Amores de Sofia

30. ACERTO DE CONTAS

Marina se perdeu no impacto da informação que recebera, pensou exaustivamente o que poderia fazer naquele exato momento, ligar será uma boa alternativa? Será que Sofia a atenderia, com certeza, ainda não havia chegado ao Aquarela, resolveu mandar mensagem para Carlão solicitando que ele a avisasse quando Sofia chegasse, foi prontamente respondida.

Finalizou as pendências de forma muito rápida, pedia a sua equipe que rodasse o programa mais uma vez em velocidade e desempenho máximos. Dez minutos depois, viu a mensagem de Carlão indicando que Sofia já tinha chegado ao bar.

Teria que enfrentar a fera e fez uma anotação: NÃO ADIANTA ESCONDER AS COISAS. Todas as vezes que optava por esconder algo, sempre aparecia um problema. Tinha certeza de que, se ligasse, Sofia não atenderia à ligação. Teria que ir lá, mas estava sem tempo. Fez um cálculo mental e decidiu ir a pé, seria mais rápido do que se optasse pelo carro, colocou o celular no bolso e avisou a secretária que voltaria em uma hora no máximo.

Saiu apressada pensando no que poderia falar para a namorada, pensou no começo difícil das duas, das confusões, das incertezas e o tanto que tinha esperado para ter coragem do primeiro contato.

Foi pensando e andando rápido para não perder tempo, estava tudo tão intenso e o cansaço começou a bater: o físico e o psicológico. Não tinha feito nada de errado, quer dizer, queria poupar Sofia dessa situação, já que, internamente, não havia a menor possibilidade de uma volta com Lis, ela estava enterrada, não sentia mais nada, nem sequer pena, era indiferente.

Chegou ao Aquarela e já entrou direto pela lateral, já tinha o acesso e o segurança liberou imediatamente a passagem. O barman estava limpando o balcão de madeira lustrado que Marina adorava, achava aquele balcão lindo, lembrou que foi ele a primeira coisa que fez os olhos de Marina brilharem, assim que subiu a visão, encontrou Sofia, linda que até doeu o peito.

Nunca iria esquecer aquele dia, se apaixonou naquele exato momento, sentiu o famoso frio na barriga. Olhou para o escritório, Carlão estava em pé, sabia que Sofia estava sentada, talvez estivessem resolvendo alguma coisa do bar, resolveu sentar no balcão e pediu um chope. Foi uma forma de acalmar os batimentos e pensar no que diria.

Sofia desceu 15 minutos depois, com Carlão a tiracolo, viu Marina no bar e foi até ela.

– Oi, podemos conversar rapidinho?

– Vamos subir. Carlão aguardo o que solicitei o mais rápido possível, você acha que consegue me passar até amanhã de manhã?

– Até mais tarde eu envio.

As duas subiram em direção ao escritório, Marina já tinha terminado o chope e foi pensando no que diria.

– Sofia, eu sei o que você viu na minha sala.

– Eu sei que você sabe e eu sei que você sabe que eu não gostei. É tanto que você está aqui. Só estou tentando entender, por que você não me disse que recebeu aquele buquê e de quem recebeu.

– Sofia, eu não quero que Lis seja um problema para o nosso relacionamento, nós tivemos um início tão difícil, tão complicado, eu já disse a você que eu esperei meses até ter coragem de mandar aquele bilhete, ela estar mandando flores ou não, não é relevante.

– Para mim é.

– Mas para mim não. Por que você não me falou das flores?

– Não queria que ficasse assim, como está agora.

– E como eu estou agora?

– Chateada.

– Falar é o primeiro passo para que eu não fique chateada, por favor, não minta e nem esconda as coisas de mim, nós tivemos um exemplo dentro da nossa família sobre como os segredos não são bons, eu preciso que você confie em mim.

Marina se levantou e foi sentar no colo dela, estava exausta, em todos os sentidos. Às vezes, achava que não tinha deixado claro para Sofia o quanto era apaixonada por ela, o quanto sentia a sua falta a todo momento e o quanto tinha medo de perdê-la.

– Meu bem, me desculpe, eu estou tão cansada, Lis não é importante, ela pode me enviar o Jardim de Versailles, nada muda, meu sentimento por você é sólido, forte e eu espero pelo menos que a gente fique juntas uns 20 anos, só pra começar.

Sofia a beijou. Um beijo denso, cheio de amor, de cheiros, beijou devagar, não queria pressa, sentiu o gosto de cerveja na boca da namorada, adorava o cheiro de Sofia, era doce na medida certa, além da maciez, mulheres têm texturas diferentes, não era uma expert em mulheres, bastava a sua, só queria a sua.

