Sofia saiu em disparada da casa de Dominique, deixando a todos sem entender absolutamente nada, saiu confusa e chorosa.
Enquanto isso, na casa do primogênito da família Holanda, várias conjecturas eram levantadas. Marina ficou sem entender nada, tentou ligar várias vezes para Sofia, mas o celular só dava caixa, então resolveu enviar uma mensagem:
– Sofia, o que aconteceu? Estou preocupada, posso ajudar com alguma coisa?
Depois dessa mensagem, Marina mandou outras dez, elas foram sequer visualizadas.
Todos ficaram sem entender nada e preocupados, Sofia não fazia o perfil Lis Marie, como Dominique mesmo apelidou o comportamento impulsivo e sem noção da artista em alguns momentos os quais a família se reuniu e a ex de Marina se comportou de forma estranha e inadequada, como Dominique mesmo dizia: “Deselegante! Marina, você tem uma namorada deselegante!”
O pai de Marina se aproximou dela:
– Oi, filha!
– Oi, Pai.
– Como você está?
– Confusa. Sofia não parece ser o tipo de mulher que tem comportamentos assim, alguma coisa grave deve ter acontecido para ela sair, eu já perguntei a Dominique, mas ele me jurou que estavam apenas conversando sobre as fotos do mural e ele não disse nada demais. Apesar de tudo, eu acredito nele.
– Minha filha, Dominique tem esse jeito brincalhão, mas tenho certeza que ele não disse e nem fez nada que justificasse esse comportamento de sua amiga, ele, diferente do pai dele, é um perfeito cavalheiro em todas as horas.
– Você também é, pai.
– Não sou, estou tentando recuperar o tempo em que não fui e acredite não é nada fácil, eu errei muito nessa vida, Marina, posso dizer que errei por amar demais, mas nada justifica o que eu fiz, mas isso é passado. Porque não dá o tempo que ela precisa, depois você volta a procurá-la?
– Como assim errou? O que aconteceu, pai? Eu não sou boba e lembro perfeitamente das brigas que o senhor tinha com o Dominique, eu era pequena, mas lembro bem, minha mãe sempre chorava nessas horas, é sobre isso que o senhor está falando?
– Minha filha, não se preocupe com isso agora, tudo foi resolvido, veja onde estamos?
– Estamos juntos, mas sem minha mãe, desde que se separaram nunca mais vocês estiveram no mesmo local, sei que alguma coisa aconteceu, não sei que o quê, mas sei. Foi outra mulher, pai?
– Outra mulher? Minha filha, meu amor pela sua mãe é singular, não existiu, nem existe, nem existirá uma mulher sequer que chegue aos pés dela, meu coração sempre fora dela e sempre será, mesmo estando separados. Aliás, hoje sei que amar demais também tem a ver com deixar o outro ir. Foi o que eu fiz com a sua mãe, a deixei ir, mesmo tarde demais.
– Tarde demais, por quê?
– Um dia, minha pequena, um dia sua mãe conta tudo a você. Por ora, acalme seu coração, essa moça bonita que saiu daqui apressadamente, deve ter tido um bom motivo para ter feito isso, dê espaço a ela e a procure depois, com certeza, ela deve lhe explicar o que aconteceu.
Marina agradeceu ao pai as palavras, ele nunca fora afetivo dessa forma quando se tratava de mulheres, não que ela tivesse tido muitas, mas foi a primeira fez que o Senhor José Leopoldo se portou dessa forma.
Marina ficou pensativa, sentada à beira da piscina, só despertou quando Ella agarrou seu pescoço e a abraçou. A pequena cheirava a chocolate e a biscoito, era cheiro de felicidade e amor, foi o que Marina pensou.
– Oi, meu amor, vai tomar banho já?
– Tia, você está triste?
Marina ainda se impressionava com a ligação entre as duas, por mais que se mostrasse bem, Ella sempre a colocava no bolso, no bolso do amor.
– Um pouquinho, meu amor, só um pouquinho, mas já vai passar.
– É por causa da Tia Sofia?
– Também.
– Ela vai voltar, tia.
– Como você sabe, meu amor?
– Ela não é seu amor? Papai disse que ela seu amor, então!? Amor sempre volta pra gente, minha mãe sempre diz isso.
– Ella, você parece uma filósofa.
– Isso é o quê?
– Isso é uma pessoa muito, muito, muito inteligente.
– Ah isso sou mesmo, todo mundo diz isso.
– Você é filha de Dominique mesmo, não tem nem como negar.
