Músicas:
I”ll Fly With You:
https://www.youtube.com/watch?v=bJSkCIMGyVU
My Prayer:
Scarlett Trio – Eleanor Rigby:
Camila – Diedra Roiz
No dia seguinte, meu desejo era poder… Fazer exatamente como Sandra. Sumir… Desaparecer… Evaporar… Deixar de existir. Como não era possível, eu apenas… Fiz a única coisa ao meu alcance: fugi.
Dez dias de licença, fora de Blumenau. Resolveria… Tinha que!
Antes de entrar no carro abri o porta luvas. Peguei todos os CDs de Sandra e joguei no lixo. Os meus estavam no fundo. Escondidos e censurados por serem: “Pop demais!”
– Cadela!
Falei alto, como se Sandra pudesse me ouvir.
Entrei no carro e segui… Ao som da música que para mim antes tinha significado tudo… E que agora era apenas como todo o resto: mentira. “I’ll Fly With You” (Gigi D”Agostino). A mesma que estava tocando na boate na primeira vez que beijei a vagabunda… Que eu tinha amado… Tanto… Não a infame traidora, mas aquela por quem eu tinha me apaixonado… Tocando de bar em bar… Aqui e ali… Sem rumo certo… Sem pertencer a ninguém… Alternativa e livre… Tão maravilhosa e absolutamente linda… Sandra, Sandra…
– Por quê?
Por mais que os fatos mudassem… Sempre a mesma pergunta.
– Filha da puta!
Não sabia mais a quem eu estava xingando.
Sandra, por todas as mentiras, traições, desenganos? Flávia por ter rasgado o véu de perfeição que eu havia tecido tão cuidadosamente, com a cumplicidade que a ausência de Sandra me proporcionava? Ou a mim mesma?
Eu era, com toda a certeza, a que mais merecia. Pois nem a verdade tinha mudado o que eu sentia. Estava longe de ter superado, ou de ter atingido qualquer tipo de indiferença redentora. Muito pelo contrário. Meu amor por Sandra continuava ali, fortíssimo, naquele ódio absolutamente desmedido.
“Tiveram outras, muitas outras. Várias!”
Não era surpresa. Eu já suspeitava. Na verdade… Eu sabia. Por mais que negasse. No entanto, a deslealdade mais dolorosa era a traição dupla.
“Foi o mais perto de você que eu consegui chegar.”
Mas o que realmente me corroía… Como ácido… Era saber que eu não conhecia Sandra, nem Flávia, muito menos a mim mesma.
Ter feito sexo com Flávia não era, nem de longe, o que mais me chocava, mas… O prazer que ela me deu… Por mais que eu quisesse negar…
“- Foi isso que você fez com ela? – Perguntei entre gemidos enquanto os dedos de Flávia entravam e saíam de dentro de mim.
Ela não respondeu. Sem parar o que estava fazendo, desceu… A boca traçando um caminho de fogo na minha pele… Levando minha excitação ao limite… Mas eu não queria… Não podia… Me permitir…
Insisti:
– Foi assim?
Ela sorriu… Me olhou profundamente ao dizer:
– Não. Isso é o que eu sempre quis fazer com você, Camila.
E então… Mergulhou entre as minhas pernas de um jeito que me fez esquecer de tudo… Me fez gozar para ela… Várias vezes… De forma absolutamente intensa e permissiva…”
Eu não era melhor do que elas. Essa era a única certeza que eu tinha.
Repassei mentalmente, um milhão de vezes, toda a minha relação com Sandra, da primeira à última vez em que a tinha visto. E por mais que soubesse, que tivesse agora a certeza absoluta, só servia para aumentar ainda mais a minha angústia. Parecia… Muito mais doloroso e sofrido saber que eu sequer a tinha tido, que o grande amor da minha vida jamais havia existido.
Foi assim, nesse turbilhão de emoções e pensamentos, que cheguei em Curitiba. Disposta a esquecer, exorcizar e acima de tudo… Me divertir.
Claro que não foi tão fácil assim. Todos os lugares me levavam a pensar na mulher que me roubava o sono, os sonhos, dominava cada um de meus pensamentos… Por mais que eu quisesse minha alma de volta, não sabia como recuperá-la, nem onde buscá-la. Talvez fosse impossível. Talvez Sandra tivesse me levado com ela… Ou pelo menos… A melhor parte de mim.
