Amores de Sofia

28. PENDÊNCIAS EMOCIONAIS.

Lúcia cumprimentou Carlão e já agradeceu por ter acompanhado a filha naquele horário até o aeroporto. Durante o trajeto de volta, as conversas foram amenas, nada de muita profundidade, como estava o Bar, como estava Maria, se todos estavam bem, se Pauline já tinha se adaptado, enfim, Lúcia sabia ser discreta quando se tratava da família. Deixaram Carlão e Sofia assumiu a direção da Land Rover.

– Mãe, não era necessária a sua vinda até aqui, ainda mais com um voo longo desse jeito.

– Minha filha, sei que nós precisamos conversar, mas antes de termos a nossa conversa, eu preciso conversar com uma outra pessoa e farei isso amanhã de manhã, não se preocupe.

– Mãe, você não precisa fazer um escândalo.

– Em algum momento da sua vida, você já viu alguém da sua família fazer um escândalo?

– Nunca vi.

– E nem verá, nós fomos muito bem-educadas pelos seus avós, acredito que educadas demais, se sua tia tivesse feito uns dois escândalos na vida dela, acho que ainda estaria viva e não teria engolido tanto mal-estar, depois que eu tiver essa conversa com quem eu terei, nós conversaremos.

As duas foram para casa, Sofia sabia que a mãe estava cansada, também estava com saudades, chegaram ao apartamento, arrumou o quarto de hóspedes, a mãe foi tomar um banho, resolveu mandar mensagem para Marina dizendo que tinha já tinham chegado e que tudo estava bem, mas para a sua surpresa, recebeu uma resposta imediatamente.

Oi, meu bem, foi tudo bem mesmo?

Tudo, na medida do possível, nós não tivemos uma conversa ainda, eu acho que minha mãe vai procurar sua mãe amanhã, Marina.

Eu acho que minha mãe ainda precisa desfazer alguns nós, Sofia, e, um desses nós, é com sua família, vamos torcer para as duas cheguem a uma decisão civilizada.

Essa decisão não compete a nós duas, não é?

Nossa decisão já foi tomada e estamos juntas, não foi isso que você me disse e propôs?

Foi exatamente isso.

Então pronto, vamos dormir que nosso final de semana foi intenso e algo me diz que a semana também.

Vamos, amanhã nos falamos, Já estou morrendo de saudades.

Eu também, meu amor. Cheiro.”

Sofia foi até a mãe, que já estava banhada e pronta para dormir, a beijou e foi abraçada, estava e sentia saudades dos pais, a carreira de Oto não cabia mais no Brasil, o pai tinha assumido um cargo de relevância no mundo da música clássica, o próximo passo era a orquestra de Nova York, então, a possibilidade do retorno dos pais era pequena, pelo menos por enquanto.

Lúcia mandou mensagem para Oto e disse que tudo estava bem, devido ao fuso-horário, preferiu ligara para o marido apenas amanhã.

Sofia dormiu com um pouco de aperto no coração, se movimentou muito na cama, sentiu falta de Marina, os cheiros estavam misturados na cama, e isso agravava a falta.

Tinha que acordar cedo, era dia de encontro com alguns fornecedores, levantou-se ainda no escuro, preparou apenas um café espresso na máquina e deixou um bilhete para a mãe que levantou umas quatro horas depois da filha, ainda cansada da viagem e pensativa, Lúcia acordou e teve um dejavú, viu Ida sentada no sofá.

Ida era uma mulher linda, marcante, elegante, inteligente e culta que doía, amava Sofia como se fosse sua própria filha, Lúcia lembrava exatamente do dia em que a irmão segurou sua filha pela primeira vez, era um domingo a tardinha, Lúcia tinha passado a noite sentindo dores, ligou para o médico e ele pediu para que ele fosse ao hospital apenas quando as contrações diminuíssem de tempo, pediu que Oto não ligasse ainda para a irmã.

Depois de uma madrugada de sábado insone e cheia de dores, as contrações avisaram que estava na hora de ir e foram. Somente quando chegaram à maternidade, Oto ligou para a cunhada que largou tudo e foi encontrar com os dois no hospital.

Sofia não nasceu de imediato, deu um pouco de trabalho e com a impossibilidade do parto normal, Lúcia entrou na sala de cirurgia para uma cesárea, a criança estava em sofrimento. Sofia nasceu pequenininha, uma princesa, foi assim que Ida falou quando a segurou pela primeira vez, os olhos vivos, esperto, a mãozinha agarrou o dedo mindinho de Ida e o sorriso que Lúcia viu naquele momento não via há tempos no rosto da irmã.

