que não queria que nada me acontecesse por sua causa. Por quê?

— Ele me ligou mais tarde de outro número e me disse num tom irritado que se eu ainda estivesse com você, e se você estivesse me ajudando em algo, que nós duas nos arrependeríamos…

— Laura, olhe para mim e eu quero que você me escute bem.

— Mas…

— Mas nada! Escute-me, Laura! Eu, há muito tempo atrás, jurei para mim mesma que ninguém ditaria os passos de minha vida e não será seu pai ou qualquer outra pessoa que fará isso. Eu quero você ao meu lado e quero estar ao seu lado, você entendeu? Só não estaria com você, se você me dissesse que não me quer!

Laura inspirou fundo e vendo que não conseguiria mentir à Alesha, continuou a falar com a cabeça baixa.

— Alesha, ele ameaçou a sua segurança com todas as letras. Disse que eu sabia do que era capaz e que, também, eu sabia que, com o conhecimento que ele tem, permitiria que nada acontecesse com ele. Eu estou, realmente, assustada e desconheço esse lado de meu pai. Nunca imaginaria que ele seria capaz de tal coisa.

— Que mais ele falou?

— Disse que não adianta eu me esconder, pois não importa o que eu faça, sempre aparecerá para ele uma hora ou outra.

— Ele vai tentar de todas as formas, mas temos o Dr. Amino e sua filha ao nosso lado.

— Isso não quer dizer que meu pai não irá tentar nada.

— Isso quer dizer que, o quer que ele tente, nós estaremos amparados juridicamente.

— O que não impede dele tentar algo contra a sua segurança. Olha, Alesha, eu realmente me assustei e…

— Laura! Laura! Pare um pouco e pense! Você acha que seu pai arriscaria tudo que ele tem, atentando contra mim, só para tê-la ao seu lado? Só para manter o poder que ele tem? Tem não, que ele quer ter sobre você! Isso não faz sentido. Ele só te ameaçou.

Alesha cingiu a loirinha em seu regaço lhe confortando, tentando transmitir segurança e seu amor.

Laura depositou a cabeça no peito da morena mais uma vez, mas não estava completamente certa sobre o que Alesha estava falando. 

Ao longo dos meses em que retornou ao Brasil, pegou coisas de seu pai que jamais passara por sua cabeça de que ele fosse capaz de fazer. Recapitulou os anos de sua vida e percebeu o quanto ele fora maquiavélico e perverso, nas atitudes consigo e com sua mãe. Não entendia, mas em suas investigações e levantamentos a respeito da vida de seu pai, tanto particular como profissional, conhecera e continuava descobrindo um homem diferente e, até mesmo, completamente desconhecido de si própria, sua filha.

— Ok! Vamos deixar meu pai de lado, por agora. Quero chegar à minha casa, tomar um banho e dormir na minha cama.

— Ei! Pensei que estava com saudade de mim?

Laura sorriu e olhou sua namorada.

 — Estou com saudades suas, boba. Por isso vim direto para cá, mas dirigi um carro que aluguei durante cinco horas, dá para descontar?

Alesha a olhou de forma dissimulada, só para mexer com a namorada.

— Mmm! Vamos ver! – Olhou para o teto como se estivesse pensando. — Está bem, dessa vez passa.

— Sua cretina!

Laura falou rindo, empurrando levemente Alesha que, prontamente, a segurou em seus braços, apertando-lhe forte.

— Vamos lá, baixinha. Eu te levo em casa e peço algo para comermos, enquanto você toma banho!

— Ótima ideia. Então, deixarei meu carro aqui e vamos no seu. Amino trouxe o meu carro hoje?

— Trouxe e dormiu todos os dias em sua casa, conforme o combinado. Acho que você deve falar com ele, lá em cima, enquanto eu arrumo minhas coisas para irmos.

— Vou precisar falar com ele mesmo. Parece que consegui encaminhar algumas coisas, além do que, fiquei afastada e tenho que ver se Amalie precisa de mim.

Laura a beijou e se retirou. Alesha ficou pensativa. Falou com segurança com Laura sobre algo que realmente não tinha. Ao longo da vida, aprendeu a conhecer o tipo de caráter que algumas pessoas apresentavam diante do poder e sabia que o pai de Laura, pelo que vinha observando, era do tipo arrogante, sem escrúpulos e manipulador. O tipo que não tinha amor nem por seu próprio sangue!

— Que merda! Depois de tanto tempo, me apaixonei por alguém que…

Balançou a cabeça, tentando sacudir suas próprias lembranças. Dessa vez seria diferente! Tinha que ser diferente…

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— Você está calada, desde que saímos da empresa.

— Não é nada, Laura.

— Como não é nada? Subi para falar com Amalie e Amino; e quando desci, você nem olhou direito para mim! Pegamos o carro, viemos embora e, até agora, você foi monossilábica comigo. Só me respondeu sim, não, “tá”.

Alesha inspirou e olhou nos olhos que tanto amava.

— Ok! Quer que eu fale o que é? Tudo bem, eu falo. Tenho medo de que me deixe por pressão de seu pai, está bem? É isso.

Laura aproximou-se. Ficou à sua frente, encarando por uns instantes, observando seus olhos, seu semblante… Alesha, para ela, era muito mais que sua namorada. Era alguém que ela poderia dar sua própria vida em troca e não sabia por quê. A conhecia há tão pouco tempo e algo dentro de si, gritava com todas as forças que não poderia mais viver nesse mundo se não fosse ao seu lado, mas sabia que não suportaria viver, se algo de mal acontecesse com a sua morena. Não mentiria, mas estava assustada pelas coisas que ouvira e que descobrira sobre seu pai. Deixou que uma lágrima escorresse de seus olhos desolados.

