– Flora, a gente precisa conversar direito, mas eu adorei o beijo.
– Quem é a gavião que está ali olhando pra mim com ódio?
– É a veterinária que eu contratei para cuidar dos nossos cavalos.
– Ah é!? Por que você não me apresenta?
– Flora, ela já estava de saída, por que não deixamos isso para outro momento?
Flora saiu e foi em direção à veterinária, deixando Simone parada, por pouco tempo, já que saiu logo atrás pra ver o que daria aquela apresentação.
– Oi, boa tarde, sou a Flora, sócia e namorada de Simone, muito prazer.
– Namorada!?
O “namorada” saiu da boca de Simone e da veterinária ao mesmo tempo, as duas ficaram surpresas. Flora olhou para a empresária séria, esperando o que Simone ia falar, cruzou os braços e ficou observando.
– Eu não sabia que você namorava, Simone, muito prazer Flora, estávamos aqui vendo as instalações para os cavalos, já tem o prazo da chegada dos dois?
Flora ficou olhando para Simone, até que a empresária resolveu falar.
– Rana, desculpe se houve algum mal-entendido, eu e Flora estamos namorando, podemos continuar as medições depois?
– Claro, muito prazer Flora, se me dão licença preciso resolver umas coisas ainda aqui na fazenda, até mais.
As duas observaram Rana se afastando, quando ela estava distante suficiente, Simone falou:
– Não sabia que estávamos namorando, até onde eu me lembro você foi super indelicada comigo e eu fui embora sem nem um pedido de desculpas.
– Simone, me desculpe, não era a minha intenção, mesmo, eu precisava resolver ainda algumas coisas, estou tentando e já arrumei algumas coisas, ainda faltam outras, mas a bagunça está controlada, eu senti sua falta.
– Nós estamos namorando?
– Depende!
– Depende de quê?
– Se você vai querer namorar com uma advogada confusa e gostosa. (Simone gargalhou.)
– Confusa, gostosa e muito modesta.
– Eu sei que sou gostosa, posso não ser muitas coisas, mas gostosa eu sei que sou e sei que você também me acha uma gostosa, você me disse enquanto fazíamos amor, esqueceu?
– Quer dizer que também fizemos amor?
– São muitas revelações em menos de dez minutos, eu estou realmente confusa, para além dessa confusão, nós precisamos conversar.
– Eu sei que precisamos, por isso estou aqui.
Simone dispensou o funcionário da fazenda que havia levado Flora, e as duas entraram no carro, antes de voltarem para a sede principal, a fazendeira precisava ir resolver um problema na plantação de café e arrastou Flora para apresentar o resto da fazenda.
Havia três hectares de plantação de café na parte mais alta da fazenda, Flora pôde perceber a diversidade de produção e do potencial da Fazenda Cariri, a ideia do Haras que Simone queria construir era genial, os animais iriam se adaptar muito bem ao local, principalmente pelo clima ameno. Depois do problema resolvido, Simone voltou pela parte de trás, até chegar em um lago e lá resolveu parar o carro para conversarem.
– O lago pertence a fazenda também?
– Pertence sim, pegaremos essa parte aqui de trás até chegar naquela outra parte para a área do haras.
– Esse lugar é lindo.
– Flora, você sabe que precisamos conversar.
– Simone, eu quero primeiro pedir desculpas pela minha grosseria, nunca foi minha intenção tratar você daquela forma, ainda mais você estando na minha casa, foi deselegante, rude, e você seria a última pessoa que eu gostaria de fazer aquilo. Esses dias estão sendo muito intensos, várias coisas aconteceram e eu repensei outras. Ter ido pra cama com você mexeu muito comigo, mexeu tanto que questionei algumas coisas dentro de mim, coisas que eu nunca sequer imaginei que pudesse questionar. Eu preciso me perdoar, preciso aceitar que fiz uma escolha e que Ida não está mais aqui para eu desfazer ou justificar tudo o que eu fiz, eu preciso parar de me punir. Eu ouvi isso do meu filho mais velho, da minha filha, da minha terapeuta e do meu coração, ouvi de todos eles já anteriormente, mas, meu coração, foi a primeira vez que ele falou comigo e foi a primeira vez que eu escutei e isso tudo foi por sua causa, pela noite que tivemos e por você que é uma mulher incrível. Quando eu percebi tudo isso, quis vir até aqui para deixar claro para você, eu ainda não estou totalmente curada, mas ter você comigo é um passo importante, eu tenho certeza de que estou apaixonada, só preciso acreditar que estou tendo uma nova chance para ser feliz, estou aqui pronta pra isso.
