POR ƉIANA ŘOCCO
Revisão: Carolina Bivard, Isie Lobo
Cartografia: N. Lobo
Mapa de Âmina
>>> III <<<
Os seios fartos pendiam levemente para baixo, como lírios orvalhados. O busto e os ombros mostravam ossos e carnes num equilíbrio que qualquer esteta enalteceria. Tinha a pele pálida e suave, acetinada, descendo com formosura do pescoço ao quadril, passando em uma perigosa curva pela cintura, para em seguida enovelar-se em um umbigo aparentemente esculpido por artesão. Finalmente o conjunto desaguava naquele triângulo perfeito, mata levemente acobreada, exatamente como a vasta cabeleira que descia volumosa, escondendo-se em suas costas. A partir daí, sua tez delicada ganhava volume nas ancas, escorrendo como cascata pelas coxas grossas e as pernas bem torneadas. Nenhum detalhe escapou de meus olhos sedentos, nem mesmo seus pequenos e delicados pés, firmemente plantados no solo. Que contraste! Matilde firmemente plantada em suas pernas e eu completamente sem chão.
Seu sorriso malicioso e a pele fresca convidavam-me para prazeres proibidos. Saí de casa sem destino e aquilo superava até a mais otimista expectativa. Fiquei parada, não sabia o que fazer. A mulher se aproximou com experiência e acariciou levemente meu rosto. Depois chegou seu rosto junto ao meu até que nossos pulmões estivessem envoltos no mesmo ar. Com delicadeza sua boca envolveu a minha. Puxei-a contra meu corpo e deixei que a língua conhecesse os sabores do céu da boca de Matilde e, rodopiando naquele abraço, nos lançamos na cama para o que seria o início de uma tórrida amizade.
Afoguei minhas mágoas nas curvas de seus seios, protegi meus medos no calor de sua pele. Como se conhecessem de cor esses caminhos, minhas mãos dançaram em toda a extensão de seu corpo. Minha boca escorreu de desejos por seu peito, barriga, coxas, ventre. E a cada carícia ela arfava sem pudor, aumentando mais e mais meu entusiasmo, minha ânsia de devorá-la.
Quando seus dedos cavaram espaço pelo pano e arranharam maliciosamente minhas costas, foi minha vez de uivar em delírio. Com astúcia e experiência, suas mãos desataram a faixa de minha cintura e, uma a uma, minhas peças de roupa vazaram para o chão. Então, pele sobre pele, fomos tão somente duas mulheres freneticamente saudando a primavera.
Especialmente treinada para a guerra, aprendi finalmente as artes do amor. E adormeci nos braços de Matilde como se essa fosse minha cama de uma vida inteira.
Como mensageiro alado, um pássaro solitário pousou em nossa janela. Seu canto me despertou e, desorientada, afastei a cortina que escondia a vidraça. O telhado afogueado do casario me fez compreender que o sol nascia. Definitivamente eu estava encrencada.
Aos tropeços recolhi minhas roupas espalhadas pelo chão e tentei vestir-me às pressas. Meus movimentos atrapalhados despertaram Matilde, que buscou me recolher novamente em seus braços.
— O alarme vai soar. Preciso ser rápida ou teremos encrencas graves pela frente.
— Alarme? Estamos em guerra e eu não sabia?
— Não. Mas estaremos tão logo os serviçais deem pela minha falta no castelo.
A melodiosa gargalhada de Matilde encheu o quarto, e meus sentimentos ficaram entre o seduzido por seus modos sensuais e o ofendido pelo desprezo de minha importância.
— Não estou brincando. Os criados têm ordens de tocar os sinos se não me encontrarem em minha cama ao amanhecer. Norma antissequestro. Meu pai é perseguido por esse medo constante. Nunca me importei porque pra mim tanto fazia, eu sempre estava em meu quarto mesmo. Mas agora é diferente.
Terminei as últimas palavras junto com a amarração de minha bota de montaria e soprei um beijo ao vento na direção da mulher que me acolhera em seus braços. Na pressa não observei que minha faixa encarnada ficou caída em um canto do quarto. O troféu de Matilde.
