Capítulo Extra
N/A: Esse capítulo não segue a sequência cronológica até agora. Ele é como um flashback ou um resumo de como a amizade de Maia e Enzo surgiu. Foi escrito para apoiar o site Lettera, então agradeçam aos leitores de lá hehe. Até quarta
Ela odiava ter de ficar na primeira fila da sala, odiava aquela aula e aquele professor, mas odiava ainda mais estar presa em casa com a mãe a sufocando. Maia amava a mãe, mas 90% do tempo tudo o que ela fazia era lhe dizer o que deveria fazer, com quem deveria falar, para onde deveria ir, como deveria tentar. Ela já estava em recuperação a tempo suficiente para saber o que podia e conseguia fazer e o que não deveria tentar, mas Fernanda Augustus Almeida não parecia aceitar isso. Ao menos Maia havia conseguido convencê-la de que poderia ir as aulas e frequentar a faculdade. Não era o curso que ela tanto sonhou, mas era o que podia fazer.
Ela tinha que admitir que a matéria era interessante, sempre foi atraída por civilizações antigas e estudar sobre a formação delas era algo que a instigava. Mas seu professor, Armando de Castro, era sem sobra de dúvidas a pior pessoa do mundo para lecionar sobre isso. Ela não o culpava completamente, afinal, o homem não tinha culpa de ter uma didática tão falha. Entretanto não poderia deixar de se irritar com a incapacidade que o professor tinha de admitir que não era um bom docente. Mas, naquela manhã, ele superou todas as expectativas de aulas desastrosas.
Professor Castro, como era chamado, estava anunciando um trabalho final que substituiria a nota da última prova da turma. Explicou que seria um trabalho em duplas e a sala já começou a se organizar, mas ele logo disse que as duplas seriam sorteadas. Nada com que ninguém devesse se preocupar, até que ele explicou que as duplas seriam formadas por um acadêmico do curso de história e outro do curso de literatura. Todos sabiam que ele estava responsável por uma das matérias do curso de literatura da universidade naquele semestre para substituir uma professora que estava em licença maternidade, mas ninguém esperava que ele resolvesse unir as duas turmas.
Pensando sozinha depois Maia chegou a conclusão de que não era assim algo tão surpreendente. Castro teria que fazer, corrigir e lançar duas vezes mais provas e notas dando aula nas duas turmas. Com esse trabalho ele só precisaria dar uma nota e corrigir a metade do número de projetos. Em sua cadeira Maia revirava os olhos enquanto o professor explicava os detalhes de como aqueles projetos seriam feitos. Ele havia conseguido trocar os horários de aula com um dos professores do curso de Literatura para as apresentações finais. Naquela tarde as duas turmas se reuniriam no auditório durante o horário de almoço para o sorteio das duplas assim como dos temas. Nas duas últimas semanas do semestre fariam o mesmo para as apresentações.
O tema geral seria a integração da literatura, compreendida principalmente nas tradições escritas, dentro da história das civilizações antigas do mundo todo. Cada dupla seria responsável por uma civilização, mas por algumas terem durado milênios estas foram divididas em épocas. Quando a aula acabou, antes que ela fosse para a seguinte, ligou para o motorista que a mãe havia deixado exclusivamente encarregado dela avisando que ele poderia vir mais tarde. Após a última aula ela seguiu junto do resto da turma, para o auditório. Decidiu não descer até o final das filas e ficou com sua cadeira próxima as portas de saída. No pequeno palco o professor subia com vários papéis nas mãos.
Nas cadeiras do lado direito estava a turma de história, nas do lado esquerdo os acadêmicos de literatura. Um por um Castro foi chamando os alunos pelas listas de presença alternando entre os cursos. O professor pareceu nota-la na parte superior do auditório pois pulou seu nome na chamada e seguiu em diante. Cada aluno tirava um papel de um dos potes (um com uma letra H e outro com uma letra L coladas) e lia em voz alta seu tema. Conforme os mesmos temas eram tirados os alunos se aproximavam e começavam a conversar. Como estariam dispensados após a definição de suas duplas a maioria deles começava a sair do auditório trocando contatos.
O último de seus colegas presentes retirou seu tema e então três dos alunos de literatura ali começaram a se retirar pois não eram os pares dele. O último acadêmico se levantou retirando um tema e o colega de Maia pegou suas coisas indo embora. O rapaz de literatura iria descer, mas o professor pediu que ele esperasse. Maia continuava na parte superior esperando que o professor subisse. Não demorou muito e Castro subiu acompanhado do outro aluno. Maia cumprimentou ambos e Castro ofereceu a ela o recipiente que continha alguns papéis, um que seria dela e outros que eram dos alunos que faltaram. Por uma incrível coincidência ela retirou o papel com o mesmo tema do garoto que estava ali com o professor.