Flávia me ligou insistentemente durante os primeiros quatro dias. Apesar de tudo, sentia a falta dela, era minha melhor e mais querida amiga, companhia de todas as horas, boas ou ruins. Não me lembrava de alguma vez ter ficado tanto tempo sem nos falarmos, nossa conversa era diária, fazia parte da minha rotina. No entanto, por mais que eu me sentisse isolada, perdida e sozinha sem ela, não queria, não podia atendê-la. Não depois de tudo que havia acontecido.
Mas Flávia era Flávia. Ela realmente me conhecia. Me mandou um email. Não consegui evitar… Abri. Não tinha nada escrito. Apenas um link do youtube, de uma música que eu adorava, era uma das minhas favoritas, tinha me chamado a atenção quando vimos o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”.
Assisti, no início em estado de choque, as rosas caindo, enquanto as palavras surgiam:
“When the twilight is gone and no songbirds are singing
(Quando o crepúsculo se vai e os rouxinóis não cantam mais)
When the twilight is gone you come into my heart
(Quando o crepúsculo se vai você entra no meu coração)
And here in my heart you will stay while I pray…”
(E aqui no meu coração você ficará enquanto eu rezo)
Sim, ela me conhecia. Bem até demais. Tinha acompanhado toda e cada uma das minhas declarações, presentes, surpresas, bilhetinhos não correspondidos. Sandra era muito mais prática e objetiva, e eu me decepcionava, sofria com isso, sempre desejando por parte dela um pouco mais de romantismo…
“My prayer is to linger with you
(Minha prece é para permanecer com você)
At the end of the day in a dream that’s divine
(Até o fim do dia em um sonho que é divino)
My prayer is a rapture in bloom
(Minha prece é o desabrochar de uma flor)
With the world far away and your lips close to mine
(Com o mundo distante e seus lábios junto aos meus)
Tonight while our hearts are aglow
(Esta noite enquanto nossos corações estão incandecentes)
Oh tell me the words that I’m longing to know…”
(Oh, diga- me as palavras que eu estou querendo saber)
Aquilo foi mexendo comigo de um jeito totalmente repentino, me levou a um aperto no peito, uma falta de ar que culminou num sentimento sufocado, que não consegui definir…
“My prayer and the answer you give
(Minha prece e a resposta você dá)
May they still be the same for as long as we live
(Talvez elas serão as mesmas pelo o tempo em que vivermos)
That you’ll always be there at the end of my prayer.”
(Que você sempre estará lá, no final da minha prece)
(My Prayer – The Platters)
Uma coisa levou a outra… Ao estopim de todo aquele turbilhão… Ter levado Sunny para a minha casa tinha sido ao mesmo tempo um grande erro e um grande acerto. Pensar nela só serviu para aumentar ainda mais a desordem mental e emocional em que eu me encontrava. Ela tinha sido a primeira a despertar coisas que eu pensava que estavam mortas e enterradas… Mas não podia definir como sentimento a atração sexual exacerbada que ela me fazia sentir. Sunny era bonita, gostosa, uma ótima trepada, mas e daí? Nos divertíamos juntas. Não passava disso. Tinha ficado claro para mim na noite em que ela tinha saído da boate com a loira, mais ainda no dia seguinte, quando encontrei as duas juntas, obviamente recém saídas da cama.
Não deveria ter me causado algum desconforto, no mínimo? Não deveria ter sentido… Um pouquinho de ciúmes pelo menos?
Ah… Se fosse Sandra…
Eu mataria, com certeza!
Mas a puta sempre tinha feito tudo de um jeito tão bem feito, que eu jamais pude ver ou ter certeza. Tinha me feito de idiota. Idiota não, idiota era pouco. Eu sequer tinha adjetivos para definir… Como eu me sentia… O que naquele instante eu pensava de mim mesma.
Era o que dava ser fiel. Apaixonada. Honesta. Romântica. Sensível. Legal…
Legal?
Eu não ri, gargalhei.
Legal.
Existe, dentro da deturpação de valores dos dias de hoje, palavra mais pejorativa do que essa?
Era isso, exatamente isso que me fazia parecer, aos olhos de muitos e muitas, a pessoa mais imbecil do planeta.
Mas já bastava! Eu não ia mais ser a babaca, o brinquedinho, a bonequinha… Na mão de mulher alguma! Muito pelo contrário, era a hora de me permitir, aproveitar, curtir… Brincar com elas. Fazer com que sofressem… Tanto quanto eu.
