A Última Chance

Capítulo 3 – As Regras do Jogo

Assim foi que, no dia seguinte, ambas mulheres acordaram ainda brigadas, porém na mesma cama. Marisa nem se lembrava que tinham marcado um almoço com as amigas, fazia mais de três meses que não se reuniam e as meninas estavam ansiosas por ver o casal que tinha sido sempre o centro dessa grande família que formavam todas elas. A amizade de mais de 10 anos estava desmoronando aos poucos, a rotina da vida corrida na capital, o rompimento de alguns casais, a traição de algumas delas, enfim, a vida as tinha afastado aos poucos, mas algumas delas continuavam ainda muito ligadas e naquela manhã tinham começado a trocar mensagens desde cedo lembrando umas às outras do almoço que tinham marcado no Beirute, mas Andréa sabia que não podia insistir mais, depois de quase ser atacada por Marisa com uma cadeira, Andréa sabia que tinha estourado o limite da paciência da esposa, não restava opção a não ser se desculpar com as amigas e inventar algum imprevisto.

Nada aborrecia Andréa mais do que ventilar assuntos particulares da sua vida de casal em público, essa era a única coisa que ela não aceitava nem permitia. Extremamente reservada, Andréa gostava de passar a imagem de uma família feliz, sem problemas, a todos, inclusive às amigas mais íntimas. Marisa já era passional, quando estava aborrecida não media palavras nem se incomodava em saber que alguém mais além de Andréa a estava ouvindo falar, ela dizia o que tinha para dizer na hora e sem medir palavras. Esse era mais um motivo pelo qual Andréa achou melhor cancelar o almoço, sabia muito bem que Marisa ia espalhar para todo mundo a cena de traição que tinha presenciado e ela realmente não estava afim de ter as oito melhores amigas julgando os seus atos naquele dia.

— Calma, Ma, vou cancelar o almoço, vou dizer para as meninas que você está indisposta. — Disse Andréa tentando manter a calma diante da atitude de Marisa.

— Pode dizer o que quiser, eu só sei que não vou. — Respondeu Marisa, ainda alterada.

Andréa pegou o celular e mandou uma desculpa esfarrapada no grupo de WhatsApp que mantinha com as amigas, logo depois desligou o telefone, não estava afim de receber ligações.

— OK, já cancelei, Marisa, mas precisamos conversar, amor, a gente passou uma noite tão boa, vamos sentar e resolver tudo isto?

— Noite boa passou você, Andréa, eu venho comendo o pão que o diabo amassou há mais de dois anos por sua causa.

— Marisa, eu entendo, eu sei que a culpa de tudo é minha, eu sei que fui eu quem estragou tudo e se você não quiser me perdoar, se você não for capaz de perdoar, eu entendo. Mas vamos resolver logo isso tudo. Vamos fazer o que você quiser fazer, o que você decidir, quer vender a nossa casa? Quer divorciar? Quer que eu vá morar com a minha mãe?

— Eu quero que você para de ser cínica, quero que pare de mentir para mim. Eu quero é que você sofra o que eu estou sofrendo, eu quero te fazer sofrer o tanto que você me fez sofrer! Que tal isso?— Gritou Marisa.

— Você está sendo injusta, eu não estou mentindo nem sendo cínica. Você é o amor da minha vida, é meu tudo, mas se você for mais feliz sem mim, eu aceito, vou embora. Vamos colocar a casa à venda, fica cada uma com a metade e você segue a sua vida e eu sigo a minha.

— Eu não quero mais, Andréa? EU é que não quero mais? Eu queria não te amar, queria não querer você! Tudo seria mais fácil se eu não te amasse, eu não estaria sofrendo esse tempo todo se não te amasse! — Gritou Marisa em desespero.

— Mas se você ainda me ama, Ma, então vamos tentar, vamos salvar o nosso casamento, amor. Vamos lutar pela nossa família.

— Você quer mesmo continuar casada comigo, Andréa? Quer de verdade? — Perguntou Marisa num tom ameaçador.

— É claro que quero, meu amor! — Interrompeu Andréa, ansiosa.

— Então está bem. Vamos tentar. Mas vai ser nos meus termos, você vai fazer o que eu dizer que é para fazer, vai vir para casa quando eu dizer que é para vir, vai sair somente com quem eu permitir, vai me render contas de cada ligação, cada passo, cada minuto do seu dia. — Disse Marisa lentamente.

