Dominique Holanda Fortes é o típico homem galanteador, bonito, requintado e educado. Durante sua morada em Paris com a família, levou para cama quem quis, dono de um sorriso que desarma qualquer ser humano que habita a superfície terrestre, é apaixonado pela família e pela única irmã, Marina.
Dominique é advogado e primogênito de uma família tradicional da capital paulista, ama a Mãe e já teve sérios problemas com o pai, os quais a irmã e os demais irmãos nunca entenderam.
Marina sempre desconfiou da relação conturbada entre o irmão mais velho e o pai, todas as vezes que o indagou, ele sempre respondia a mesma coisa: “Discordamos em como a empresa deve ser gerenciada.” Essa resposta nunca convenceu Marina, já que se lembrava das confusões entre os dois desde a adolescência em Paris, ou seja, Dominique não trabalhava nem estagiava na empresa.
O irmão mais velho, por vezes, fez função de pai dos demais irmãos, sereno e inteligente, livre de qualquer tipo de preconceito, compreendeu e respeitou as escolhas de Marina e Jorge, amava os irmãos acima de qualquer coisa e quando soube do que Lis Marie fez com a irmã pegou um avião para colocá-la no colo, diferente do pai que, de certa forma, comemorou, já que sonhava com outro tipo de vida para a única filha.
Depois que retornou ao Brasil com a família, foi o primeiro a apoiar a separação dos pais, ficou ao lado da mãe, lutou e brigou por ela com o resto da família, principalmente com o avô materno que não queria de jeito nenhum a separação dos dois e ameaçou, inclusive, deserdar a filha e o neto mais velho.
Depois do caos inicial da separação, juntou-se à mãe e os dois abriram um escritório de advocacia, a mãe especializou-se em curadoria jurídica em artes e ele, tornou-se um dos maiores advogados especialista em importação e exportação, prestando assessoria para empresários que forneciam serviços de luxo e representava a Maison Gucci juridicamente no Brasil. Esse entalhe jurídico/moda deu-se ainda na faculdade de Direito, quando conheceu um dos filhos de um dos maiores empresários franceses envolvidos com moda, a amizade nasceu de forma autêntica, sem interesses, mas acabou dando frutos humanos e financeiros.
Dominique casou e teve Ella, a pequena era a paixão da família e do próprio pai, um carente familiar, doido por afeto materno e fraterno. Frequentar a casa do irmão era sempre prazeroso para Marina e quando ela disse que levaria alguém especial para esse evento familiar, o homem respondeu ao telefone: “Já mandei a Priscila estender o tapete vermelho, estamos ansiosos para esse encontro.”
– Você tem certeza que não vai ter problema mesmo você levar uma pessoa de última hora para a casa do seu irmão, Marina?
– Sofia, meu irmão disse que mandou a esposa estender um tapete vermelho na entrada da casa dele para você entrar, acho que isso sinaliza que você será muito bem vinda.
– Não acredito nisso!? Isso é sério?
– Dominique é assim mesmo, cheio dessas piadas e ações cinematográficas, isso é culpa do tempo que passou em Paris e dos amigos que arranjou, tudo termina em festa para ele, você vai ver, e por favor não caia no charme dele, ele é casado, mas é um galanteador nato.
– Chocada com isso! Não estou acreditando que vamos chegar em um churrasco e teremos um tapete vermelho.
– Se conheço bem ele, teremos sim.
– Quem tem um tapete vermelho guardado em casa?
– Dominique tem!
As duas saíram rindo pelo corredor do apartamento de Sofia, o clima era leve, cheiroso, era tudo novo para Sofia e imaginar que poderia ter um relacionamento com uma mulher ainda lhe levava a lugares os quais ela não sabia explicar bem. Marina era linda, inteligente, chique, culta, amava arte, herança da sua mãe, mas Sofia ainda se recuperava de Rodrigo, tinha medo, foi tudo muito rápido, a morte da tia e o término do noivado.
Fazer terapia foi uma das soluções que Sofia achou que ajudaria e estava ajudando, ouvia atenta tudo de sua terapeuta, falava tudo também, despia-se dos pudores, dos segredos, das mágoas, dos medos, talvez assim o coração respirasse e ela se sentisse livre novamente.
Um relacionamento abusivo deixa marcas no corpo e na alma, quem está de fora não consegue dimensionar, muitas vezes, os impactos que Rodrigo deixara em si. Sofia se fechou de tal forma que amar novamente seria um desafio, olhar Marina naquele short jeans, naquela camisa branca de linho, os cabelos muito bem cortados, os óculos Ray Ban clássico e uma havaiana nos pés poderia ser um prenúncio de um amor que se anunciava. Internalizou o pensamento e só foi, ainda não acreditava nessa história do tapete vermelho, sorriu de lado e saíram juntas de dentro do elevador em direção ao carro de Sofia que estava estacionado na garagem.