Sofia devolveu a irmão o brilho da vida e foi paixão pelo resto da vida, madrinha, amiga e tia, Sofia teve em Ida tudo que uma tia poderia ofertar para uma sobrinha, teve tudo de material, mas, acima de tudo, teve amor demais, por isso a sua morte trouxe tanto sofrimento para aquela pequena família.

As lágrimas caíram do rosto de Lúcia involuntariamente, quando percebeu já estava chorando de saudade, voltar ao Brasil era rememorar a saudade de forma pulsante e concreta, além do encontro que teria hoje, seria muito particular.

Viu o bilhete da filha, fez um café rápido, ligou para o marido, disse que o amava e foi se arrumar, já tinha o endereço em mãos, afinal não foi difícil conseguir, fez uma pesquisa rápida na internet, olhou para o relógio e já marcava 10.30, com certeza, a pessoa já estaria no local. Pediu um uber e a previsão de chegada era às 11, ótimo.

Mandou mensagem para a filha e quis confirmar o almoço das duas para às 14, talvez esse encontro que teria antes demorasse ou não, mas, como não gostava de atrasar, queria uma folga.

Entrou no prédio da Paulista sem maiores dificuldades, apertou o 11º andar e entrou num hall elegante, com detalhes em preto e em mármore, ao fundo os nomes que imaginou que veria, foi em direção à recepcionista e se anunciou:

– Bom dia, gostaria de falar com a Dra. Flora Holanda, por favor!

– Bom dia, a senhora tem horário marcado?

– Infelizmente não, mas se você puder me anunciar eu agradeço, me chamou Lúcia, é um assunto pessoal.

– Claro, a senhora pode se sentar que já vou anunciá-la, deseja uma água, um café?

– Não, muito obrigada.

Flora estava concentrada revendo os contratos da feira, teria uma reunião com Simone e Luiz no final da semana para finalizar todos os contratos, nada poderia passar. O telefone tocou, era sua secretária.

– Dra. Flora, uma pessoa está na recepção solicitando falar com a senhora, ela disse que não tem horário marcado, que é um assunto de ordem pessoal.

– Ela disse do que se trata?

– Não, senhora, mas o nome dela é Lúcia.

E Flora sentiu um arrepio na coluna, sabia que a irmã de Ida não morava no Brasil, se estava em sua recepção é porque Sofia já tinha contado sobre o namoro, foi pega desprevenida, desarmada, mas tinha que resolver, falar.

– Janete, pode acompanhá-la até a minha sala e não passe nenhuma ligação, por favor, diga que não quero ser interrompida, nem por Dom.

– Claro, senhora, só um momento.

– Senhora Lúcia, a Dra. Flora vai recebê-la, por aqui, por favor.

Lúcia também sentiu um frio na barriga, olhar para a mulher que provocou tanto sofrimento a sua irmã não era nada agradável, mas o destino é imprudente, capcioso e prega peças demais, nunca imaginou que procuraria Flora pelo resto da sua vida, quando entrou na sala, ela estava de pé, por trás da mesa elegante de madeira, claramente nervosa e ansiosa, elas apenas se olharam.

– Janete, por favor peça água com e sem gás e capuccino, além de uma garrafa térmica de chá e café, obrigada.

Lúcia pensou que Flora lembrava dos seus gostos, continuou de pé até a secretária de Flora sair.

– Porque não senta, Lúcia, acredito que nossa conversa será longa, se você tiver paciência para me ouvir.

– Estou aqui olhando para esta situação toda e imaginando o que o destino está fazendo com a gente.

– O destino está fazendo algumas coisas, eu fiz muitas coisas, é tempo de contar a verdade, a verdade verdadeira não aquela que Ida e você acreditaram por anos ser a verdade: o abandono.

Batidas na porta foram dadas e Flora pediu que entrasse, uma senhora muito bem-vestida num uniforme preto e clássico entrou na sala com um carrinho, com dois capuccinos pegando fogo, garrafas de café e chá e copinhos de água com e sem gás, além de taças, chocolates e biscoitos.

– Obrigada, Rute, pode deixar que eu mesma sirvo.

– Com licença.