– Flora, eu não quero ser uma cura, não me entenda mal, eu sou uma mulher muito bem resolvida, independente e já estava conformada de não iria ter um relacionamento longo, apenas meus encontros esporádicos, Bené diz que casei com o trabalho, de certa forma, é verdade, eu e Ciço viemos de um lugar muito pobre, lutamos muito para chegar onde chegamos, é lógico que sinto falta de alguém, que gostaria de ter alguém, você é uma mulher incrível, é uma verdadeira gostosa mesmo, mas eu não preciso ficar passando por situações como eu passei essa semana.
– Simone, eu sei que meu crédito está baixo, porque não nos damos uma chance de ir nos conhecendo, só estou pedindo que não desista, o resto eu mesma faço.
– Você disse para a Rana que era minha namorada, Flora!
– Eu estou namorando você, você que ainda não está namorando comigo, por enquanto, eu sou tradicional, Simone, não sou mulher de ficar indo para cama sem compromisso, você não pode ir pra cama comigo e não ter nada comigo, para nós estamos em processo, para os outros namoramos.
Simone soltou uma gargalhada, decidiu ligar o carro e retornar à sede principal, foi calada até lá, Flora sabia que ela estava pensando em tudo e sabia também que havia um pé atrás, teria paciência, uma mulher como aquela não se deixa escapar assim.
– A Bené disse pra você que está tendo um evento na região?
– Disse sim.
– Pois é, eu vou a esse evento hoje a noite e quero saber se você quer ir junto, fica aqui na fazenda até quando?
– Fico até domingo, é claro que vou junto, não vou deixar minha namorada solteira nesses eventos, o que deve ter de mulher atrás de você, quero nem pensar, e, por favor, quando for me apresentar deixe claro para as pessoas que estamos juntas. Olha o que combinamos.
– Essa combinação é sua.
Simone recebeu um olhar que penetrou até a alma, Flora era valente, não precisou falar nada.
– Entendi, pode deixar. Se namoramos, vou pedir a Bené pra levar as suas coisas para o meu quarto.
– Que horas vamos sair?
– Sairemos às 19, tudo bem irmos na van da fazenda? Queria beber um vinho com você, Luiz também vai e mais algumas pessoas daqui também.
– Se vamos juntas, está tudo ótimo.
Chegaram ao café e Bené já sorriu, entregando que sabia que tudo tinha dado certo, porque Rana já passara ali dizendo que Simone havia ficado com a namorada.
– Meus parabéns pelo namoro, estou muito feliz. Devo imaginar que as coisas de Flora devam ser colocadas no seu quarto, né Simone?
– Isso mesmo, Bené.
– Que ótimo, porque elas já estão lá.
Nem uma nem outra estavam como fome, resolveram voltar para a casa para descansar pelo menos uma hora antes de saírem.
As feiras e os eventos os quais Flora estava frequentando por causa de Simone estavam dando a ela uma nova percepção do tempo e do valor das coisas. Durante anos, a advogada mergulhou no trabalho e na vida dos filhos como uma forma de sobreviver, de respirar, agora, tudo parecia um pouco diferente. Os filhos estavam crescidos, cada um com sua vida, dois já tinham retornado ao Brasil e dois ainda estavam em Paris, Flora acompanhava tudo de longe, falava com os dois filhos que ainda estavam fora, monitorava tudo à distância.
Arrumou-se para provocar, quando saiu do quarto, Simone não estava, terminou de se vestir, fez uma maquiagem leve, colocou uma calça jeans justa, uma bota de uma marca famosa, uma blusa branca e um lenço de cashmire caramelo, tão clássica quanto as marcas famosas que usava.
Depois de dez minutos, Simone entrou no quarto, pediu desculpa, tinha recebido uma ligação a respeito de um fornecedor da feira, havia um problema.
– Posso ajudar com alguma coisa?
– Existe um produtor que sempre pediu para eu incluí-lo nas feiras da fazenda, quando fôssemos fazer uma nova, mas ele está dando um pouco de trabalho, aparentemente, o contrato padrão que eu tenho da feira tinha uma brecha e ele está me pegando nela.
– Simone, não existe contrato padrão, não acredito que você trabalha dessa forma?
– Eu nunca tinha tido problema com isso, Flora, todo mundo aqui é conhecido, não estou acostumada a fazer negócios com gente assim.
– Onde está este contrato padrão? Ele vai expor o quê?
– Não quero que a gente veja isso agora, estamos atrasadas, amanhã ele virá aqui e nós falaremos, você pode me acompanhar nessa reunião?
– Claro que posso, por que você não toma seu banho, se arruma e, enquanto isso, eu leio esse contrato padrão? Nós podemos ganhar tempo assim, o que você acha?