– Onde seu irmão mora?
– Mora em Pinheiros, numa casa que ele achou sem querer e que parece aquelas casas de filme que tem um final feliz.
– Como são essas casas de filmes que parecem finais felizes?
– Você vai ver, apenas dirija!
– Sim senhora!
Tocava no rádio uma música pop baixinho, as duas iam conversando sobre amenidades, nada pesado, nada de rótulos, nada de cobrança, seguiram o fluxo do caminho, pararam quando tinham que parar, se olharam, as mãos se tocaram algumas vezes e quando Sofia percebeu, chegaram na casa de cinema com final feliz.
A casa ficava nas proximidades da praça Benedito Calixto, Sofia já estivera ali algumas vezes, uma para comer no restaurante mineiro tradicional que a Tia adorava e a outra para ir na feirinha de antiguidades e comer pastel, a paulistana adorava aquele ambiente.
A casa era todinha de madeira e tinha dois andares, quase toda aberta e integrada, tinha um jardim lindo e uma piscina, ao lado um pequeno pula-pula, a casa tinha cheiro, vida, personalidade, churrasqueira e felicidade.
Quando Sofia avistou a entrada que tinha uma porta com um pé direito bem alto, que também era de madeira, observou o tapete vermelho estendido e começou a rir.
– Não acredito que seu irmão realmente estendeu um tapete vermelho pra você!
– Não é para mim, Sofia, é para você. E, antes que entre, eu já quero pedir desculpas por qualquer coisa e espero que você não desista de qualquer possibilidade de seguirmos em frente com essa nossa coisa que estamos tendo que eu não sei bem o que é, mas gostaria de continuar.
– Eu estou com medo agora, Marina!
– Não tenha medo, me deixe só com a vergonha mesmo, medo e vergonha já complicaria tudo, além dos empecilhos que já temos, quer dizer, que eu acho que temos, mas nunca conversamos sobre isso. Desculpe, estou um pouco nervosa, meus irmãos fazem isso comigo, principalmente Dominique Holanda.
Dominique apareceu em sua sala sorrindo, com um pingo de gente correndo atrás dele, gargalhando e molhando o piso de madeira que compunha a casa que tinha vida. Ele era charmoso e elegante, o cabelo estava penteado com gel e era todo puxado para trás, uma bermuda de linho branco amassado e um sapato italiano de couro, a blusa de linho rosé ampliava a sua noção de moda e elegância, os óculos escuros estavam pendurados na gola e anunciavam um Ray Ban Club Master dégradé, o sorriso era tão lindo e branco quanto o de Marina, eles se pareciam demais.
– Muito bem vinda! O abraço veio antes das apresentações formais e foi apertado e afetuoso.
– Dominique, esta é a Sofia. Sofia, este é meu irmão mais velho, Dominique.
– Muito prazer e, desde já, quero agradecer por me receber em sua casa, assim de última hora.
– Minha querida, você não sabe o prazer que é receber você. Minha irmã estava se tornando quase uma assexuada, ainda bem que ela saiu do celibato.
– Dominique, pelo amor de deus, você não pode frear seus pensamentos só por enquanto, nessas primeiras horas, não seja indelicado e deselegante, você não é assim.
– Tudo bem, me desculpe, querida irmã freira, vou me comportar. Mas, você precisa exorcizar Lis Marie de vez, aquela demônia.
– Minha nossa, Dominiiiiiqueeeee!
Ele sorriu e abraçou o braço de Sofia como um verdadeiro cavalheiro. Foi nessa hora, que mãozinhas molhadas chamaram atenção dos três adultos. Ella estava saltitante em ver a tia e madrinha, a pequena era uma coisinha linda e o sorriso parecia ser a miniatura dos dois adultos.
– Meu amor, que saudade! A titia estava morrendo de saudade de você. O beijo molhado estalou na bochecha de Marina e o pequenino abraço aconteceu, cheio de amor e de dengo. Ella era magrinha, teve um nascimento difícil, precisou ir para a UTI e ficar na incubadora por 45 dias, tinha a cognição perfeita, era inteligente, viva e esperta, mas pequenina. Tinha um sorriso doce, olhos grandes e curiosos, cílios de boneca e os cabelos pretos lhe colocavam como um personagem de Neil Gaiman, Ella era pura fantasia. E era amada, muito amada por todos.
