O grito de Chaitanya as trouxe de volta e se perceberam nuas, praticamente enroscadas.
— Desculpe, mãe, perdi o controle.
— Rápido, vão para o abrigo.
— Chegou ao ministério?
— Não, filha, graças às estrelas que nos dão luz e calor, eu estava mais perto, mas preciso voltar rápido e tomara que não percebam minha saída.
— Tem alguém lá que vai fazer isso acontecer, mãe. Desculpa mesmo, não tive a intenção.
— Eu sei que não, filha, mas agora vão rápido, antes que o ministério da ciência apareça para investigar.
— Foi muito forte, mãe?
— O mais forte que senti até hoje, agora vão.
A cerca de cinco metros da casa central, havia uma casinha para material de jardinagem e coisas afins. As garotas apanharam as roupas e Akala saiu puxando Abhimata naquela direção. Entraram, Akala tocou em um ponto na parede, apareceram teclas com números, digitou um código e uma parte do chão se abriu. Desceram os degraus e o chão se fechou novamente. Estavam em uma casa pequena, mas bem montada, abaixo dos jardins.
— Aqui é o abrigo?
— Sim. Aqui tem campo de força que não deixa penetrar o rastreamento do Ministério da Ciência. Às vezes, quando era pequena, precisava de um local assim quando algo acontecia e eu ainda não sabia controlar, mamãe me escondia aqui e ficava lá fora vigiando.
— Vigiando como?
— Tem sistema de vigilância lá na casa, mas só ela ou eu podemos acessar. Olha ali as câmeras.
— Foi ela quem fez tudo isso?
— Não, tá no pacote da família há muito tempo já.
— Vocês esconderam algumas crianças aqui, não é?
— Deve ter passado muita gente por aqui sim. A cada geração melhoramos as instalações e continuamos. Mas, já que estamos seguras, se importa em continuar de onde paramos?
— Francamente, não me importo, mas o que aconteceu que sua mãe chegou tão apavorada e preocupada.
— Você sentiu algo forte enquanto a gente se beijava e fazia algo mais, não foi?
— Foi algo maravilhoso! Como se eu flutuasse no espaço cheio de luzes, cores, energia imensa, não consigo explicar.
— Toda energia flui e dependendo da intensidade dela atinge outras pessoas, quanto maior, mais longe vai e mais pessoas atinge. A energia que geramos com nosso amor e prazer a atingiu e, como ela sabe reconhecer quando é algo dos evoluídos, correu para o foco para socorrer, sem saber que eram suas “filhas”.
— Agora fiquei com medo! Você tem que controlar suas emoções o tempo todo para não atingir os outros?
— Mais ou menos. Mas aqui estamos seguras, nada vai vazar. Vem cá!
Ela foi. E, de novo, jamais poderia descrever o que sentiu, naquele momento pensava que tocava o infinito, que jamais poderia ser tão feliz, que não havia nada mais belo, que o poder de Akala era maravilhoso. E houve beijos, palavras, promessas, carinho e carícias, e orgasmos. Demoraram a parar para descansar abraçadas.
— Você pode me fazer gozar usando sua mente?
— Posso, mas prefiro da forma que fizemos.
— O que mais pode fazer?
— Minha família, há muito tem evoluídos. Como nos enviam para o Santuário cedo, aprendemos, treinamos e realizamos, sua mãe tremeria de medo se soubesse tudo que podemos fazer. Venho de uma longa linhagem de evoluídos, posso fazer muita coisa, mas tem quem possa mais ainda.
— Devo ter medo?
— Ninguém deve ter medo de nós, mas não podemos responder pelos que fugiram do Ministério da Ciência, dos que foram para povoados distantes.
Aconchegaram-se e acabaram por adormecer.
— Akala, Abhimana, não estão com fome? Vistam-se e venham comer.
Depois de alguns minutos, chegaram, tomaram banho e se sentaram à mesa.
— Estão bem, meninas?
— Estamos, mãe! E você, teve algum problema quanto à sua ausência?
— Não. Quem estava por lá é capaz de jurar que só saí do auditório para ir ao banheiro, nada mais que cinco, sete minutos. Aswara conseguiu fazer com que olhassem para ela e vissem a mim.
— Que bom!
— Tem quem consiga fazer isso!?
— Aswara quase não fala, mas consegue que, ao olhar para ela, você veja e ouça a pessoa que ela quiser parecer, ela não se transmuta, apenas faz com os outros a vejam assim.
