— Desculpa, eu não resisti! Marina ficou observando parada a reação de Sofia depois do beijo inesperado. Os olhos da empresária ainda estavam fechados e havia um leve sorriso, de repente, um suspiro profundo foi dado e os olhos foram abertos.
— Tá tudo bem, eu realmente não esperava, mas isso não quer dizer que eu não tenha adorado.
— Acho que é um bom momento para eu ir embora, muito obrigada pelo jantar, pela companhia, pelos chocolates e pelo vinho, obrigada pelo beijo também, sei que foi roubado, mas, infelizmente, ou felizmente, não vou me desculpar.
Sofia abriu um sorriso lindo para Marina, e foi ali, naquele momento, que os olhos da empresária a denunciaram. Havia naqueles olhos uma chama, mesmo que ela fosse negada, ela estava ali.
— Eu que agradeço, fazia tempo que eu não tinha uma noite tão maravilhosa, Marina. Obrigada mesmo!
Foi difícil Sofia dormir, sem dúvidas Marina mexia com ela, tinha uma alma livre, assim como sua tia, fora educada para respeitar a todos e acredita no amor nas mais variadas formas. Confusa, não sabia se estava preparada para uma relação agora – já que ainda estava se recuperando do término do noivado com Rodrigo e da forma como tudo se sucedera.
O sono demorou mais do que o de costume para chegar, a noite foi tranquila, diferente de outras segundas, Sofia não acordou no horário de sempre para visitar a CEAGESP, mesmo no feriado, a Companhia de Entrepostos funcionava, quando desceu as escadas do seu quarto, D. Noélia(sua fiel diarista) já tinha dado um jeito na cozinha e a mesa do café estava posta.
Sofia a abraçou e sentou-se à mesa, Noélia perguntou quem tinha vindo jantar ontem, Sofia disse que era uma nova amiga, muito gentil e que estava no Brasil há pouco mais de nove meses.
Sofia tomou o café de forma automática, disse que não sairia agora pela manhã e que iria almoçar em casa, as coisas que tinha para resolver do bar foram deixadas para amanhã, somente a tarde, às 16h iria ao shopping dar uma andada, depois ligou para Carlão e pediu para ele visitar e fazer as devidas compras a um fornecedor de cogumelos que só abria às segundas, mesmo sendo um feriado, Júlio era extremamente rigoroso com os seus clientes, em raros momentos fechava seu negócio em feriados.
Deitou-se na cama e resolveu olhar o celular. Havia uma mensagem de Marina agradecendo o jantar, mas ela não tocou no assunto do beijo. Sofia ficou com aquela pequena janela do celular aberta por 20 minutos sem saber o que escrever, como escrever e se escreveria. Visualizou, mas não respondeu, viu que Marina estava online e ficou com medo de engatar uma conversa com ela, escolheu o silêncio.
Na hora do almoço, o celular tocou e Sofia viu que era Carlão, que deu todos os informes sobre as tarefas as quais foi incumbido de resolver, tudo deu certo, e ela agradeceu amorosamente.
Sofia resolveu andar pelo shopping, olhou algumas vitrines e acabou parando num café. Pegou o celular novamente, fez um pedido à garçonete e resolveu responder a mensagem de Marina. Disse que o jantar tinha sido ótimo, que o vinho que Marina levou era delicioso e que tinha combinado perfeitamente com a massa, agradeceu e mandou um beijo.
Esperou um pouco mais para ver se Marina iria responder logo, mas ela parecia não estar online, Sofia colocou o celular na bolsa, pagou a conta e foi embora.
A terça-feira passou mais do que normal, de ações e resoluções de problemas do Aquarela. A quarta também se iniciou da mesma forma, Marina não respondeu a mensagem de Sofia, e ela achou por bem esquecer essa história, quem sabe um dia poderiam ser amigas. Às 16h de quarta, o Aquarela abria suas portas, Sofia estava pronta, assim como todo o seu staff, que era composto ao todo por 15 pessoas, os café e os brownies deliciosos. Quarta era o dia mais pacato no bar, salvo quando esse dia da semana era véspera de feriado, o que não ocorria naquele dia, Sofia já estava atrás do balcão, um grupo de quatro amigos universitários chegou assim que o bar abriu, estavam na sinuca jogando e bebendo chope.