Simone olhou para ela e a beijou, estava com essa vontade desde a hora que a viu descendo do carrinho de golfe, mas não queria ser assim tão fácil, mas Flora estava ali, sendo gentil e prestativa, cheirosa, toda estilosa, não resistiu, cedeu, como vinha cedendo há tempos quando se tratava de alguma coisa que envolvesse Flora Holanda.
Ligou o tablet com o contrato padrão foi tomar um banho rápido, Flora disse que esperaria na sala. Ficar no quarto tiraria sua atenção e não conseguiria sequer ler uma linha. A sala estava silenciosa, Bené e Ciço já tinham ido. Luiz apareceu logo depois, pronto, perguntou se Flora gostaria de uma taça de vinho e ela aceitou, começaram a falar sobre negócios e Luiz explicou um pouco mais sobre esse expositor.
– Minha tia tem essa cara de marrenta, mas tem um coração nobre e é ética demais, esse contrato padrão já tinha sido questionado pelo meu irmão mais novo que faz Direito, mas aqui, todos são conhecidos e cresceram juntos, menos esse cara, eu não gosto dele, aliás poucas pessoas o suportam, ele tem essas terras hoje, segundo a boca pequena que corre aqui, devido a um embargo em um leilão, ele teve acesso a informações privilegiadas e comprou as terras antes que elas entrassem em leilão. Sei disso porque o leilão já tinha sido anunciado e a fazenda estava interessada, mas no dia, elas já tinham sido vendidas. Ele também já foi flagrado roubando água da fazenda, as bombas eram ligadas à noite, um funcionário nosso ficou de tocaia e filmou tudo, minha tia devia ter ido à polícia, mas optou por conversar com ele.
– E seu pai, o que diz disso tudo?
– Meu pai não é administrador, é fazendeiro, homem da terra, para ele, essas questões não são levadas, ele não quer, sabe que existiu porque os próprios funcionários falaram, pediu que eu e minha tia resolvêssemos, não pense que ele não se importa, ele acredita que ela é muito mais competente para esses casos do que ele, e ele tem razão.
– Eu estava lendo o contrato padrão que Simone me mostrou, eu não sei o que ele está alegando, mas pela soltura dos termos e das cláusulas, ele pode alegar várias coisas, inclusive espaço, numa feira desse porte, pelo pouco que sei, o espaço é essencial para a visibilidade e o sucesso, de qualquer forma já vou fazer algumas alterações e amanhã ele virá aqui para conversar. Sua tia está bem chateada.
– Não foi por falta de aviso, ela foi alertada por todos nós, mas vamos ver amanhã o que isso tudo nos trará.
Simone chegou logo depois, linda e cheirosa, a van já estava lá fora esperando os três, Flora fechou o tablet e pegou sua fazendeira pela mão, orgulhosa que só ela, sussurrou no ouvido de Simone: “Você está lindíssima, como sempre.”
A sexta foi uma loucura para Sofia e Marina, os trabalhos insanos não deram tempo ao casal, mas, em meio a pequena lua de mel, Sofia sabia que teria que falar com os pais sobre o namoro, e ainda tinha a viagem, será que Marina podia ir? Vislumbrou a ideia.
As três máquinas da feira já estavam na Fazenda Cariri, Marina estava esperando a atualização a software e estava cuidando pessoalmente disso, tinha uma equipe brilhante, mas nunca se fez de rogada, ainda mais naquele contrato específico, sabia que tudo correria bem, mas o olhar aguçado lhe dava margem para possíveis erros, inclusive uma falta de energia, já tinha encomendado os geradores, três num total, mas eles ainda não estavam pela fazenda, só seriam levados na semana da feira. Chegou em casa tarde, por volta de 11 da noite, tinha uma mensagem de Sofia falando sobre falta e saudade, ela respondeu, tomou banho e capotou na cama.
O Aquarela estava concorrendo no concurso “Comida de Boteco”, já tinha sido premiado ano passado, neste ano, o bar concorria em duas categorias: melhor happy hour e melhor prato estrangeiro, com o famoso pinche nordestino que Pauline tinha criado: carne de sol, queijo coalho e melaço de cana vindo diretamente da Fazenda Cariri. Estava uma loucura, Sofia sabia que chegaria muito tarde, por isso quis poupar Marina, sua namorada estava cansada, estava num período de muito trabalho também.
Depois de uma noite exaustante, Sofia entrou em casa às 4 da manhã, tomou um banho e não ligou para Marina, viu a última visualização, devia estar dormindo, mas mandou uma mensagem cheia de saudade e confirmando toda a programação do final de semana. Lembrou dos pais, precisava falar sobre o namoro, sabia que a mãe ficaria incomodada, a conversa seria demorada, acabou dormindo com esse pensamento.