“Me querem? Então me engulam! Do jeito que eu sou. Exatamente do que eu sou feita. Mel e veneno… Combinados de forma inseparável por cada uma de vocês.”
Se escrotidão e sacanagem era o que queriam, teriam. Era só o que eu daria, a cada uma e todas, a partir daquele momento!
Meus pensamentos foram interrompidos pelo toque do meu celular. Era Flávia. Imediatamente atendi:
– Oi.
Ela demorou a responder, obviamente surpresa:
– Ca… Camila… Oi! Tudo bem?
Me forcei a sorrir:
– Sim. Por que não estaria?
Uma forte apreensão continuou impressa na voz dela:
– Onde você tá?
– Em Curitiba.
– Sozinha?
Fiz uma pausa antes de responder, de forma sugestiva:
– Nesse momento… Sim.
Era como se eu pudesse vê-la. A expressão do rosto, a forma como torcia a boca quando estava insegura…
– Recebeu meu email?
– Quer saber se eu recebi ou se eu gostei?
– As duas coisas.
Dessa vez eu ri:
– Ah, vamos lá, Flávia… Você pode fazer muito melhor que isso. Porque não usa comigo a sua habilidade invejável com as mulheres? Eu mesma já presenciei… Um milhão de vezes…
Flávia demorou um tempo para responder. Quando o fez, foi baixinho. Quase sussurrado. Como se fosse doloroso dizer:
– Com você é diferente.
Não me comoveu:
– É, deve ser. Levando em conta que você nunca me disse nada… Uma palavra sequer… A grande ironia disso tudo é que quando nos conhecemos eu te achei muito interessante. E com o jogo duro que a Sandra estava fazendo… Se você tivesse investido eu provavelmente teria ficado com você…
Ela gaguejou:
– Por… Por que está me dizendo isso agora?
Aquilo me proporcionou um prazer intenso… Deliciosamente rascante… Foi quando tive a percepção plena de que… Eu poderia me viciar… Em fazê-la sofrer.
– Por nada. Só achei que você gostaria de saber.
Mais uma vez, só pela respiração de Flávia eu pude perceber… O percurso da mão dela… Passando nos cabelos, jogando-os para trás… A voz tão sensual quanto o movimento…
– Camila…
Fui ríspida:
– Quê?
Tentando tirá-la daquele tom…
Inutilmente:
– Eu amo você.
Impossível disfarçar… A alteração que aquilo me causou… Por mais que eu tentasse mascarar… Ou conter…
– Você me ligou pra quê mesmo?
Ela também podia me ver…
Ficou claro quando Flávia riu do outro lado:
– Eu sempre fui seu chão, seu porto seguro. Vou estar aqui, como eu sempre estive, quando você finalmente perceber.
E desligou. Assim. Me deixando… Irada não… Frustrada! Por ter falhado tão miseravelmente… Por ter me derretido com tanta facilidade…
“Estúpida!”
Teria me insultado mais, se meu celular não voltasse a tocar. Era a oportunidade perfeita de me redimir. Atendi com uma satisfação cruel:
– Sunny?
Ela demorou para falar:
– Oi… Camila…
Fui seca:
– Oi.
E ela bem doce:
– Eu… Queria saber como você está?
“Era assim tão fácil fazer as mulheres gaguejarem?”
– Estou bem… E você?
– É… Camila… Eu passei esses dias pensando muito sobre o que aconteceu naquele dia. E queria te pedir desculpas por ter saído daquele jeito. Eu… Eu precisava.
“Parecia que sim… Era só ser infame. Cruel. Bem fria…”
– Tudo bem, Sunny. Eu te entend…
– Vem passar uns dias comigo?
“E todas elas rastejariam…”
– Como?
“Eu quase não podia acreditar…”
– Camila… Eu sei que… Talvez você vá me achar maluca… Mas é que… Andei pensando muito em você. Eu não posso mentir dizendo que não sinto algo por você. Tudo bem que até o momento só aconteceu sexo. Mas… Eu pensei se a gente não podia… Se conhecer melhor? Você podia vir passar o tempo que quisesse comigo… Pra gente se conhecer de fato. Sem ser só sexo, como amigas… Entende? Eu ficaria muito feliz se você viesse.
“Que tinha passado anos sofrendo…”
– E aí, você aceita Camila?
“E no fim era tão simples… Bastava ser o pior possível.”