– Por que você não desce e toma mais um chope, enquanto eu finalizo uma coisa com Carlão, voltamos a Pegasus, você pega suas coisas e você vai lá pra casa, eu prometo que faço você relaxar.

– Eu preciso saber se o programa rodou perfeitamente, não temos mais prazo, na quinta, ele será instalado nas máquinas que já estão na fazenda, vou ligar para o meu gerente e vejo com ele, vou esperar você lá embaixo, certo?

– Tudo bem, só preciso de uns 20 minutos no máximo.

Marina desceu com o telefone na orelha, Sofia já sabia que ela estava falando com o gerente, torceu para que tudo desse certo, queria mimar Marina, mandou mensagem para o Carlão e pediu que ele voltasse ao escritório.

– Conseguiu o endereço?

– Sofia, você sabe que isso que estamos fazendo é ilegal, não sabe?

– Conseguir um endereço é ilegal?

– Da forma que eu estou conseguindo, sim.

– E qual a forma que você está conseguindo?

– Tenho um grande amigo que já prestou alguns favores para mim na época em que eu trabalhava para a sua sogra, ele é um hacker, já estou com o endereço, você realmente quer prosseguir?

– Por favor, mande para o meu whatsap, vou descer pra ver se consigo minha namorada por uma noite só pra mim.

– Tudo bem, você precisa que eu vá com você?

– Não, obrigada, esse problema eu consigo resolver sozinha.

– Ok, o endereço já está na nossa conversa, ela está num apart-hotel, talvez você não precise se identificar, mas se precisar, não sei como fará.

– Pode deixar, eu consigo, vou usar o meu charme.

Sofia desceu e Marina ainda estava ao telefone, pediu dois chopes ao seu barman, daria um jeito de ficar com sua namorada, sentou ao seu lado, sinalizou a bebida para ela, sorriu e disse que ela não tivesse pressa, resolveu voltar para falar com Carlão.

– Eu preciso que você volte à empresa da Marina e pegue as coisas pessoais dela, você pode falar com a secretária dela, vou enviar uma mensagem e pedir que ela deixe tudo separado, pode ser?

– Pode sim, volto em meia hora.

Marina desligou o telefone aliviada, foi em direção a Sofia e agarrou pela cintura, era menor do que sua empresária linda e gostosa, adorava ficar grudada nela.

– Meu bem, finalmente, acho que finalizamos o programa, ele rodou sem erros e sem travar, ufa.

– Sabia que daria certo, pedi ao Carlão para pegar suas coisas e mandei mensagem para sua secretária para que ela separasse e entregasse a ele, você pode confirmar com ela isso?

– Claro que posso.

– Marina, em relação às rosas, solicitei que ele não trouxesse, mas caso você queira, posso pedir.

– Não precisa, meu bem.

– Vamos terminar nosso chope e depois vamos pra casa para namorar?

Marina foi agarrada por Sofia, ali, no meio do Aquarela, beijada e cheirada, conversaram um pouco no balcão, pediram um petisco e esperaram Carlão que voltou prontamente meia hora depois, como as duas tinham ingerido bebidas alcoólicas, o gerente foi deixá-las no carro de Sofia e voltou de uber.

A noite foi uma delícia, namoraram muito, conversaram tantos outros muitos e terminaram de alinhar a viagem para a feira na semana que vem. Fizeram amor antes de dormir, um amor lento, demorado, cheio de olhares, mãos, cheiros e afetos, combinaram o jantar na casa do Dom, as duas estavam sem carro, mas não tinha problema, iriam pegá-los na quarta mesmo, Marina disse que iria direto e que encontraria com Sofia lá.

Acordaram com tempo, o tempo delas, mais lento que o habitual e mais acelerado do que o normal. O tempo de amor era assim, rápido demais, diferente do tempo da saudade que se arrasta fazendo feridas no peito, deixando marcas sinuosas de sobrevivência, querendo afeto.

O café da manhã foi preparado a quatro mãos, cheio de coisas gostosas, de um café nobre e de um pão de fermentação natural que as duas amavam, fizeram os últimos ajustes de horários, Marina disse que ia em casa na hora do almoço se arrumar de forma digna para jantar com a sogra, o que fez Sofia gargalhar.

– Preciso manter minha fama de me vestir bem, você sabe como é, né? Sogra é importante.

– Você é muito boba, Marina. Pelo visto vou ter que me arrumar dignamente também, mas venho em casa também pegar minha mãe e termino de me arrumar aqui.