Marina acordou assustada, não sabia se já era dia, o quarto todo escuro impossibilitava essa visão, a francesinha tinha um problema de sensibilidade ocular, usava lentes de contato, os olhos estavam irritados, por isso, teria que deixá-las de lado um pouco esse final de semana, se deu conta que Sofia nunca a tinha visto de óculos, esta seria a primeira vez. Olhou o relógio, estava cedo e pegou o celular, tinha uma mensagem, abriu o aplicativo e viu a hora, ela realmente tinha chegado tarde, resolver não responder e esperar Sofia acordar.
Levantou-se, tomou um banho e um café preto rápido e desceu para o comércio do bairro, sua padaria, que não era sua, sua academia que também não era sua, mas malhou e foi à padaria tomar o café, comprou uns biscoitinhos para Ella e para sua namorada e voltou para casa duas horas depois.
Sofia despertou às 11 da manhã ainda com sono, ainda na cama, resolveu ligar para Marina.
“Oi, meu bem, você não me ligou por quê?
Eu cheguei tarde demais, mas mandei mensagem, você viu?
Vi, mas não quis acordar você respondendo. Muito trabalho ontem?
Trabalho demais, o bar ficou cheio, tinham os jurados e uma mesa grande com turistas de várias nacionalidades, estávamos lotados.
Deu tudo certo?
Tudo certo, mas teve gente que não conseguiu entrar, não sei se isso é bom ou ruim.
Isso é bom, Sofia, quer dizer que o bar está sendo reconhecido, há muita procura, pelo local e pelos serviços. Meu bem, que horas você quer que eu passe aí?
Meu amor, eu preciso só fazer uma ligação para os meus pais e depois vou me arrumar, onde vamos almoçar? Que roupa devo vestir?
Pensei em irmos num barzinho que tem feijoada e samba, você gosta? Lá é um local bem diferente, mas muito agradável, tudo bem pra você?
Tudo ótimo, eu preciso de duas horas, pode ser? Eu preciso falar com meus pais, Marina, será uma conversa relativamente difícil.
Será sobre nós duas?
Também.
Tudo bem, eu passo aí às 13 cheia de saudades.
Você não quer deixar o carro aqui e irmos de uber? Pelo menos é mais tranquilo se você quiser beber alguma coisa.
Tudo bem, acho uma excelente ideia.
Vou deixar sua entrada autorizada para estacionar na garagem e o código do elevador é 0207, tudo bem?
Tudo ótimo, chego jajá.”
Sofia estava realmente apaixonada, Marina era tão doce que escorria pelo seu coração, levantou-se, fez um espresso e ligou para os pais, não era o dia deles, então sabia que estranhariam. Sua mãe atendeu no terceiro toque, havia ligado por vídeo, queria ver a reação dos pais.
– Oi, mãe, tudo bem por aí?
– Oi, filha, tudo sim, seu pai está na loucura da estreia, você já sabe dia que você vem?
– Ainda não, mas devo passar pelo menos 20 dias estou com saudades, vocês voltam comigo para o Natal e o ano novo aqui no Brasil, não é?
– Vamos sim, que milagre divino foi essa dessa ligação hoje?
– Mãe, o papai está em casa?
– Está, a conversa é com os dois?
– Com os dois.
Oto chegou sorridente, dizendo que estava com muitas saudades da filha, saudades demais.
– Pai, mãe, queria conversar com vocês, eu estou namorando.
– Namorando? Minha filha, isso é maravilhoso, você está feliz?
– Muito feliz, mãe, eu nunca me vi num relacionamento assim, tem um pequeno detalhe que queria compartilhar, espero que isso não seja um problema.
– Detalhe? Que detalhe?
– Estou namorando uma mulher.
Os pais sorriram, Sofia namorar uma mulher não era um problema, pelo contrário, se a filha estava feliz, os pais estavam radiantes.
– Meu amor, isso não é um problema para nós dois, seu pai e eu queremos apenas que você seja feliz, não importa o gênero nem a orientação sexual, se for uma pessoa boa para você, que lhe trate bem e que a faça feliz, nós ficamos muito felizes também, quando vamos conhecê-la?
– Eu fico feliz, mãe, muito feliz, mas ainda existem outros pormenores que precisamos conversar em família.
– Diga, minha filha.
– Mãe, pai, minha namorada é a filha da Flora Holanda.
Nossa, que surpresa!
Meu Deus! Que loucura esse capítulo! Ansiosa pra saber como vai desenrolar a história