— Eu faço o que você quiser, Ma, do jeito que você quiser, só me dá mais uma chance. — Respondeu Andréa, desesperada.

Os dias seguintes foram de extrema tensão, as duas mulheres continuavam dormindo na mesma cama, compartilhando a mesma mesa, fazendo tudo normalmente, mas quase sem se falar e as poucas vezes que conversavam, as respostas de Marisa eram frias e muito secas. Andréa percebia claramente a mudança em Marisa, porém tentava não demonstrar quanto esta mudança a afetava. Quando Marisa disse que ia se matricular num cursinho pré-vestibular, Andréa a incentivou e foi junto com ela fazer a matrícula, Marisa estava decidida a prestar vestibular para direito no próximo ano. A mulher tinha também resolvido se matricular numa academia, Andréa continuo incentivando-a. Andréa estava fazendo o seu melhor esforço para ignorar a frieza de Marisa com ela, um sopro de esperança lhe preencheu a alma pensando em que as coisas estavam realmente voltando à normalidade e que Marisa tinha mesmo dado a volta por cima de tudo o que tinha acontecido.

Uma semana depois daquela briga, Marisa estava em casa quando alguém tocou a campainha, ao abrir o portão deu de cara com uma moça loira, nova, muito bonita. Ela estava vestindo calça jeans, uma regata branca que deixava entre ver todas as suas curvas, mas, a pesar das roupas informais e dos óculos escuros, Marisa a reconheceu imediatamente. Era Lívia Marques.

Marisa não teve nenhuma reação, ficou segurando o portão com uma mão, a outra mão apoiada no portal, encarou aquela figura se dizer nada até que ouviu:

— Dona Marisa, meu nome é Lívia, eu queria conversar um pouquinho com a senhora.

Aquela voz fina vindo daquele corpo pequeno e gracioso simplesmente não pareciam ser de um monstro, aliás, até lhe lembravam a filha mais velha. Marisa abriu o portão e se afastou abrindo passagem sem dizer nada, porém lhe fez um gesto a garota dando a entender que deveria entrar.

Marisa andou até a sala, ligou o ar-condicionado e se sentou no sofá. A garota sentou na poltrona de frente para Marisa tirando os óculos.

— Eu peço desculpas por vir até a sua casa, imagino que a última coisa que a senhora quer na vida é olhar para a minha cara, mas eu preciso muito falar com você. — Disse Lívia com a voz trêmula.

— Pode falar. — Respondeu Marisa.

— É que, bom, a senhora viu… bom, a senhora sabe o que viu. Eu só queria dizer que a minha intenção nunca foi a de trair ninguém nem fazer ninguém trair outra pessoa, eu nunca ia querer que uma coisa assim acontecesse, eu sinto muito pela senhora ter visto aquilo.

Marisa não respondeu nada, ficou apenas olhando para aquela menina que estava à sua frente, só conseguia pensar no nova que ela lhe parecia.

— Eu não quero dizer que esteja arrependida do meu relacionamento com a Andréa, eu estou apaixonada por ela. A amo mais do que tudo nesta vida. Mas realmente nunca parei para pensar no mal que poderia estar lhe causando, eu nunca pensei em você…

Marisa continuou sem dizer nada, estava tentando ler a garota, descobrir quais eram as suas verdadeiras intenções ao estar ali, na sala da sua casa, lhe dizendo que estava apaixonada pela sua mulher. Marisa não conseguia entender o gesto daquela menina de ir até ali lhe falar aquilo tudo. A antiga Marisa talvez teria pulado no seu pescoço, arrastado pelos cabelos até o portão, mas não… Marisa não sentia que aquilo era necessário, na verdade… sentia… pena…

— Eu estou muito apaixonada pela Andréa, e ela me ama também. — Continuou a garota cada vez mais sem jeito. —A gente está juntas há uns dois anos, a gente se ama. Eu vim aqui para dizer que vou lutar por esse amor.

Marisa sorriu enquanto pensava:

— Meu deus, ela parece mesmo muito com a Giovana.

— A senhora não vai falar nada? Não vai me mandar sair daqui? A Andréa falou mesmo a verdade quando disse que vocês estavam separadas? — Perguntou a menina.

— Não, eu não vou mandar você sair. E não, ela não lhe falou a verdade, infelizmente. Nós nunca estivemos separadas. — Respondeu Marisa calmamente.

