Na sua estante:
Do Outro Lado da Cidade:
Balada de Gisberta:
Sunny – Jennyfer Hunter
Acordei com Camila em meus braços. Quando me dei conta, tratei de me aconchegar um pouco mais no corpo quente por debaixo do cobertor. Ela se mexeu um pouco, mas foi somente para me puxar ainda mais pra ela. Senti um conforto inexplicável. Uma sensação boa, de proteção, de segurança, de paz. Tal sentimento levou-me a pensar nos acontecimentos dessas ultimas duas semanas. Tanta coisa inesperada acontecendo… descobertas, situações … tudo tão intenso. Ela respirava bem próximo ao meu ombro… estava linda. Sua feição era tranquila, calma, relaxada…quase que feliz. Dei um beijo de leve em seus lábios e com pesar, sai de fininho da cama. Não podia ficar ali, precisava lutar contra a minha vontade louca de tê-la mais uma vez. Só que era muito difícil deixar a cama com ela ali… toda pra mim. Soltei a pergunta retórica: onde ela estava por todo esse tempo em que eu não havia encontrado ninguém? Sorri da minha idiotice e sai em direção à cozinha. Na verdade queria ir pra bem longe, onde quando ela acordasse não pudesse me ver. A mínima proximidade dela era o estopim para minha rendição.
Deixei a mesa do café posta. Coloquei biscoitos salgados, torradinha, leite, chocolate, pãezinhos e frutas. Só faltou o café. Fui até o quarto, me enfiei por debaixo do cobertor, desejando poder ficar ali todo o meu domingo, mas infelizmente não podia, não devia. Beijei seu pescoço uma, duas, três vezes… na quarta ela abriu os olhos lentamente… e aos poucos aquele olhar fazia o meu domingo ter sentido. Ela me olhou… bocejou e depois sorriu lentamente… indicando que tinha recobrado a memória, relembrado de tudo o que tinha acontecido na noite anterior.
– Bom dia!
Dei um beijo de leve na boca. A resposta foi outro bom dia e outro beijo. Ela passou a mão no meu rosto e perguntou que horas eram.
– São dez e meia da manhã, dorminhoca. Vim te chamar. Tá na hora…
– Hora? De quê? – Perguntou com a voz rouca, ainda me segurando.
– É que… preciso sair…
Tive que ser muito firme para não demonstrar qualquer contradição.
– Ok. Entendi… tenho que ir, né?
Dei uma piscadela e sai da cama. Pela cara que fez, ela não levou a mal. Ainda bem, pois esse era um receio.
– Já coloquei uma toalha pra você lá no banheiro. Vou te esperar pra gente tomar café, tá?
Falei enquanto me encaminhava para a cozinha.
– Hum, tenho direito a café é?
Brincou ela enquanto levantava da cama também.
– Não… é só hoje!
Respondi sorrindo.
Tomamos café e posso dizer que foi super agradável. Não falamos sobre nada do que tinha acontecido de sexta para cá. Não tínhamos que dar satisfações uma à outra. Ela me disse que iria passar na Flávia e que iria esperá-la para voltar para Casa. Precisava arrumar umas coisas para começar a semana de trabalho na segunda. Foi aí que soube da profissão dela. Funcionária pública. Trabalhava no T.R.E. Como ela conseguia todo dia fazer a mesma coisa? A simples ideia da mesmice me dava nos nervos.
Peguei toda a louça suja, joguei dentro da pia. Ela se ofereceu para lavar, mas eu queria muito que ela saísse logo da minha frente, antes que eu sucumbisse aos pedidos inflamados de desejo por permanecer em casa com ela. Peguei as chaves, a cartucheira e o material. Ela pegou a bolsa e o celular que estavam em cima do sofá. Eu abri a porta para ela passar. Parou na minha frente… me olhou… segurou meu queixo docemente e disse:
– Foi muito bom…
Em seguida veio o beijo…molhado… cheio de significados. Porém esses eu não conseguia entender. Ela estava fazendo uma confusão na minha cabeça ou seria eu que estava fazendo sozinha?
Caminhamos juntas até uma parte da rua. Depois ela seguiu em direção à casa da amiga e eu fui para a praia.