A sentinela estava encostada preguiçosamente no muro do castelo, o portão aberto como convite. Entrei num galope apressado provocando gritos dos vigias da murada. Ao longe alguém gritou meu nome e o burburinho dos soldados parou. Os primeiros raios de sol varriam as paredes do castelo, enquanto eu aproveitava as sombras para me aproximar da cozinha. O cheiro de massas quentes chegava ao jardim e meu estômago doeu ao reconhecer o aroma do bolo de chocolate que eu tanto amava. Entrei apressadamente pela porta de serviço sem me importar com os olhos curiosos da criadagem e sem dar ouvidos aos apelos de meu estômago. Em passos rápidos e silenciosos, de quem foi treinada na arte de ser furtiva, passei pela antessala e pelo saguão principal, subindo a escada de dois em dois degraus. Cheguei a meu quarto no instante em que a pajem, apavorada, certificava-se de minha ausência.
Temi pelo grito que daria ao me ver entrar, furtivamente, na penumbra. Aproximei-me então com cautela e a segurei por trás, tendo o cuidado de tampar sua boca com firmeza. Nesse movimento trouxe seu corpo contra o meu, o aroma natural de sua pele tocando meus instintos, seus cabelos macios chicoteando meu rosto enquanto ela tentava, selvagemente, soltar-se.
— Lara, calma! Sou eu, Aléssia! Pare com isso!
Precisei lhe chamar à razão várias vezes, até que ela parasse de espernear. Mesmo assim demorei um pouco para soltá-la, mais pelo desejo de sentir sua pele junto da minha do que por medo de que gritasse.
— Não grite, Lara, está bem? Preciso da sua ajuda. Vou te soltar mas, por favor, não grite, apenas se vire, vou lhe explicar o que está acontecendo. Posso lhe soltar?
Ela acenou positivamente e virou lentamente o corpo, pálida de medo.
— Perdoe-me, não quis assustá-la, mas tive medo de que você não me reconhecesse e gritasse.
— Alteza! Quase me mata de susto! Onde vai com essas roupas de montaria logo cedo?
— Não vou, estou vindo. Não dormi em meu quarto, Lara.
A aia me olhou com eto, o temor estampado no rosto.
— Se o Rei descobre!…
Fiz um sinal pedindo silêncio
— Ele não vai descobrir se você não falar nada. Posso contar com sua ajuda, aia?
A garota me olhou apavorada.
— Mentir para o Rei?
— Não mentir. Omitir.
— Todo dia ele me pergunta se estava tudo bem quando entrei em vosso quarto, Alteza.
— Simplesmente diga que estava tudo bem, porque essa é a verdade. Você não estará mentindo.
— Mas e se ele descobrir…
— Se ele descobrir lhe defenderei pessoalmente, Lara.
A jovem olhou para o chão e soltou um profundo suspiro. Achei que buscava coragem para dizer algo. Talvez se sentisse sem saída, sem saber a quem dedicar sua lealdade, pai ou filha. Não sei se pela maneira inusitada com que me aproximei, ou se pela franqueza com que lhe pedi ajuda, ela me olhou diretamente nos olhos, como os criados nunca fazem, e disse com uma voz que, apesar de firme, revelava apreensão:
— O Rei é cruel, Princesa, ele castiga com muita determinação quem não lhe obedece cegamente.
— Não é verdade! Não diga isso, Lara! Conheço meu pai melhor do que ninguém. É um homem justo e bondoso.
Os olhos dela brilharam com um misto de raiva e compaixão. Tive mesmo a impressão de que me olhava com pena. Abaixou o rosto e seu tronco arfou em um suspiro resignado.
— Farei isso pelo carinho que lhe tenho, Princesa.
— Obrigada, Lara. Mas é um pouco mais o que estou lhe pedindo.
Minha aia não esperava por isso. Os olhos castanhos enevoados por uma indisfarçável preocupação. Segurei-a pelos ombros, dando-lhe coragem.