– Parece que seremos uma dupla – disse ele se aproximando e estendendo a mão direita para ela – Meu nome é Enzo.
– Prazer Enzo – respondeu com um suspiro cansado – Me chamo Maia – se apresentou e virou a cadeira com a ajuda dos controles, facilidades que o dinheiro da família pode lhe proporcionar após o acidente.
Ela viu Enzo se adiantar e abrir a porta, reconhecendo que o rapaz era educado e atencioso. Ele caminhou ao seu lado enquanto marcavam uma data para se encontrarem na biblioteca, por sugestão dele. Marcaram para o dia seguinte e seguiram suas rotinas. Nos primeiros encontros a conversa entre os dois era travada e se resumia ao trabalho, mas com o tempo Enzo foi se soltando. Maia o achou incrivelmente sorridente, alegre e extrovertido. Por mais que ela fosse receosa com pessoas novas a olhando de forma diferente por conta da sua condição logo Maia foi ficando mais confortável com Enzo.
Certa tarde, após as aulas, ambos estavam numa cafeteria próxima ao campus trocando anotações. Ficaram para apreciar um lanche e um café conversando amenidades até que ficaram sem assunto enquanto comiam. Após terminarem ambos pediram outro café e, enquanto esperavam, Enzo falou trazendo o assunto de forma inesperada.
– Acho incrível sua força de vontade em continuar estudando – disse ele com um largo sorriso e os olhos alegres de sempre – Quero dizer, a maioria das pessoas não tem que se preocupar com uma cadeira de rodas e tudo o mais e mesmo assim desiste, mas você continua aqui.
– Eu já estive sem a cadeira – contou ela dando de ombros ficando desconfortável com o assunto, mas indecisa em finaliza-lo de forma abrupta demais e magoar o rapaz – Sofri um acidente e por conta dele preciso da cadeira. Mas ainda estou em recuperação.
– Pois com sua determinação não me surpreenderia se logo não estivesse mais na cadeira – disse ele piscando para Maia com um largo sorriso que a fez sorrir de leve.
Durante os próximos encontros o trabalho foi se desenvolvendo, assim como a amizade de ambos. Dois meses depois de se conhecerem Maia venceu a timidez e perguntou a Enzo algo que ela suspeitava desde o primeiro dia, mas não tinha certeza ainda. Ele soltou uma alta gargalhada que foi contida quando um guardanapo, jogado por Maia, acertou sua boca.
– Claro que sou gay – respondeu ele num tom baixo, mas ainda se esforçando para não rir – Achei que meu jeito já deixasse isso mais do que claro – completou dando de ombros e sorrindo largamente antes de ambos rirem, dessa vez de forma mais contida.
Algumas semanas antes de entregarem o projeto Enzo foi até a casa de Maia para ensaiarem a apresentação. Ficaram três horas na biblioteca da casa com anotações e computadores. Os funcionários da casa eram os únicos que apareceram já que Fernanda subiu após conhecer o rapaz. Quando Enzo foi embora Maia encontrou a mãe sendo servida de um chá na sala.
– Esse seu projeto com esse rapaz já está acabando, certo? – perguntou Fernanda com um tom de desgosto e ouviu a confirmação da filha que também recusou o chá – Ótimo. Não é bom que ele volte aqui. Melhor ainda que não terá de vê-lo após esse projeto. Aliás, ideia infeliz desse seu professor. Sabia que você não deveria ter voltado a estudar ainda.
– Não comece com isso mãe – pediu Maia conduzindo a cadeira de rodas para perto dos sofás – Eu precisava de algo para fazer e estudar é ótimo. Realmente foi um trabalho com uma logística complicada, mas está sendo uma ótima experiência. Além de que Enzo é uma ótima pessoa.
– Não é alguém com quem você deva ter amizades – disse sua mãe e os olhos verdes a encararam com surpresa e confusão – Esse tipo de gente. Não deveria estar por ai se misturando a pessoas normais. Não é correto.
– A senhora está falando sobre ele ser pobre ou sobre ele ser homossexual? – perguntou Maia com um tom de irritação contida fazendo o olhar da mãe se fixar nela, mas antes que Fernanda pudesse responder Maia tornou a falar – Realmente, não responda mãe. Um ou outro, ambos serão motivos estúpidos e preconceituosos. E exatamente por isso, foi fingir que não ouvi esse seu comentário e essa sua sugestão de que eu me afaste de um amigo. Boa noite Mãe, vou jantar no meu quarto – respondeu ela saindo da sala.