Flora serviu Lúcia, depois se serviu e começou a falar. Fez uma cronologia dos fatos tão perfeitamente, lembro dos dias, do começo de tudo e como o seu grande amor a arrebatou numa viagem de colégio.

Falou daquela noite como se fosse hoje, mesmo enterrada, Flora jamais esqueceria e se tinha sido franca e verdadeira com Sofia, na medida do possível, com Lúcia ela estava escancarando todos os diálogos que teve com o pai, falou sobre as ameaças à vida de Ida, sobre as possíveis tortura e sobre as violências sexuais as quais foram descritas para Flora que Ida seria submetida caso ela decidisse continuar com tudo aquilo.

Lúcia olhou por cima do frigobar e viu um pequeno bar, interrompeu Flora e pediu uma dose de whisky, a advogada preparou, mas optou por ficar apenas com o café, ainda tinha um dia longo de trabalho e não queria que suas palavras falhassem e nem dissessem aquilo que não queria dizer.

– Depois que eu saí da casa dos meus pais, fui direto na casa de um amigo, ele era minha única esperança, o Raul, você lembra dele?

– O Raul que organizava o grupo clandestino?

– Ele mesmo, quando citei o nome do Coronel Armando ele se levantou imediatamente e a feição dele mudou, eu percebi, ele tentou disfarçar, mas eu vi como ele ficou muito mais preocupado do que já estava, ele resolveu fazer uma ligação depois disso. Duas horas depois, um homem grande fora anunciado pelo porteiro, ele subiu e disse a Raul que havia um carro de tocaia próximo ao apartamento, nessa hora, a polícia já estava de guarda, provavelmente, segundo Raul, eu já fui seguida ao sair de casa, mas eu não sabia.

– Quem era o homem que Raul ligou?

– Era Carlão.

– Meu deus…

Flora continuou contando o resto da história, todos os detalhes possíveis, o monitoramento constante sobre Ida e sobre si, quando Ida foi presa, disse que pegou um avião na mesma hora em que Carlão avisou, foi o pai que conseguiu soltar depois de Flora passar na cara todo o acordo que vinha sendo cumprido.

Lúcia começou a juntar informações, datas, coisas estranhas que aconteciam e que, de repente, eram resolvidas antes mesmo que a própria família pudesse interceder por Ida, agora as coisas faziam sentido.

Flora continuou contando e contando, até que Lúcia se levantou e foi até a janela chorando.

– Você nunca abandonou a Ida!

A voz saiu fraca e surpresa.

– Nunca! Eu monitorei a segurança da Ida até a morte do meu pai, mesmo depois do fim da ditadura, eu ainda tinha muito medo, mas quando meu pai morreu eu me libertei e voltei para o Brasil, bem, o final da história você já sabe. Flora ficou olhando para Lúcia parada com o copo de whisky na mão. A irmão de Ida ficou olhando o horizonte e depois de cinco minutos de um silêncio, Lúcia perguntou:

– Como ela é?

– Ela? Quem é ela?

– A Marina, sua filha. Ela sabe dessa história toda?

– Soube depois que conversei com Sofia, não achei justo que as duas fossem privadas de viverem esse amor, já houve sofrimento demais. Ela é uma menina incrível, justa, educada, terminou um relacionamento e sofreu um pouco, é inteligente e está apaixonada pela sua filha desde a primeira vez que a viu, ela demorou seis meses para conseguir uma oportunidade para falar com Sofia.

Lúcia deu o primeiro sorriso e pediu desculpas a Flora, um pedido sincero, cheio de remorso por ter impedido o contato de Flora com Ida quando ela ficou doente.

– Lúcia, não se culpe, por favor, eu quero pedir uma coisa a você.

– Peça.

– Não impeça as duas de viverem esse amor, Lúcia, por favor, as meninas merecem, não vamos repetir os mesmos erros.

– Eu acho que teria feito a mesma coisa, se eu tivesse na sua situação.

– Eu nunca deixei de amá-la, ela foi e é meu grande amor, eu estou tentando me refazer, Lúcia, eu nem sei se isso ainda é possível, se consigo, depois de tanto tempo eu conheci uma pessoa, estou tentando, fazendo terapia, aceitando que não tenho mais a possibilidade de desfazer tudo que fiz.

– Ela teria perdoado você, Ida teria ficado orgulhosa, mas com muita raiva, muita raiva mesmo, primeiro porque você escondeu tudo dela, não deu a possibilidade de ela tentar achar uma saída, segundo, porque ela achava que realmente você era feliz no seu casamento.