Marina pegou a sobrinha no colo e a levou para dentro, pediu a cunhada para dar banho e colocá-la para dormir, quem sabe assim o seu coração não se acalmasse e ela ficasse menos apreensiva e nervosa. Ainda não tinha convivido com Sofia o suficiente, mas sabia que essa saída tinha algo a ver com um problema sério, só não sabia se esse problema era com ela, com a família de Marina ou com a própria Marina.
Resolveu pensar em Ella, já que morria de amores pela sobrinha, o banho foi uma diversão só, havia brigadeiro no cabelo e entre as pequenas unhas, as duas cantavam alto no chuveiro a música de Frozen, o Let It Go era ouvido para além daquelas quatro paredes. Dominique sorria, enquanto guardava algumas coisas, mas sabia que o coração da irmã estava apertado.
Depois de Lis Marie, essa tinha sido a primeira vez que Marina havia trazido alguém para conhecer a família, e se Dominique a conhecia bem, Sofia era importante, muito importante.
O banho e a hora de ninar entre tia e sobrinha transcorreu no maior amor possível, quando desceu as escadas, encontrou o irmão de banho tomado e bebendo chá, era um contraste incrível, Marina amava o irmão e sabia que não iria conseguir escapar de uma conversa franca.
– Oi, meu bem!
– Quando você me chama de meu bem, você quer alguma coisa, Dominique, pode falar logo que estou cansada e preciso ir embora.
– Antes de mais nada, não quero nada, apenas amor fraterno, muito amor.
– Dominique, como você é carente, meu deus, não sei como sua filha e sua mulher aguentam você.
– Da mesma forma que você e mamãe me aguentam, me amando.
– Sei. Realmente preciso ir embora, estou cansada, amanhã vou trabalhar em casa, tenho pendências para resolver, tive que viajar para reuniões, a Pegasus ganhou uma licitação enorme e estou trabalhando dobrado.
– Você vai dormir aqui, maninha. Priscilla já arrumou o quarto de hóspedes e separou uma roupa, também fiz chá, temos toalhas limpas, lençóis limpos e amor, muito amor. Ah, ia esquecendo, já tranquei o portão e amanhã de manhã vamos todos tomar café naquela padaria que você e Ella adoram. Bem, agora, podemos conversar e você pode desabafar neste ombro que já está acostumado, ou você pode ficar com essa cara de emburrada como está agora e ir dormir. E aí? Decidiu o quê?
– Você não manda mais em mim, Dominique, sou uma mulher criada e me sustento, tenho direito de ir e vir, eu decido quando fico e quando saio.
– Já vi que está revoltada, bem, diante dos fatos apresentados e do comportamento birrento, levantar-me-ei e irei para o meu recinto, até amanhã!
– Você é muito cara de pau, Dominique, meu deus! Fico me perguntando como sua mulher aguenta você, não estamos em um filme que você pode escrever o roteiro, você não é o senhor de tudo e das coisas.
O irmão mais velho de Marina parou quase no meio da escada e virou para uma irmã caçula chorosa e disse simplesmente isso:
– Eu amo você, descanse, amanhã conversamos.
E foi assim, que a casa que transmitia um final feliz, parecer triste demais para Marina. Sentou-se, resolveu pegar o chá que o irmão preparou e pensou. Pensou no que poderia ter acontecido, pensou no comportamento de Sofia, pensou na sua vida, no sucesso profissional, pensou nas palavras de seu pai, pensou na sua mãe e fez uma anotação mental de procurá-la amanhã.
Depois de pensar e cansar de pensar, decidiu subir e dormir com a sobrinha, recusou o quarto de hóspedes, pegou a roupa de dormir, tomou banho com shampoo e condicionador Johnson e deitou com Ella, dormiu nos braços de quem amava naquela noite.
Um pouco distante dali, Sofia estava sentada na sala do apartamento de Robson sem saber o que dizer e como dizer. O Tio postiço já estava pronto para sair e ainda não havia entendido muito bem o que tinha acontecido.
– Sofia, você precisa me dizer o que houve. Estou desesperado já, foi aquele traste do Rodrigo? Ele fez alguma coisa com você? Bem que eu disse que devíamos procurar a polícia e pedir uma medida protetiva, falar com um advogado, mas a senhorita não quis, eu disse, Carlão disse, todo mundo disse.
– Não foi nada disso, Tio. É outra coisa que aconteceu.
– Pois desembucha antes que eu tenho um filho parido aqui.
– Homens não podem parir, Tio.
– Mas do jeito que estou, isso não seria impossível para mim, você precisa ver o boy lindo que conheci essa semana, inclusive ele está me esperando para jantarmos, veja bem, eu não disse boate, sexo ou motel, eu disse jantar, você sabe o que isso significa?