– O papai disse que você ia trazer sua namorada, a gente comemorou muito, mamãe tirou até o tapete vermelho de princesa, ela é uma princesa, Tia Marina!?
E os olhares de Marina e Sofia se encontraram e se beijaram, assim mesmo, distantes e pertos, entre as duas um pingo de gente e Sofia de braço dado com Dominique. Marina pensou rápido em como sairia dessa saia justa, já era suficientemente constrangedor ter colocado Sofia na casa de seu irmão mais velho logo depois de terem ido para cama a primeira vez.
– Bem, se ela for uma princesa, o que eu acho que ela é, o reino dela é distante, meu bem, e eu não cheguei até lá ainda, mas é só um ainda. Sofia, esta é Ella, o grande amor da minha vida, minha sobrinha corajosa.
Sofia achou a interação das duas a coisa mais linda desse mundo todo.
– Oi, Ella, muito prazer! Eu tenho um segredo para contar pra você. (Sofia se aproximou do ouvido da pequena e disse uma coisa que os dois irmãos não ouviram)
– Noooossaaa! Foi isso que os três adultos ouviram da pequena depois do sussurro de Sofia. O riso ecoou pela casa que tinha sentimentos e os quatro foram em direção à área da piscina.
Sofia observou a casa novamente, a decoração era chique, mas nada que ostentasse, aliás, a casa tinha um espírito praiano, de férias, de confraternização, de encontros e reencontros. No hall que dava para a área externa, havia um painel envidraçado de fotos, eram várias, Sofia podia jurar que tinham mais de 300, as fotos percorriam uma régua do tempo, tudo muito delicado e amoroso, provavelmente, voltaria a aquele local para olhar com mais atenção, depois que as devidas apresentações fossem feitas.
O pequeníssimo grupo de pessoas estava reunido próximo à churrasqueira que ficava em frente a uma piscina verde, outra peculiaridade de Dominique. O cheiro de carne invadia o ambiente, assim como o de cerveja gelada, Sofia lembrou que estava dirigindo, salivou pensando na cerveja, deviam ter vindo de Uber, foi o que pensou.
– Vejam, queridos familiares, esta é Sofia, nossa irmã tem muita sorte! Todos riram e levantaram-se para falar com Sofia. No grupo, estavam: Marcel, irmão de Marina e Dominique, solteiro convicto, Larissa, esposa de Dominique e a mãe de Ella, o sogro e a sogra do anfitrião, dois amigos de Marcel e o pai de Marina.
José Leopoldo de Fortes era um homem alto, altivo, tinha um ar esnobe, extremamente elegante, apesar de estar na terceira idade, ainda aparentava uma beleza rústica, sua família era uma das mais tradicionais da capital paulistana, passou por algumas crises financeiras no final de década de 1970, mas conseguiu se reerguer plenamente, trabalhavam com construção civil e, alguns contratos com o governo da época permitiram que a família voltasse ao topo, para nunca mais cair.
O pai de Marina era distante, de certa forma, nos últimos anos, depois da separação com Flora, ele vinha tentando mudar, uma reaproximação com o filho mais velho foi o primeiro passo, graças a Larissa, a esposa de Dominique, tentou de várias formas reaproximar os dois e o desfecho final foi com o nascimento de Ella.
Quando soube que a única neta havia nascido de forma prematura, o avô largou tudo e não sossegou até dar à neta o melhor tratamento a melhor atenção, se nunca soube amar, mesmo amando, foi a neta que abriu as portas para a demonstração de afeto que guardou durante anos.
Se antes era impensável os dois ocuparem o mesmo espaço de forma civilizada, agora as coisas pareciam mais fluidas e amigáveis, ainda existia uma distância latente, qualquer pessoa observadora conseguia perceber, mas ambos estavam tentando.
Marina abraçou o pai e foi abraçada, de forma carinhosa e amável, nesse momento, Marcel trouxe Sofia para ser apresentada também.
– Muito prazer! Sofia estendeu a mão.
– O prazer é todo meu! E foi apenas isso que aconteceu entre José Leopoldo e Sofia. Ele tinha quase certeza que conhecia Sofia, só não sabia de onde.
Sofia se sentiu acolhida, a família era divertida, Marina estava mais quieta, quase toda sua atenção era para a sobrinha e para a própria Sofia. Depois de um tempo, Sofia começou a entender porque a casa de Dominique Fortes era uma casa que parecia um filme de final feliz, havia muito amor ali e alguma coisa que ela não sabia explicar bem.
– Posso ver o mural de fotos, Dominique?