— Acho que na próxima vez que for Akhanda, eu a levarei. Você avisa o pessoal, filha?
— Pode deixar, mãe.
Terminaram de comer e mesmo uma querendo ficar e a outra que não fosse, Akala as deixou.
No fim de semana seguinte, Abhimata acompanhou Chaitanya até Akhanda. Seu espanto foi total ao ver a modernidade, as naves de transportes, o tamanho e o tanto de gente que lá vivia.
— Há quanto tempo isso tudo existe?
— Desde que minha ancestral propôs deixarmos as crianças na floresta para que se “virassem”.
— Tá brincando? Então quando ela propôs a tal Lei, já tinha feito essa cidade?
— A verdade é que ela queria salvar o máximo de pessoas, e esse foi o começo da cidade de Akhanda. Poucas moradias, hortas, o início dos pomares. Com o tempo tudo foi crescendo, se desenvolvendo e como são intelectual e mentalmente mais desenvolvidos, a ciência que têm aqui está mil anos à frente da nossa. No começo minha família enviava constantemente alimentos, medicação, tinha gente que vinha com seu evoluído e ficava pra sempre.
— Então os que vieram pra cá estão bem melhores do que se ficassem conosco, independente da minha família.
— Com toda certeza! Aqui se desenvolveram mais ainda, se respeitam e se ajudam. Alguns povoados criados pelos que fugiram da nossa cidade não chegam aqui, mas pedem ajuda e recebem o que necessitam.
— Por isso você tem campo de força na tua casa!
— É o mesmo que protege essa cidade. Por isso não fomos descobertos e vivemos em paz.
Akala se aproximou, beijou sua mãe e a namorada que apanhou pela mão e foi mostrar onde morava. Cinco minutos depois, a cidade sabia o que estavam fazendo pela energia enorme que circulava. Os evoluídos e Chaitanya sorriam, os demais sentiam sem entender, mas receberam a explicação quando perguntaram.
Como todas as folgas e férias que tinha, Chaitanya fingia ir para sua fazenda, mas se dirigia a Akhanda, Abhimata passou a acompanha-la religiosamente. As poucas vezes que recebiam a visita de Akala, era tempo curto, sempre de passagem apenas para um abraço, um beijo rápido. A relação das duas jovens se desenvolveu profundamente.
Ao atingirem a maioridade, o planeta se tornou perigoso, devido a naves estranhas que passaram a rondar. Todos temiam invasão. Mesmo os povoados espalhados começaram a conversar com a cidade central a fim de coordenar defesas, no entanto, os poucos evoluídos que haviam fugido antes não se atreviam a entrar no Conselho.
Todos os dias, com o anfiteatro cheio, durante as reuniões muito se discutia, mas pouco se resolvia. O Ministério da Defesa precisava da ajuda dos demais para aumentar seu poderio armamentista. O da Ciência não abria mão de sua verba. Então Chaitanya resolveu falar algo que quase causou uma síncope em Abhimana.
— Aqui em Brihat, temos um enorme poder que vocês descartaram e que poderia nos ajudar a resolver o problema.
— Que poder é este!?
— Os evoluídos, senhor. Não só os dos povoados, mas os que mandamos embora.
Abhimana ficou de pé, dedo em riste e gritando:
— Você é louca, como ousa falar naquelas aberrações como salvação? Algo que não conseguimos controlar e você quer dar poder a eles?
— Controlar!? Você não consegue controlar nem seu gênio! E eu falei em pedir a ajuda deles, não entregar tudo. Mas se vocês preferem entregar aos invasores quando chegarem, eu me retiro dessa discussão sem fim.
Alguém de um dos povoados se levantou.
— Tudo continua igual! Mesmo na iminência de uma invasão a ministra chamada da ciência, continua com seu preconceito arraigado. Melhor seria se os povoados se reunissem com seus evoluídos e se juntassem a Akhanda, ao invés do “grande poder central”.
— Akhanda!? O que é isso?
— A cidade dos evoluídos, o lugar que sempre nos ajudou, o lugar que sempre nos socorreu, onde a Ciência é para o bem comum e muito mais adiantada do que a de vocês.
— Onde fica?
Chaitanya voltou a falar.
— Vocês acabaram de recusar pedir a ajuda deles!
— Abhimana recusou, não o Conselho! Você os conhece?
— Claro que a defensora das aberrações os conhece! Pode nos levar lá?