Caminhando e pensando… assim foi uma boa parte do meu domingo. Eu tinha a sensação de que errei em tê-la esnobado e depois ter tratado com tanto carinho pela manhã. Será que ela não vai achar que to caída? O fato é que não estou…ou melhor, na verdade é o que repito pra mim várias vezes. Sacudi a cabeça negativamente ordenando que não podia me deixar encantar… afinal ela só queria sexo. Mas… que sexo! Era tão gostoso… quente… irresistível. Só de pensar já me dava comichões. Confesso serem as melhores transas que eu já tive. Camila tinha me dado a oportunidade de conhecer outra realidade, de explorar novas possibilidades. E eu estava a todo custo, tentando administrar tudo isso em tão pouco espaço de tempo. Eu queria, ela parecia que não. Eu podia, ela demonstrava que não. Eu tentaria…e ela o que talvez faria? Não sei. Minha única e mais sensata saída era mostrar que também não me importava com esses acontecimentos. Que esses não eram importantes para mim. Que estava de bom tamanho o fato de não ter ninguém fixo. Que podia ser só sexo sem compromisso. Mas sinceramente? Eu sentia falta de algo… eu buscava algo a mais… e definitivamente não seria da Camila que eu teria.
A manhã se foi… fui em casa para almoçar e a tardinha fui dar mais uma volta.
Passei pela barraca das meninas. Quando cheguei só quem estava lá era a Lú. Aproveitei para conversar um pouco com ela sobre as últimas horas. Como na semana que passou não tivemos muito contato, tínhamos muito para conversar.
Ela disse que Ive tinha ido em casa fazer umas coisas e que iria demorar, talvez só fechasse para buscá-la. Perguntou se eu não queria ficar ali um pouco. Sentamos e conversamos bastante. Contei da minha primeira vez, de quando ela voltou para tentar se redimir, da proposta descarada, mas verdadeira… da situação estranha e indefinida com Gabi… enfim… colocamos a fofoca em dia.
– Então… qual sua opinião sobre isso tudo?
Perguntei já esperando a resposta dela.
– Bom… acho que ela também quer, amiga. Mas veja… é difícil para ela abandonar tudo, entende? Como é que ela vai seguir em frente se não houve um fim no casamento? Ela não quer se machucar… e nem a você. É simples.
– É… falando assim parece muito simples. Mas não é tanto. Eu to só transando com ela, Lú. Sei que não temos nada certo… ela é maravilhosa, mas… depois que acabamos de transar e a gente se separa. Me parece estranho… é como se ela cumprisse um expediente, sabe? Você chega, faz o que tem que fazer e quando dá sua hora, você vai embora. Não sei se quero ficar sentindo isso por muito tempo.
– E o que você pretende fazer, Sunny? Por acaso não vai mais querer nada?
– Posso dizer que não quero mais nada. É fácil.
– Sei… E vai ficar sem o que une vocês? – Perguntou Lú.
– O que nos une é somente o sexo. Só. Quando isso deixar de ser bom, vai cada uma pro seu canto.
Lú parecia quase que aborrecida com meu comentário. Ela aproximou a cadeira dela da minha, segurou minhas mãos e carinhosamente me falou:
– Amiga, será que você não enxerga as coisas? Não é só sexo. Ela não voltou para te pedir desculpas?
– Sim, mas depois me ofereceu só sex…
Fui cortada antes mesmo que pudesse terminar a frase.
– Sunny… Sunny. Ela te ofereceu a única coisa que ela podia te dar naquele momento. E acredite, diante do que ela está passando, o que ela ofereceu ainda foi muito. Você foi a única que conseguiu fazer o inimaginável. Ela não se permitia fazer isso com ninguém há dois anos.
Eu não me atrevi a falar nada. Fiquei pensando nas palavras dela. Eram sensatas, lógicas e cheias de razão. Essa opinião da Lú estava sendo muito importante, pois eu estava olhando as coisas de outra forma. Saber que era possível ter a atenção de Camila só pra mim, de que ela tinha me escolhido para lhe dar prazer, era como massagem ao meu ego. Surgiu até uma pontinha de esperança de que Camila se libertasse logo desse fantasma que tanto a podava, a limitava e a culpava por estar tentando viver. A verdade é que as vezes eu achava que eu entraria numa disputa que já tinha uma vencedora.