Marina se despediu da namorada e foi em direção à empresa, finalmente, parecia que as coisas tinham se ajeitado em relação à feira da Fazenda Cariri. No caminho mandou mensagem para a equipe, convocando uma reunião de certo final, seria no final da manhã, existiam outras pendências, inclusive com a matriz europeia, o dia seria cheio.

Sofia pegou o celular e viu o endereço no mapa. Santa Cecília era um bairro descolado, cheio de artistas modernos, o bairro passou por uma grande transformação, algumas pessoas acabam chamando o bairro de baixo Higienópolis, o que é uma injustiça para Sofia, já que um bairro não tem nada a ver com o outro.

Enfim, o relógio já marcava quase dez da manhã, dia de quarta, o Aquarela abria mais cedo para o café da tarde, tinham as lascas de brownie e os estudantes que Sofia amava, provavelmente Lis Marie não estaria acordada, mas acordá-la não era um problema. Arrumou-se de forma simples, mas imponente e pediu o uber até o endereço fornecido por Carlão, ela já conhecia aquele apart hotel, inclusive sabia que existia um café lá dentro, talvez a forma de entrar fosse essa.

A corrida não foi longa, chegou antes das onze, entrou em direção ao café, resolveu pediu um espresso só para observar o movimento, os óculos Ray Ban estavam no rosto, foi quando seu olhar foi captado por uma mulher claramente estrangeira indo em direção ao café, naquele exato momento, entendeu que não precisaria subir, esperou Lis Marie se sentar e fazer seu pedido.

Ficou olhando a mulher de longe e analisando tudo que podia analisar, ela parecia cansada, fazia umas anotações em um bloco, o celular ao lado e uma chave, estava muito bem vestida, mas não era tão bonita assim, aliás, em termos de beleza, ninguém sequer conseguia se assemelhar a Marina.

Esperou o pedido chegar até a mesa, também pediu outro café no balcão e pediu que fosse entregue na mesa e apontou, tomaria o café ali.

Levantou-se e foi em direção à mesa de Lis que automaticamente a olhou.

– Com licença, posso me sentar um pouco?

A artista ficou olhando para a empresária, era realmente uma mulher muito bonita, decidiu convidá-la para se sentar.

– Claro, por favor.

Sofia se sentou, esperou um minuto enquanto seu café era servido e foi diretíssimo ao ponto, não era do seu feitio aumentar uma conversa desnecessária. Começou a conversa em inglês, seu francês era péssimo e sabia que os franceses não gostavam de se comunicar em outros idiomas, seria uma raiva a mais.

– Acredito que você seja Lis Marie, não é isso?

– Sou eu mesma.

– Eu me chamo Sofia, você não me conhece, eu quis conhecer você pessoalmente, já que você insiste em procurar minha namorada e enviar flores para ela.

A expressão de Lis mudou na mesma hora, um sorriso cínico se apresentou, era a cara que Marina já tinha dito que ela fazia, aliás, o cinismo era uma de suas mais fortes qualidades ou defeitos, ia depender da situação.

– Veio demarcar território, senhorita?

– Território não, porque não estamos lidando com gado, vim apenas me apresentar, sei que Marina não faria isso, o que também não é necessário porque não são amigas, são ex, e pelo que entendi podemos caracterizar um pouco de assédio nessa sua conduta, o que quero deixar claro aqui com essa breve conversa é apenas uma única coisa: respeite o espaço dela.

– Está com medo? São Paulo é uma grande cidade, posso encontrá-la por aí. Como estaria desrespeitando o espaço dela?

– Marina me disse que você era bastante inteligente, acho que não é necessário nenhum tipo de explicação a mais sobre espaço, essa visita foi apenas uma apresentação breve, fico imaginando o que a imprensa brasileira diria se uma nota sobre seu problema com espaço surgisse na mídia?

Lis tirou o sorriso do rosto na mesma hora.

– Isso é uma ameaça?

– Ameaça, não! Promessa, se violar o espaço dela novamente eu lanço a nota.

– E se ela me procurar?

– Ela não irá, passar bem.

Sofia se levantou e foi embora, deixando um rastro de arrogância pelo caminho e uma francesa soltando fumaça, Lis Marie ficou com tanta raiva com a audácia da brasileira que não pensou duas vezes e foi em direção a Pegasus, do jeito que estava.

Marina tinha finalizado a reunião com a matriz europeia e falava com a mãe, quando o telefone da mesa tocou. Desligou rapidamente e atendeu a secretária.

– Senhorita, aquela moça que esteve aqui antes de ontem está querendo falar novamente.

