O beijo foi furioso por algum tempo, como se Lis quisesse feri-la, então foi acalmando. Até que se afastou, os olhos presos em sua face. Por algum tempo, se fitaram em silêncio e foi a vez de Lis repuxar os lábios em um sorriso metido, dizendo:
— Aposto que aquela loira azeda nunca te beijou como eu.
Aléxia sentiu uma pontada de ciúmes em sua voz e seu orgulho ferido remexeu-se satisfeito dentro do peito. Então, um riso baixo cheio de mágoa, saudade, um pouco de espanto e, ao mesmo tempo, alívio escapou de seus lábios ainda rubros pela fúria com que os dela os tomou.
Ela ainda amava Lis.
Agora, depois daquele beijo, sabia que sempre amaria, mas não da mesma forma, como Nicole afirmou na noite anterior. E, por isso, não conseguia conter o riso que ocultava os cacos em que seu coração ficou depois de beijá-la.
Foi com alegria que recebeu seu beijo. Mas havia algo errado. Aquele não foi um beijo de amor, foi um beijo de ódio.
— Do que está rindo?
— De você e de mim. — Balançou os ombros, cansada demais para pensar em discutir sobre suas impressões, então, simplesmente perguntou: — Você enlouqueceu? Há uma semana exigiu que não viesse. Ontem seu olhar me dizia que queria me esfolar viva. Hoje, me ataca e me beija, enquanto seu noivo, meu irmão, está a dez passos daqui, na sala. Afinal, o que você quer?
Lis permanecia pressionando-a contra a parede. As mãos apertando o ombro, fincando suas unhas ali. Aléxia reprimiu uma expressão de dor, aguardando sua resposta com certa ansiedade. Mas ela não respondeu. Em vez disso, insistiu:
— Posso ver que ainda me ama, ela é apenas um passatempo — tinha uma pontada de ironia na voz.
Aléxia passou a mão na cabeça, afastando a franja que caía sobre os olhos e sorriu amargamente.
— E por que você se importa? Vai se casar com o meu irmão amanhã.
— Vou.
— Você o ama?
Lis se afastou, escorregando a mão até o braço dela.
— Sim… — Os lábios se contraíram e uma mistura de raiva e tristeza lhe passou pela face. — Mas, também, te amo.
Lhe dirigiu um olhar magoado. Passou cinco anos desejando ouvir que ela ainda a amava, mas ao contrário do que pensava, isso não a deixou feliz. Com aquelas palavras, Lis cavou um buraco em seu peito e, outra vez, se entregou ao riso.
— Forma interessante de demonstrar seu amor por ele ou por mim. Aliás, forma muito interessante de agir. Primeiro não me quer por perto, depois se declara. Que tipo de jogo está fazendo? — Indagou, colérica.
O olhar de Lis pareceu ferido. Ela se empertigou, mas não se afastou.
— Você não entende…
— Tem razão, não entendo mesmo como alguém pode dizer “eu te amo” após uma noite de amor com uma pessoa e, na manhã seguinte, assumir seu namoro com outro. Não entendo como esse mesmo alguém pôde exigir que eu não viesse ao casamento do meu próprio irmão e, agora, diz que me ama como se os últimos cinco anos não existissem!
Havia acertado em cheio. Lis recuou e ela continuou deixando o desejo de magoá-la comandar suas palavras.
— Você está certa, Nicole não me beija dessa forma, me beija muito melhor, pois ela me ama! Talvez não dê certo, mas viverei esse amor até o fim. E, se um dia nos afastarmos, será com a certeza de que vivemos tudo o que tínhamos de viver e que essa decisão foi tomada em conjunto, como duas pessoas que já se amaram e ainda se respeitam fazem!
Os olhos de Lis ficaram marejados, mas ela não chorou. Em vez disso, voltou a empurrá-la contra a parede.
— Por favor, você não entende… Eu sempre te quis! — Buscou seus lábios outra vez.