Sofia deu umas risadas ao ouvir parte da conversa boba e engraçada dos amigos, quando foi levar mais uma rodada, teve um braço apoiado em seus ombros, era Hugo, afilhado de sua Tia Ida e que Sofia vira crescer, ele acabara de chegar para se juntar a turma de amigos, Sofia prontamente o abraçou e deu um beijo estalado em sua bochecha.
Sofia gostava dos jovens, era óbvio que não se achava velha, pelo contrário, estava no auge de seus quase 30 anos, mas aquele frescor urgente dos 19 anos já perdera, agora seu frescor era mais sossegado.
Ante do final da tarde, um local no balcão foi ocupado, Pedro era um homem muito atraente, tinha acabado de perder alguns milhões na bolsa de valores. Gravata desfeita, paletó bem cortado, camisa branca e calça bem alinhada ao corpo, que parecia ser malhado na medida certa. Já estava com uma dose de uísque, que tinha sido servido por Juan, o barmen do Aquarela.
Com o celular na mão, Pedro passou quase 40 minutos de cabeça baixa, esticava apenas a mão para pegar a dose dupla, quando percebeu que a bebida acabara, levantou os olhos e deu de cara com Sofia. Ela estava parada a poucos metros de Pedro, com o cabelo preso num rabo de cavalo, um sorriso largo e um olhar de tirar o fôlego.
Ficou parado olhando para Sofia, foram uns 20 segundos de silêncio, Pedro largou o celular e pediu mais uma dose para Sofia, dessa vez, seria uma simples, guardou o celular. Quando Sofia foi entregar a bebida, ele puxou conversa de forma educada, o bar estava vazio ainda, então, Sofia resolveu exercer a terapia de balcão que sua tia Ida tanto amava. Respondeu prontamente a Pedro, a conversa foi agradável, ele contou um pouco do seu trabalho, separado há quatro anos, morou fora um ano e estava de volta ao país, já que conseguira uma parceria numa grande empresa americana.
Os primeiros meses do negócio foram promissores e a empresa lucrou muito, numa tentativa de expansão, resolveu investir numa empresa em ascensão, mas de repente uma alta do dólar e uma crise no preço do petróleo, fez a bolsa cair exatamente no dia que ele decidiu recuperar o investimento feito.
A conversa só terminou por volta das 19h, quando o movimento no Aquarela começava a aumentar, sem querer atrapalhar o trabalho de Sofia, ele se despediu e disse que voltaria num outro momento. Sofia achou Pedro bem interessante, durante quase duas horas, os pensamentos da gerente e dona do bar haviam se dissipado de Marina e mergulharam naquela história financeira do cara do balcão. Além disso, conversaram sobre música e jazz, Pedro era conhecedor fervoroso desse tipo de música, pensou em sua tia, se ainda estivesse viva ela iria adorar conhecê-lo. Sofia sorriu e continuou seu trabalho, pensou algumas vezes em Marina.
Quinta-feira foi mais um dia normal, Sofia teria que chegar mais tarde no Aquarela, sua consulta com o terapeuta seria naquele dia, já que na segunda havia sido feriado, ainda estava confusa e cheia de novidades, seria bom ouvir alguns conselhos, mesmo que eles fossem vagos.
Era fato que o tempo passava arrastado, Marina continuava em seus pensamentos, Sofia ficou pensando se fora muito distante na resposta dada à Marina na segunda-feira, não seria justo alimentar um sentimento que ela não sabia se vingaria, Marina parecia ser uma mulher incrível, Sofia não queria que ela sofresse com uma possibilidade que poderia não se concretizar.
Sexta-feira chegou. Sofia sabia que existia uma possibilidade de ver Marina naquele dia, levou seus pensamentos para quarta, com a conversa que havia tido com Pedro, às 20h o bar estava praticamente cheio, Marina ainda não tinha chegado, apenas uns quatro ou cinco amigos da mesa de sexta, ao olhar para o balcão, Sofia percebeu a cabeleira loira.