Indo contra vontade da mãe e do irmão que tentavam de todas as formas desestimular aquela relação a amizade de Maia e Enzo se fortaleceu cada vez mais. Após a entrega do dito trabalho ambos continuaram a conversar e a se ver. Enzo preferia não frequentar a casa dela e Maia começou a não poder ir para a casa do rapaz por uma proibição que a mãe fez ao motorista que a levava.
Ele acabou por se tornar o maior apoiador da mais nova. Era o ombro amigo para onde Maia corria quando tinha as notícias ruins da fisioterapia e era também o responsável pela festa quando as notícias eram boas. Enzo acompanhou quase 3 anos de recuperação e viu Maia sair da cadeira de rodas aos poucos e com muito esforço até começar a usar as muletas. No começo eram duas, maiores e que mais atrapalhavam do que ajudavam no equilíbrio, mas aos poucos Maia foi ficando mais forte e conseguiu passar para muletas menores.
Os dois se viam todos os dias na faculdade, almoçavam juntos sempre e o rapaz era o único cujos conselhos realmente pareciam ajudar Maia. No último ano de Enzo na faculdade Frederico apareceu. Fred havia feito um intercâmbio entre faculdades e ficaria seu último ano em Minas. Enzo e ele se conheceram numa festa onde, ao contrário do que ele esperava, ambos apenas conversaram. No final Enzo ficou feliz ao passar a noite toda conversando com Frederico e os dois mantiveram contato por mensagens durante algumas semanas.
Maia ria demais do amigo que se dizia completamente apaixonado um mês depois de começar a sair com o moreno, mas ela sabia que ele estava certo. Três meses antes de se formarem Fred pediu Enzo em namoro e os dois começaram a fazer planos. Ele queria muito continuar em Minas, perto de Maia, mas um mês antes da formatura Frederico, que havia se formado em engenharia eletrônica como o primeiro de sua turma, foi chamado por uma grande empresa. Enzo se sentiu num grande dilema, mas Maia o encerrou pelo melhor amigo. Ela incentivou que ele e Frederico fossem morar juntos em São Paulo dizendo que seria ótimo para eles.
No fim foi o que eles fizeram, mas mesmo separados eles continuaram mantendo a forte amizade. Talvez até mais forte ainda. De longe ele viu a amiga se formar e lutar por um espaço. Também de longe ele acompanhou os poucos e lentos progressos da recuperação de Maia que, pelo que ambos entendiam, aparentemente duraria a vida toda. Infelizmente, de longe também, ele viu como Maia não conseguiu seguir o caminho que sonhava. O sonho de estudar arqueologia que ela tanto lhe contou morreu com Dona Fernanda e foi enterrado com a indiferença de Giovanni.
Mas ele não desistiu de incentivar Maia a ir adiante. Frederico foi um grande aliado nesses momentos pois foi com as orientações do rapaz que Maia começou a investir sua herança. Foi Fred quem indicou a Maia que procurasse um banco e conversasse com um gerente para melhor aplicar seu dinheiro e, graças a isso, ela foi capaz de comprar o Rancho Aureus. Não que ele soubesse de todas as coisas boas que aquele rancho numa cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul fosse fazer a sua melhor amiga. Mas ele soube de cada acontecimento, exceto os detalhes sobre como Giovanni vendeu sua parte, e viu como a estadia naquele lugar começava a fazer bem a Maia.
No fim cada um foi mesmo para um caminho diferente, mas a amizade perdurou e perduraria por toda a vida deles. Porque mesmo em direções opostas ambos fariam questão de sempre interligar suas estradas. Afinal, eram verdadeiros amigos e amigos assim nunca se separavam realmente.
A amizade de maia e Enzo é muito bonita! amizade verdadeira. umas das coisas que gosto nos seus contos é que voce mostra isso bem, o valor de uma amizade!.
Bjs
Fica na paz
Macoty
Sim, é uma amizade verdadeira e eu acho lindo amizades assim.
Meus personagens sempre tem um melhor amigo(a) e adoro mostrar essa relação *-*
Bjs
;]
Gostei muito deste capítulo extra! Linda a construção da amizade dos personagens!
Mais uma vez, parabéns a vc, Alini!
Eu adorei escrever ele, tanto que ficou maior do que deveria hehe.
Muito obrigada mesmo *-*
;]