Aléxia tentou afastá-la, mas acabou se rendendo ao beijo, outra vez. Lis a pressionava, escorregando a mão até seus seios, lhe arrancando um gemido prazeroso. Queria empurrá-la, fugir, se esconder daquela vontade que sentia dela, mas não tinha forças. A odiava e a queria na mesma medida.
A cunhada grudou-se mais a ela e ameaçou invadir sua camiseta, quando foi puxada. Aléxia odiou e amou Nicole por afastá-la naquele momento. Lis nublava seus pensamentos, enganou sua dor e raiva com sua luxúria e seu corpo, ainda saudoso do dela, e rendeu-se às suas vontades.
Felizmente, uma “inimiga” foi lhe salvar.
Nicole fitava a moça, as mãos envolvendo seus pulsos com força e Aléxia admirou a voz e olhar carregados de cólera. Pareciam tão reais que lhe assustaram, brevemente.
— Vou te dar um conselho de “amiga” — disse ela, aumentando a pressão até o rosto de Lis se contorcer de dor. — Se quiser se casar amanhã, com todos os dentes em sua boca, fique longe da “minha namorada”! Agora vai o conselho de “inimiga”, se eu voltar a ver essa sua boca nojenta na “minha mulher”, te quebro inteira!
A empurrou para o lado. De fato, estava louca para fazer o que prometeu, desde que cruzou a porta da cozinha e viu o primeiro beijo delas. Ouviu a discussão, decidindo se devia, ou não, interferir. Optou por retirar-se e deixar Aléxia enfrentar aquela “batalha” sozinha. Ela parecia estar indo bem. Então, Lis a beijou de novo e o seu sangue pareceu ferver de ciúmes. Abandonou seus planos e cruzou a distância que as separava com passos largos, envolta na raiva de vê-la tomar a mulher que tanto desejava conquistar.
— É com “isso” que você namora? — Lis fungou, engolindo o susto e a raiva. Tentava parecer altiva, mas estava, claramente, assustada pelas ameaças.
Recuperando-se da surpresa, Aléxia abriu um sorriso sarcástico e se encaixou no abraço da loira.
— “Isso” se chama Nicole e é uma mulher como você jamais será. Fique longe de mim, Lis. Fique longe de nós.
A porta bateu forte, quando a ex-namorada a cruzou, deixando o rastro de seu perfume pelo ar. Ainda conseguiram ouvir seus passos furiosos, subindo a escada no fim do corredor. Aléxia permaneceu entre os braços de Nicole, tentando controlar a respiração e o corpo que ainda reagia as carícias de Lis. Sequer percebeu que se apertava a ela como se fosse uma tábua de salvação e, consequentemente, a moça mantinha seu abraço firme.
Por mais estranho que pudesse lhe parecer, se sentia protegida entre os braços dela, mas obrigou-se a se afastar, assustada com tal pensamento. A moça pareceu relutante em deixa-la partir, mas recolheu os braços, escorregando as mãos para os bolsos do short.
Encararam-se por alguns segundos em que Nicole aproveitou para recuperar sua calma, Aléxia buscou o mesmo, embora não tivesse obtido tanto sucesso na tarefa quanto a “namorada”.
Um pouco sem jeito, indagou descrente:
— Você ameaçou ela?
Ela deu de ombros, fazendo um biquinho e foi premiada com um sorriso.
— Bem, ela não pode sair por aí beijando a namorada alheia, não é? — Piscou.
Exibia um semblante divertido, mas por dentro ainda desejava quebrar todos os ossos de Lis. Era um sentimento assustador, aquele. Afinal, nunca fora ciumenta. Contudo, não conseguia ver Aléxia perto daquela mulher, principalmente, porque sabia que ela ainda mexia com a “namorada.
— Droga, você está mesmo se divertindo com esse papel. O que te deu?
Ela exibiu uma fileira de dentes perfeitos e buscou um cigarro na carteira, que tinha deixado cair quando avançou em direção a Lis.
