ANTES QUE ELA VÁ EMBORA

CAPÍTULO 3. Nome de fada

MISHA  

Uma semana depois 

— Sabe, hoje era para ser o dia mais feliz da minha vida. Eu consegui até tirar de casa a pessoa mais difícil que eu conheço — limpou a garganta — achei aquela gravata ridiculamente cara só para combinar com meu vestido — tossiu — só não consegui trazer a mulher da minha vida para cá — a loira fungou. 

Enquanto a assisto, só consigo me perguntar mentalmente em qual momento deixei de ser a garota que veio passar as férias na casa do pai para… isso que se tornou a minha vida. Em uma semana tanta coisa aconteceu, a começar no sábado passado.

Tudo estava indo bem. Eu tinha chegado semana passada nesta cidade que eu não conheço nada, aceitei sair com a noiva do meu pai, encontrei um bar para assistir o Mundial, conheci uma gata que bem… eu tinha certeza que ia acabar aquela noite marcando gols na cama dela.

E eu ia.

Mas ela é só mais uma tremenda filha de uma puta.

E agora estou aqui, uma semana depois, no banheiro do Teatro Municipal, sendo os ouvidos de uma formanda inconsolada.

*

Sábado passado, noite do Mundial

O que eu acabei de fazer?
Encaro as bochechas rosadas, o pescoço marcado e o sorriso de orelha a orelha que me encaram no espelho. Tem tanto tempo que me sinto assim que eu não consigo reconhecer meu próprio reflexo. Lavo meu rosto, ajeito meu cabelo e me permito repassar as memórias do que acabou de acontecer. Não faço ideia do que fazer. 

Voltarei lá fora, darei meu número para ela e se ela me mandar mensagem talvez a gente possa fazer algo depois. Não seria desespero meu, né? É até educado você trocar número com a pessoa que você acabou de… enfim. Meu Deus, Misha.

Mas não consigo conter os meus músculos faciais burros que insistem em sorrir. Eu nem mesmo sei o nome dela.

Saio do banheiro determinada a voltar para a frente do bar e terminar a noite na companhia dessa mulher incrível e talvez Nara queira nos fazer companhia, imagino que as duas possam se dar bem já que a Nara é mega simpática. Meu pai sabe mesmo escolher namoradas.

Mas minhas pernas travam no meio do percurso. Ela está a poucos metros de mim, virada de costas e uma mulher… com a mão exatamente no lugar que estava a minha há poucos minutos, exatamente em sua nuca. Elas estão se beijando? Sério?

Me esquivo rapidamente para que elas não tenham a chance de me ver, que vergonha. Mas assim que eu me virei, acabei trombando com a garçonete de mais cedo e por um triz não derrubei toda a bandeja com copos sujos que ela carregava.

Eu só preciso sumir daqui.

*

Pessoas escrotas sempre existiram e elas para sempre existirão. Não tem como mudar isso. Apenas nos cabe aceitar isso e não ser uma pessoa cuzona.

Pego um fôlego desconhecido e falo pela primeira vez desde que a encontrei chorando.

— Nunca troque um momento mágico por uma pessoa que não quis vivê-lo com você — retoquei o rímel da loira — mas, tenho certeza que se ela é tão incrível como você me disse, existe uma boa razão para ela não estar aqui.

Ela me encara com os olhos marejados, um nariz vermelho e um lindo vestido de formatura que mais parece o de uma princesa de contos de fadas, rosa e cheio de pontinhos de luz.

— É, fadinha, você tem razão — ela me chamou de fadinha? — que mal educada eu sou, não me apresentei — esticou a mão para mim — sou a Catarina. 

— Misha — estendi minha mão para cumprimentá-la. 

— Misha… — ela disse como quem saboreia um doce — que nome legal, bem nome de fada madrinha mesmo — ela deu uma longa encarada no teto e depois um longo suspiro — mas, infelizmente, por mais que você seja uma ótima fada madrinha, minha noite de conto de fadas foi pro ralo — ela ajustou o vestido com as mãos, as unhas clarinhas combinando com a maquiagem e uma pulseirinha de flor — mas isso não quer dizer que não terei o meu felizes para sempre. E você — apontou para mim, me olhando através do espelho enorme do banheiro — está mais que convidada para a minha comemoração de formatura. 

Essa desconhecida me convidou mesmo? Mas antes que eu pudesse responder ela pulou da pia em um instante.

—Ãn ãn — disse, mexendo o indicador da mão direita em tom de reprovação — não aceito um não. A não ser, lógico, que você já tenha outros planos depois que sair dessa colação idiota. Você é parente de qual formando?

— Eu não sou parente de formando algum, na verdade… — mas a voz no microfone chamou nossa atenção com o aviso sobre o início da cerimônia de colação de grau.

— Puta merda, eu sou a oradora! Vamos, fadinha, depois a gente fecha os detalhes da minha bebedeira.

*

— […] uma pessoa muito especial me disse uma vez que eu era capaz de conseguir tudo aquilo que fizesse sentido para mim. Por mais que ela não esteja aqui hoje, eu gostaria de dizer que ela estava certa. E acho que é assim que eu gostaria de fechar a minha fala: à vocês, à todos nós, que sejamos persistentes e encaremos nossos sentidos. Eles valem muito a pena. Obrigada. 

Aplausos findam a fala da oradora. 

Caminho até a mesa que nos foi reservada. Nara está em pé conversando com um cara de terno, cabisbaixo, enquanto meu pai me alcançou com o olhar. 

— Aí está ela. Está tudo bem? — meu pai perguntou enquanto segurava um copo de whisky junto a alguns professores da tal escola. Sempre muito entrosado — ficamos preocupados com você, filha.