— Laura, não! Sei o que está pensando em fazer. Isso não é a solução!

— E o que é então?

Laura virou-se, colocando as mãos em seu rosto já soluçando pelo pranto que a tomou.

— Você não sabe do que ele é capaz, Alesha! Nessa última semana, descobri coisas insuportáveis, incompreensíveis e inacreditáveis! Meu pai é um monstro e eu não perderei  ninguém para ele!

— Meu amor, você está exagerando!

Alesha falava exasperada, tentando abraçar a sua delicada e terna loira.

— Vai embora, Alesha!

Laura falou, recusando o abraço. Por dentro, sua alma se quebrava em pedaços, mas não perderia mais nenhuma vida que amava para a fome de poder de seu maquiavélico pai.

— Você não quer isso. Eu sei!

Laura parou de chorar, enxugou as lágrimas que ainda caiam por seu rosto e se virou com o semblante duro. Um olhar que Alesha nunca tinha visto, em qualquer pessoa, em sua vida, muito menos na loirinha afetuosa que havia conhecido e se apaixonado tão rapidamente.

— Não, você não sabe. É exatamente isso que eu quero. Eu não gosto de você! Eu me diverti muito com você e agora me cansei! Meu pai foi só uma desculpa, mas você parece não entender, não é? Então vou falar com todas as letras. Não quero você, não a amo; e sexo com você é enfadonho, pobre e cansativo! Sem nenhuma novidade. Já tive mulheres muito melhores na cama e que me deram muito mais prazer! Você é simplória, é previsível e é suave demais! Gosto de sexo com pegada, entendeu? Tentei te assustar com a historinha de meu pai, chorar para que se comovesse e se afastar, sem termos essa desagradável conversa, mas parece que você não se toca! Vai embora e permaneça com alguma dignidade que ainda deve possuir!

Uma dor forte atingiu o peito de Alesha, quando percebeu a frieza nos olhos da mulher que estava à sua frente. Quem era essa mulher? O que aconteceu com a sua meiga baixinha? Mas como a própria Laura falou, ainda existia dignidade em sua alma. Não deixaria sua dor transparecer, facilmente. Prometera a si mesma, há muito tempo, que ninguém mais a humilharia. Num gesto de fúria seus olhos cegaram e empurrou-a com força, deixando Laura caída. Olhou-a e forçou sua ira para dentro, em uma calma dissimulada.

— Tem razão.

Alesha falava, calmamente, como se nada tivesse acontecido.

— Ainda tenho alguma dignidade e além de punho muito forte para devolver-me a pouca que eu perdi aqui. Vou sair também no lucro, pois acrescentei mais um pouco de sabedoria para perceber um pouco mais as pessoas.

Olhou, com desprezo, para Laura que continuava no chão.

— Talvez seja essa a pegada de que você falou, mas ela só uso com vadias. O dia que quiser, posso mostrar mais um pouco. Tenha certeza que, agora, considero você apta e dentro dessa categoria.

Alesha sorriu, com sarcasmo. Pegou sua bolsa e saiu do apartamento sem olhar para trás. Ainda caída no chão, Laura começou a chorar, convulsivamente. Não conseguia crer que tinha arrumado forças dentro de si para falar todas aquelas coisas horríveis para Alesha. Mas não se importava, o mais importante era que seu pai se afastaria e não faria mal à ela. 

O seu celular tocou e viu que o número era o de sua antiga casa. Enxugou as lágrimas e forçou-se a parar o choro. Não daria esse sabor àquele odioso homem.

— Estou orgulhoso de você, minha filha. Fez a escolha certa.

A voz de seu pai era segura e tinha um leve tom de deboche.

— Vá para o inferno! Já tem o que quer, me deixe em paz!

— Não tenho o que quero ainda, minha filha. Quero você de volta à minha casa, como deve ser. Uma boa filha tem que estar ao lado de seu pai.

— Não me chame de filha, nunca mais! Você não merece esse título de pai, assim como não merecia o de marido. Você é um homem detestável. Para eu voltar para seu lado, só em um caixão! Mas acredito que isso não seja muito difícil para você, não é?

— Você tem uma ideia muito ruim de mim, sabia? Tudo o que faço é para o seu bem e, um dia, me agradecerá por isso.

— Você é louco, insano! E pode deixar, irei descobrir todas as escutas que pôs aqui dentro. E vou descobrir como.

Laura desligou, pegou sua bolsa e saiu. Na portaria do prédio, observou a rua e olhou para o porteiro. Balançou a cabeça, pois percebeu que não valeria a pena confrontar o homem. Poderia ser ele que fora comprado por seu pai, mas poderia ser o porteiro de outro turno, bem como o próprio síndico. 

Resolveu pegar um táxi e dormir em um hotel qualquer. Estava cansada, tanto física como emocionalmente. Precisaria de muito mais forças nesse momento do que em qualquer outro em sua vida. Levaria sua vida como andarilha, alugando flats por períodos não maiores do que quinze dias. Seu pai queria guerra, então ele a teria!

 



Notas:



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2 Respostas para Capítulo 18 — Questões

  1. Não acredito!! Alesha cairá nessa mentira de Laura mesmo sabendo das ameaças do pai dela?
    Laura usou palavras muito duras. Doeu.

    Beijo, Carol

  2. Oiee, Carol!!Espero que esteja de sentindo mais leve!! Desejo muito!
    Alesha é bestona, já sabemos que as pessoas usam essa tática pra afastar as pessoas como ela tão astuta n viu?!!Alesha, repense e fique de olho nela!!!
    Pai chatinho, hein!!
    Quem colocou?! lalalala
    Ótimo capítulo!!
    Um beijo carinhoso!!

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