— Então vocês ainda estão casadas? Ainda são um casal?

— Nós… ainda somos… uma família. — Respondeu Marisa lenta e pausadamente como se a cada palavra estivesse levando uma punhalada no coração.

— Eu sinto muito, senhora. Eu sinto muito mesmo, mas não posso mudar os meus sentimentos, eu amo a Andréa, não quero viver sem ela. Não vou viver sem ela. Vou lutar contra quem tiver que lutar por este amor. — Disse Lívia levantando agora um pouco a voz.

— Está bem. — Respondeu Marisa. — Não vou lhe impedir de lutar pelo seu amor. — Continuou ela lentamente. —Mas não pense que vou lhe entregar a minha mulher de bandeja… veja bem… você está um pouco em desvantagem…

Lívia bufou baixinho enquanto lançou a Marisa um olhar dos pés à cabeça, como se não estivesse mesmo entendendo essa sua desvantagem.

— Nós temos uma história muito longa. — Continuou falando Marisa lenta e pausadamente. — Temos um casamento de vinte anos, temos uma família formada por nós duas, as nossas filhas, minha irmã e dois irmãos e mais cinco sobrinhos do meu lado sem contar os dois irmãos dela e os quatro sobrinhos do lado dela. Temos nossa casa, as nossas viagens, inúmeros momentos e lembranças e histórias vividas nestes vinte anos juntas. Então, sim, menina, você está em desvantagem. — Disse firmemente Marisa.

Lívia engoliu em seco, os ciúmes disso tudo a consumiam, Marisa tinha realmente pego no seu ponto fraco, ela sabia muito bem que não podia competir contra o passado.

— Mas eu vou ser justa. — Disse Marisa num tom benevolente. — Vou te dar a oportunidade de concorrer comigo em pé de igualdade. Quero que você fique hoje aqui para jantar. Você vai me ajudar a preparar o jantar, quando Andréa chegar, vamos ter uma conversa séria, civilizada e vou lhes fazer uma proposta que vai te dar mais chance de lutar pelo seu amor, menina.

Lívia tremeu de medo, o tremor das suas mãos foi visível até para Marisa, que concluiu:

— Não precisa ter medo. Nada vai lhe acontecer. A Andréa não sabe que você está aqui, não é?

Lívia balançou a cabeça.

— Não tem problemas, ela não vai lhe fazer nada, eu vou me certificar de ocorra tudo em paz. — Terminou Marisa com um tom que encerrou completamente a conversa e não deixou lugar para segundas interpretações.

— Vem comigo à cozinha, já está na hora de começar o jantar. Hoje nós vamos fazer um Arroz Bastami e Lulas com Tomate. Se você pretende morar com a Andréa, você precisa mesmo saber fazer esta receita de Lulas, é um dos pratos favoritos dela. Já preparou lulas antes, Lívia? — Disse Marisa.

— Hem… Não. — Respondeu Lívia, tímida.

— Vou te mostrar como se faz, as lulas você precisa saber fazer. Se as cozinhar pouco, ficam cruas, o que não é bom. Se as cozinhar demais, ficam curas, o que é pior. Estás aqui, já estão descongeladas, olha. — Marisa mostrou o pacote de lulas encima da pia.

Para Lívia aquela cena era totalmente surreal. Ela tinha passado dias se preparando para ter essa conversa com Marisa, tinha se preparado para tudo, tinha até deixado um amigo de sobreaviso, caso algo lhe acontecesse, tinha salvo na discagem rápida o número de emergência da polícia, caso Marisa tentasse agredi-la. Tinha mesmo se preparado para tudo, tudo menos isso… nada poderia tê-la preparado para o momento em que estaria junto de Marisa, na cozinha da sua casa, preparando o jantar favorito de Andréa.

— Você vai precisar de um quilo de lulas descongeladas, limpas e cortadas em anéis. Precisamos de uma cebola pequena, pega uma cebola na gaveta da geladeira, por favor. — Disse Marisa enquanto pegava uma faca afiada.

Lívia pegou a cebola sem tirar os olhos da faca nas mãos de Marisa.

— Não precisa se preocupar, menina, não vou te esfaquear. Precisamos de uma faca bem amolada e com um pouco de peso, para cortar a cebola bem fininha. Sabe cortar cebola fina?

— Sei. — Respondei Lívia, tímida.