— Não! A cidade não é minha para convidar vocês a visita-la e, se fosse, você jamais entraria nela. Tudo que sempre desejou foi erradica-los, porque não tinha poder sobre eles, e nunca terá.
Antes que houvesse uma resposta, o chefe do Conselho interveio.
— Parem vocês duas! Há como convidá-los para virem aqui no Conselho?
— Há, só não sei se vão querer vir falar com quem sempre quis mata-los. Mas posso perguntar.
— Chaitanya! Quero minha filha de volta, vamos precisar de todos no ministério para enfrentar o que vier.
— Eu nunca prendi Abhimata! Ela está comigo porque quer e nada sabe do seu ministério que, aliás, detesta. E não por influência minha, mas pelo que ela viu vocês fazerem.
— Não interessa, eu a quero de volta.
— Ela agora é adulta, chame-a! Se ela quiser vir, tudo bem. A propósito, podemos ver os resultados dos testes da tua família?
— Que testes?
— Aqueles que teu ministério obriga todos a fazerem para que vocês decidam se destroem as vidas dos positivos e suas famílias. Quando poderemos ver?
— Meu ministério é que verifica os resultados, ninguém mais precisa ver!
— Por que não? Vocês mostram os de todos, mas nunca vimos nenhum de vocês. A verdade é que não fazem, não é?
— Minha família nunca teve uma aberração! Não precisamos de testes para comprovar, somos puros!
— Só se for puro egoísmo! Com certeza já existiu vários, mas foram escondidos. Com licença, vou tentar contato com Akhanda.
Não precisava tentar contato, em Akhanda, as reuniões do Conselho eram sempre vistas na íntegra. Ela queria conversar com Abhimata.
— NÃO! Não vai sair sem devolver minha filha!
— Eu não sou mercadoria, Abhimana! Eu saí porque quis, por livre escolha exclusivamente minha, e não pretendo voltar a ficar com você.
— Quem vai me defender quando formos atacados?
A raiva crescia em ambas as partes. Chaitanya começava a se preocupar com o desfecho.
— Ah, então é para isso que quer filhos e amigos ao seu lado, para te defender? Você já tem filhos obedientes que podem servir de escudo. Já te pedi para me deixar em paz uma vez e volto a pedir agora, esqueça que eu existo porque pra mim você é só uma pessoa que tive o desprazer de conhecer um dia.
— Eu não tenho nenhum filho ao me lado! Todos me abandonaram, mas você não vai me abandonar!
Abhimana não podia suportar a ofensa, a vergonha de ser humilhada perante todos. Aproximou-se com a intenção de esbofetear e obrigar a filha a segui-la, mas algo a barrou.
— O quê? Tuas aberrações estão aqui, Chaitanya? Manda-os pararem.
Chaitanya chamou alguém pelo comunicador e em seguida abraçou Abhimata.
— Calma, filha, controle-se. Já pedi para Akala entrar. Não, Abhimana, não tem nenhum dos “meus” evoluídos aqui, ainda.
Akala entrou com mais duas pessoas que se colocaram na entrada, uma de cada lado da grande porta.
— Então o que está me barrando para chegar à minha filha?
Akala falou com voz tranquila.
— Abhimata, olha pra mim, por favor. Você se lembra quando tinha uns seis anos e houve um furor, uma grande briga na escola que ninguém sabia como começara e levou um tempo para parar? Sua mãe chegou com o pessoal dela, fez um show usando a situação para solidificar a ideia dela sobre, como ela diz sempre, as aberrações?
— Sim, eu me lembro.
— Você se lembra de ter sido testada?
— Não! Aprendi que a família não precisa ser testada.
— Você foi a única que não fez testes ou exames naquele dia e não se descobriu a fonte do problema. Mas, foi detectada por nós e, como eu posso controlar energia, você foi uma das fontes com que treinei ao longo do aprendizado.
— Então, quando pediu desculpa à sua mãe por ter perdido o controle…
— Pois é, como sinto as mesmas coisas que você nesses momentos, perco o controle. A verdade é que nunca fui eu, amor, sempre foi você.
— Do que vocês duas estão falando? Por que a chamou de amor?
— Porque ela é o meu amor maior, minha amiga, meu conforto, meu desafio, meu ponto de equilíbrio. Quanto ao que estava te segurando, era só a energia da raiva que ela estava sentindo, como naquele dia lá atrás na escola.
— Ela não é uma aberração!