Marina tomou um susto, não imaginou que Lis voltasse a lhe procurar tão rapidamente, não era do feitio dela, mas resolveu recebê-la, terminar o que não tinha mais para terminar.

– Bom dia, Lis, algum problema?

– Vários, você mandou sua namorada me ameaçar?

– Não entendi a pergunta.

– A pergunta é essa mesma, você mandou?

– Antes de mais nada, o mínimo que podemos exigir aqui é educação, nada de escândalos, outra coisa, eu não sei nem onde você está hospedada, seria impossível isso acontecer, e, por último, você seria a última pessoa que ela gostaria de conhecer, acho que deve estar acontecendo algum engano.

– Engano nenhum, hoje, no apart-hotel que estou hospedada, fui interpelada por uma mulher chamada Sofia, devo confessar que ela é maravilhosa, apesar de ser irritante e pedante, mas ela não pode invadir o meu espaço da forma que fez.

– O espaço era público pelo que pude ver.

– Sim, mas acredito que ela não estivesse lá à toa.

– Lis, eu acho que você não entendeu muito bem a nossa conversa, e eu vou repetir de uma forma muito educada e clara, porque eu sei que, às vezes, você escuta apenas o que você quer: nós não temos mais volta, eu não sinto nada por você e, a partir de hoje, sua entrada aqui na empresa será barrada, você não é bem-vinda, siga sua carreira, eu estou bem, feliz e realizada. Você deseja mais alguma coisa?

– Essa história não acaba aqui, Marina e avise a sua dona, que se ela me procurar novamente eu faço uma queixa de ameaça contra ela na polícia.

– Ela não vai procurar, eu garanto.

Lis Marie se levantou e bateu a porta com tanta raiva que todos do andar olharam para Marina, a sala tinha parede de vidro, ela ligou para a secretária e pediu que a entrada de Lis fosse barrada, caso ela voltasse a procurá-la.

Não sabia onde Sofia podia estar agora, também não teria mais tempo de resolver isso, mais tarde teria a conversa que deveria ter no jantar do Dom, quer dizer nem sabia se seria possível ter essa conversa lá com tantos olhares, mas isso não podia se repetir.

No Aquarela, os cheiros já se dissipavam pelo ar, às quartas-feiras, tudo era diferente, tinham muito trabalho e compromisso, assim que entrou no salão, Sofia foi avistada por Carlão, ela subiu em direção ao escritório e Carlão entrou logo em seguida.

– E aí? Tudo bem? Deu tudo certo?

– Melhor do que eu esperava, nem precisei subir, esse apart tem um café ótimo, então, enquanto estava lá, a dita cuja desceu e aproveitei a oportunidade e falei com ela.

– Falou o quê?

– Pedi para ela respeitar o espaço da minha namorada.

– E ela disse o quê?

– Ela ficou com raiva e eu disse que poderia soltar uma nota dizendo que a nova artista sensação da Europa estava assediando a ex-namorada.

– Sofia!

– Essa mulher é cínica, Carlão, se você visse a cara dela, de desdenho, ela está no meu país, na minha cidade e atrás da minha namorada, então o que for necessário ser feito, será feito.

– Você já sabe o que vai fazer quando a Marina descobrir essa história?

– Ela não vai descobrir.

– Tudo bem, mas tenha cuidado, ela pode fazer uma queixa também contra você.

– Ela não fará, seria um problema para a exposição.

O dia foi corrido para todos, quando Sofia percebeu já eram quase 18h, tinha que ir em casa se arrumar e pegar a mãe para irem ao jantar na casa de Dom, despediu-se da equipe, passou a chefia para Carlão e saiu, mandou uma mensagem para Marina informando dos horários.

Chegou em casa, a mãe estava terminando de se arrumar, foi direto para o banho, iria com um vestido preto clássico e resolveu trançar o cabelo, Sofia adorava tranças. As duas seriam pontuais e resolveram ir de carro por aplicativo, o jantar estava marcado para às 19:30h.

Lúcia estava muito elegante, assim como Sofia, as duas chegaram pontualmente à casa de Dom às 19:30h, quase todos já estavam lá, inclusive Flora Holanda tão altiva e chique como ela se lembrava, conheceu o outro filho que também morava no Brasil, sabia que ela tinha tido quatro filhos, o outro não estava presente.

Dom as recebeu muitíssimo bem, a casa era linda e tinha uma atmosfera de felicidade, cheiro de criança de uma comida que parecia está super saborosa pelo cheiro. Sofia percorreu os olhos pelo ambiente e não encontrou quem estava procurando.