Pedro estava mais leve, sem paletó, dessa vez, à mão, uma caneca de chope, blusa de malha e uma calça jeans, bem mais à vontade do que quarta. Ao ver Sofia, levantou-se e deu dois beijinhos na moça, que estava tão linda como na quarta.
Sofia disse que iria falar com alguns clientes e daqui a pouco voltaria para o balcão, poderiam conversar um pouco mais, Pedro adorou, aliás o encantamento pela empresária fora tão imediato, que os milhões viraram centavos.
Sofia vislumbrou o salão, a mesa dos amigos de sexta estava bem mais cheia, mas não viu Marina, o coração apertou, decidiu voltar para o balcão e conversar com Pedro.
Sem dúvida nenhuma, Sofia estava adorando a conversa e já tinha percebido que Pedro poderia estar interessado nela, os dois combinavam aparentemente, e ela não podia negar que ele era charmoso, inteligente, culto e gentil, diferente de Rodrigo.
Deixou-se levar pela conversa, deu algumas gargalhadas e numa delas ao virar o rosto para observar o movimento do bar, viu Marina olhando para ela. Não sabia ao certo há quanto tempo Marina havia chegado e se tinha visto Sofia conversando com Pedro. Os olhos de Marina não desviaram de Sofia, que ficou surpresa e constrangida.
Sofia serviu mais um chope a Pedro, pediu para Juan atendê-lo e foi até a mesa dos amigos de sexta. Marina estava linda, Sofia sentiu aquele frio no estômago novamente, as duas deram dois beijinhos. Marina se distanciou um pouco da mesa, Sofia perguntou se ela queria beber algo.
Marina disse que já tinha chegado há um tempo e que já havia bebido, estava cansada e ia embora, quando Sofia olhou para o relógio, viu que já estava próximo das 23h, aí se deu conta de como o tempo passou rápido com a conversa que teve com Pedro. Sem saber o porquê, Sofia se sentiu um pouco culpada.
Marina se despediu com um beijo na bochecha de Sofia, apenas um, e já foi o bastante para deixá-la com aquela sensação, que ela não conseguia definir bem.
Anestesiada com a situação, Sofia voltou ao balcão, Pedro ainda estava lá, mas já havia pagado a conta. Disse que faria uma pequena viagem de negócios para o Rio de Janeiro, mas que na quinta estaria de volta, sem convidar formalmente para sair, disse que voltaria ao bar para vê-la novamente, Sofia gostou disso, mas a sensação do beijo de Marina ainda estava nela.
Depois que Pedro saiu, Sofia decidiu mandar uma mensagem para Marina: “Desculpe não ter conversado com você direito hoje, sinto muito. Beijos.” A mensagem foi prontamente lida, Marina ainda estava no táxi a caminho para casa e resolveu responder: “Sofia, você é uma mulher linda, inteligente, não é à toa que me interessei por você. Fique bem e seja feliz. Obrigada pelos nossos encontros, eles foram maravilhosos. Quem sabe um dia nós possamos ser amigas. Um grande beijo.”
Se antes havia alguma dúvida sobre as intenções de Marina, dessa vez, tudo tinha ficado claro, inclusive a desistência, Sofia ficou triste, mais confusa do que já estava, guardou o celular e foi cumprir os trâmites de fechamento do bar.
A semana seguinte passou sem nenhuma grande mudança, setembro estava acabando, seu pai já havia lembrado que em novembro Sofia deveria estar em Los Angeles para o lançamento do seu CD.
O Aquarela ia muito bem, o final do ano era a época mais concorrida no bar, muitas turmas de amigos marcavam confraternizações, as reservas começavam já em outubro, Sofia sabia que era uma época difícil para se ausentar, deveria deixar tudo organizado para que os clientes fossem bem atendidos e para que Carlão não tivesse nenhum problema mais sério.
Além de resolver as questões do bar, Sofia continuava a pensar em Marina, achava que as coisas terminaram da forma que deveriam terminar, mas ainda pensava na falta de atenção dada à Marina na sexta passada.
Pedro entrou no Aquarela às 19h, carregava um buquê de flores, Sofia ficou surpresa, mas as flores eram lindas. Juan prontamente pegou um vaso e achou um lugar de destaque para elas.