***
Aléxia dirigiu em silêncio por todo o caminho e, quando chegaram à cidade, não pensou duas vezes em parar no boteco da Rute, uma personalidade local. Nicole saltou do carro esticando-se como um felino, o olhar percorrendo a rua com interesse.
A cidade era menor do que imaginou, mas isso a tornava charmosa aos seus olhos, fazendo-a imaginar Aléxia crescendo ali, dona de uma inocência que ainda carregava. Recordou seu ar ligeiramente tímido quando se conheceram. Não era timidez, de fato, mas a simplicidade exagerada de alguém que cresceu em um lugar como aquele, perdido no tempo.
Dona Rute era uma senhora de meia idade com cabelos tingidos de vermelho e óculos de grau semelhantes ao fundo de uma garrafa. Deu em Aléxia um abraço de “urso”, antes de as deixar a sós em uma mesa que havia sido posta na calçada, à sombra de uma árvore. Dali, podiam acompanhar o movimento, quase inexistente, daquela manhã de domingo.
— Não acha que está cedo para beber? São apenas dez da manhã — observou Nicole, quando a viu pedir um Chopp.
— Pelo contrário, é tarde o suficiente. Você quer algo?
Ela pediu uma água com gás, a qual bebericou observando a rua.
— É sempre tão calmo aqui? — Perguntou.
— Na verdade, é bem agitado, mas com o feriado, metade da cidade deve estar curtindo o carnaval nas praias ou grandes centros.
— Entendo. Mesmo assim, aqui parece bem agradável.
Aléxia amava sua cidade e fazia planos de um dia voltar a viver nela. Enquanto pensava sobre o assunto, observou Nicole tomar um gole da sua água. Outra vez, se surpreendia pensando no quanto era estranho estar ao lado dela e no quanto isso estava começando a lhe parecer agradável.
— Você costumava beber bastante na faculdade — comentou.
— É — foi a resposta singela dela, que manteve o olhar na rua, observando a aproximação de duas moças. Elas caminhavam devagar, do outro lado da rua. Não era preciso ser muito observador para perceber que eram um casal.
— Não bebe mais? — Insistiu, dando espaço para a curiosidade em uma clara tentativa de afastar os pensamentos do que havia acontecido com Lis, que insistiam em lhe visitar a cada dez segundos.
— Não.
Uma das mulheres entrou em uma loja, enquanto a outra permaneceu na calçada. As mãos enfiadas nos bolsos da calça, relaxada.
— Por quê?
A moça sorriu enigmaticamente e disse, simplesmente:
— Porque, finalmente, me encontrei. — Era uma grande verdade. Esperava poder lhe contar sobre isso, um dia.
Aléxia a observou por longos instantes, enquanto secava sua garrafa de água e se deu conta que estava mesmo diante de uma mulher diferente. Algo em seu semblante, seu olhar, havia mudado.
— Como você se perdeu?
Suas esmeraldas buscaram as safiras nos olhos de Aléxia com um brilho triste.
— Eu não sei mais. Não sei quando ou como, apenas aconteceu — respondeu com simplicidade, o olhar retornando para a mulher da calçada. Invejava o modo como ela olhava para dentro daquela loja, com certeza, admirando a companheira. Queria tanto fazer o mesmo com Aléxia sem que, para isso, tivesse de fingir que estava fingindo.
Mudou de assunto, sem dar tempo para ela formular outra pergunta.
— O que aconteceu lá na cozinha?
Aléxia tomou o resto do seu Chopp, que estava começando a esquentar, e pediu outro a Dona Rute antes de responder.
— Acreditaria se dissesse que não sei?
— Não precisa mentir para mim. Eu vi o que aconteceu. Só gostaria de saber o que se passou com você para se permitir cair nos avanços dela.
Ah, estava morrendo de ciúmes e Aléxia nem notava o tom hostil em sua voz ou a força que empregava, em vão, para que suas mãos não tremessem enquanto falava.
Aléxia olhou para suas próprias mãos, que não pararam de tremer desde que beijou Lis.
— Você não é exatamente o que eu chamaria de pessoa ideal para se fazer confidências amorosas.