Sofia conseguiu dar um leve sorriso, Robson vivia sonhando com um amor de filme, mas era um bon vivant, mal conseguia permanecer na mesma cama por uma semana, quanto mais marcar jantar num sábado à noite.
– Eu fui pra cama com uma mulher!
– Jesus, Maria, José! Deus é mais! Muito obrigado, Deus, minha sobrinha atravessou o vale, Ô glória!
– O problema não é esse, o problema é outro.
– Qual o problema, então? Você não gostou?
– Eu amei, foi o melhor orgasmo que senti na minha vida. O problema não é esse.
– Eu já estou quase tomando um calmante, desembucha, Sofia, pelo amorrrrrr…..
– Ela é filha da Flora Holanda.
– Como é que é?
Robson caiu duro no sofá com a boca aberta. Passou um filme bem rápido na sua cabeça ao ouvir a revelação da sobrinha, ele ficou atônito, sem saber o que dizer e sem acreditar na peça que a vida estava pregando entre as duas famílias. Parecia coisa de filme e se o tio de Sofia tinha uma imaginação fértil para construir histórias de amor com finais felizes, nunca sequer passou pela sua cabeça esse tipo de enredo que sua sobrinha estava lhe contando.
– É isso mesmo! Eu acabei de descobrir, por isso pedi a foto. Quando eu vi as imagens mais antigas da mãe da Marina, achei que a conhecia de algum canto, havia uma memória vaga e me lembrei de uma foto que encontrei na gaveta da minha tia depois de sua morte. As fotos eram de épocas diferentes, por isso pedi que me enviasse as informações e quando Dominique me disse o nome de sua mãe, a ficha caiu na mesma hora, eu ainda não posso acreditar que isso seja verdade.
– Quem é Dominique? Você não disse que tinha dormido com uma mulher? Você um ménage? Ainda bem que estou sentado, olha, Sofia, eu sou muito aberto para essas coisas, mas nunca imaginei que você toda certinha iria para a cama com duas pessoas ao mesmo tempo, estou chocado, é muito informação para mim ao mesmo tempo, preciso de uma bebida.
– Tioooooooooo, pelo amor de deus, não foi nada disso que aconteceu, por favor, não dificulte as coisas, Também quero uma bebida urgente.
– Eu vou abrir uma garrafa de champanhe, perder meu jantar com o possível home da minha vida, porque sei que você deve estar muito confusa depois de um ménage, meu deus, estou chocado.
Sofia não parava de balançar a cabeça e observou o tio ir em direção à cozinha e gritou:
– Eu não fiz um ménage…..
Minutos depois, Robson entrou na sala com um balde, duas taças e uma garrafa de champanhe, sua curiosidade chegou antes, bem antes dele e já anunciou que tudo deveria ser contado nos mais ínfimos detalhes, ele não queria e nem poderia perder nada.
– Pronto, pode começar, quero saber de tudo.
– Eu estava numa sexta no bar e recebi um bilhete diferente. Eu não costumo dar bola a esse tipo de cantada, mas esse era diferente. A letra era diferente, parecia uma letra feminina, mas não estava assinado, então não tive certeza de que era mesmo de uma mulher, resolvi guardar. Eu só sabia que ele tinha vindo da mesa de sexta.
– Mesa de sexta?
– É, é o apelido que dei a uma mesa de amigos que todas as sextas-feiras frequentam o Aquarela, eles aparecem para o Happy Hour, são assíduos, têm dias que a mesa possui mais de 20 pessoas, às vezes, pode chegar a umas 30, enfim, eles sempre estão pelo bar às sextas. Quando recebi a conta naquela sexta o bilhete veio junto. Na semana seguinte, eu a conheci, nós nem chegamos a nos falar, mas a forma como ela me olhou eu deduzi que seria ela. Uma mulher muito chique, sempre bem vestida e ela me olhava de um jeito diferente, me dava arrepios, conversamos um pouco. Fui convidada para uma exposição, depois jantamos. A conversa fluiu perfeitamente, era leve, agradável, Marina é muito interessante, viajada, culta, gosta de arte, minha tia Ida teria adorado ela, você também.