— Não, não é, ela é uma evoluída maravilhosa que precisa aprender a controlar o poder que tem de influenciar todos à sua volta com seus sentimentos.
Abhimana apanhou a arma de um de seus seguranças e apontou-a para Abhimata.
— Já envergonhou demais minha família, vou acabar com isso agora.
A arma começou a pesar demais e ela não aguentou segurá-la. Assim que caiu no chão, se desfez. Todos estavam mais do que espantados tanto com a atitude dela, quanto ao sumiço da arma.
— Sua filha me perguntou um dia, o que eu sou capaz de fazer, nunca contei a ela, mas vou te dizer que se atacar ela ou minha mãe, pode acontecer com você a mesma coisa que aconteceu com a arma. Não somos adeptos à violência, mas não gostamos de ameaças e sabemos e podemos nos defender. Isso é uma das coisas que posso fazer, mas entre nós tem mais poderosos. Inclusive um descendente de um antepassado da sua família que foi levado para Akhanda há uns 500 anos.
— Sua mãe!? Você é a filha de Chaitanya?
— Ela é minha filha e a mulher da sua filha.
Um soldado entrou correndo e foi direto até o chefe do Conselho.
— Um povoado no Norte foi atacado e quase destruído. Pessoas fugiram e algumas estão presas pelos atacantes. Agora é real a guerra. Diante das circunstâncias, solicito ajuda ao povo de Akhanda.
— Nosso Ancião deve estar a caminho. Poderão conversar com ele e se decidir, ajudaremos. Mãe, amor, vamos?
Saíram. Logo em seguida entraram cinco pessoas, uma delas aparentando ser o líder.
— O senhor é Akil, o chefe do Conselho? Eu sou Akula e acredito que queira conversar comigo.
Após passar o espanto de todos diante do ocorrido
— Sim, sim, claro! Por favor, senhor Akula, sente-se aqui ao meu lado.
Ele sentou-se e esperou.
— Senhor Akula, infelizmente estamos sendo atacados por alienígenas, não sabemos quem são, sua capacidade, suas intenções e precisamos de ajuda.
— Estivemos monitorando-os. São como ladrões que invadem, levam tudo que pensam ser de valor e não se preocupam com vidas, nem mesmo entre eles. São violentos que tiveram acesso à nave interestelar, através de um visitante que não sabia da índole deles.
— Como vocês sabem tudo isso?
— Mentes são todas iguais para alguns de nós, descobrir tudo que sabem e pensam é fácil.
Abhimana resolveu atacar:
— Então sabe tudo sobre todos aqui?
— Não, com exceção de você, ninguém tenta nos atacar, nos prejudicar, então não tem porque saber sobre eles!
— E quem realmente é você?
— Eu sou descendente de um ancestral da tua família. Essa é a forma que assumo para conversar com os que não são como nós de Akhanda.
— Forma que assume!? – perguntou o chefe do Conselho.
— Você por acaso é um monstro tão disforme quanto sua mente?
— Não, Abhimana, eu, como muitos outros, já abandonei a forma física, nos tornamos energia.
— EU QUERO VER COMO VOCÊ É DE FATO!
— Tudo bem.
Akula, em um piscar de olhos, perdeu a forma humanoide e era energia pulsante, luminosa. Seus acompanhantes inclinaram levemente a cabeça, respeitosamente. Os que se encontravam no anfiteatro, estavam ofuscados e tentavam olhar usando as mãos para impedir tanta luz nos olhos. Depois de passado o espanto, Abhimana voltou a atacar.
— Se são tão poderosos, como deixaram o povoado do Norte perecer?
— Não deixamos! Enganamos os invasores, como vocês ouviram e acreditaram eles também têm certeza que foram vitoriosos. Vamos usar isso a nosso favor.
— Senhor Akula, não entendi. A notícia é falsa?
Akula fez sinal para seus acompanhantes e dois deles se aproximaram, fazendo gestual, assumindo posturas diferentes. De repente, todos ali se viram atacando um povoado, pegando coisas que pareciam valiosas. Foram três minutos e parou.
— Vocês sabem que não atacaram lugar algum, mas eles foram com a intenção, na mente deles aconteceu.
Enquanto isso…
— Akala, para! Me solta.
— Que foi!? Apertei demais tua mão?
— Não. Saímos quase correndo, você me puxando, mas agora para. Fui apenas o alvo de seu treinamento? Esteve me controlando, por isso se aproximou?