Levantei da cadeira e fui pegar um copo d’água. Enquanto abria o freezer perguntei para Lú:
– Você acha que ela se permitiria mais? Digo… acha que a ligação poderia crescer?
Ela sorriu achando minha pergunta engraçada.
– Amiga, presta atenção em uma coisa. Quem propunha sexo foi ela, certo?
Dei uma golada rápida na água e fiz que sim com a cabeça.
– Então. Tá visível que ela gosta de você. Mas a luta dela é grandiosa. Você é que tem o controle da situação nas mãos.
– Tenho?
– Claro! Veja… ela te liga e cabe a você dizer se quer ou não. Quando disse que não, o que ela fez? Veio assim mesmo.
Verdade! Não tinha parado para pensar nisso. Por mais que ela só quisesse usar e abusar, ela poderia ter vindo só no sábado. Mas não… veio faminta na sexta mesmo. Pensei enquanto Lú continuava sua analise…
– Agora tem uma coisa, Sunny. Não seja infantil. Não fique criando ceninhas.
– Que ceninhas, Lú? Estava apenas me divertind…
– Não. Você estava usando a situação a seu favor, mas da maneira errada. Se você não souber como fazer, poderá afastá-la de vez. Ela vai preferir se fechar no casulo a tentar chamar sua atenção.
É… ela tinha razão, mais uma vez.
– Eu fui um pouco displicente, né?
– Não Sunny. Na verdade você precisava mostrar para ela que não estava ligada totalmente a ela, que não é um bibelô. Foi certa, mas no final acabou cedendo. Então, faça um balanço e me diga quem saiu ganhando no final?
– Camila.
Respondi abaixando a cabeça. Luciana estava me fazendo enxergar o ponto como a outra pessoa. Eu estava pensando só em mim. Continuar daquele jeito realmente me faria perdê-la. Em contrapartida, me incomodava o fato de ter que segurar meus impulsos. Eu não vim a esse mundo para depender de ninguém…
– Lú! Você acha que eu preciso mexer com ela de outro jeito? Que ficar com outras não é a estratégia correta?
– Amore, você pode ficar com quem quiser, mas concorda comigo que ela não precisa saber?
– É… tem razão. É isso ai.
Luciana tinha acabado de me dar um grande insight. Eu iria dar corda e depois puxaria. Sei que não seria fácil. Mas era o único jeito de saber o que realmente aquela mulher queria realmente.
A conversa estava tão boa que nem vimos a hora passar. O movimento da praia estava pequeno… Lú disse que ia começar a arrumar as coisas para ir embora. Que ficaria só esperando Ive passar lá para buscá-la. Eu me levantei, dei um abraço de agradecimento pela boa conversa.
– Mande beijos para a Ive. A gente sai pra fazer algo no finalzinho da semana. Ok?
– Fechado! E pensa no que conversamos, ok?
– Vou pensar sim.
Os dias seguintes se arrastaram… A segunda amanheceu chuvosa… com vento gelado do lado de fora. Igualmente foi a terça. Nesses dois dias me dediquei a ficar em casa fazendo minhas artes, renovando o estoque de pulseiras, braceletes, colares e tererês.
Quando fiz o primeiro tererê, foi inevitável não pensar em Camila naquele exato momento em que eu fiz um para colocar em seu cabelo. Aquele olhar intenso e perdido ainda estava gravado em minha cabeça. Eu tinha passado horas ocupando meu tempo… mas estava inquieta… tinha escutado músicas e lembrado da Camila na minha cama por infinitas vezes.
Nas horas de dormir, as cenas daquele corpo quente se esfregando em cima do meu… daquelas mãos conduzindo o ritmo das roçadas… dos gemidos no meu ouvido, dos pedidos para eu dar a ela o que tanto queria… tudo vinha como espasmos… incontrolavelmente na minha cabeça.
quarta chegou… o sol saiu um tanto… tímido, mas aos poucos foi preenchendo a casa com seu calor. Dei uma caminhada na praia… deixei algumas peças com as meninas e depois voltei para casa. Já não aguentava mais de ansiedade pelo final de semana. Precisava preencher meu tempo com alguma coisa diferente. Na realidade precisava fazer algo de diferente. O que, por exemplo? Não vinha nada na minha cabeça.