– Ela ainda não chegou, mandou uma mensagem dizendo que ia atrasar meia hora.

– Ah, tudo bem, vou enviar uma mensagem pra ela dizendo que já chegamos.

– Vocês querem beber um vinho? Uma cerveja, champanhe?

– Eu aceito uma cerveja, Dom, obrigada.

Sofia recebeu sua cerveja e percorreu o ambiente, todos pareciam à vontade, Ella já estava dormindo, a garotinha tinha uma rotina, dormia cedo, ficou um outro convite para Lúcia conhecê-la em um outro momento.

Marina chegou um pouco depois das 20h, cansada, era visível, mas impecavelmente bem-vestida naquele dia, como sempre Sofia pensou, foi recebida pelo irmão que amava, pela cunhada, pela mãe, pelo outro irmão, cumprimentou Lúcia de forma muito afetuosa e deixou a namorada por último.

Assim que entrou no ambiente, Sofia sabia que havia algo com Marina, não era somente o cansaço, tinha algo mais.

– Oi, meu bem, muito cansada?

Marina se aproximou da namorada e deu um beijinho carinhoso, mas rápido.

– Um pouco, desculpe o atraso, estava finalizando os preparativos da feira.

– Finalizou?

– Finalizei sim, cansada, mas aliviada.

Dom trouxe uma taça de vinho tinto para a irmã, que aceitou na mesma hora, ele também sabia que havia algo de errado e não era somente o cansaço. Conversou um pouco com todas e disse que o jantar seria servido.

A mesa posta estava linda e muito bem arrumada, pela disposição dos talheres, o jantar seria frutos do mar. Tudo transcorreu perfeitamente bem, a comida estava deliciosa, Lúcia estava bem à vontade, Flora parecia feliz, mas o anfitrião era uma águia, um homem sensível e a única irmã mulher o tinha aos seus pés. Por isso, depois que a sobremesa foi servida e eles estavam nos digestivos, ele sugeriu.

– Marina, não quer dar uma olhada na sua afilhada, ela dormiu perguntando por você!?

– Não quero acordá-la, Dom, você sabe que eu vou acabar fazendo isso e já esta tarde.

– Vamos lá, você apenas dá um beijo, amanhã eu digo a ela.

Os dois subiram e quando chegaram à porta do quarto de Ella, Dom puxou a irmã.

– Dommmmm….

– O que você tem?

– Como assim o que eu tenho? Eu estou cansada, apenas.

– Você pode enganar até a nossa mãe a sua nova namorada, apesar de achar que você não a enganou, mas a mim, basta eu olhar para você.

– Lis Marie me procurou no escritório.

– Como assim? Ela já está no Brasil? Mas faltam ainda mais de dois meses para a exposição.

– Pelo que percebi, ela veio antes e uma das primeiras coisas que ela fez me procurar.

– Você ainda gosta dela?

– Lógico que não, Dom, o problema não é esse.

– Qual o problema, então?

– – No dia seguinte da ida dela a Pegasus, ela me enviou um buquê de flores bem substancial, logo de manhã cedo, também tinha um cartão, eu ignorei o buquê e fui trabalhar estava cheio de coisas para resolver, nada estava dando certo e estava com prazos apertados. Sofia resolveu aparecer de surpresa na empresa com o meu almoço e da minha equipe e a sobremesa, acabei recebendo na sala de reunião como estava com a equipe lá, ela foi levada para lá. Comemos, eu agradeci, achei lindo o gesto dela, nos despedimos e eu fiquei na sala de reunião. Na saíde, ela pediu para ir ao banheiro e minha secretária indicou minha sala, quando ela entrou viu o buquê e o cartão de Lis.

– E aí?

– Eu fui ao Aquarela falar com ela, nós conversamos, ficou tudo bem, aparentemente.

– Mas?

– Hoje, eu estava trabalhando e Lis reapareceu no meu trabalho, dizendo que Sofia a procurou no apart hotel em que ela estava hospedada e disse que a ameaçou.

– Ameaçou como?

– Disse que era para ela respeitar meu espaço, para não invadi-lo.

– E você disse o quê?

– Eu disse que isso não ia se repetir, mas disse também que a entrada dela estava sendo proibida na empresa a partir daquele dia.

– Ela fez uma cena, como você sabe que ela é capaz, bateu a porta da minha sala, tão forte que todos olharam para a minha sala e disse que a história não estava acabada.

– E você está assim por causa disso?

– Eu estou assim, Dom, porque a Sofia não confia em mim, e fez uma coisa que eu não apoio, ela também invadiu meu espaço. Nós tivemos um começo difícil, Dom, acho que ainda estamos tendo e eu estou cansada, muito cansada.