– Eu vou. Mas o que eu te falei antes é a pura verdade, e não um enigma que você precise decifrar ou interpretar. Pelo contrário, é muito simples. Não quero ser sua amiga, é só sexo. Será que é tão difícil assim de entender? – O silêncio que se estabeleceu não me abalou. Muito pelo contrário. Aproveitei para completar: – E aí, você aceita, Sunny?
Ela foi sucinta:
– Sim. Pode vir.
Eu não me surpreendi. Só me envenenei um pouquinho mais… Comigo, com ela, com o universo que sarcasticamente tornava real a frase que eu mais odiava: “Mulher é igual a chiclé, quanto mais se pisa, mais gruda no pé…”
– Tenho umas coisas pra fazer primeiro, mas amanhã estou aí.
Ela concordou, se despediu e desligou.
E eu fiquei ali. Paralisada… Perplexa comigo mesma, e com a facilidade e a maravilha que era abandonar o papel de “a otária” da historia e simplesmente poder ser… Horrível.
Libertador, no mínimo.
O percurso de volta foi rápido. Embalado por um silêncio absoluto dentro do carro, quebrado apenas pelos sons que vinham de fora e que eu absolutamente não ouvia, concentrada que estava num único e inédito objetivo: seguir.
Cheguei em Blumenau por volta das nove da noite. Estacionei na rua, em frente ao prédio. Subi no elevador determinada, uma segurança desconhecida guiando meus passos o tempo inteiro.
Toquei a campainha e não demorou muito, Flávia me recebeu descalça, de jeans e camiseta. Olhou para mim como se eu fosse um fantasma ou uma visão… Absolutamente surpresa:
– Camila? O que você…
Não a deixei completar. Avancei, passei meus braços ao redor de seu pescoço, empurrando-a para dentro, minha boca na dela enquanto a fazia recuar pelo corredor de entrada…
Nossos lábios se tomaram, se mesclaram, se aprovaram… Durante todo o percurso até a sala, embaladas pela música que já tocava. “Eleanor Rigby” (The Beatles – versão do Scarlett Trio).
Fiz com que se sentasse no sofá, me encaixei com as pernas abertas sobre ela, tirei a camiseta dela, toquei e acariciei os seios… Fazendo Flávia suspirar e gemer antes de desabotoar a blusa que eu vestia também. Me esfreguei, a sensação de um jeans roçando no outro me levando a uma excitação extrema… Sem tirar a boca da minha, ela verbalizou exatamente o que eu pensei:
– Você quer me enlouquecer…
Uma afirmação? Uma pergunta? Não fui capaz, sequer tentei compreender…
Só queria fazer o que fiz: encaixar meus dedos sob os cabelos negros, acariciar a nuca, puxá-la mais para mim. Ficamos assim… Nos beijando apenas. E eu poderia ter continuado por muito mais tempo ali. Somente com a boca na dela…
Mas rapidamente voltei à razão.
Ajoelhei na frente de Flávia, minhas mãos desabotoaram a calça, desceram o zíper, a direita se enfiou dentro da calcinha. Ela jogou a cabeça para trás, gemeu de um jeito delicioso. Se entregou… Apenas momentaneamente. Logo me interrompeu:
– Vem cá…
Me fez levantar, abaixou minha calça e minha calcinha. Lentamente… Sem pressa nenhuma, me deixou nua. Parou para me olhar nos olhos. Sussurrou:
– Você é muito linda…
Acariciou cada pedacinho do meu corpo… Com as mãos, com a boca, com a língua… Parou em um dos seios, sugou… Tocou o mamilo de leve, passou a língua, mordeu a pontinha…
Mesmo se eu quisesse, não conseguiria abafar meus gemidos. Tinha ido com a intenção de usá-la e, no entanto, eu estava ali, completamente rendida, deixando que Flávia subjugasse todos os meus sentidos…
– Não faz assim…
Foi o protesto que saiu dos meus lábios e que ela prontamente atendeu:
– O que você quer, meu amor? Me diz. Eu te dou…
Arranquei o jeans e a calcinha de Flávia quase com brutalidade. Depois me sentei novamente sobre ela.
Voltamos a nos beijar. Minha mão entre as pernas de Flávia, a dela entre as minhas… Segurei-a pelos cabelos, fiz com que me olhasse. Ordenei:
– Me come.
Flávia estremeceu… Deixou escapar um som quase gutural, que me deixou excitadíssima… Pediu:
– Então se abre pra mim…
Enquanto o real e profundo significado da frase me atingia, ela mesma apartou as minhas coxas… E entrou deliciosamente, me mostrando quem estava conduzindo…
Na cadência dos quadris e dos dedos que deslizavam em uníssono, ouvi Flávia repetir várias vezes:
– Eu te amo… Eu te amo, Camila…
Minha única resposta eram os meus gemidos.