Nicole riu, dando de ombros. Segurou a vontade de liberar um gemido carregado de escárnio. Ela a estava apunhalando e nem imaginava.
— Não sou mesmo. — Admitiu. — Sou péssima conselheira. Provavelmente, lhe direi a coisa errada. Mas por outro lado, sou boa ouvinte e, às vezes, tudo que precisamos é de alguém que nos ouça.
A morena sorriu com sua resposta e foi sincera:
— A verdade é que eu não sei mesmo o que aconteceu. Ela, simplesmente, me atacou e disse que me amava. — Uma risada lhe escapou, semelhante a que deu para Lis, uma hora antes. Estava tão envolta na lembrança disso que não percebeu as mãos de Nicole destroçando um guardanapo.
— Achei que ela não te quisesse por perto, pois você a incomodava com a possibilidade de Alberto descobrir o que houve entre vocês — comentou, mas o que ela lhe disse, já sabia. Ouviu toda a conversa delas e, ainda, tinha suas impressões da noite anterior. Cada olhar atravessado que Lis lhe dedicou lhe falava de seus desejos e rancores.
Aquela era uma alma perdida, como a sua um dia esteve.
— Também pensava assim, mas, aparentemente, a coisa é mais complicada.
Terminou seu segundo Chopp, pediu duas garrafas de água, pagou a conta e entregou a chave do jipe para Nicole.
— Para a chácara? — Ela indagou.
Balançou a cabeça, negativamente.
— Vou te levar a um lugar bem melhor.
Durante dez minutos, instruiu Nicole por um caminho pedregoso até a entrada de uma fazenda.
— Que lugar é esse?
— A pergunta ideal seria: “onde esse caminho vai nos levar? ”.
Saltou do carro, ágil. Quando abriu a porteira, Nicole já estava ao seu lado. Usava um boné, a aba fazendo sombra e ocultando um pouco da curiosidade em seu olhar. O boné era de Aléxia, que o deixou esquecido no banco traseiro. A moça pensou em tomá-lo ou ralhar com ela por usá-lo sem sua permissão, mas acabou deixando a ideia de lado quando Nicole lhe sorriu, quase tímida, ao perceber que olhava para o boné.
— Desculpe… — Começou a retirá-lo.
— Fique com ele — Aléxia ouviu-se dizer, esticando o braço e pousando a mão sobre a dela. — Fica muito bonito em você.
Um leve rubor tomou conta da face da loira e isso não lhe escapou. Virou-se em direção à trilha para que Nicole não visse seu sorriso. Nunca pensou em vê-la sem jeito e concluiu que ficava linda assim.
Os dez passos seguintes, deu se reprimindo por pensar aquilo. “Era o que me faltava!”, pensava, mas não deixava de, vez ou outra, deslizar o olhar para a ex-colega. E, em alguns momentos, flagrou-se sorrindo ao lembrar da forma que se livrou de Lis, naquela cozinha. Se fossem mesmo namoradas, teria ficado encantada com os ciúmes que viu naquele olhar.
Mas a realidade era bem diferente. Mesmo assim, apesar de ser um sentimento fingido, gostou de vê-lo naquele belo rosto.
Chutou uma pedrinha. O que estava havendo consigo?
Soltou um suspiro, desejando que Vivian estivesse ali, assim não se deixaria cair em pensamentos confusos sobre as atitudes de Lis e o jeito como, às vezes, flagrava Nicole a olhando. E o modo como isso a agradava, assim como era agradável sentir seu abraço quando fingiam ser namoradas.
Chutou outra pedrinha. “Tem algo muito errado consigo, Aléxia!”, disse a vozinha na sua cabeça. “Claro que tem! Está começando a se sentir atraída pela mulher que transformou sua vida num inferno” a mesma vozinha lhe respondeu.
Arfou diante do pensamento e tentou mantê-lo afastado de sua mente durante todo o caminho. Depois disso, não olhou para Nicole nenhuma vez. Nem mesmo quando ela escorregou e perdeu o equilíbrio, buscando apoio em seu braço.