– Se eu tivesse contado toda a verdade para a Ida, você sabe que ela não permitiria que eu a deixasse, você conhecia a irmã que tinha, Lúcia, e eu conhecia meu amor, meu grande amor. Ida era feroz, ainda mais quando se tratava de mim.

– Eu sei. Eu sei de tudo isso, por isso estou agradecendo a você e me desculpando.

– Não se desculpe. Não há necessidade disso.

– Eu lamento por tudo isso, Flora, lamento muito. Eu vou indo, obrigada por me receber sem ter hora marcada, vou me encontrar com a Sofia agora e não se preocupe que não vou atrapalhar em nada este namoro. Ida tinha razão, você mais velha ficaria mais bonita, mais do que era, ela sempre dizia isso.

O telefone da mesa de Flora tocou, achou estranho porque tinha dado ordens expressas para não se interrompida, só podia ser Dom. Resolveu atender, era ele, pediu que o filho fosse até a sua sala, já havia terminado o que estava fazendo.

– Lúcia, você está apressada?

– Não.

– Gostaria de apresentar você o meu filho mais velho, tudo bem?

– Claro.

Dois minutos depois a porta da sala de Flora recebeu umas batidas, depois do aval da entrada, Dom entrou, muito bem-vestido, num terno italiano muito bem cortado, uma calça cigarreti e um mocassim de couro. A blusa branca perfeitamente bem passado por dentro da calça e o blazer azul marinho da cor da calça, ele entrou depois de um bom dia elegante e ficou olhando para as duas mulheres.

– Dom, meu filho, eu gostaria de lhe apresentar uma pessoa.

Ele se aproximou da mãe e viu aquela mulher muito elegante na sala, achou que era uma cliente.

– Dom, esta é Lúcia, a irmã mais nova de Ida, meu grande amor.

E o primogênito de Flora titubeou por poucos segundos.

– Senhora Lúcia, muito prazer. (pegou a mãe de Lúcia e beijou de forma educada e delicada.)

– O prazer é todo meu.

– Sou o Dominique, mas pode me chamar de Dom, se precisar de alguma coisa e eu puder ajudar estou à disposição.

Dom era charmoso por natureza, elegante que doía, educado demais.

– Eu agradeço a atenção, Dominique.

– A senhora pode me chamar de Dom, tudo bem por aqui?

– Eu e sua mãe tínhamos uma conversa que foi adiada há alguns anos, hoje nós tivemos esta conversa.

– Eu espero que tudo tenha corrido muito bem, apesar de todas as circunstâncias.

Ele era discreto, Lúcia adorou a postura do filho de Flora.

– Tudo correu bem sim, estou ansiosa para conhecer sua irmã.

– Ah, a senhora verá a melhor versão da família, Marina é espetacular, acredito que a senhora não resida na cidade, não é isso?

– Exatamente, cheguei ontem, eu e meu marido moramos em Miami, ele é regente da orquestra da cidade.

– Que maravilha, nós amamos música clássica. Sem querer ser invasivo, mas gostaria de convidá-la para um jantar na minha casa quarta-feira, a senhora e a Sofia, eu ficarei muito feliz em recebê-la.

Lúcia entendeu o convite, queria que ela conhecesse a família, entendesse onde Sofia estava entrando, para a surpresa de Flora, ela aceitou. Despediu-se dos dois e saiu com o coração apertado, dilacerado, se culpando por não ter permitido a subida de Flora no dia em que ela foi procurar Ida no apartamento, talvez se tivesse permitido, Ida teria paz.

Ligou para a filha, Sofia perguntou se ela queria ir até o bar, Pauline estava testando uns partos novos, podiam almoçar lá? Podiam. Optou por andar um pouco, quando percebeu estava quase na esquina da Oscar Freire, viu as lojas e quis comprar algumas coisas, presentes.

Não conhecia Marina, mas pelo irmão elegante e pela mãe mais elegante ainda, resolver entrar numa Maison. Entrou na Versace, comprou uma blusa chique para sua filha, dois vestidos e um mocassim clássico, sabia que Sofia adorava e se dependesse dela, jamais gastaria tanto dinheiro assim com os ícones fashionistas, mas se Marina seguisse o padrão da família, e Lúcia achava que seguia, Sofia tinha que fazer uns investimentos. Resolveu ligar para a filha.

– Oi, Mãe, tudo bem?

