Carlos era um motorista experiente, dirigia a muito tempo e nunca havia se envolvido em nenhuma situação de acidente, mas já havia passado perto de várias escapando graças a sua perícia ao volante. Novamente essa perícia o estava ajudando, pois graças a ela conseguiu ter o mínimo controle para reduzir a velocidade do carro antes de sair da pista rodando e acertar a pequena árvore. Sua testa doía e ele sentia um pequeno filete de sangue escorrer de sua sobrancelha, mas estava consciente e o impacto não havia sido nem forte o bastante para acionar os air-bags do Land Rover.
Levou a mão a testa olhando ao redor e logo conseguiu ver o Vectra parado na estrada. Apesar de ser um homem controlado, naquele momento Carlos perdeu sua paciência. Girou a chave na ignição e o motor do 4×4 ganhou vida com um som de aceleração por conta do acelerador pressionado. Dentro do Vectra Renato se assustou com o som do rugido do motor potente e virou o rosto vendo o carro preto arrancar na sua direção deixando um rastro de terra para trás. Girou a chave outra vez e seu carro ligou, o mais rápido que pode ele o colocou em movimento, mas o Land Rover já estava ganhando a estrada alguns metros atrás dele. Os dois carros aceleravam o máximo que podiam, Renato tentando se afastar e Carlos tentando chegar próximo o suficiente para ver a placa do Vectra azul.
Carlos conseguiu ver a placa instantes antes do Vectra conseguir ganhar mais velocidade que o 4×4. Ao ver o carro se distanciar em seus retrovisores Renato respirou um tanto aliviado, no mínimo estavam todos bem dentro do veículo preto, mesmo assim ele manteve a velocidade alta até chegar na cidade e se apressou em ir para casa, planejava pegar algumas coisas suas e ir passar os cinco dias em que permaneceria afastado na capital. Iria até a agência principal na segunda conversar com os superiores e tentar um retorno antes do término do afastamento.
Pegou um desvio, entraria na cidade por outro caminho. Estava dando a volta para entrar na rua de sua casa, passaria em frente a Clínica Ferraz antes de virar algumas quadras a frente. Quando entrou na rua da clínica viu três figuras saírem pelas portas de vidro. Uma delas era sua irmã, a reconheceu de longe pelas roupas que a viu usando pela manhã. Chegando mais perto reconheceu Alicia, mas no segundo seguinte, quando a veterinária se moveu, ele teve a visão da terceira pessoa. Apoiando-se em uma muleta e no braço de Alicia, a terceira figura ele reconheceu como sendo Maia.
Sua mente rapidamente compreendeu que havia provocado um acidente com um carro onde a jovem não estava, toda aquela tensa situação de momentos atrás havia sido em vão. Antes que passasse pela quadra Renato invadiu a contramão e parou o carro em frente a clínica quase acertando a roda no meio-fio e subindo a calçada. O som da frenagem brusca fez os rostos das três mulheres se virarem imediatamente na direção do Vectra. Viram a figura do homem abrindo a porta e saltando do veículo tão rápido quanto era humanamente possível e avançando na direção delas.
Mas Renato não estava avançando contra as três, seu foco totalmente em Maia fez com que o rapaz até se esquecesse da presença das outras duas. Seu ódio pela mulher era tanto que ele praticamente corria na direção dela com os punhos tão fortemente fechados que seus dedos perderam a cor. As três perceberam que ele não estava controlado, Talitha arregalou os olhos para a aparência enfurecida do irmão. Maia logo percebeu que o olhar raivoso do homem era direcionado a si e apenas o encarou de volta mantendo a postura firme. Ao mesmo tempo Alicia sentiu seus instintos de proteção lhe mandarem um alerta.
– O que foi que você deu e pra quem deu para que o banco me dispensasse? – ele perguntou apontando o indicador direito na direção do rosto de Maia, seu tom rude, alto, acusador e enojado.
– Renato, olha a merda que você vai fazer! – Talitha se adiantou entrando na frente do irmão e colocando as mãos no peito dele tentando empurrá-lo para longe das duas amigas.
– Sai da minha frente – Renato empurrou a irmã para o lado e continuou avançando enquanto ela tentava segurá-lo pelo braço.
– Vou fingir que não entendi o que quis dizer com sua insinuação ridícula – Maia falou sem desviar o olhar do rapaz que puxou o braço soltando-o das mãos da irmã mais nova – Mas quanto a sua postura, acho melhor repensar seus atos ou as coisas vão ficar ainda piores para você.
– Piores pra mim? Está me ameaçando? – retrucou ele em tom de falsa diversão, mas logo sua expressão mudou e ele avançou contra Maia erguendo a mão para segurá-la.
Mas a mão direita de Renato não encontrou o pescoço da jovem de olhos verdes. Antes que ele a alcançasse se chocou contra o que quase parecia uma parede que o fez parar, sua mão foi empurrada para o lado enquanto que a mão direita da veterinária se coloco contra o tórax dele impedindo-o de se aproximar.