Aumentei o volume do som e fui tomar banho… fiquei imaginando Camila passando sabonete por todo o meu corpo… Acariciando os meus seios… apertando minhas coxas… tudo o que ela gostava de fazer… nunca tínhamos feito sexo debaixo do chuveiro. Tá ai… uma boa ideia para nossa próxima sexta. Será que ela viria? Faltavam só dois dias. Se ela me ligasse, não ia me fazer de tão difícil dessa vez. Tinha ouvido os conselhos da Luciana. Precisava dar e depois tirar… sutilmente.
Imergi a cabeça toda debaixo d’água quente… e cantei junto a música que tocava alto… aquele trecho tinha tudo a ver com o que estava passando com Camila.
“Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres e outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu…”
Depois do banho, vesti um vestido larguinho, fiz um lanche e deitei um pouco. A noite eu ia passar na casa das meninas para jogar conversa fora e beber um vinho. Mas não cheguei a ficar cinco minutos na cama, pois a música que tocou me fez mudar completamente os planos.
“A cidade agora
Do outro lado tem
Alguém que vive sem saber
Que eu vivo aqui também
Se esse alguém soubesse
Que eu estou morando
Desse lado da cidade
Estou lhe procurando
Do outro lado da cidade
Eu sei que a felicidade está
Ainda vou saber exatamente
Onde ela vive e vou pra lá
Desse lado da cidade não tem sol
E tudo é muito triste
Porque a alegria que havia
Em minha rua não existe
Eu vou mudar pro outro lado da cidade
Pra melhor lhe procurar
E só vou parar de andar pela cidade
Quando lhe encontrar, lhe encontrar
A cidade agora
Do outro lado tem
Alguém que vive sem saber
Que eu vivo aqui também
Se esse alguém soubesse
Que eu estou morando
Desse lado da cidade
Estou lhe procurando
Desse lado da cidade não tem sol
E tudo é muito triste
Porque a alegria que havia
Em minha rua não existe
Vou me mudar pro outro lado da cidade
Pra poder lhe procurar
E só vou parar de andar pela cidade
Quando lhe encontrar, lhe encontrar.”
(Roberto Carlos – Do outro lado da cidade)
Dei um salto da cama. Abri a gaveta já pegando uma calça jeans, uma regata branca… coloquei um colar de miçangas pequenas de madeira, um par de sapatos e por fim a jaqueta de couro. Arrumei o cabelo com uma trança levemente desalinhada… passei uma maquiagem somente para dar um realce na pele e sai de casa. Peguei a midnight, coloquei o capacete e sai com a cara e a coragem.
No celular um, dois, três toques e nada. Liguei mais uma vez. Ela atendeu.
– Sunny?
– Oi, Camila. Tudo bem?
– Sim… que surpresa!
– Boa ou ruim?
Devolvi a mesma pergunta que ela tinha me feito na boate.
– Muito boa, Sunny. Mas me diz… o que houve?
– Nada demais… é que tive de passar em Blumenau. E queria aproveitar e saber se você está de bobeira? – Um silêncio do outro lado da linha quase que eterno. – Camila?
– Você… tá aqui… em Blumenau?
– Sim… Antes de voltar pra Porto Belo podíamos tomar alguma coisa…
– Você está onde?
– Ahn… deixa eu ver…. To perto da Prefeitura.
– Ok. Me dá dez minutos. Já estou saindo do trabalho e te pego ai.
– Eu tô de moto, Camila.
– Tudo bem… te encontro aí.
– Fechado.
Foram os minutos de espera mais longos da minha vida.
Ela chegou… parou o carro, me cumprimentou com um sorriso largo seguido de um abraço acalentado. Ela disse que iria me levar a um barzinho pra gente conversar um pouco, e pediu para que a seguisse com a moto.
Estacionamos na área azul de uma rua movimentada. Quando nos encontramos de novo… ficamos segundos nos olhando. Eu não sabia o que fazer… ela então cortou a inércia ao chegar bem perto de mim dizendo:
– Nunca imaginei te ver aqui em plena semana. Tá perdida?
– Não. Precisei vir aqui.
– Entendi.
– Então…
Falamos juntas… sorrimos sem graça uma para a outra… Ela continuou:
– Vem… é por aqui.