Os dois se abraçaram, Pedro disse que sentiu saudade de Sofia, que ficou vermelha, Carlão achava Pedro um cara legal, mas acreditava que Sofia estava apaixonada por Marina, mas não sabia disso ainda.
A empresária atendeu Pedro, que perguntou como ela estava. A conversa foi muito boa, Sofia passou a olhar constantemente para a mesa dos amigos de sexta, mas até então, Marina não havia chegado. O investidor contou de sua viagem, disse que tudo foi muito bem, mas estava cansado e iria embora mais cedo. Ainda tinha meio copo de chope, quando Sofia olhou para a mesa dos amigos de sexta, viu Marina abraçando uma colega de trabalho, sentiu algo estranho. Ficou parada, olhando aquela cena nada confortável, seu pensamento pairou no ar.
Retornou à realidade, quando Pedro esticou a mão à frente de seu rosto, ela se desculpou, ele perguntou se era alguém especial: — Apenas uma amiga que chegou. Pedro se despediu e disse: — Pois vá falar com ela, preciso ir estou cansado, pode me passar seu número de telefone?
Sofia ficou surpresa, na verdade, foi pega de surpresa, mas acabou passando seu número. Pedro se despediu. O Aquarela estava bem cheio, quando Sofia saiu de trás do balcão para circular pelo bar, procurou Marina, ficou um pouco nervosa, achou que ela já havia ido embora novamente.
Carlão apontou o dedo para Sofia, quando ela viu, Marina estava nos dardos, brincando com a colega de trabalho que havia abraçado mais cedo.
Carlão conhecia bem Sofia e também a observava quase o tempo todo. Ela resolveu ir até Marina, que estava de costas com o dardo na mão para arremessá-lo. Era 23h, o ápice do bar, as vozes já estavam mais altas, a bebida já havia pegado alguns.
Sofia levou dois chopes, ainda não havia bebido nada naquela noite, disse oi para Marina. Não houve beijo, nem toque, o que surpreendeu Sofia, já que Marina era sempre afetuosa com ela, e, de certa maneira, Sofia se sentia muito bem em receber tal carinho.
Marina estava acompanhada de Ângela, que aparentemente era mais nova que Sofia e Marina, tinha aquele frescor da juventude que Sofia conhecia bem, em menos de três minutos, ela percebeu o interesse de Ângela em Marina.
No jantar em sua casa há semanas, Marina havia dito a Sofia que não se envolvia com ninguém do trabalho, era um código de ética que carregava, já tinha visto vários amigos e amigas se prejudicarem por envolvimento amoroso com colegas de trabalho, será que ela havia mudado de ideia? Era inegável o interesse de Ângela e sua beleza.
Ângela prontamente pegou os dois chopes, o que deixou Sofia extremamente irritada. Sofia olhou para Carlão e apontou um chope, ele prontamente levou um para ela.
Sofia ficou extremamente incomodada com a audácia de Ângela, não sabia se a menina era sem noção ou cara de pau. Decidiu dizer que jogaria com a próxima que ganhasse o jogo, o que deixou Marina confusa e surpresa com tal atitude.
Ângela ganhou a partida, a garota já estava alta, falava alto, ria muito e abraçou Marina duas vezes. Foi fácil ganhar dela, Marina permanecia sentada lá olhando aquela situação sem entender muito bem. Prontamente, Ângela pegou a mão de Marina e a chamou para ir embora. Sofia ficou parada olhando aquela cena sem saber o que fazer, estava com muita raiva e decidiu desafiar Marina no jogo de dardos.
As três ficaram se olhando, já era tarde, estava próximo de meia noite e o bar não iria demorar para fechar, Marina não aceitou o convite, disse que estava tarde e agradeceu. Ângela saiu sorridente, parecia que carregava um troféu.
Sofia pegou os dez dardos, solicitou mais um chope e começou a jogá-los sozinha sem sequer olhar para trás. O bar começou a ficar vazio, quando Sofia olhou para a mesa dos amigos de sexta, estava quase vazia, Ângela definitivamente já havia ido embora, já que não ouvia mais sua voz gasguita. Foi surpreendida com a presença de Marina ainda sentada à mesa e não segurou um sorriso.