— O quê!? NÃO!! Claro que não. Nós, sempre que descobrimos um evoluído, tentamos protege-lo da discriminação e de sua mãe, sabe que chegamos a tirá-los do ministério, mas jamais me aproximei por isso. Poderia continuar te protegendo de longe, mas acabei por me apaixonar e quando ao me ver deixou escapar algo tão gostoso, tão terno, que não resisti.
— Acho melhor darmos um tempo em tudo. Você deveria ter me contado. Por que não me contou?
— Tua mãe poderia descobrir e nada poderia impedir que ela fizesse com você, o que bem entendesse. Por favor, acalme-se.
— Não vou me acalmar e não quero tua interferência. Cansei, que se dane se afetar todo mundo.
— Vai atrás dela mãe, por favor. Tomara não faça nenhuma besteira, acho que falei a frase errada na hora errada.
Os olhos já estavam marejados.
— E você, filha? Como vai ficar se eu for atrás dela?
— Eu consigo, mãe. Tenho três lares, você, ela e Akhanda, logo terei outros apoios, mas ela não.
Chaitanya sabia que a Akala tinha razão, viu Abhimata andando devagar na direção de sua casa, beijou a filha presente e foi atrás da outra.
Quando a alcançou:
— Filha, precisa parar ou se afastar de onde tem pessoas.
— Você sabia?
— Não, apenas desconfiei quando você estava com treze ciclos, naquele evento que tua mãe quis te forçar a voltar para a casa dela, mas como ela garantia que você tinha feito o teste e não era evoluída, fiquei em dúvida. Hoje, quando ela tentou se aproximar e sua raiva a barrou foi que tive certeza.
— Eles ficam vigiando a gente e não falam nada? Por que agora? Pelo mesmo motivo de Abhimana? Precisam de todos para rechaçar a invasão, para a guerra?
— Acredito que não precisam de nenhuma ajuda para isso! Sei que o motivo seja o que Akala disse, você “pertencia” à sua mãe, agora já é adulta e ela não tem, legalmente, controle sobre sua vida. E, filha, Akala não influencia ninguém, você sim, então se alguém fez algo para a outra pessoa se apaixonar, seria você. Ela controla energias, não mentes ou sentimentos.
— Acredita que ela me ama, nas palavras dela?
— Piamente, assim com acredito que terem nascido separada por uma parede, no mesmo local, mesma data e horário, quando a estrela errante está voltando, deve ter algum significado.
— Não sabia que você é supersticiosa!
— Eu não sou, mas são coincidências demais para não recordar uma profecia antiga.
— Como ela está?
— Magoada e triste. Mas acho que você sabe disso, algo me diz que você sente as emoções dela.
— Por que acha isso? Pensei que eu atingia as pessoas com as minhas emoções, não que sentisse as dos outros!
— Não sei exatamente qual o seu poder, mas acho que você a sente, não todo mundo. Parece que você a percebe por perto e inconscientemente deixa as suas emoções, como se pressentisse uma âncora. Já presenciei algumas situações que poderiam te deixar alterada, mas você conseguia se conter e assim que podia, ia para a beira do riacho sozinha, ficava por lá quieta, ou nadava e voltava pra casa.
— Você me seguia?
— Segui algumas vezes, por preocupação, mas depois que descobri o que fazia parei. Esse foi mais um motivo para eu não saber que você é evoluída.
— Mãe!
— Oi, filha! Como eu queria que você me chamasse assim!
Abraçou-a.
— Teu abraço é outra coisa que me deixa tranquila.
— Que bom, estamos em casa, vamos entrar e comer algo.
__ O que Abhimana quis dizer com não ter filhos ao lado dela?
— Ah, você não soube mais nada de seus irmãos!? Teu irmão mais velho, Kani, foi para o exército assim que completou a idade para tal. Zola, sua segunda irmã, foi estudar plantas e, o mais jovem, Jabir, está estudando para ser engenheiro.
Abhimata sentiu-se contente por não ser a única a não suportar a mãe de sangue.
No Conselho, Akula assumiu novamente sua forma humana.
— Podemos impedir que nossa cidade seja atacada, mesmo se eles dominarem Brihat, no entanto, ainda temos familiares na sua sociedade e queremos ajudar, mas tem uma condição.
— Sempre tem! Não vamos fazer negócios com aberrações, vamos nos defender sem sua ajuda!
— Abhimata! Pare de falar por todos, você só está falando pelo seu ministério, por seu preconceito. Precisamos de muita ajuda, nunca fomos um povo guerreiro, nosso exército é pequeno e eles conhecem o inimigo. Por favor, senhor Akula, qual seria a condição?