Mais vinte minutos de caminhada com dificuldade média e elas se encontraram diante de uma cachoeira que desembocava em um lago de águas cristalinas e corria para as profundezas de uma caverna.
Nicole observou tudo maravilhada.
— É lindo!
— Sabia que gostaria — disse, satisfeita. — Não disse que iríamos nadar hoje?
Enquanto falava, foi tirando o tênis e o jogou sobre uma pedra ao lado do celular e da chave do carro, então se atirou, ainda vestida, na água. Deu algumas braçadas vigorosas e se voltou para a companheira que se mantinha na margem, observando-a.
— Vem! — Chamou.
Nicole obedeceu, tirou a camiseta e o short antes de mergulhar somente de roupas íntimas. Aléxia tentou, mas não conseguiu deixar de admirar seu corpo. Ela era uma falsa magra. Era alta e realmente havia engordado um pouco em comparação a época de faculdade, mas tinha curvas perfeitas e seios médios. Sua pele alva tinha algumas sardas na altura dos seios e ombros, e seu olhar se fixou ali por alguns instantes. Desconcertada, buscou olhar para além dela, para a cachoeira, mas logo retornou para a visão do corpo seminu da mulher que odiava com todas as suas forças, mas que estava lhe prestando um enorme favor.
Lhe chamou a atenção a tatuagem entre suas costelas e quadril esquerdo.
Era o desenho de um dente de leão, cujas pétalas ao vento se tornavam pequenos pássaros até que surgia a silhueta de uma fênix. Era um desenho simples e muito belo e notou que a fênix havia sido desenhada de forma a fazer parecer que avançava rumo ao coração de Nicole.
— É linda — falou quando Nicole se aproximou, a água na cintura.
Percebeu a confusão dela e esclareceu:
— Sua tatuagem é linda — a confusão permanecia no olhar dela. — Não que você também não seja! Você também é… linda! — Apressou-se a dizer e corou violentamente, quando percebeu que o fez.
A ex-colega riu alto.
— Sabia que estava louca para admirar o meu corpinho — fez um charminho.
O rubor de Aléxia aumentou, desta vez, pela raiva.
— Eu não…
Nicole exibiu um sorriso provocante e se aproximou mais. Tanto que seus corpos teriam se fundido se fosse possível.
— Algum problema, “amor”? — Provocou. Mal cabia em si de alegria. A forma que ela a olhou era única e só lhe dizia uma coisa: Aléxia a desejava um pouco, só não sabia disso ainda.
Enlaçou a cintura dela, quando fez menção de se afastar.
— Com medo?
Aléxia engoliu em seco.
— De você? — Obrigou-se a sorrir. — Por que estaria?
A outra riu, puxando-a para mais perto.
— É uma ótima pergunta. Por que estaria com medo da sua “namorada”, molhada e seminua, agarrada a sua cintura? — Como adorava provocá-la! Como ficava linda desconcertada. E como era gostoso estar com ela daquela forma. — Admita.
— O quê?
— Que adoraria que esse “namoro” fosse de verdade, para poder usar e abusar do meu corpinho — piscou, provocante, e sapecou um beijo na ponta do nariz dela. Então, se afastou gargalhando.
— Você não presta, Nicole! Como se eu fosse querer transar contigo! Me poupe das suas piadas sem graça. — Nadou para longe dela e mergulhou. Estava furiosa pela reação do seu corpo e, por um breve momento; um breve e muito insano momento, realmente quis beijá-la e se imaginou descobrindo os segredos daquele corpo.
Que todos os deuses a ajudassem se tivesse se rendido àquele momento de insanidade. A confusão estaria feita e uma guerra explodiria.
Nicole ainda ria quando retornou a superfície. Aquele casamento, aquele namoro fingido, Lis e Nicole, estavam mexendo com suas emoções. Retornou para a parte rasa e ficou de pé, lançando um olhar irritado para a colega. Nicole se divertia às suas custas.