Com o copo de chope na mão foi até a mesa, a conta já havia sido paga, os rapazes que estavam com Marina, colocaram os casacos e ela estava com a bolsa no ombro, eles se despediram, chamaram Marina, que prontamente se levantou, falaram com Sofia, quando Marina foi falar com ela, o mesmo desafio foi proposto.
Os rapazes decidiram ir logo, e Marina ficou parada sem saber o que responder, nesse quase dois meses de tentativas em ficar com Sofia, era a primeira vez que ela parecia um pouco interessada, olhou para o relógio, amanhã era sábado, não iria trabalhar, amoleceu e aceitou o convite.
Sofia deu um lindo sorriso que fez Marina se derreter, as duas foram em direção ao local dos dardos, cinco para cada. Carlão levou dois chopes, um para cada, ele também parecia feliz, disse oi para Marina, que prontamente respondeu, o jogo iria começar.
Marina perguntou qual seria o prêmio da vencedora, Sofia disse que cada uma podia pedir o que quisesse, Marina disse: — Posso pedir o que eu quiser?; — Claro! respondeu Sofia.
O último cliente estava pagando a conta quando o jogo começou, Juan limpava o balcão e o resto da equipe estava na cozinha comendo o melhor macarrão feito por Olívia, a chef do Aquarela.
Parte das luzes do bar já estava apagada, o jogo estava disputado, a diferença entre as duas eram 15 pontos, Sofia estava na frente, por isso, Marina precisava de uma excelente jogada.
Quando Sofia jogou o último dardo, conseguiu mais 40 pontos, ela sorriu saltitante, já havia ganhado o jogo, mas, mesmo assim, deixou Marina arremessar.
Marina ouviu o barulho da cozinha, disse que tudo parecia animado, Sofia percebeu que ela estava com fome e a convidou para se juntar com os demais amigos do Aquarela. Antes, Marina perguntou do prêmio, Sofia disse que depois elas falariam sobre isso, foram até a cozinha e sentaram à mesa com os demais.
Realmente, o macarrão estava delicioso, nem Sofia nem Marina beberam mais, atacaram a limonada suíça feita por Olívia para acompanhar a ceia tardia. A conversa rolava solta na mesa, Marina adorou aquele ambiente, num determinado momento de risadas, Sofia passou sua mão na perna de Marina, aquilo foi instintivo de sua parte, mas Marina adorou, sabia que tinha sido automático, mas adorou.
Marina ajudou a lavar a louça e quando olhou para o relógio eram 2:15h da manhã, assustou-se e pensou em como o tempo passava rápido quando estava com Sofia, tinha sido assim na exposição, no jantar e naquela noite de sexta.
Enxugou as mãos num pano de prato quadriculado vermelho, agradeceu a todos por aquele momento e disse que tinha amado. Parte da equipe já havia ido embora, Marina pegou o celular para pedir um carro, quando Sofia percebeu, não soube o que fazer.
Carlão interveio. Disse que deixaria Sofia em casa e era mais perto que Marina pedisse um carro de lá, seria melhor e as duas poderiam fazer companhia a ele. Marina não sabia o que responder, não queria mais sofrer com aquela convivência amigável entre ela e Sofia.
Preferiu negar o convite, prontamente Sofia se dirigiu aos dois, tomou o celular de Marina e disse que seria melhor ela aceitar a carona de Carlão, ela ficaria mais tranquila.
Saíram os três. Carlão tinha um carro blindado, havia ganhado de Ida, ele recebeu treinamento tático nos EUA e já havia sido segurança de um grande astro nacional, quando conheceu seu amor, sentiu a necessidade de viajar menos, foi quando surgiu o emprego no Aquarela.
Há três anos, quando Carlão saía do bar com Ida, sofreram um assalto, o carro em que os dois estavam foi alvejado por bandidos, Carlão levou um tiro na perna, mas nada aconteceu com Ida. Desde esse dia, Ida havia providenciado um carro blindado para Carlão, de certa forma, ela sabia que também seria útil para ela, Carlão merecia.
A viagem foi rápida, sem trânsito, durou apenas 20 minutos. Sofia beijou Carlão, agradeceu a carona, o chope e a ideia. Logo depois Marina desceu também agradecendo. Ao entraram no prédio, Marina tirou o celular da bolsa e começou a solicitar o carro para levá-la em casa.