E então me dei conta que sumi totalmente depois da cena com a loira do banheiro.

— Desculpa! Precisei ajudar uma das formandas no banheiro e depois fiquei para acompanhar a cerimônia.

— Misha? — Nara me olhou através da pessoa que estava parada em sua frente — deixa eu te apresentar a fugitiva da minha irmã.

Finalmente eu conhecerei a bendita cuja que não apareceu na fazenda desde semana passada. Estou há uma semana aqui e Nara fala dessa irmã todos os dias. 

— Misha, essa é a Eris, minha irmã mais nova. Eris, ela é a Misha, filha do Zeca, que veio passar as férias aqui conosco… e ficará até o casamento, né, querida?

Quero responder que sim, mas meus músculos faciais não esboçam uma só palavra. 

O cabelo não está mais caótico, agora os fios estão arrumados e perfeitamente alinhados e cortados. Não há traços de maquiagem em seu rosto. Ela é tão bonita que mais parece uma pintura. Agora, sob a luz, consigo perceber as sardas sutis e o piercing no nariz e no lábio inferior. Ela estava usando isso semana passada? Um smoking extremamente alinhado e o mesmo perfume marcante, juntamente com seu olhar.

Eris tem um olhar muito expressivo. Um olhar que nem se eu quisesse poderia esquecer.

Não é um cara, é a irmã da Nara.

A irmã da Nara é a Eris. 

Eris, a guria do bar. 

Eris, vulgo o melhor beijo que eu dei na minha vida em… o melhor beijo que eu dei na minha vida inteira.

Eris, a filha de uma puta que me esperou do lado de fora do banheiro aos beijos com uma outra mulher, logo depois da gente… Ah.

Mas antes que eu pudesse falar algo, fomos atropeladas pela presença de um casal que está roubando os olhares de todos do salão.

— Fadinha! — Catarina apareceu de mãos dadas com a mulher de cardigã que apareceu no centro do Teatro. Agora, seu sorriso está largo e radiante, muito diferente do da menina que encontrei no banheiro — queria te agradecer e te apresentar a minha princesa. 

— Vocês se conhecem? — Eris perguntou em tom de dúvida, cortando o silêncio entre nós desde que cheguei.

— A Misha é a minha mais nova segunda pessoa favorita — disse Catarina — ela foi a fada madrinha que me salvou no banheiro.

Eris arqueou a sobrancelha, e segue olhando para mim e com a fisionomia de uma pessoa de poucos amigos. Se eu tinha dúvidas agora eu tenho certeza que ela se arrependeu do que aconteceu sábado passado.

Eu só quero sumir daqui.

— Pensei que eu era sua segunda pessoa favorita — uma outra voz adentrou nosso espaço.

A mulher chegou por trás e passou um braço sob o ombro de Catarina e o outro sob o de sua namorada.

Ela é bem alta como a Eris e está com um blazer preto e uma blusa social branca por baixo. Seu cabelo é descolorido e ela traz consigo um perfume extremamente marcante e com presença. Seus olhos azuis  me fitaram de cima a baixo e juro que me senti nua apenas com essa olhada. Mas, ela me olha de uma forma diferente. Troca rapidamente o olhar para a Eris enquanto abre um sorriso malicioso.

— Você perdeu o posto quando não apareceu — Catarina levantou a mão, movendo-a no ar. 

— Eu estava ajudando sua namorada a chegar, bebê demoníaco — a loira descolorida solta.

O sotaque dela… será que ela é do sul? Eu não sei, mas ela tem sotaque.

— Nem me lembre disso — Catarina estalou a língua — mas, fadinha, como eu ia dizendo, quero te apresentar a minha princesa — ela falou, trazendo a mulher para o perto — amor, essa é a Misha, a minha fada madrinha e pessoa que salvou a minha noite — ela sorriu para mim em um tom de gratidão, era perceptível que era, Catarina tem uma fisionomia muito transparente e consigo deduzir que não deve ter lá um filtro muito grande — e, fadinha, essa é a Adria, o amor da minha vida. 

— Oi, Misha, é um prazer — disse Adria, a namorada de Catarina, me cumprimentando.

A mulher de olhos azuis com sotaque que ainda não sei de onde é, contorna o casal, puxa sutilmente minha mão direita para si e a levanta na reta de seu rosto.

— O prazer é todo nosso — inclina-se suavemente, tocando-a com seus lábios e deixando um beijo leve — e você pode me chamar de Haru.

Eris assiste a cena em silêncio e eu acho que não consigo respirar. Acho não, tenho certeza.

— Vejo que você já conheceu a carreta furacão da cidade — Nara disse, puxando o noivo, vulgo meu pai, que só sabe sorrir no meio dessa confusão.

E, Eris, continua me olhando como se eu fosse um E.T.

Eu devo ser mesmo um.



Notas:

Olá!

Temos uma playlist no Spotify, intitulada ANTES QUE ELA VÁ EMBORA, no meu perfil mesmo Mabel Hungria. Você também consegue acessá-la abrindo o seu aplicativo, clicando na lupa (buscar) na parte inferior da tela, e, posteriormente, clicando na câmera fotográfica na parte superior direita da sua tela, e aproximando o leitor do código do Spotify abaixo.

Gosto de escrever escutando música porque me ajuda a entrar no universo da história

Super recomendo que você escute as músicas sempre que aparecerem no texto porque pode te ajudar na ambientação da cena.

Me deixe saber se você está acompanhando a história e o que está achando (:

Até o próximo capítulo, abraços, Mabel!




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