— Lara, quero combinar um código com você, um código que só nós duas vamos conhecer. E toda vez que eu o usar você saberá que não dormi em casa, mas que estou bem e que você não deve dar o alarme de minha ausência.
— Não dar o alarme? Mas, Alteza…
— … não dar o alarme, exatamente isso. E não se preocupe porque ninguém notará minha ausência, estarei no café da manhã como se nada tivesse acontecido. Apenas preciso que, caso eu me atrase alguns minutos como hoje, meu pai não seja alertado sem necessidade. Entende Lara?
— Alteza… eu…
Seus olhos estavam tão repletos de aflição, que senti pena. Lara era alguns centímetros mais baixa do que eu. Tentei adivinhar quantos anos teria.
— Compreendo sua aflição, querida, mas estará tudo bem. Acontece que… que já sou grande o bastante para ter uma vida pessoal, embora meu pai não me compreenda.
Segurei gentilmente seu queixo e trouxe seu olhar mais para dentro do meu. Tinha lábios bem delineados, provocativamente carnudos e chegaram a me distrair por um segundo. Mas retomei o raciocínio a tempo de não deixar transparecer meus sórdidos pensamentos:
— Sou jovem, Lara, gosto da vida, quero viver…
Seu rosto se iluminou em um sorriso.
— A Princesa está amando?
Sorri com cumplicidade e ela quase gargalhou de alegria, mas já no instante seguinte seu rosto entristeceu novamente.
— Mas a Princesa é prometida! A Princesa não pode… Ah, Alteza! Não faça nada errado, não faça nada de que vai se arrepender depois. Porque, se não tomar cuidado, não vai poder esconder isso de seu marido. E quando seu pai souber a punida serei eu, certamente.
— Deixe de besteira! Não estou prometida coisa nenhuma. Sou a futura Rainha e faço o que bem entender. E vamos deixar de prosa, preciso descer para o salão. Ajude-me a trocar de roupa, rápido.
A jovem criada me obedeceu e, como sempre, despiu minhas roupas e me ajudou a vestir camisa e calças limpas. Mas dessa vez os toques involuntários em minha pele pareceram estranhamente provocativos.
— Há quanto tempo você trabalha na casa, aia?
— Desde que minha avó ficou velha demais para lhe prestar serviços, Princesa.
— Você é neta de Carmem?
— Sim, Alteza. E estou a seu serviço há pouco mais de um ano.
— E não trabalhava em outra função antes?
— Não, Alteza. Minha avó me preparou para que pudesse servi-la quando ela precisasse parar.
Muitas perguntas passaram por minha cabeça, um desejo de conhecê-la melhor. Cresci conversando com os criados, lidando com eles, mas nunca pensava neles realmente como algo a parte de minha vida, como pessoas com vidas próprias. De certo modo, eles eram para mim aquilo que pareciam ser para meu pai: partes do mobiliário.
— Mas você cresceu nos muros do castelo, não é? Quer dizer, viveu no povoado?
Ela acenou que sim, mas parecia confusa, sem entender o motivo de minhas perguntas. Nem eu as entendia, na verdade. E já estava atrasada para o café da manhã. Dispensei a criada e desci às pressas.
Encontrei meu pai em seu lugar no salão principal. Desde que me tornara conselheira essa era minha nova rotina. Sentia falta do calor dos fornos e da conversa das criadas, do cheiro dos ingredientes frescos, do aroma da comida sendo preparada. A mesa do salão era sempre asséptica, embora apetitosa. Mas aquele excesso de coisas limpas, de louças excessivamente decoradas, de vasilhas meticulosamente organizadas, aquilo me cansava. Gostava do caos apetitoso da cozinha, do ambiente festivo da criação de todas aquelas saborosas obras de arte.
O Rei Aran estava particularmente silencioso nesse dia, o que me poupou conversas para as quais eu não teria nenhuma condição. Meu espírito ainda vagava no corpo de Matilde e precisei me policiar para não deixar nítido no rosto minha expressão de maravilhamento.