— Me perdoe — ela disse, aproximando-se. — Não quis te sacanear, — mentira — mas não resisti.
— Você não faz ideia do quanto desejo que esse casamento se realize logo para que eu possa “terminar” esse “namoro”! — Mostrou os dentes, demonstrando sua irritação e a assistiu se aproximar novamente. Outra vez, mirou o corpo dela, mas se concentrou em um ponto. Na tatuagem.
Nicole trazia um sorriso de canto de boca e passou os dedos sobre o desenho em sua pele, conhecedora de cada linha que o formava. Seu rosto parecia relaxado, mas Aléxia reparou que suas mãos estavam trêmulas.
Sem pensar muito, pousou a mão sobre a dela e a afastou com delicadeza. Nicole fechou os olhos por um segundo, prendendo a respiração, e Aléxia confirmou sua suspeita. A tatuagem cobria uma grande cicatriz.
— O que…
Ela abriu os olhos, segurando sua mão.
— Ainda não — sussurrou e afastou-a delicadamente. — Espero poder lhe contar essa história um dia.
A ex-colega demorou-se fitando o desenho e remoendo aquelas palavras. Por fim, lhe dirigiu um sorriso sem graça e deu de ombros, puxando-a em direção a cachoeira.
Repousavam sobre uma pedra após o mergulho, seus corpos estendidos lado a lado recebendo a carícia do sol. Talvez tenha sido a paz que aquele momento lhe trazia, talvez tenha sido o desejo de apenas falar, talvez, só talvez, tenha relembrado um pouco da amizade que compartilharam na faculdade, antes das coisas desandarem, mas Aléxia resolveu lhe contar sobre Lis e Alberto.
— Lis foi meu primeiro amor. Me refiro a primeira mulher que realmente amei. Era tudo tão intenso com ela. Tudo tão forte e tão puro. Algumas vezes, não conseguia me segurar diante da vontade de estar com ela. Noutras, pensava que morreria se um dia me deixasse.
Nicole reprimiu um gemido que acabaria por denunciar seu ciúme. Enfiou um braço por debaixo da cabeça e indagou:
— E o que aconteceu para acabarem?
Aléxia rolou para o lado, apoiando a cabeça na mão. Nicole reagiu aquela proximidade, prendendo um suspiro, mas não conseguiu evitar o arrepiar de sua pele. A ex-colega percebeu, mas creditou a reação ao frio da pele ainda molhada.
— Namorávamos escondido. Eu já havia me assumido para a minha família, mas ela não. Então, aproveitávamos, ao máximo, os momentos juntas.
— E…
— E eu pensei que, mesmo me escondendo, não poderia ser mais feliz. Até que, em um belo dia, ela entrou na minha casa de mãos dadas com Alberto e anunciaram o namoro deles.
— Sério?
Um suspiro enfastiado lhe escapou.
— Sim.
— E o que você fez?
— Na hora, nada. — Reparou a surpresa no olhar dela. Mas, assim como não era dada a violência, também não apreciava escândalos e de nada adiantaria fazer um diante de seus pais e irmão. — Mas a procurei depois e tudo que ela me disse é que havia se apaixonado por Beto e que, entre mim e ele, preferia ele.
Nicole fez silêncio por um tempo e Aléxia chegou a achar que ela havia adormecido devido sua respiração regular e expressão relaxada.
— Simples assim? — Perguntou de repente, abrindo os olhos.
— É.
— Seu irmão sabia? — Sentou-se e foi imitada por ela.
— Não. Beto nunca soube de nada. Ninguém soube. Havia desconfianças por parte da mãe dela e algumas amigas, mas ninguém jamais soube o que se passava de fato.
— É por isso que estou aqui, para que ele não perceba?
Aléxia ergueu o olhar para encará-la, estavam muito próximas e o verde nos olhos de Nicole capturou sua atenção. Era uma cor linda, puxando para água. Pelo menos, era assim naquele momento. A intensidade da cor dos olhos dela tendia a mudar de acordo com a luminosidade e o momento.