– Amanhã, eu vou procurar Lis e vou falar com ela sobre uma medida protetiva, ela precisa entender que tudo passou e que vocês não têm mais volta.

– Você não vai fazer isso, Dom, Lis não me ameaçou, não promoveu nenhuma violência psicológica comigo, eu sei resolver meus problemas.

– Marina, você conhece muito bem a sua ex, você sabe do que ela é capaz, eu estou me oferecendo para ajudar, ela não vai desistir de você pelo que entendi, com ela, as coisas não funcionam normalmente e não pense que eu esqueci o episódio que aconteceu com você naquela festa, não esqueci mesmo, por isso, não vou esperar que uma artista egocêntrica e narcisista, faça novamente o que ela fez com você, amanhã eu vou procura-la, em relação à Sofia, não a julgo, mas entendo você perfeitamente, converse com ela.

Marina suspirou tão profundamente, sabia que o irmão não iria desistir e falaria com a mãe também, Flora foi comunicada na mesma noite do problema que a filha teve e, na manhã seguinte, Marina recebeu uma ligação da mãe. Foi um período complicado, todos da família não queriam aquele relacionamento e Lis não ajudava em nada.

– Eu vou descer, depois nós terminamos essa conversa. Sofia sabe do episódio que aconteceu entre vocês?

– Não sabe.

– Então, por favor, conte a ela, é importante que ela saiba o que aconteceu.

– Hoje, eu só quero ir para casa e ir dormir, estou exausta.

Dom desceu e logo em seguida Marina também, já estava tarde, era dia de semana e foi a deixa para que aquela noite fosse encerrada, Marina foi até a namorada.

– Está tudo bem?

– Mais ou menos, mas podemos conversar amanhã? Eu estou exausta, Sofia, esses dias foram complicados.

– Tudo bem, posso fazer alguma coisa?

– Está tudo bem, amor.

– Você pode dormir lá em casa? Eu prometo que deixou você dormir. Por favor?

Marina pensou e ficou olhando pra ela, Sofia estava linda, linda, linda, linda, ficou com vontade de chorar, os olhos encheram.

– Meu bem, o que está acontecendo?

– Eu só estou cansada, tudo bem vou dormir com você.

– Graças a deus, obrigada por ter aceitado o convite, eu estou morrendo de saudade.

As duas se abraçaram e começaram as despedidas, tudo estava maravilhoso, Lúcia agradeceu a Dom pela receptividade, pelo afeto e por tudo, um churrasco de domingo foi agendado, Lúcia perguntou se podia levar o primo e Dom disse que a casa estava aberta a todos que ela quisesse trazer.

Voltaram as três de uber, Marina estava mais falante e Lúcia decidiu dormir na casa de Robson, para deixar as duas mais à vontade.

– Lúcia, por favor, não gostaria de lhe tirar da casa da sua filha.

– Marina, minha querida, amanhã cedo tenho um compromisso com o Robson, só estou facilitando minha vida, não se preocupe com isso, e você descanse, parece cansada.

Lúcia se despediu das duas, disse que amava a filha e desceu no prédio do primo, o resto da viagem foi feita em silêncio, com Marina encostada no ombro da namorada, fingiu está dormindo para não ser incomodada, ficou pensando se falaria hoje ou amanhã.

Chegaram uns 20 minutos depois, foi acordada de forma gentil e as duas subiram, entraram em silêncio, até que Sofia perguntou:

– O que está acontecendo?

Marina suspirou e resolveu falar.

– Lis me procurou hoje de manhã na Pegasus.

– Para?

– Ela me disse que você a procurou hoje de manhã no local em que ela estava hospedada e a ameaçou.

– Ameacei sim.

– Sofia, por favor, você não acha isso certo não é?

– Certo? Essa palavra é muito varável, meu bem, também não é certo ela lhe procurar no seu local de trabalho, não é certo ela lhe mandar flores e nem ficar importunando você.

– Sofia, parece que você não confia em mim, eu fiquei chateada.

– Assim, como você também parece não confiar, já que escondeu que ela lhe mandou flores.

Marina bufou, não era justo esse tipo de abordagem, amava Sofia, sabia que amava, só não tinha dito ainda por medo.

– Sofia….por favor, não seja injusta.

– Meu bem, por favor digo eu, eu não quero essa mulher indo atrás de você, isso não é legal, não gostei dela, meu deu um incômodo quando a vi, tem alguma coisa dessa mulher que me incomodou profundamente, ainda não sei o que é, mas tem alguma coisa.