— Acabar com a perseguição. Deixar os evoluídos em paz, como Chaitanya e sua família vem lutando há centenas de ciclos.
— Não podemos concordar com esse absurdo!
— Sei que nunca aconteceu isso antes, mas Abhimana, você está destituída do Ministério da Ciência, a partir de agora. Ciência e preconceito não podem caminhar juntos. Tua família deve deixar a instituição imediatamente. Senhora Kaya, o ministério é seu.
— Não pode fazer isso, ele é da minha família!
— Os ministérios devem servir para ajudar o povo e estamos cheios das suas atitudes e prepotência! A Lei me dá esse direito como Chefe do Conselho. Há muito que os seus antecessores pararam com a tal cura, mas você trouxe de volta e afetou toda população. Essa discussão está encerrada, ou prefere ser arrastada daqui para a prisão por nos desacatar?
Abhimata saiu “soltando fogo” com toda sua equipe.
— Senhor Akula, acredito que o ministério mudará completamente a sua forma de agir. Quando poderá nos dar uma resposta?
— A senhora Kaya, além de diretora da ciência, tem um neto conosco em Akhanda. A resposta darei agora. Nós ajudaremos. Alguns de nós o visitarão para acertar os detalhes ainda hoje à noite.
Quando a noite chegou.
— Mãe!
— Oi! Que foi? Estava quieta muito pensativa, voltou à realidade agora?
— Empresta o transporte?
— Quer sair agora a noite?
— Quero, preciso ir a um lugar.
— Aconteceu algo com Akala?
— Acho que sim.
Chaitanya, de imediato entrou em contato com Akhanda.
— Ainda bem!
— Que foi?
— Fizeram-na dormir. Vai lá mesmo assim?
— Ela pode estar dormindo por indução, mas não está bem, preciso ir. Acho que você tem razão quanto a eu senti-la.
— Levo você.
— Não precisa, sei ir sozinha, afinal já sou adulta, lembra?
— Lembro, mas vou com você.
— Tá bom, aproveita e me conta a profecia que você mencionou.
— Senhor Akil!
— Pois não!
— Somos enviados de Akula, vamos mostrar para o senhor o que faremos daqui a três dias, que é quando os invasores pensam em atacar.
— Por favor, entrem. Então já criaram um plano!?
— Não será demorado, nem muito difícil. É claro que daremos a eles a chance de partir antes de destruir todo seu poderio bélico. Caso recusem, o que acreditamos que farão, a primeira coisa que faremos será fazê-los se voltarem contra eles mesmos. Não temos intenção de mata-los, mas devido à sua índole pode ser que muitos serão mortos entre eles já que não respeitam a vida.
— Como farão eles se atacarem? Vão se aproximar deles, colocar suas vidas em risco?
— Podemos nos colocar no meio deles sem que nos vejam, senhor Akil! Mas só chegaremos à distância segura para influenciá-los. Os que restarem estarão desorientados, serão colocados em naves e levados a seu planeta de origem, e estando lá, destruiremos toda tecnologia que roubaram e voltaremos para Brihat. As brigas entre eles já começaram, lembra do ataque que acreditam que fizeram?
— No Norte?
— Sim. Tudo que roubaram vem sumindo, como não encontram acusam-se mutuamente e estão brigando. Só faremos piorar a situação para desarmá-los com segurança.
— Vocês sabem de onde vieram?
— Sim, sabemos.
— Conseguem destruir coisas, tecnologia?
— É o que faremos!
— Vão ficar com as naves deles?
— Por que faríamos o mesmo que eles roubando o que não é nosso?
— Como vão voltar?
— Nas nossas naves! Senhor Akil, não está fazendo jus ao seu nome com tais perguntas!
— Desculpe, eu não conheço a capacidade de vocês. Não sabia que possuem naves.
— Senhor, a nossa Ciência e Tecnologia é muito mais avançada que a de vocês. Tem algo a acrescentar? Já o informamos de tudo que Akula pediu.
— Vocês vão fazer tudo, não precisam de nossa ajuda. Eu agradeço a gentileza de ter informado o que farão.
— Tenha um bom descanso.
Saíram, deixando Akil sem reação.
No caminho.