— Então tome esta faca e corte para mim a metade da cebola em quadradinhos bem finos. E enquanto você faz isso, vamos aquecer três colheres de azeites em fogo médio, não queremos que esquente demais, se não nos queima a cebola.

Lívia cortou a cebola como conseguiu, as mãos lhe tremiam a tal ponto que nem sabia mais se estava cortando a cebola ou os próprios dedos.

Quando o azeite começou a chiar na panela Marisa disse:

— Agora coloque a cebola, Lívia, com cuidado para não se queimar. Coloque também um quartinho de colher de sal. Eu vou refogar a cebola enquanto você corta dois dentes de alho bem pequenos. A cebola tem que ficar transparente, não queremos que queime, então vamos deixar em fogo médio.

Lívia demorou um par de segundos a tomar ação e começar a cortar o alho. Toda essa cena parecia um sonho -ou talvez um pesadelo, não tinha decidido ainda-, não parecia real, era como se seus pés estivessem pisando em nuvens fofas, nada parecia normal.

— Coloca o alho aqui agora, Lívia. — Ordenou Marisa. —Enquanto este alho doura, corta aquele tomate grande em quadradinhos também, mas tira a pele.

Lívia obedeceu. Quando terminou disse:

— É para colocar na panela?

— É sim. — Respondeu Marisa. — Pode colocar. Agora vamos cozinhar o tomate um pouquinho e colocamos as lulas. Tem que ficar de olho no relógio, não pode passar de vinte minutos e o fogo tem que ser bem baixinho. — Finalizou Marisa.

— O arroz que vou te ensinar a fazer é diferente da forma em que a gente faz ele aqui no Brasil. Esta receita a aprendi na Itália. A primeira viagem que fiz com a Andréa para o exterior foi para a Itália, sabia?

— Não. — Respondeu Lívia, tímida.

— Foi a nossa segunda lua de mel. Na época ela vivia viajando para a China e Hong Kong a negócios e eu reclamei que ela nunca me levava junto, então ela me fez uma surpresa. Deixou as crianças com a minha mãe e me levou uma semana para o sul da Itália, ela me disse que queria ir comigo para um lugar que nunca tivesse ido antes, queria ver um mundo novo do meu lado.

Lívia engoliu em seco novamente. Simplesmente não sabia o que responder, mas achava que já estava entendendo a intenção de Marisa com essa aula de cozinha.

— Desculpa, não quis te deixar desconfortável. — Disse Marisa limpando as mãos num pano de pratos. — Eu só me lembrei da viagem por causa da receita do arroz. Naquela viagem nós fomos jantar uma noite num restaurante e comemos o tal Arroz Bastami e a Andréa amou a forma em que esse arroz ficou, parecia bem diferente do arroz que fazemos aqui no Brasil, então eu fui até a cozinha e convenci o chef a me dar a receita. Era um italiano bem charmoso, quando eu falei que queria a receita para preparar esse arroz para a minha namorada ele ficou louquinho, queria a todo custo o endereço do nosso hotel, queria nos levar para sair, disse que o sonho da vida dele era sair com um casal de mulheres bonitas como nós. — Marisa deu uma gargalhada contida.

— Os homens são mesmo uns tarados. — Respondeu Lívia, pensativa.

— Ah sim, especialmente os italianos. — Gargalhou novamente Marisa.

— Mas ele me ensinou a fazer o arroz. — Sorriu Marisa. — É bem fácil. A gente coloca água para ferver numa panela, acrescenta uma colher de sal, colocamos o Arroz Bastami lavado na água fervente por 5 minutos. Depois vamos escorre-lo no escorredor de aço inox. Colocamos 3 cm de água para ferver, depois disso levamos o arroz à panela com escorredor e tudo, coberto com papel alumínio no fogo baixo. E pronto, é só isso, o arroz fica fofinho e soltinho em menos de 10 minutos. Você vai fazer o arroz hoje. Pode começar, já coloquei a água para ferver. — Disse Marisa.

Quando Andréa chegou do trabalho naquele dia, imediatamente viu a mesa posta, a melhor toalha de cetim, velas, taças e… três pratos. — A Luiza voltou. — Pensou ela.

— Vai tomar banho antes de jantar, Andréa? — Marisa apareceu pela porta perguntando.

— Sim amor, estou podre de cansada. — Respondeu Andréa beijando Marisa nos lábios.