Estava na hora de Marina falar, queria descansar, mas não tinha um dia de paz.

– Você pode preparar um café pra gente, antes de continuarmos a conversa?

Sofia disse que podia, perguntou se ela não queria um capuccino com canela e chocolate, sabia que a namorada gostava, Marina disse que queria. Preparou um capuccino grande, generoso, numa xícara linda e levou até a sala.

– Aqui, meu bem, seu capuccino.

– Obrigada, amor. Você pode sentar?

– Tudo bem.

– Quando conheci Lis, ela tinha uma fama péssima, de ser muito mulherenga e de ter um temperamento explosivo, é tanto que ela não despertou interesse, mas insistiu e acabamos saindo e ficando, como eu disse a você, ela que veio atrás de mim, e eu acabei cedendo e me apaixonando. Depois de alguns meses, eu descobri que ela é Borderline, cresceu num lar problemático, cheio de violência, eu sabia da história de vida dela, perguntei se ela fazia tratamento e ela disse que fazia e que tomava remédios. Até aí, tudo bem, mas aconteceu um episódio complicado, nós estávamos numa festa de ano novo, Dom e meus irmãos estavam, tinham vários amigos na festa, estávamos em Nice, na casa de um dos amigos de Dom. Lis não é muito sociável, então ela não queria ir, mas eu insisti e nós fomos. Tudo estava bem, na noite da virada, ela disse que eu podia ir para a festa que mais tarde ela ia, estava cansada. Eu estava dançando com o Leon, o dono da casa, ele era como um irmão pra mim, estava noivo, eu conhecia Francine, a noiva dele. Ela chegou na hora da dança e talvez tenha visto algo que não existia, fez um escândalo, Dom se meteu, ela partiu pra cima dele e eu me meti na frente dos dois e, na confusão, eu acabei apanhando.

– Apanhando? Apanhando de quem?

– Da lis.

– Não acredito nisso!? Sofia se levantou revoltada, começou a andar de um lado para o outro.

– Sofia, por favor, eu estou contando a você para que entenda que Lis não é uma pessoa equilibrada.

– Eu quero que ela se exploda, a minha questão aqui é você. Você não precisa mais passar por esse tipo de coisa, meu deus, não acredito que ela bateu em você.

– Não era pra mim, era para o Dom.

– Marina, por favor, não justifique a violência.

– Sofia, eu contei isso pra você, porque não quero mais segredos, eu estou cansada e preciso que você confie em mim, se não nosso relacionamento não vai durar.

– Tudo bem, meu bem, mas por favor, se ela lhe procurar novamente me avise, promete?

– Prometo, vamos dormir, eu estou muito cansada.

– Vamos, pode ir tomar seu banho, vou preparar nossa cama.

Dom estava tomando um copo de whisky, de frente para a piscina, quando a mãe se aproximou para se despedir, percebeu que o filho estava pensativo e distante.

– Dom?

– Oi, mãe!

– O que houve, meu filho?

– Lis está no Brasil e procurou Marina na Pegasus.

– Eu imaginei que isso podia acontecer.

– Ela mandou flores para Marina, mesmo ela dizendo que não queria mais nada com ela. No mesmo dia, Sofia foi até a Pegasus levar um almoço para a Marina e a equipe, ela escondeu da Sofia o que tinha acontecido, mas ela acabou descobrindo na hora de sair, houve um pequeno desentendimento das duas, mas elas resolveram, mas a Sofia conseguiu o endereço de onde Lis estava, não sei como ela conseguiu isso, porque nós não fomos informados da chegada dela, procurou Lis e a ameaçou, enfim, Lis procurou Marina novamente a ameaçando e minha irmã proibiu a entrada dela na empresa.

– Carlão deve ter conseguido o endereço pra ela, não tenha dúvidas disso.

– Você acha que ele pode me repassar esse endereço?

– O que você vai fazer, Dom?

– Uma visita e solicitar uma medida protetiva, estamos no nosso país, ela precisa saber que as coisas aqui são diferentes da França.

– Sua irmã não vai gostar disso.

– Eu já comuniquei a ela, mãe, e amanhã vou falar com a Sofia, ela precisa saber com quem está lidando.

– Tudo bem, tenha cuidado, vou repassar o endereço pra você, assim que o Carlão me enviar. Fique bem, meu amor, descanse.

– Pode deixar, mãe, amo você.

– Também amo você, filho. Tenho muito orgulho de você.

– E eu da senhora. O motorista vai levá-la?

– Vai sim.