– Oi, meu amor, tudo, me mande uma foto da sua namorada.

– Mãe, por favor, o que está acontecendo?

– Nada demais, eu quero comprar um presente para ela.

– Um presente? Você teve a conversa que você disse que iria ter?

– Tive, você sabe que eu fui procurar a Flora não sabe?

– Sei sim.

– Tudo muito triste, meu amor, muito mesmo, tantas coisas poderiam ter sido diferentes nessa história toda, mas ela me disse uma coisa: a sua história e a da sua namorada podem ser diferentes.

– Ela já está sendo, mãe. Vou mandar uma foto dela pra você pelo whatsap, posso chamá-la para almoçar conosco se ela tiver livre?

– Deve. Chegou em 40 minutos no máximo. Beijos

Um minuto depois, Lúcia abriu a foto que Sofia mandou, ela era uma mulher muito bonita e muito elegante, a foto tinha como fundo a Torre Eiffel, Marina estava toda de preto, vestido, casaco, meias pretas e um salto elegante, uma bolsa de mão, o cabelo muito bem penteado, uma maquiagem de bom gosto excepcional, estava junto com três homens muito bem-vestidos também, reconheceu Dom, quem seriam os outros dois? Provavelmente, os outros filhos de Flora tão bonitos quanto ela, a família era linda, realmente muito bonita.

Lúcia optou por uma jaqueta bomber clássica branca da marca, tão clássica e nada barata quanto a namorada de sua filha. Pagou todas as peças e solicitou o carro da loja, eram as vantagens de se gastar uma quantia considerável em menos de meia hora, os mimos, inclusive um motorista para deixá-la no Aquarela.

O bar estava fechado, mas Carlão já estava a sua espera, uma mesa posta para três lugares ao fundo, numa outra parte havia uma limpeza na mesa de sinuca e conversas pelo ambiente, o bar estava impecável, assim como Ida o mantinha, Lúcia teve orgulho da filha.

– Mãe, pelo amor de deus, eu não estou acreditando nisso.

– Minha filha, eu conheci hoje o irmão da Marina, eu já conhecia Flora e ela era elegante desde a época do colégio, se Marina for tão elegante quanto o irmão você tem que melhorar, por favor, eu fiz umas compras para você e eu realmente espero que goste e que use, essa sacola aqui comprei para Marina. Sofia sorriu com a gentileza da mãe. Pauline entrou no salão e abraçou Lúcia, disse que estava preparando um almoço delicioso a altura dela, Sofia riu e disse obrigada pela parte que a tocava, Marina chegou meia hora depois, tão chique quanto Lúcia imaginou.

Estava toda off White, com um cinto marrom Hermés, a bolsa da mesma marca, São Paulo não fazia frio, então não tinha casaco.

– Meu bem, esta aqui é a minha mãe, mãe, esta é Marina, minha namorada.

– Muito prazer, Dona Lúcia.

– Por favor, nada de Dona, o prazer é todo meu.

Marina estava um pouco apreensiva, as três se sentaram à mesa que já estava posta, Pauline veio dizer que o almoço seria servido em 15 minutos, mas mandaria uma entrada antes.

– Marina, não quero que fique nervosa com a minha chegada, nem com o que eu vou falar agora, mas eu gosto de franqueza, de falar as coisas, é importante as coisas serem ditas.

– Mãe, por favor!

– Fique tranquila, minha filha, eu conversei com sua mãe hoje de manhã; acredito que você imagine que sua mãe e eu precisávamos conversar antes do nosso encontro, não me entenda mal, mas Sofia é minha única filha e tudo que eu puder fazer para protegê-la eu farei.

– Eu entendo perfeitamente, mas não acho justo que eu e Sofia paguemos por uma história do passado, ainda mais como o passado tem se mostrado, eu realmente gosto bastante da sua filha.

– Eu sei, mas eu precisava conversar com sua mãe antes de tudo e eu lamento muito como a história dela e da minha irmã terminou, eu ainda estou processando todas as informações que eu tive acesso, também estou lidando com a culpa, que tratarei na terapia, quis conhecer você hoje, seu irmão me fez elogios intensos sobre você.

– Então, a senhora também conheceu o Dom!? Que manhã intensa, meu irmão é bastante intenso, não sei se a senhora me compreende.