Sofia ficou olhando aquela cena paralisada, convidou Marina para subir. As duas ficaram se olhando, paradas. Aquele sentimento estava de volta e ela não sabia o que fazer para convencer Marina a subir, nem saberia o que fazer caso ela aceitasse. Tudo era confuso.
Depois do silêncio, Marina disse que iria embora mesmo, Sofia resolveu usar sua vitória e pediu que ela subisse, esse era o seu desejo. Marina ficou com um pouco de raiva, mas resolveu pagar a aposta.
— Não sou uma má perdedora, Sofia, mas não podemos deixar esse prêmio para um novo momento? Já está tarde, podemos conversar em outro momento, se você não se importar.
— Eu faço um café, tenho chocolate, amanhã é sábado, você vai trabalhar amanhã?
— Amanhã tenho um compromisso no almoço que realmente não posso desmarcar, eu quase não dormi, estava no Rio a trabalho, estou a mais de 24 horas acordada.
— Houve uma aposta, Marina, e você concordou, por que não falamos ou discutimos, ou seja, lá o que estivermos fazendo lá em cima?
— Se o pagamento da aposta é subir, vou subir e de lá peço o carro.
A gerente da Pegasus estava raivosa e sem entender tudo, podia jurar que Sofia havia sentido um pouco de ciúmes de Ângela, mas a empresária era indecisa demais, recuava todas às vezes.
Quando entraram no apartamento de Sofia, ela ofereceu um café, sabia que era tarde, mas queria que Marina ficasse mais um pouco, a resposta foi não, disse que estava tarde para um café. Marina estava agoniada, não sabia direito o que Sofia queria, mas estava cansada de sofrer, a noite tinha sido maravilhosa, a companhia de Sofia era intensa e ela amava aquilo tudo, mas, em todas as vezes, nada acontecia, apenas frustração.
— Sofia, você é uma mulher incrível pelo pouco que lhe conheço, além de linda, seus olhos são lindos, seu sorriso tira o ar de qualquer pessoa e você é boa, muito boa. Seus funcionários adoram você, sua tia amava você demais, Carlão é alucinado por você, aquele cara loiro do bar que não tira os olhos de você também sabe disso e eu também sei, mas entendo sua necessidade de não querer se envolver com ninguém, eu respeito plenamente isso, mas você está me deixando confusa, ora você se aproxima, ora distancia.
Sofia ficou impactada com a fala de Marina, estava muito confusa, também estava com medo. Os últimos meses tinham sido difíceis com a readaptação pós-morte e pós-término de noivado queria passar um tempo sem sofrer pelo menos.
No entanto, não achava justo se privar de mais nada na sua vida depois que sua tia morrera de forma tão rápida.
— Me desculpe se meus sinais estão confusos, é porque estou muito confusa também, foram meses intensos, eu ainda não sei explicar o que sinto quando estou com você, mas meu corpo reage de uma forma diferente. Aquela gralha loira não tirava as mãos de cima de você e eu realmente não gostei do que vi.
Marina soltou uma gargalhada alta, fazendo Sofia ficar vermelha e abrir um sorriso.
— Gralha loira? Você deve estar se referindo a Ângela, não é isso?
— É claro que estou me referindo à Â-N-G-E-L-A! Ela parecia que era sua dona, em nenhum momento, você negou o abraço até onde eu vi.
— Ela estava bêbada, Sofia, Ângela é apenas uma jovem impetuosa e eu não tenho interesse nela, nenhum interesse.
— Mas ela tem por você, pelo que pude perceber.
— Acredito que sim, ela já deixou isso claro, mas eu também já fui clara com ela.
— Tão clara que ela estava quase no seu colo.
— É impressão minha ou você está com ciúmes?
Sofia cruzou os braços e ficou com a cara fechada, emburrada, Marina ria de forma leve e se aproximou da empresária, bem devagar.
— Se está com ciúmes, não vai recusar um beijo, né?
— Marina não sabia que você era assim tão convenci……
A empresária não conseguiu terminar a frase, Marina a puxou pelo colarinho e a agarrou. O beijo foi lento, demorado, macio, cheiroso, cheio de desejo, as línguas se encaixaram de forma plena, as bocas se separaram para tomar fôlego. Sofia estava com as penas moles, nunca tinha sentido aquilo, era inegável que Marina causava nela sensações fortes e desconhecidas.