Descemos umas escadas e já estávamos dentro do bar. Um ambiente meio underground, cheio de detalhes que davam um charme distinto. A luz era pouca… um tom de amarelo e verde… as mesas redondas todas de madeira e ainda tinham umas cadeiras paralelas ao balcão do bar. Podíamos ver um monte de fotos penduradas em um barbante e presas com pregadores… alguns quadros pequenos espalhados pelas paredes e um tipo de mural com jornais mostrando noticias sobre o recinto. Assim que sentamos, eu falei:
– Que charme de barzinho. Você vem sempre aqui?
– Na verdade… Não muito. Acho que só vim aqui duas vezes. Mas achei que você ia gostar.
Assim que acabou de falar, fez um sinal pra o rapaz do bar, que prontamente foi nos atender.
– O que você quer beber? – Ela perguntou me mostrando as opções do cardápio.
– Eu gostaria de… hum… acho que quero uma Eisenbahn.
– Ótimo.
Ela pediu duas e uma porção de alcatra acebolada.
O rapaz anotou o pedido e logo depois voltou com as nossas cervejas.
Brindamos e levamos o copo à boca nos olhando. Parecia que tínhamos perdido a fala. Sempre tão acostumada a conversar, a puxar assunto… dessa vez eu não consegui.
– Sério… não tô acreditando que você está aqui.
Ela quebrou o silêncio de novo.
– Pois é… quer beliscar pra acreditar?
Sorri maliciosamente… ela não beliscou… só passou a mão por cima da minha… carinhosamente.
O garçom chegou com a porção e perguntou se queríamos mais alguma coisa.
Camila disse que estava tudo perfeito… e agradeceu. Eu puxei assunto…
– Aquele cantinho ali é o espaço musical?
Falei apontando para o lugar.
– Acho que sim.
– Interessante… gostei muito.
– Eu também gostei, Sunny…
O jeito como ela falou e me olhou me fez estremecer… tinha ido lá com uma desculpa… mas queria ficar com ela um pouco… matar o desejo de encurtar o espaço de tempo que ficaríamos sem nos ver. Minha vontade era de pular no pescoço dela… mas precisava ir com muita calma… lentamente… calculando as possibilidades.
– Tem amigos por aqui? – Ela perguntou sondando.
– Tenho amigos em vários lugares… acredito que por aqui deve ter alguém… Por que ?
– Por nada… Só queria saber se…
E antes que ela pudesse terminar, um homem muito bonito se aproximou colocando a mão no ombro dela.
– Camila!
Ele chamou a atenção dela, que se virou e exclamou:
– Ingo! Você por aqui?
Ela se levantou e deu um abraço daqueles. Notei que a mão dele a segurou na cintura… um tanto quanto íntimo. Eles desfizeram do abraço… foi ai que ela me apresentou…
– Ingo… Sunny… minha amiga… Sunny… Ingo… um grande amigo.
Nos cumprimentamos… mas só fiquei no “muito prazer…” Ele voltou a falar com ela.
– E aí, você está cada vez mais bonita…
– Obrigada. Por onde andou?
– Ah… eu passei alguns anos no Canadá. Voltei tem menos de um mês.
– Que bom! E aí? Quais as novidades? Casou?
– Não… eu sempre quis casar com você, mas não deu….
Percebi que Camila ficou vermelha… Então Camila já tinha namorado homens.
– E você, casou?
– Sim.
Ele fez uma pequena pausa… até que voltou a falar:
– Bom… não vou demorar…
– Poxa… agora que tá de volta, vê se não some tá?
Ela deu outro abraço nele, que encaixou a boca no pescoço dela. Juro, estava muito curiosa para saber o que tinha rolado ali. Assim que desfez do abraço, voltou-se para mim e disse que tinha sido um prazer…
Ela observou ele indo embora… virou o corpo pra mim e disse:
– Ele é muito querido.
– É? Em que sentido? – Perguntei com um quê de indiscrição mesmo…
– Nós fomos noivos. Ficamos juntos por quatro anos. Ele foi uma pessoa muito especial pra mim.
– Especial? Ah já sei!
– Sabe, é? Eu não sabia que você era tão curiosa assim…
– Sou um pouco sim… gosto de desvendar coisas…
– Hum… vamos ver se você é boa nisso então?
– Vamos lá!