— Você está aqui porque preciso, desesperadamente, provar para ela que a esqueci e que tudo que me disse naquele dia é imaginação. Se isso servir para que Beto jamais desconfie da verdade, melhor ainda.
Nicole se empertigou.
— Por que se importa tanto? Mande-a para o inferno de onde saiu. Viva sua vida sem depender das lágrimas que derramou por ela. Aquela mulher não te merece, nunca mereceu. Acredite quando digo que não passa de uma pobre coitada que, um dia, irá se afogar nas mentiras que conta para si mesma.
Ergueu-se. Estava furiosa com Lis por ter pisado no coração daquela mulher. Estava ainda mais furiosa com Aléxia por ainda não ter superado aquela dor e por não enxergar o quanto era desejada e amada pela mulher que fazia questão de enfatizar que odiava e só desejava ter distância, mas que, entretanto, aceitava a ajuda de bom grado.
— Ponha logo na sua cabeça, que não a ama mais.
Surpresa com aquele rompante, Aléxia também se pôs de pé.
— Se não amo, como explica a forma como me deixou quando me beijou? Eu queria mais. Queria carregá-la para o quarto e a amar como louca e…
Nicole cerrou os punhos com a revelação.
— Para o inferno, Aléxia! — Alteou a voz. — Você tem tesão nela. Não confunda as coisas! — Arrependeu-se do modo que falou no instante seguinte. Havia conseguido que ela se abrisse consigo, que lhe permitisse a passagem para um nível próximo a amizade e estragava tudo porque não conseguia mais controlar seus ciúmes e irritava-se com a cegueira dela.
A lambança já estava feita, então continuou, mais branda:
— Droga! Até eu ficaria doida para encontrar um quarto se uma mulher como aquela se esfregasse em mim da forma que fez contigo.
— O quê?! — Não podia acreditar que tinha ouvido aquilo. Estava com raiva de tudo o que veio antes, mas aquela frase em particular a desarmou, fazendo com que esquecesse a resposta que lhe devia. — Acho que entrou água em meu ouvido quando mergulhei. Porque acho que acabei de te ouvir dizer que…
A loira revirou os olhos.
— Ah, não comece! Eu era uma filha da puta, arrogante e preconceituosa que tornou a sua vida uma merda de todas as maneiras possíveis! Eu sei! Não precisa ficar me recordando isso a cada instante!
Estava perdendo as estribeiras graças ao ciúme. Era assustador, já que isso nunca lhe aconteceu. Era incrível o que Aléxia lhe fazia sentir. Nicole não era assim, nunca se descontrolava.
Respirou fundo, buscando equilíbrio. Então, a fitou.
— Me desculpe. Não queria gritar contigo. Só acho que você pode ter uma mulher melhor, que deve se agarrar ao futuro e não a um passado de fantasias e dor. Perdão por ser eu a lhe dizer isso. Sei que a minha presença foi imposta pela Vivian, mas foi você que me procurou, inicialmente. — Passou a mão na cabeça, bagunçando os cabelos. — Você a amava, ela te traiu e abandonou. Você remoeu essa dor por anos. Agora voltou a revê-la e, sinceramente, a consideraria uma pedra de gelo se não sentisse algo com isso, mas se continuar permitindo que ela te afete, que engane seus sentimentos com beijos roubados na cozinha, então merece toda a dor que ela lhe der.
A fitou nos olhos e se deu conta de quão agressiva tinha sido quando notou que estavam marejados. Limpou a garganta, desconcertada.
— Você não é mulher para a “cozinha”, Aléxia. Você é mulher para a “Sala”. Você não é uma mentira, um segredo. Você é uma verdade, é revelação!
acorda Alexia…
Hehe… ela vai.
Eu amava essa história antes, li e reli monte de vezes, mas agora que ela está repaginada, com novos contornos e mais detalhes ela conseguiu ficar ainda melhor, viu!
Parabéns!
Que bom que tá gostando dessa nova versão. É sempre bom te encontrar nos meus textos.
Um xêro!