– Não sei que merda você tem na cabeça, Renato. Mas se acha que, nesse estado, vou te deixar próximo da Maia está bem enganado – Alicia disse empurrando o rapaz que deu um passo para trás até recuperar o equilíbrio.
Os castanhos escuros encararam de forma chocada os olhos castanhos cor de mel. Talvez, na mente deturpada e cheia de preconceitos e machismos dele, Alicia fosse se manter inerte naquele conflito. Renato nunca imaginaria que Alicia, a garota que ele conheceu desde a infância e que foi criada num ambiente parecido com o dele, seria capaz de erguer a voz ou se posicionar em oposição a si.
– Alicia – ele falou mudando o tom para um preocupado – Você está mesmo fora do seu juízo perfeito. Ou então ela te fez algo. Se foi ameaçada ou algo do tipo, não se preocupe. Não há nada que essa vagabunda…
Um empurrão fez Renato se calar e arregalar os olhos. Alicia o havia empurrado para trás e estava apontando o indicador contra seu rosto naquele instante.
– Cuidado com as palavras que usa, Renato – ela avisou com uma raiva controlada na voz – Eu não vou permitir que você a ofenda.
– Não seja estúpida Alicia! Se continuar defendendo essa mulher e continuar com ela nenhum homem decente vai querer você depois! – Renato gritou com raiva, àquela altura Talitha tinha se aproximado de Maia para tirá-la de perto do irmão caso as coisas saíssem mesmo do controle.
– Eu sou a estúpida? – Alicia assumiu um tom irônico – Me diz Renato, o que é que você considera um “homem decente”?
– Um homem como eu, oras! – ele respondeu estufando o peito mostrando seu orgulho pelo fato, mas ficando com raiva outra vez quando ouviu a gargalhada da mulher.
– Vou agradecer eternamente por nunca ter aceitado ficar com você então – Alicia respondeu ainda rindo e cruzando os braços – Aliás, acho que vale a pena ressaltar uma informação já que você parece estar colocando uma “culpa” que não existe sobre Maia. Lembra quando eu tinha 15 e te dei um fora? Bem, foi porque na época eu estava muito mais interessada numa colega de escola que tinha – a veterinária contou com uma expressão de descaso que deixou o rapaz com mais raiva ainda – E já que estamos tocando nesse assunto, sabe no ano seguinte? O ano em que eu dei foras em todos os seus amiguinhos? Bem, foi porque meu interesse era a prima de um deles que estava passando as férias aqui. Lembra dela? A garota que ficou comigo a noite inteira da festa? Pois é.
– Não, isso é mentira, está inventando isso tudo por algum motivo louco – Renato contrariou, ele já estava ofegante de raiva enquanto tentava se controlar – É mentira! Você tinha um namorado! Veio com ele para o velório do Dr. Ferraz!
– Tem razão, eu tive UM namorado, dei uma chance a Diego depois de muito tempo sofrendo com o término do meu namoro anterior – Alicia contou mantendo a mesma postura – Um namoro de seis meses com uma colega que estudava comigo na faculdade – ela disse ressaltando o fato de ter namorado outra mulher; Renato estava cada instante mais transtornado, mesmo assim Alicia, já sem paciência alguma para se controlar, continuou a jogar outras verdades contra ele – E, já que citamos Diego, vale ressaltar que ele sim era um homem decente. Diego foi um homem de verdade. Você é só um tipinho arrogante, egocêntrico, egoísta e mimado que acha que o que tem dentro das calças vale mais do que o caráter das pessoas.
– Você é só mais uma dessas erradas na vida – Renato falou, sua voz firme, mas a expressão consternada indicava que a voz não refletia seu interior – É só mais uma vagabunda como todas essas outras. Se voltou a estar com outra mulher depois desse Diego então ele não te fez uma mulher de verdade!
A frase em tom de acusação apenas fez Alicia forçar uma gargalhada outra vez. A veterinária descruzou os braços e parou de rir subitamente ao mesmo tempo em que avançava reduzindo a distância entre ela e Renato a menos de um passo.
– Vamos esclarecer um fato, garotinho mimado e ignorante – ela disse em tom baixo erguendo levemente o rosto para encará-lo nos olhos, já que o rapaz era poucos centímetros mais alto – O que faz de alguém uma mulher de verdade são as atitudes e o caráter dela, não a merda de um pênis de um cara qualquer com quem ela resolva ter sexo. E nenhuma relação sexual faz de você um homem de verdade também. Aliás, Diego é mil vezes mais homem do que você um dia achou que era. E eu sou muito mais mulher do lado da minha namorada do que qualquer mulher um dia vai ser do seu lado. Isso porque esse seu brinquedinho é inútil para definir alguma coisa. E você – Alicia ergueu o indicador direito e p pressionou contra o peitoral de Renato – É só um merda que não faz nada de positivo para ninguém.
A próxima coisa que se ouviu depois disso foi Talitha chamando o nome do irmão e Maia gritando assustada com o movimento brusco do rapaz erguendo a mão em direção ao rosto da veterinária.