Dom acordou tarde, por volta das nove, ficou pensando até de madrugada no sofrimento da irmã e da mãe, não queria que as mulheres da sua vida sofressem mais e tudo faria para que as duas se sentissem protegidas. Priscila já tinha saído com Ella, abriu o aplicativo de mensagem e o endereço já estava lá, pelo que lembrava, Lis acordava tarde, resolveu trabalhar de casa e esperar sua menina chegar da escola e almoçarem juntas.

Sofia acordei cedo, queria preparar um café para Marina, fizeram um amor rapidinho cheio de dengo e saudade, cheio de promessas e um prazer delicado que foi arrancado das duas com Marina no colo de Sofia encaixada perfeitamente. Sofisa sorriu quando lembrou, ficava louca com sua namorada na cama, o prazer era tão gostoso que pensou como demorou para se envolver com mulheres, na realidade, não eram mulheres, era Marina, só ela.

Marina foi acordada pelo cheiro de bolo de chocolate no forno, sabia que Sofia estava cozinhando, estava preparando café para as duas, desceu sonolenta, só com uma blusa de malha longa de sua namorada, sem calcinha, não tinha problema, Sofia gostava.

E foi essa visão que ela viu do balcão da cozinha, seu amor descendo sonolenta, devia estar faminta, com as coxas aparecendo, sabia que estava sem calcinha pela cara marota que ela estava fazendo.

– Bem dia, amor, acordou com o cheiro não foi?

– Foi sim.

Sofia a pegou e deu um beijinho no pescoço, depois pegou a boca da namorada e deu um beijão, passando a mão naquele corpo que estava viciada.

– Com fome? Preparei um café de hotel pra gente.

– Muita fome, obrigada, amor.

As duas tomaram café uma do lado da outra, Sofia fez bolinho de chocolate com ganache de limão, tinham ovos, um pão artesanal, queijo, iogurte, café, leite, suco.

– Você vai me engordar assim, Sofia.

– Você emagreceu essa semana, não deve ter comido direito.

Terminaram o café, foram para o banho, namoraram um pouquinho e , naquele dia, Marina foi trabalhar com as roupas da namorada, sentindo o cheirinho dela, foi levada até a porta da Pegasus por ela, despediram-se e combinaram que Marina iria ao Aquarela aquela noite para encontrar Lúcia, Robson e perguntou se podia convidar a mãe e o irmão.

– Claro, meu bem, só me confirme a quantidade de pessoas para eu reservar a mesa.

Dom saiu de casa às 13 em ponto em direção ao apart hotel em Santa Cecília, chegou meia hora depois e pensou como faria para subir, para evitar transtornos, pediu para ser anunciado.

Assim que a campainha tocou, a porta foi aberta por uma Lis um pouco descrente da visita.

– Quando interfonaram, eu fiquei imaginando que tipo de assunto teríamos para conversar.

– Boa tarde, Lis, posso entrar, a conversa será rápida.

– Pode entrar.

– Quando recebi a oferta dessa exposição itinerante, imaginei que tinha dedo seu na escolha do nosso escritório, então eu coloquei alguns amigos para verificar se isso tinha partido de você, mas descobri que não, você foi uma das últimas artistas a ser confirmada.

– Às vezes, você parece um mafioso.

– Você diz as vezes em que eu quis proteger minha irmã? Se for assim não tem problema parecer mafioso. Enfim, sei que não tem dedo seu na contratação, aliás não sei nem se tem cacife para isso, mas a minha vinda aqui é por outro motivo e eu vou ser o mais claro e prático com você. Não procure minha irmã, não vá ao trabalho dela, não ligue pra ela, não espere por ela na porta do emprego dela.

– É sua irmã que tem que me dizer isso, não você.

– Ela já disse, assim como Sofia disse, mas pelo que conheço você, nada disso importa, já que é egocêntrica e narcisista, quero que saiba que não estamos na França, que aqui as leis são outras, eu vou entrar hoje com uma medida protetiva contra você, não poderá se aproximar de Marina, deverá manter a distância de 1 Km, se você descumprir isso, pode ser presa. Você entendeu?

– Quem pediu para você fazer isso? Aquela namoradinha dela? Não há motivo para isso, vai alegar o quê?

Dom tirou o celular do bolso e mostrou os vídeos daquele ano novo e as mensagens.

– Vou usar isso aqui e eu sei que sua carreira é muito importante para você, se insistir nisso, quebro o contrato com sua exposição alegando assédio, fui claro?

– Isso é uma ameaça?

– Isso é uma promessa e sei que você sabe que sou um homem de palavra e cumpro todas as que eu faço. Passar bem.

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