— Há muito tempo, antes do Conselho até, existia algumas pessoas que profetizavam, faziam coisas diferentes das consideradas normais, pedindo ajuda às estrelas e a algo que acreditavam. Mibishiri, um dia disse que depois que a estrela errante não fosse mais vista haveria tempos estranhos, surgiriam pessoas especiais, o que causaria inicio de conflitos. Disse também que com a volta da estrela, com o povo estranho superior, quando o planeta estivesse em grande perigo, duas pessoas nascidas não distantes…
— Não distantes!?
— Era o jeito que falava, tenho tudo lá no ministério. Continuando, essas pessoas de famílias opostas se uniriam e trariam nova paz.
— Você acreditou nisso tudo?
— Bom, tenho os manuscritos, nunca tinha pensado nisso até pouco tempo, mas depois de ver tudo o que está acontecendo, lembrei da profecia.
— Acha que eu e Akala somos as pessoas mencionadas?
— Quem sabe, vamos esperar pra ver, não é?
— Quem mais sabe dessa profecia?
— Todos do Conselho, professores, cientistas, enfim quase todos que vivem no planeta, com exceção dos menores de trinta ciclos. Abhimata! O que foi?
— Tá muito forte. Ela está angustiada demais, dormir não está ajudando.
— Vamos chegar em trinta minutos, por favor, tenta controlar porque está me atingindo.
— Preciso de mais treinamento pra conseguir controlar. Vou tentar desviar e não te atingir, mas não sei se consigo.
Chaitanya conseguiu levar o veículo até sua fazenda e de lá apanharam outro menor, apropriado para andar na floresta. Chegando em Akhanda, Abhimata correu para um local que não era a casa de Akala.
— Mãe, peça para pararem, deixem ela acordar!
Não sabiam como ela percebera onde Akala estava, mas pelo que todos sentiam desde que ela se aproximara da cidade, os convenceu a fazer o que ela pedira. Abhimata entrou, desesperada, no cômodo.
Akala se debatia em uma cama com seu rosto todo molhado das lágrimas que não paravam de descer. Sonhava com separação, com adeus de seu único amor e a tristeza imensa que tudo aquilo lhe causava. Abhimata se jogou sobre ela.
— Akala! Amor! Por favor, acorda, estou aqui. Desculpa. O que sentia era por Abhimana e não por você, era pra ela que devia ter dito coisas que te disse sem pensar, me perdoa. ACORDA!
— Estou acordada. Estava em um pesadelo ininterrupto com uma cena que terminava e recomeçava indefinidamente. Queria acordar, mas não conseguia.
— Eles estavam tentando ajudar e não perceberam que precisava acordar. Desculpa, amor! Sei que te magoei demais.
— Deixa eu ver você. Para de chorar, está aqui agora e tudo vai ficar bem.
O alívio foi sentido por toda Akhanda, Jequitibá e algumas cidades menores. O beijo trocado foi o prenuncio de uma nova vida, sem desconfianças e total cumplicidade.
Mais tarde, Chaitanya resolveu ir para casa, iria trabalhar no dia seguinte. Abhimata ficaria e voltaria pela manhã. Logo depois que ela partiu, os que vigiavam os invasores informaram para que ninguém saísse de Akhanda, pois havia batedores nas proximidades. Avisaram as duas.
— Mamãe saiu há pouco!
Ambas correram na direção que Chaitanya havia saído.
A menos de um quilômetro da barreira invisível de Akhanda, Chaitanya foi surpreendida pelos cinco batedores. Tentou escapar, mas um disparo atingiu se pequeno veículo e ela foi arremessada, caindo metro e meio a frente. Os inimigos se aproximaram para examiná-la.
— Mãe!
Não houve tempo para reação dos batedores. Enquanto Akala corria para verificar Chaitanya e erguer um campo de força para protege-las de algum disparo inimigo, Abhimata, após o grito desesperador, deixou o ódio (acumulado por tudo que sua progenitora a fez passar, toda a solidão de sua infância e início da adolescência, de se reprimir para jamais deixar suas emoções aparecerem, antes de Chaitanya, a culpa por ter entregado o coleguinha da escola…) dominá-la pelo medo de perder aquela que considerava como mãe. Os agressores sentiram uma onda raivosa entre eles e começaram a se atacar. Como estavam armados, em um minuto havia dois feridos e três mortos.
Alguns cidadãos de Akhanda chegaram e foram socorrer Chaitanya, só então Akala pode conter Abhimata.
— Para, amor! Vai atingir a todos e não conseguiremos controlar se deixar espalhar. Por favor, se acalma, ela só desmaiou pelo tombo.