– Claro, cunhada, vamos lá que lhe levo e apresento. Todos riram da resposta de Dominique, até o pai, que já tinha trabalhado a aceitação e o respeito em relação às escolhas dos filhos, ou então perderia a família.
O mural de fotos de Dominique contava uma história, Sofia não conseguiu determinar qual a história específica, eram muitas histórias entrelaçadas, havia afeto, risadas, festas, viagens, nascimentos, e até mortes. O mural devia ter uns quatro metros, fixado na parede que ficava entre a saída da sala e a área da piscina, quem passasse por lá, era abraçado pelo mural.
– Quem pensou nesse mural, Dominique?
– Eu sempre gostei de fotografias, quando eu era adolescente ganhei da minha mãe em Paris uma câmera profissional, passei a fotografar tudo, inclusive minha família, momentos, despedidas, encontros, viagens tudo. O que você está vendo aqui, estampado em fotos, Sofia, é não só a minha vida, mas boa parte da vida da minha família, inclusive de Marina, da minha mãe, até do meu pai e dos meus avós, veja, se olhar bem de perto, você verá o amor.
Sofia ficou maravilhada, se sua tia Ida visse aquele mural, iria amar, poderia até chamara de uma obra de arte, tudo era organizado, mas ao mesmo tempo caótico, havia uma linha do tempo, isso era claro, mas, em algum momento, o tempo se perdeu, parecia que havia um limbo, uma ausência, algo estanque.
– Parece que o mural segue uma linha do tempo, mas quando observo aqui, há uma pausa, uma confusão, parece que você pula alguns anos, aconteceu algo?
Dominique ficou parado olhando para o espaço que saltava no tempo e relembrou rapidamente tudo que vivera com a mãe naquele período em que descobriu quem o pai era verdadeiramente, o semblante do homem requintado mudou. Percebendo o que havia feito, imediatamente Sofia disse:
– Dominique, me desculpe se fui invasiva, não era a intenção.
– Sofia, não se preocupe. Você foi muito observadora, na verdade, quando eu pensei nesse mural e na organização das fotos, eu não imaginei que de forma inconsciente eu mesmo iria dar um salto em um período pessoal importante da minha vida e da vida da minha mãe. Eu estava magoado, revoltado, cheio de ódio do meu pai e dos meus avós, minha defesa foi excluí-los, deixar de lado. Essa história é muito delicada, gostaria que não comentasse com meus irmãos, na verdade, eles sabem que eu tive um problema com meu pai e meus avós, mas eles não sabem qual, porque esse problema não é meu, mas sim da minha mãe, quem sofreu foi ela, e eu acredito que ela ainda sofre muito, eu apenas tomem as dores dela para mim, como qualquer filho que ama a mãe.
– Eu sinto muito, Dominique! Realmente, sinto. Eu amo muito minha família, não imagino como seria minha vida sem ela. Acho que preciso de uma cerveja, mas vim dirigindo!
– Fique aqui, vou pegar para você, qualquer coisa você pode deixar o carro aqui, amanhã peço ao motorista do escritório para ir deixar onde você quiser, não se preocupe, beba à vontade. Só um momento.
Dominique saiu com um beijo delicado sobre a cabeça de Sofia e saiu pensativo. Sofia continuou olhando o painel, as fotos eram lindas, até as tristes, foi quando seu olhar foi direcionado para um rosto que ela sabia que conhecia, só não sabia de onde. Sentiu um leve arrepio, quando percebeu a pessoa estava em várias imagens, abraçada com Marina e com os demais irmãos, segurando Ella, sorrindo, em viagens e, de certa forma, mesmo que distante, ao lado de José Leopoldo.
Sofia ficou pensativa, tentou fuçar suas memórias, percorreu o tempo e quando achou que era a pessoa que era, sentiu o arrepio percorrer seu corpo plenamente. Tirou o celular do bolso e ligou para Robson e fez um pedido estranho, o primo – tio sem entender muito bem e depois de insistir muito e sempre ter o não como resposta, desistiu. Fez o que Sofia pediu e enviou o arquivo solicitado pelo whatsapp.
Dominique retornou segurando uma caneca de cerveja e ofereceu para Sofia, antes de aceitar a empresária fez uma pergunta simples e direta.
– Quem é essa, Dominique?
– Essa!? Essa é a mulher da minha vida, Flora Holanda, minha mãe.
O copo de cerveja caiu da mão de Sofia, o que chamou atenção de todos. Marina veio rápido, Larissa também, perguntaram se estava tudo bem. Sofia desconversou e disse que tinha uma coisa urgente para resolver, uma coisa de família, pediu desculpas e foi embora, deixando Marina com um aperto no peito.
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