Nesse momento Lívia passou pela porta. Os olhos de Andréa se arregalaram e num grito disse:

— O que diabos você está fazendo aqui?

— Calma, amor. — Respondeu Marisa. — A Lívia e eu tivemos uma conversinha hoje, ela ficou para me ajudar com o jantar. Vai tomar seu banho, depois disso vamos sentar para jantar e conversar um pouco.

Andréa pulou para cima de Lívia, pegou a garota pelo braço e disse, sai da minha casa agora, vai embora daqui. Quem você acha que é para vir até aqui falar qualquer coisa para a minha mulher? Ficou maluca, garota?

— Mas amor, está tudo bem. — Disse Lívia num tom doce. — A Marisa e eu já conversamos, ela sabe que a gente se ama, que queremos ficar juntas, ela está de boa, amor. Ela sabe que eu não vou desistir de você. — Terminou Lívia num tom suplicante.

— Que merda você está falando, Lívia? Vai embora, é sério, sai da minha casa, deixa a minha família fora disto. — Gritou Andréa.

— Silêncio! — Gritou Marisa. — Silêncio as duas. Andréa, vai tomar seu banho agora. Lívia, sente aqui no sofá comigo que vou lhe ensinar a dobrar os guardanapos. — Completou calmamente a mulher.

Andréa não teve opção a não ser obedecer. Sentiu que a cabeça ia lhe explodir, tudo girava ao seu redor. Precisava mesmo de um banho para acordar desse pesadelo. A cena toda era simplesmente surreal demais.

Quando Andréa saiu do banho, Lívia e Marisa estavam sentadas à mesa, a comida já estava ali no centro, faltava somente servi-la.

— Sirva o prato da Andréa, Lívia. — Disse Marisa.

Lívia obedeceu tímida.

— Então, Andréa. Hoje tem Lulas com Tomate e Arroz Bastami, a Lívia trabalhou duro na cozinha para aprender a fazer uns dos seus pratos favoritos, espero que você saiba apreciar e agradecer o esforço dela.

— Não é certo, você fez tudo, eu só ajudei a cortar algumas coisas. — Disse Lívia baixinho.

— Que é isso, menina? Não seja modesta, você fez quase tudo só. É claro que eu lhe dei a receita, não teria como você adivinhar, mas no fim das contas, foi você quem fez quase tudo. — Acrescentou Marisa. — Como vê, Andréa, estou treinando-a bem. Se vai ser a sua mulher, o mínimo que precisa saber é como fazer Lulas com Tomate à Toscana, né não?

Andréa engasgou. — Vem cá, que história é essa de ser a minha mulher? Amor… não sei o que esta garota lhe falou, mas é tudo mentira, amor, a única mulher da minha vida é você, ela é uma aventura… FOI uma aventura, um casinho, um tesão momentâneo, não pode querer comparar o nosso casamento a um casinho estúpido…

— Cala a boca e come, Andréa. — Disse Marisa mais séria que antes.

Lívia começou a chorar. — Mas do que você está falando Andréa, você disse que me amava, que vocês estavam separadas, você disse que estava apaixonada por mim, você falou que a gente ia embora para bem longe… — As lágrimas lhe escorreram pelo rosto e não conseguiu terminar de falar.

— Calem a boca as duas e comam. Estão estragando um ótimo jantar. Será se podem comer caladas e deixamos a conversa para depois do jantar? — Disse Marisa encerando o assunto.

A comida desceu rasgando a garganta de Andréa e Lívia, só quem pareceu mesmo desfrutar aquele jantar foi Marisa, quem comeu lentamente, se deliciando a cada garfada e ainda repetiu o prato.

— Bom já que não vão querer se servir mais, vamos para a sala. — Disse Marisa quando terminou o seu segundo prato sendo atentamente observada por Lívia e Andréa.

— Déia, você foi muito cruel. — Disse Marisa. — Você iludiu esta menina, a enganou e enrolou durante dois anos. Você mentiu para ela, disse que estávamos separadas…

— Isso é mentira, Ma! — Gritou Andréa, se levantando do sofá.

— Cala a boca e me deixa terminar. — Disse Marisa fazendo Andréa voltar a se sentar imediatamente.— Você iludiu esta menina, Andréa. E para que? O que você ganhou com isso? Como você pode ser capaz de enganá-la desse jeito? Você acabou com dois dos melhores anos da vida dela, a Lívia é uma menina ainda, você não entende? