Maia e Alicia esperaram alguns minutos sozinhas na cozinha, até que Maria voltou e as encontrou sentadas uma ao lado da outra em frente a mesa conversando sobre algo. A conversa do casal parou ao ouvirem os passos da mulher mais velha. Ela pareceu indecisa sobre o que fazer, parou um pouco afastada das duas, mas as encarava como se quisesse falar algo, ambas decidiram apenas esperar.
– Antonieta disse que ficaria no corredor dos quartos esperando que os convidados terminem de arrumar suas coisas e desçam para o lanche – ela finalmente avisou se aproximando um pouco mais da mesa.
– Obrigada por avisar Maria – Maia agradeceu soltando um suspiro cansado e pensando no que aconteceria a seguir.
– Senhorita Almeida? – Maria chamou logo depois, ainda no mesmo lugar, chamando a atenção das duas que continuavam sentadas – Aquele senhor, seu pai, ele veio mesmo na intenção de levar a senhorita do Rancho?
– Aparentemente foi essa a motivação do meu pai para vir até aqui – ela respondeu calmamente começando a se levantar – Mas ele pode querer o que for, não significa que ele terá isso. O Rancho Aureus é a minha casa agora, um homem que abandonou eu e minha mãe por anos, que nunca se importou em vir me ver depois do meu acidente, esse homem não tem direito algum em me dar ordens – Maia termina de se levantar e já tem Alicia lhe estendendo a muleta, o que ela agradece com um sorriso que permanece em seu rosto quando ela se vira para sua funcionária – Ninguém vai me tirar da minha casa, Maria. Vou cuidar disso tudo, espero eu, tão bem quanto meu tio o fez. E posso lhe fazer um pedido?
– Claro – a senhora respondeu balançando a cabeça num aceno afirmativo.
– Eu não gostaria mais que me tratassem pelo sobrenome do meu pai – ela disse ainda sorrindo – Almeida não é um nome que represente, acho que nunca foi. Se possível, já que sei que a maioria de vocês não vai deixar de me tratar por Senhorita, então que seja Senhorita Augustus.
Maria deu um mínimo sorriso e logo acenou novamente antes de se afastar. No fundo Maia entendia que parte do comportamento da mais velha se devia ao fato de que, se ela desistisse do Rancho provavelmente a maior parte das pessoas que trabalhavam ali perderiam seus empregos porque não haveria quem tomasse conta de tudo. Entretanto aquela atitude era um pequeno avanço na aceitação de, provavelmente, grande parte dos funcionários do Rancho. Alicia e ela então voltaram para a sala de jantar e encontraram Antonieta liderando o caminho dos seus visitantes para dentro da sala.
– Antonieta – Maia a chamou assim que ela se aproximou, seu pai e irmãos pararam um pouco mais atrás – Pode, por favor, trazer algumas coisas para fazermos um pequeno lanche? – ela pediu sem ainda dar sequer um olhar para o pai.
– Trago café também? – Antonieta perguntou antes de se retirar.
– Sim, chá e algum suco natural, não sei qual o gosto dos meus irmãos para isso – Maia pediu e a senhora lhe sorriu apertando-lhe o antebraço levemente e fazendo o mesmo com Alicia antes de se afastar; ela então se virou para o pai e os irmãos que estavam parados do outro lado da longa mesa, ela esperou que Antonieta sumisse na cozinha antes de se afastar um pouco de Alicia e se aproximar da cabeceira da mesa – Acredito que agora seja a hora efetiva das apresentações – ela falou desviando o olhar do pai para os irmãos parcialmente atrás do homem mais velho – One of you speaks Portuguese? – ela questionou aos gêmeos que se entreolharam antes de saírem de trás de Otávio que manteve uma expressão desgostosa ao encarar a filha mais velha.
– Nós aprendemos o idioma na escola – a menina se pronunciou primeiro.
– Esse e mais alguns outros – o garoto completou a fala da irmã dando de ombros e fazendo Maia sorrir.
– Eu sou Juliet, mas prefiro que me chamem de Juli – ela se apresentou estendendo a mão para a mais velha enquanto apresentava o irmão – Ele é Jordan.
Maia sorriu e passou a muleta para o lado deixando-a encostada na mesa antes de se aproximar segurando a mão da garota. Pegando os dois de surpresa ela se aproximou um pouco mais dando um rápido e leve abraço, primeiro em Juliet e depois em Jordan antes de se apoiar no canto da mesa e dar pequenos passos para trás.
– Me deixa muito feliz poder conhecer vocês dois – Maia afirmou alcançando sua muleta e sorrindo, os dois totalmente sem reação – Vamos nos sentar, Antonieta já deve estar trazendo o lanche.
A dona da casa indicou os lugares a mesa com uma mão, a veterinária se moveu para mais perto da menor sob um olhar desconfortável de Otávio sobre ela. Os gêmeos ainda ficaram pequenos segundos surpresos com o abraço, mas logo foram para as cadeiras do lado direito da longa mesa. Seu pai deu um passo em direção a cabeceira da mesa, para a cadeira que estava ao lado dela, mas Maia apenas ergueu uma sobrancelha encarando o pai que parou o passo seguinte. Alicia estava afastando a cadeira para ela que ergueu o queixo antes de desviar o olhar do pai e ir se sentar na cadeira que sua namorada puxara para ela. Otávio fechou a expressão numa irritação mal contida e mandou que Juliet se levantasse e se sentasse do outro lado da mesa para que ele ocupasse a cadeira ao lado direito de Maia.
– Antes de tudo eu quero entender quem é essa mulher e o que ela está fazendo aqui já que estamos numa reunião familiar – Otávio se pronunciou encarando Alicia que estava sentada diretamente a frente dele.
– Tenho certeza de que sua filha mais velha irá explicar tudo nesse exato momento – a veterinária respondeu – O senhor só precisa ter um pouco de paciência – ela completou com um sorriso largo.
– Pai, Juliet, Jordan – Maia começou encarando cada um deles antes de olhar para Alicia – Essa é Alicia Ferraz, entre outras coisas ela é a veterinária responsável pelos cavalos do rancho. E também é minha namorada – ela completa virando o olhar para o pai e esperando a reação do mesmo.
Primeiro uma surpresa percorreu as expressões de todos os outros três. Alicia estendeu sua mão por baixo da mesa para segurar a mão esquerda da namorada para lhe passar apoio achando que ninguém veria o ato, mas os olhos azuis de Juliet, que estava sentada ao lado da veterinária, captaram o movimento. As próximas reações foram um tanto mais rápidas, durando bem menos do que a surpresa. Primeiro Otávio assumiu uma expressão de fúria, então controlou-se em uma de confusão até passar a um olhar de indignação.
– Eu acho muito bom que essa brincadeira seja encerrada nesse instante. Não tenho paciência para esses joguinhos, então vamos esclarecer esse assunto de uma vez – falou ele entrelaçando os dedos das mãos sobre a mesa.
– Isso não é uma brincadeira – Maia afirmou calmamente e sustentando o olhar do homem mais velho que passou a ganhar um certo brilho de irritação, mas sua reação foi mais explosiva do que se esperava.
– EU NÃO VOU ADMITIR QUE ESSA SEJA A RAZÃO PARA QUE VOCÊ ESTEJA ESCOLHENDO FICAR NESSE FIM DE MUNDO! – ele gritou se erguendo da cadeira e espalmando as mãos com força sobre o tampo da mesa que tremeu e fez os dois mais jovens dali tremerem também – VOCÊ VOLTA COMIGO PARA OS ESTADOS UNIDOS E NÃO HÁ DISCUSSÃO!
– Eu sugiro que o senhor mantenha a calma – Alicia se manifestou levantando-se também e colocando suas mãos sobre a mesa sem produzir nenhum ruído.
– POIS EU SUGIRO QUE VOCÊ SE RETIRE IMEDIATAMENTE! – ele devolveu com o mesmo tom encarando a veterinária como se estivesse pronto para sair do lugar ele próprio e retirá-la do lugar.