Marina abriu os olhos e estava tão feliz, tão feliz, que, pela primeira vez, não sabia o que fazer, sabia que era a primeira mulher de Sofia e não queria assustá-la. Sofia a abraçou, era um abraço forte, apertado, Marina sentiu o cheiro de Sofia de forma mais intensa, estava realmente apaixonada por aquela mulher, os corações batiam no mesmo compasso do desejo, a empresária podia até não saber direito o que queria, mas seu corpo, ali, naquele momento, avisou a Marina que Sofia podia ser mesmo dela.
Depois de alguns minutos, entre beijos e abraços, Sofia convidou Marina para ficar novamente, ela ficou olhando apaixonada para aquela mulher e, finalmente, aceitou o convite. Disse que precisava de um banho, estava na rua desde cedo, não havia roupa, apenas a nécessaire que carregava na bolsa com produtos de higiene bucal e perfume.
Sofia sorriu, disse que não se preocupasse, pegou uma toalha limpa, uma camiseta larga de malha e entregou a ela. Disse que no banheiro havia tudo que ela precisava e que poderia fazer uso do que quisesse.
Marina foi em direção ao banheiro, estava realmente cansada, tinha chegado a São Paulo às cinco da manhã, passou a quinta no Rio e só havia conseguido voo de madrugada, passou em casa rápido para um banho e uma troca de roupa e foi em direção ao trabalho, naquela sexta teve uma reunião importante, fazia praticamente 24 horas que não dormia.
O chuveiro era quente e forte, quando a água tocou no corpo de Marina, ela relaxou profundamente, terminou o banho, vestiu-se, escovou os dentes, usou um pouco de hidratante que carregava na bolsa e saiu do banheiro.
Sofia percebeu que Marina estava cansada, ela explicou o porquê. A cama estava preparada e o ar-condicionado ligado, Sofia abraçou Marina novamente, era a terceira vez que fazia isso em menos de meia hora, parecia não querer deixar Marina um só minuto.
Disse que iria tomar um banho rápido, disse para Marina ficar à vontade. Enquanto Sofia estava no banheiro, Marina desceu para pegar água, pegou o celular, checou as mensagens, percebeu que existiam 20, uma delas era de Ângela. A mensagem agradecia a companhia de Marina, disse que tinha adorado a noite e estava ansiosa para repetir. Marina visualizou, mas não respondeu.
Viu as demais mensagens, uma delas era do seu irmão confirmando o almoço de amanhã. Bebeu um pouco mais de água, olhou o relógio, eram 4 da manhã, estava acabada e precisava dormir.
Quando olhou para cima, viu Sofia. Elas se olharam, Marina perguntou se ela queria água e ela acenou que sim. Depois de pegar mais água, Marina subiu. Sofia estava linda, cabelos soltos, uma camiseta branca que ia até o meio da coxa, o quarto tinha um cheiro muito bom, tudo parecia muito limpo e bem cuidado.
Sofia abraçou Marina mais uma vez, as duas deitaram na cama e ficaram se olhando. Marina estava tão feliz por aquele momento que se lembrou de agradecer baixinho, Sofia se aproximou e a beijou.
Foram alguns beijos, algumas carícias, mas Marina não aguentava e Sofia percebeu, então disse: — Acho melhor descansarmos um pouco, amanhã continuamos. Sofia beijou a ponta do nariz de Marina que foi adormecendo agarrada a ela, com o intuito de não deixar aquela mulher sair da cama.
O sono chegou para as duas, antes mesmo do amor que se anunciava, que se dizia antes mesmo de ter sido feito, os cheiros se misturaram e tornaram-se apenas um, assim como os corações e os corpos, fizeram um amor de almas, preparam os corpos para a alvorada que nascia e anunciava as bem querências que estavam por vir. Um último suspiro fora dado por Sofia com Marina em seus braços completamente adormecida, ali, naquele momento, ela estava agarrada com a felicidade, que tinha tamanho, cheiro e gosto e ela tinha adorado, quiçá amado.