Depois de alguns desencontros, de uma aposta que ganhei no jogo de dardos, eu a convidei para dormir no apartamento, ela estava cansada, tinha chegado de viagem e tinha ido trabalhar, já era tarde, não fizemos nada, apenas dormimos, mas quando o sol iluminou o quarto e eu a vi na claridade, meu corpo se arrepiou inteiro. Fiquei olhando pra ela sem parar, acho que olhei tanto que a fiz acordar. Bem, ela acordou e fizemos sexo, amor, sentimos prazer, e eu adorei, amei, foi maravilhoso. Devo confessar que ela me surpreendeu, eu nunca imaginei que ir para a cama com uma mulher poderia me fazer sentir tudo que senti com Marina, ainda estou magoada depois do Rodrigo, fechada para balanço, mas Marina apareceu.
– Mas, me diga como Dominique foi parar na cama de vocês duas?
– Tio, pelo amor de deus, Dominique é o irmão de Marina e ele é casado e tem uma filhinha, de onde você tirou esse absurdo de ménage?
– Você que falou que Dominique tinha aparecido, eu imaginei que você tivesse quebrado todas as barreiras de uma vez só. Mas pelo visto, você só foi para cama com uma mulher mesmo, não que eu não tenha ficado feliz de você ter feito a passagem para o vale, pelo contrário, estava mais do que na hora de você ser feliz, mas continue….
– Depois de nossa manhã de amor, Marina disse que tinha um compromisso de família que não poderia deixar de ir: um churrasco na casa do irmão. Ela me convidou e eu acabei aceitando. Ele mora numa casa linda em Pinheiros, a família é muito agradável, ele tem uma filhinha linda, superinteligente, um amor. Na casa, há um mural gigantesco, com mais de 300 fotos, é tipo uma história deles contada através das imagens, quando me aproximei para ver o mural de perto, reconheci a imagem de Flora e foi neste momento que entrei em contato com você. Eu fiquei tão atordoada que saí correndo da casa do irmão de Marina, mal falei com eles, não me despedi dela de forma adequada, todas devem estar me achando louca, mas fiquei tão impactada que resolvi vir aqui.
Você nunca me contou direito o que aconteceu entre a Flora e minha tia, além de saber que o coração dela foi despedaçado, o que realmente aconteceu?
– Sofia, eu sei muito pouco sobre essa história, sua tia se fechou de tal forma, que não podíamos nem mencionar o nome de Flora na frente dela. O período em que elas viviam juntas foi conturbado, eu mesmo enfrentei problemas, fui ameaçado de ser preso, tive colegas que sumiram, o país ainda flertava com a ditadura, já existiam movimentos para a redemocratização, mas ainda estávamos no começo. O que posso dizer a você é que num dia de semana, o pai de Flora chegou de surpresa no apartamento em que as duas dividiam e percebeu que havia algo mais ali. Depois, ele falou com meu tio, seu avô e ameaçou, mas não sabemos realmente o que houve, porque isso nunca foi verbalizado. Na semana seguinte, Flora arrumou todas as coisas e foi embora, deixou uma carta para a Ida e nunca mais as duas se viram.
No mês seguinte, uma foto em um jornal foi publicada numa coluna social, era o casamento de Flora Holanda com José Leopoldo, depois que a festa aconteceu, eles foram embora do país e fincaram residência em Paris, cidade que receberia uma sede dos negócios das famílias dos dois. Sua tia perdeu o brilho, a vontade de viver e o amor, nunca mais se recuperou e nunca mais abriu a boca para soletrar o nome Flora. Isso é tudo que eu sei.
– Deve ter acontecido alguma coisa, porque se elas se amavam da forma que você disse, nada justifica isso que aconteceu.
– Meu bem, nem todo mundo tem a coragem de ser o que deseja, as pessoas funcionam de forma diferente, se mostrar e mostrar um amor que fere os padrões pseudomoralistas de uma sociedade militar é extremamente complexo. Não estou defendendo a Flora, pelo contrário, eu sei que Ida foi atrás dela e a chamou para fugir e ela não quis, disse que era necessário casar, deixou sua tia arrasada. Ida apenas me disse uma única vez: “Nunca ame uma pessoa covarde.”
Sofia ficou arrasada, lembrar-se da tia sempre era doloroso, saudoso, sabia que Ida tinha sofrido, havia dores físicas, mas as dores da alma eram insanas e intensas, muita gente acreditava que o câncer de Ida era o resultado de uma tristeza que nunca foi suplantada pela a alegria, e isso fazia mal, muito mal.
Sofia olhou o celular, estava cansada, apreensiva, todas as defesas que criara para se resguardar do amor, haviam se dissipado no primeiro beijo de Marina. E agora? O que faria? Resolveu desligar o celular e ir para casa, dormir, tomar um banho e pensar, coisa que Marina tinha feito, mas que não chegara a nenhuma conclusão.