– Sentem-se – Maia falou num tom firme e decidido que fez todos os olhares se voltarem para ela, sua mão esquerda se colocou sobre a direita de Alicia enquanto os olhos verdes mantiveram-se fixos no pai – E isso não é uma sugestão – fez-se silencio, todos surpresos exceto Alicia que calmamente se sentou, notando que seu pai não o faria Maia também se levantou para encará-lo no mesmo nível, já que ele não era tão mais alto que ela – Você está na minha casa. Não me importa que seja meu pai, nem que tivesse sido um pai presente teria algum direito de me dar ordens a essa altura da minha vida. Em primeiro, não é meu relacionamento com Alicia a motivação que tenho para ficar. Encontrei uma motivação aqui, essa é a minha vida agora, estou descobrindo minhas próprias habilidades e capacidades nesse lugar. Eu estou feliz aqui. E, pelo pai que foi pra mim a minha vida toda, não me surpreende que você não respeite, nem entenda e nem aceite a minha felicidade. Por isso mesmo suas ‘ordens’ não significam nada para mim, não tem direito de dizer o que devo ou não fazer. Você está na minha casa, Senhor Otávio Almeida, e, usando a mesma frase que tanto repetia para mim e Giovani quando éramos crianças, estando na minha casa vai respeitar as minhas regras. E a base de todas elas é: Respeito. Vai respeitar a mim, a minha namorada, os meus funcionários e todas as pessoas aqui dentro. Quero ter a oportunidade de, verdadeiramente, conhecer meus irmãos e espero que não seja um ser humano tão ruim a ponto de nos privar disso.
– Você não está raciocinando, Maia – Otávio insistiu num tom mais baixo, mas igualmente exaltado – Essa palhaçada não vai durar. E quando passar essa fase você vai se dar conta de que fez a maior besteira da sua vida – completou em tom de ameaça.
– Maia não está passando por uma fase – Alicia se intrometeu no diálogo de um jeito sério – Ela passou por várias fases, durante a infância e adolescência, no acidente, na recuperação. Todas essas foram fases na vida da sua filha, mas ela estar buscando ser quem ela quer ser, isso não é uma fase.
– Olhe aqui, garota, é melhor que fique fora disso. Esse assunto é entre mim e Maia – o mais velho respondeu passando a mão esquerda sobre os fios ainda não totalmente grisalhos.
– Pode acreditar que eu não sei o que me faz bem ou não, mas eu sei – Maia falou encarando a veterinária que devolveu o olhar com o mesmo brilho apaixonado de sempre – E não vou esconder a minha felicidade e o meu amor onde você não possa vê-lo – Maia voltou seu olhar ao pai – Se esquecesse seus preconceitos por um segundo notaria o quão bem eu estou aqui com alguém que eu amo. Isso não é temporário, uma fase que vai passar porque você quer que passe.
– Vocês dois, subam já pros seus quartos – Otávio falou apontando para os gêmeos, mas ainda encarando o olhar decidido que Maia lhe dirigia, juntamente com as mãos dadas das duas mulheres a sua frente.
– Mas pai! – Juliet tentou argumentar.
– Sem mais. Vão agora! – ele a cortou de forma imperativa, os dois levantaram, Jordan encarando o pai com seriedade e a irmã com raiva, mas foram para fora da sala e para as escadas; quando eles já estavam longe ele voltou a se dirigir a filha – Eu não sei quem colocou essas ideias na sua cabeça, minha filha, mas…
– Mas o que? – Maia o interrompeu perdendo a paciência – Eu não tenho medo da sua opinião, nem da reação de ninguém – ela afirmou encarando o pai de forma séria – Guarde suas ameaças, pai. Elas não me afetam. Não importa o que você diga ou queira que eu acredite, eu sei o que estou sentindo e tenho consciência das minhas ações. Essa é a minha casa, esse é o meu lugar, essa é a minha vida. Quando entender isso podemos voltar a conversar civilizadamente, até lá talvez seja melhor o senhor subir também.
Otávio encarou as duas mulheres que não soltavam suas mãos por alguns segundos, procurava algum pequeno que fosse sinal de hesitação. Mas não encontrou nem um mísero temor. Elas estavam seguras de tudo e se mantinham juntas a devolver e sustentar aquele olhar avaliador dele. Por fim o homem seu as costas a elas e saiu da sala de jantar em direção a escada. Sequer percebeu que havia acabado de cumprir uma “ordem” de Maia, quase idêntica a que ele havia dado aos filhos instantes antes. Mas ele estava mais ocupado se remoendo com a conversa do que em prestar atenção ao que acontecia.
N/A: Oie hehe,