– Seu irmão é tão educado quanto bonito, sua mãe fez um excelente trabalho, isso posso atestar olhando para você também, mas o que quero dizer é que você , que vocês devem viver esse relacionamento da melhor forma possível e eu não vou atrapalhar, longe de mim pensar em fazer alguma coisa ou dizer alguma coisa, sei que você trata minha filha muito bem, fazia tempo que não via os olhos dela brilhando tanto, o sorriso solto, eu quero agradecer a você por isso também, conte comigo e com o Oto, somos seus aliados.

Sofia estava rindo feito uma boba, Marina pareceu mais aliviada, as três se sentaram à mesa, havia água e um vinho branco refrescante, Lúcia havia pedido.

– Acredito que uma taça de vinho não seja um problema na hora do almoço, não é?

– Não mesmo, em Paris, a taça de vinho já faz parte do menu.

A entrada que Pauline preparou era um pão de fermentação natural com queijo brie e ervas finas regado no azeite e no manjericão, dos deuses, como tudo que a chefe francesa fazia. O almoço foi agradável, leve, Lúcia perguntou sobre o trabalho de Marina o que ela fazia, contou sobre o lançamento do CD de Oto e estendeu o convite para as duas fossem no lançamento que ocorreria dois dias antes do maior feriado americano depois de 4 de julho: o feriado de ação de graças.

– Você acha que consegue, meu bem, uns dez dias de férias para ir?

– Eu acho que consigo sim, tenho férias acumulados e, depois que assumi o cargo aqui no Brasil, não tirei nenhum período de férias, foi tudo muito intenso. Eu vou me programar, tudo bem?

– Nós ficaremos muito felizes com sua ida também, Marina, será um prazer receber você em nossa casa, Oto vai ficar ansioso.

– Eu realmente agradeço o convite, Lúcia.

O almoço realmente estava delicioso, o filé preparado por Pauline estava no ponto certo e de sobremesa uma mousse de limão com calda de cacau e praliné de castanhas, era pra comer chorando. Sofia foi até a máquina de café espresso, preparou três com os copinhos de água com gás e lascas de brownie, fez questão de levar até a mesa.

Enquanto Sofia estava na máquina, Lúcia se levantou e foi pegar a sacola de presente que tinha comprado para nora.

– Lúcia, meu deus, não precisava disso.

– Precisava sim, é uma forma de dizer que estou feliz e que tenho certeza que este namora me dará bons frutos, quem sabe uma neta ou um neto, um menino para alegrar nossas vidas, pedi a Sofia que me enviasse uma foto sua, quis conhecer você e o seu estilo, como deve ter percebido gosto tanto de moda quanto você, então, por favor, aceite.

– Muito obrigada, não sei nem o que dizer.

A sacola preta Versace foi entregue em mãos e Marina abraçou Lúcia, bem na hora que Sofia voltava com os cafés.

– Meu bem, eu quis impedir, mas não consegui.

– Tudo bem, eu estou somente um pouco envergonhada, já que não comprei nada para a sua mãe.

– Você me deu um presente mais valioso, o brilho nos olhos da minha filha, coisa que há tempos eu não via, muito obrigada.

Tomaram o café, Lúcia se despediu, iria encontrar Robson, mas antes revelou o convite que recebera de Dom.

– Meninas, esqueci de avisar, quarta a noite já temos compromisso, seu irmão Dom me convidou para um jantar na casa dele.

Marina se sentou. Em pânico, enquanto Sofia morria de rir.

– Meu bem, o que foi?

– Você escutou o que sua mãe disse? Que o Dom a chamou para ir à casa dele na quarta, não estou acreditando nisso, como ele faz isso sem falar comigo?

– Marina, Dom está tentando aproximar a família, ele deve ter sentido que minha mãe aceitaria, vou já enviar uma mensagem agradecendo a gentileza.

– Sofia, você namora comigo, ele não tem que ficar se metendo no meu namoro.

Sofia puxou Marina para o seu colo e a beijou, queria que sua francesinha se acalmasse. Deu certo.

– Dom quis ajudar, por favor, não brigue com seu irmão, as coisas estão dando tão certo, a reação da minha mãe foi a melhor possível, sabe o que ela me disse?

– O quê?

– Que eu tinha a obrigação de renovar meu guarda-roupa, porque você era chique demais para as minhas roupas básicas, chegou aqui com três sacolas da Versace que devem ter custado uma fortuna e disse que amanhã de manhã iríamos as compras.

– Você sabe que para mim você é perfeita né? Linda desse jeito.