Não precisou mais do que isso. Cheguei ao clímax rápido, muito mais rápido do que eu gostaria.
E Flávia não.
Apenas me segurou, me amparou em seus braços, até eu recobrar as minhas forças. O suficiente para olhar nos olhos dela de novo. Parecia muito mais satisfeita do que deveria. Ou talvez… Do que eu gostaria. Fazendo com que mais uma vez, sem pronunciar uma palavra, eu me traísse.
Flávia me conhecia? Sim e não… Porque eu jamais deixaria assim… Deitei no sofá puxando-a entre as minhas pernas, por cima de mim:
– Quero que você goze também… Vem…
Flávia fez o que eu pedi. Esfregou o corpo no meu de um jeito sedutor e arquejante, soprando incessantemente no meu ouvido:
– Gostosa… Deliciosa… Amor da minha vida…
Me levando, de forma repentina, a um gozo intenso… Pleno… Incontrolável…
Sem que ela viesse comigo.
Permaneci um tempo imóvel debaixo dela, tentando me recuperar, não só fisicamente… Tinha sido… Totalmente diferente do que eu esperava.
Flávia roçou os lábios no meu pescoço… Estremeci.
Ela se afastou apenas o suficiente para me olhar nos olhos e quando o fez, foi como se pudesse me ler por dentro. Não disse nada. Nem precisava. O sorriso que me deu foi muito mais significativo do que qualquer palavra.
Nossas bocas se uniram num beijo suave, que não exigia nada, era… Maravilhosamente leve.
Depois Flávia me perguntou:
– Já jantou?
– Não. – Antecipei a resposta da próxima pergunta antes mesmo que ela a fizesse: – E nem vou.
Como se fizéssemos aquilo sempre…
O pensamento só serviu para reacender o meu desejo. Dessa vez de uma maneira muito diversa. Fiz com que Flávia girasse e fiquei por cima. Ela ameaçou protestar, mas eu a impedi:
– Quero você. Preciso.
O consentimento se deu primeiro no olhar, depois na entrega total que se seguiu… Na forma com que ela se deu… Por inteiro… Só para mim…
Fiz do corpo dela a minha carne… Pulsei e respirei no mesmo tom, no mesmo andamento, no mesmo ritmo… E na satisfação dela… Encontrei a minha.
Acordei com o braço de Flávia ao redor da minha cintura, a respiração dela em minha nuca, o corpo colado em minhas costas… Tentei me mexer devagar, com cuidado para não acordá-la, mas ao primeiro movimento meu ela sussurrou no meu ouvido:
– Bom dia…
Com uma felicidade quase palpável.
Minha voz soou diferente… Até para mim:
– Bom dia… – Perguntei me sentindo estranhamente tímida: – Que horas são?
Flávia me soltou apenas para verificar:
– Oito. – depois voltou a me abraçar, beijou meu ombro, me causando um primeiro arrepio… Propôs: – Posso ligar dizendo que não vou hoje.
Afastei rapidamente a vontade de aceitar:
– Eu não posso ficar. – ela não me cobrou, sequer me perguntou. Eu quis dar a explicação. Virei o corpo e a fitei: – Vou pra Porto Belo.
O olhar de Flávia se transformou… Se tornou… Opaco.
– Ok.
Foi só o que ela disse. E eu não falei mais nada também.
O olhar de Flávia me acompanhou… Durante toda a viagem. A certeza de tê-la ferido me doía profundamente, deixando claro o quanto minhas ideias da véspera eram inviáveis. Não que a crueldade não me caísse bem. Muito pelo contrário. Longe de mim a perfeição, eu era apenas humana e como tal, inevitavelmente falha.
A verdade simples e clara era que o veneno havia sido neutralizado dentro de mim. E o antídoto tinha um nome: Flávia.
Estacionei em frente ao portão da casa de Sunny sabendo que nossa conversa seria difícil, mas que era absolutamente necessária. Respirei fundo antes de tocar a campainha. Ela me recebeu com um sorriso:
– Entra.
Obedeci, esperando ter sabedoria suficiente para ser honesta sem, no entanto, magoá-la. Tornou-se impossível quando Sunny fechou a porta, se virou para mim e perguntou:
– O que está acontecendo entre você e a Flávia?