Ela pegou a garrafa de cerveja, colocou mais um pouco em seu copo e assim que terminou, pegou na minha mão e me olhando fez uma pergunta:
– Olha pra mim… E me diz o que eu estou pensando.
Eu nem pisquei para responder… inclinei meu corpo pra frente, pedindo pra ela fazer o mesmo… e disse baixinho:
– Que você quer sair daqui já!
Ela ainda inclinada, sorriu… apertou minha mão e continuou…
– Vamos pra minha casa.
Meus olhos brilharam. Todo o meu corpo se arrepiou só em pensar que eu teria ela de novo… e no apartamento dela.
Em um instante ela já tinha pago a conta…
Levantamos e saímos. Ela foi de carro na frente e eu fui seguindo com a minha moto.
O apartamento dela era aconchegante… bonito… espaçoso… assim que ela fechou a porta, foi logo me segurando pela cintura e me puxando ao encontro do seu dorso… nossas bocas se tocaram com urgência… com saudades… os beijos carregados de desejos… os corpos ardendo de tesão… loucos para descarregarem toda a falta sentida nesses três dias longe… Camila não me permitia respirar tamanha a voracidade dos seus beijos… ela foi me conduzindo até chegarmos na sala…
Camila já tinha desabotoado minha calça… e atirado minha jaqueta no outro sofá… Uma péssima hora para a peça bater em um porta retrato, que caiu virado para cima… mostrando na figura duas mulheres juntas.
Não foi preciso eu parar de fazer qualquer coisa… na mesma hora que Camila viu o que era, se afastou de mim, tratando de pegar do chão o porta-retrato antes que eu pudesse ver a fotografia…
Já era… tínhamos perdido o clima. Olhei mais um pouco em volta e me espantei com o que vi… vários retratos espalhados por toda a sala… aquele lugar tinha tantas fotos que era possível sentir a presença da ex ou ainda atual mulher dela…
Camila não sabia o que fazer… Estava completamente sem jeito… pediu desculpas… pegou a camisa do chão e se vestiu novamente… eu fechei o botão da calça… ajeitei a minha regata… e fui caminhando para a sala… precisava sair daquele lugar rápido…
Ela veio atrás…
– Sunny! Por favor… Espera…
Eu consegui pegar o casaco… e vestindo-o falei:
– Tudo … tudo bem… Camila…. Eu… não deveria ter … vindo…
– Escuta… eu…
Na mesma hora coloquei um dedo em sua boca como quem pede para ela não falar mais nada…
– Esquece, Camila… não precisa se explicar…
– Espera… Eu…
Eu estava tão desorientada que já ia metendo a mão na maçaneta para ir embora. Ela não deixou… se colocou rapidamente diante da porta … Coube a mim falar rápido para sair dali o mais rápido também.
– Desculpa… mas… é que não consigo ficar aqui… Me posicionei para beijá-la na bochecha…. olhei pra ela pela última vez e sai deixando ela ali parada… me olhando… me observando… intacta.
Na estrada não consegui pensar em muita coisa. Mas uma era fato… não devia ter saído da minha casa para ir lá. Eu deveria ter cogitado a possibilidade disso acontecer. Eu deveria saber que nessa história eu sempre seria o passatempo… a diversão…
Não sabia mais o que seria de nós duas depois do acontecido. Só tinha uma sensação… de que não tinha espaço pra mim… definitivamente não.
Em casa, apenas tomei um banho bem quente… sem forças para pensar em mais nada… fui para o quarto… liguei o som bem baixinho e me concentrei em tentar dormir, tendo a certeza de que seria uma noite insone. Rolei para um lado… para outro… amassei o travesseiro extra entre os braços… sentindo o cheiro dela ainda entranhado… desejando ter alguém que eu pudesse chamar de meu… de minha…
Só lembro de ter ouvido Bethânia no rádio antes de ser vencida pelo sono…
“Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta para o nada.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
O fim quer me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim quer me buscar.
Trouxe pouco,
Levo menos,
A distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe
O amor é tão longe
O amor é tão longe.”
(Pedro Abrunhosa – Balada de Gisberta).
As estrofes da canção vieram para traduzir um pouco da minha decepção… para mostrar que o amor estava longe de se fazer presente na minha vida… Amanhã seria outro dia…