– Eu sei, mas renovar meu guarda-roupa já estava nos meus planos mesmo, não namora com qualquer uma né? Namora com uma francesa que parece uma princesa de tão educada e chique que é. Você veio de carro?

– Vim sim, inclusive Carlão me deu um controle do estacionamento do bar, disse que ficaria mais fácil para mim e que não teria mais problema com estacionamentos quando quisesse vir ver você.

– Ele fez muito bem, você sabe que ele também é seu fã né?

– Graças a deus, porque eu precisei de pessoas me ajudando com você, você foi muito difícil.

As duas namoraram um pouco mais, Marina abriu o presente que ganhou de Lúcia e achou a jaqueta muito bonita, se despediram cheias de saudades e amor.

No bairro Santa Cecília, uma outra francesa acordava depois de uma noite insone, quando Lis Marie percebeu que Marina havia seguido em frente, um aperto em seu peito se formou, ela tinha certeza de que, quando voltasse para Paris, sua ex ainda estaria lá e solteira, mas tudo que imaginou não se concretizou.

Marina tinha sido diferente desde o começo, por isso foi Lis quem quis morar junto, foi fiel durante todo o relacionamento das duas, o que para ela era inimaginável, mas foi, e foi naturalmente, sem esforço, Marina era doce, clara, reta, amorosa, ética e linda. Todavia, entre as duas havia uma carreira que precisava se consolidar, Lis Marie não teve privilégios como Marina, galgou cada etapa da carreira com muito afinco, sabia que não podia perder aquela imersão, hoje, depois desses meses todos, sabia que tinha cometido dois grandes erros: não informar que tinha se inscrito para concorrer e não falar quando foi aprovada para a bolsa, tinha magoado sua francesinha meio brasileira.

Vendo aquela única foto, Marina parecia feliz, nada na legenda informava que a mulher era a sua namorada, mas os olhares não anunciavam outra coisa, também não havia marcação de um outro perfil, então Lis Marie não sabia quem era.

Levantou tarde, já era quase duas da tarde, além do fuso estava cansada mental e fisicamente, o airbnb que solicitou era completo, funcional e tinha uma localização excelente, não quis hotel, informou isso ao seu agente que prontamente providenciou tudo.

Fez uma pesquisa rápida e descobriu o endereço da empresa que Marina trabalhava, era a mesma só na filial do Brasil, tinha conseguido a informação através de um amigo que conhecia o irmão de Marina que ainda estava em Paris, pediu que ele sondasse despretensiosamente e assim a tudo que Lis Marie queria e podia saber sobre sua ex, ela sabia.

Preparou um café reforçado que seria um almoço também, não fazia calor, mas também o clima não estava tão ameno, optou por roupas claras, que eram poucas no seu guarda-roupa, uma calça jeans cintura baixa, uma camisa de botão branca, um tênis branco, básica e chique, os cabelos estavam maiores e eram lisos e pretos, queria parecer amistosa, nem sabia na verdade se Sofia iria recebê-la, mas sabia que ela valia o risco. E como valia.

Verificou o endereço novamente e colocou no aplicativo, a previsão de chegada era às 15:30, colocou a coragem no bolso e foi.

São Paulo era uma cidade incrível, Lis Marie já havia estado na metrópole há uns 10 anos, muita coisa tinha mudado e outras nem tanto, a avenida Paulista era uma delas, chegou ao seu destino, fez um cadastro na portaria e informou para onde iria, usou o nome e o sobrenome de Marina para informar quem estava indo ver, em nenhum momento houve dificuldades para entrar no prédio chique que guardava a sede da Pegasus no Brasil.

Os vidros do elevador panorâmico mostravam uma cidade em movimento e um sol que ensaiava a sua despedida diária, chegou ao andar e pediu para falar com Marina, foi direcionada a uma outra sala e lá uma outra secretária a atendeu.

– Boa tarde, senhorita, em que posso ajudá-la?

– Boa tarde, eu gostaria de falar com a Marina, por gentileza.

– A senhorita Marina está numa reunião, a senhorita deseja esperar?

– Desejo sim.

– Aceita uma água e um café?

– Aceito, muito obrigada.

Marina demorou exatamente uma hora, quando retornou a sua sala seguida de Ângela ainda discutindo sobre os demais projetos e uma outra feira, foi interrompida pela secretária.

– Senhorita, há uma moça esperando para falar, mas ela não tem horário marcado.