— Ela está viva?
— Só com alguns arranhões, olha lá, já está acordada.
Ela olhou e correu para os braços da mãe de coração. Levaram Chaitanya de volta para Akhanda, a fim de receber socorro médico, o que seria rápido e eficaz. As duas filhas não a deixaram sozinha até a manhã seguinte, quando voltariam para Jequitibá.
Diante do ocorrido, Akula e os mais antigos e poderosos de Akhanda, resolveram antecipar a solução do problema com os invasores. Avisaram o Akil que havia alguns grupos pequenos dos invasores espalhados à procura de povoados, pedindo que ele enviasse os defensores de Jequitibá para combatê-los, sob o comando de Kapeni, líder da defesa dos evoluídos.
Akil convocou de imediato suas forças militares e apresentou Kapeni que trouxera a mensagem, como seu líder. Foi providenciada a divisão das forças, enviando os grupos para onde aos invasores estavam, bem como explicado a forma de surpreende-los, sem causar baixas desnecessárias. Kapeni ficou com o grupo menor.
Enquanto os combates com os grupos espalhados aconteciam, os evoluídos designados para acabar com o acampamento e toda resistência dos invasores foram para o local. Abhimata, ao ver que não havia mais do que quinze pessoas, estranhou.
— Só isso? Não tem mais evoluídos que possam ajudar?
— Tem muitos, mas esses foram escolhidos por causa de seus poderes, vão acabar com o armamento, enquanto os fazem brigar como distração, reprogramar as naves para só funcionarem conosco, ou destruírem-nas deixando só a casca, em seguida fazer com que durmam e amanhã, quando os capturados por Jequitibá estiverem chegado, serão todos colocados nas naves e partirão.
— Simples assim?
— Pessoas com poderes certos nos lugares determinados resolvem muita coisa sem quase nada de violência.
— Por que não os fazem dormir direto, sem que eles briguem antes?
— Eles brigando, estarão mais cansados, com menos energia, menor barreira mental, mais fácil atingi-los. Os que conseguem fazer dormir, são apenas três em toda Akhanda, e são muitos os invasores, podem ficar exauridos. Tentarão não os fazer se matarem.
— Entendi.
— Meninas, não vão descansar? O dia já foi tenso demais.
Deitaram, uma de cada lado da mãe e conseguiram dormir por cinco horas. Com a segunda estrela começando a se afastar, os dias ainda chegavam claros. Arrumaram-se para irem até Jequitibá.
Durante a noite, os evoluídos conseguiram fazer o que fora planejado. Os grupos das forças de Jequitibá, seguindo corretamente as instruções de Kapeni, traziam vários prisioneiros para o acampamento invasor e colocavam nas naves. Durante as escaramuças, Kani, que lutara muito bem e sempre fora fã de histórias sobre heróis e guerreiros do passado, bem antes de Jequitibá se consolidar, encantou-se com a forma de Kapeni lutar e sua liderança.
As naves de Akhanda devolveram os invasores ao seu planeta de origem.
Graças aos evoluídos, houve poucos feridos na guerra contra os invasores. Ninguém mais, além de Abhimana os chamariam de aberrações ou algo parecido, tornaram-se heróis de Brihat. Agora poderiam ir onde quisessem sem serem incomodados, mas Akhanda não seria aberta, uma lição duramente aprendida não se esquece. Melhor seria manter um Santuário, mesmo torcendo para que não voltasse a ser necessário.
Quanto às naves dos invasores, seriam utilizadas para fazer coisas novas, seria bom material.
Para desespero de Abhimana, seu filho mais velho, herói de guerra, não voltou a casa dela, mas além de ficar onde ele já residia, passou dividir sua residência com a “aberração” que liderara a guerra.
Depois de seis meses de intenso treinamento, Abhimata conseguia controlar bem melhor seu poder, mesmo sem a interferência de Akala. Voltou a ter contato com os irmãos e por causa deles, resolveu se casar em Jequitibá.
O casamento foi celebrado por Akula e Akil. A alegria das noivas era flagrante e ninguém se importou em controlar os sentimentos. Logo, o planeta estava tão feliz quanto elas. Abhimana se trancou em casa, tentando ignorar inutilmente, a onda de alegria que a atingiu.
A Verdade sempre aparece. Cada um escolhe seu Caminho e sua Verdade e, convive com a solidãou as alegrias de suas escolhas.
FIM.