O resto do dia foi um atormentado esforço para dar conta de minhas atividades corriqueiras. Precisei de toda a minha determinação para domar com pulso firme a concentração, que se interessava por um único assunto: Matilde. Eu não confessaria isso nem a mim mesma, mas já sonhava com o momento de revê-la.
Sim, porque em momento algum passou por mim o pensamento de que não haveria uma segunda vez. E uma terceira. E muitas, muitas outras vezes. A importância de meu cargo, no entanto, me fez precavida o suficiente para adiar por alguns dias uma segunda empreitada ao Círculo Intermediário.
Uma coisa não era possível negar: meu espírito havia sofrido profunda transformação com aquele episódio. Passei a me interessar mais pela vida dos criados. E a admirar com mais intensidade as mulheres que circulavam pelo castelo. A rotina ganhou novos coloridos graças a esses interesses e meu sofrimento por Amaryllis começava a me incomodar menos. Conquanto ainda me pegasse suspirando por ela uma vez ou outra, pensar em Matilde era um antídoto que surtia efeito mágico.
O perfume das flores estava mais intenso, na tarde em que resolvi procurar Matilde novamente. Nove dias corridos após o primeiro encontro, deixei uma rosa vermelha sobre a cama, conforme combinado com Lara, e vesti novamente minha roupa de montaria. Saí como se fosse a um passeio vespertino corriqueiro. Meu instinto dizia que não era bom que meu pai conhecesse meu destino e por isso tomei algumas precauções. Cavalguei num galope macio em direção ao oeste e, quando estava suficientemente afastada da casa principal, fiz a volta em direção ao portão leste. O sol pintava de amarelo a muralha quando me aproximei da passagem. Dessa vez as sentinelas não ofereceram resistência e, tão logo me vi no meio do povo, desmontei Amora. Puxando-a pelas rédeas caminhei de cabeça baixa, fazendo o possível para passar despercebida.
Tive alguma dificuldade para encontrar a rua correta, o que significa que me perdi por duas ou três vielas antes de encontrar meu destino. O cheiro de comida sendo preparada saía pelas janelas estimulando o apetite. Crianças brincavam por toda parte, o que fazia do vilarejo um lugar alegre. Agora que tinha me afastado do movimento da rua principal andava de cabeça erguida, analisando com cautela o caminho antes de me aventurar por ele.
Reconheci a casa avermelhada tão logo a vi. O coração saltou pela garganta num nervosismo que eu desconhecia até então. E pela primeira vez me ocorreu que talvez ela não quisesse me ver novamente. O pensamento foi tão forte que parei nas proximidades, incapaz de dar um único passo. De onde estava podia perceber a janela do quarto e sua cortina pesada. A vidraça estava aberta e o vento ocasionalmente afastava o pano, deixando vislumbres do quarto livres para meu olhar. Tentei divisar algo nas sombras internas. Em vão. Minhas pernas fraquejavam e me pareceu mais sensato ir embora quando, inesperadamente, eis que surge à janela Matilde em todo seu esplendor. A cabeleira vermelha solta ao vento, colocou quase metade do corpo para fora do peitoril, olhando incrédula em minha direção. Sorri feliz e esbocei um aceno. Mas ela entrou e cerrou as cortinas a suas costas, e meu coração chorou de dor.
Continuei parada ali, no entanto, os olhos fixos no ponto onde ela desaparecera, as pernas congeladas da tristeza.
Um garoto que, pelos modos, aprendera a andar há pouco, esbarrou em minha perna sem se importar com isso, continuando numa corrida desesperada atrás de um pequeno cachorro. Deixei meus olhos seguirem com eles até o fim da rua, o animal driblando com facilidade o menino que, persistente, continuava sua perseguição. Quando levantei o rosto e olhei novamente para a casa, meu rosto foi inundado por um sorriso e minhas pernas reencontraram o impulso de andar. Recostada ao umbral da porta Matilde esperava, minha faixa carmesim enrolada em seu pescoço.
É impressionante o quanto a Alessia é inocente quando se diz respeito ao pai dela. Vai quebrar a cara quando descobrir como as coisas realmente funcionam.
Amando ???
??? que bom!