Quando Marina virou, viu Lis Marie clara como o sol sentada na sua recepção, ficou um minuto a olhando sem saber o que fazer, quando viu que a ex tinha travado, ela se levantou, se aproximou e perguntou se podiam conversar.

– Marina….

– Tudo bem, vamos entrar.

Marina foi em direção a sua mesa para se sentar, tomou um susto, não sentia mais paixão por aquela mulher, mas vê-la ali, não estava preparada.

– Fiquei com medo de ligar, você não me atender e proibir a minha entrada aqui. Nós precisamos conversar.

– Nossa conversa está atrasada meses, Lis, acho que não temos mais nada para resolver, tudo ficou muito bem resolvido quando você saiu do nosso apartamento sem me dar nenhuma satisfação, me largou como se eu fosse um objeto que não era mais útil, o que você está fazendo aqui?

– Eu vou expor aqui, estou numa grande turnê, o escritório que está cuidando de tudo é o do seu irmão e da sua mãe.

– Eu sei, eles me comunicaram e perguntaram se seria um problema eles cuidarem disso.

– Você respondeu o quê?

– Eu disse que por mim não haveria nenhum problema, que eles seguissem para a assinatura do contrato, pelo que entendi é um contrato grande, acho que todos merecem, inclusive você.

– Obrigada.

– O que você quer, Lis?

– Eu quero conversar.

– Eu não vejo mais motivo para essa conversa, mas pode falar.

– Você está namorando?

– É esse tipo de conversa que você quer ter? Perguntar se estou namorando?

– Desculpe, Marina.

– O que você quer?

– Quando voltei para Paris, você não estava mais na cidade, uns amigos em comum me disseram que você havia retornado ao Brasil com sua mãe e Dom, eu sou uma sobrevivente, Marina, você sabe um pouco do que tive que passar para chegar onde eu cheguei, eu não podia perder aquela oportunidade.

– Nesse ponto, eu concordo com você, não poderia realmente perder, mas poderia ter sido sincera, poderia ter me dito que havia se inscrito, que existia uma possibilidade de ir embora, eu pensei que nós estivéssemos bem.

– Nós sempre estivemos muito bem, não ter dito nada a você foi uma defesa da minha parte, não sei se seria viável para mim passar por esse processo de despedida, eu era apaixonada por você, as coisas não foram tão fáceis para mim também, eu já tinha me inscrito naquela bolsa sete vezes, somente na oitava eu consegui passar, justamente, depois que encontrei a minha pessoa, acho que não sou uma pessoa para ter tudo mesmo, sucesso no trabalho, fracasso no amor. Foi assim que eu me senti naquele ano que passei em Berlim, enquanto minha carreira e minha técnica voavam, meu coração tinha um tijolo de saudade no peito, eu sei que fiz você sofrer, eu quero me desculpar por isso, eu sei que fui uma canalha egoísta, mas eu também sofri, ainda sofro na verdade.

– Olha Lis, tudo isso passou, eu acho que nós seguimos a vida e eu realmente torço para que você consiga realizar tudo que sempre sonhou, você segue o seu caminho e eu sigo o meu.

– Eu quero tentar novamente, eu ainda sou apaixonada por você, Marina.

– Você quer tentar, mas eu não quero mais, eu estou muito envolvida com outra pessoa e estou bastante feliz, por favor, não insista nisso tudo.

– Quem é ela?

– Isso não diz respeito a você, eu acho que terminamos por aqui, se você me der licença, ainda tenho uma outra reunião.

– Enquanto você for o amor da minha vida, tudo sobre você diz respeito a mim.

– O mundo não gira em torno de você, Lis, por favor.

Marina estava parada na porta segurando para que Lis saísse, ela entendeu o recado, levantou-se, se aproximou de Marina e deixou um beijo no rosto, antes de ir disse a seguinte frase:

– A gente se vê!



Notas:



O que achou deste história?

5 Respostas para 28. PENDÊNCIAS EMOCIONAIS.

  1. o retorno de uma ex quase sempre é sinal de problemas espero elas consigam passar por isso incólumes

    • Oi Carla, espero que você esteja bem. Eu geralmente escrevo nas horas vagas e, neste último mês, ficou complicado para mim devido aos estudos e ao meu trabalho. Já retomei a história e um novo capítulo foi enviado.
      Obrigada pela leitura.
      Espero que goste desse novo.
      Abraços

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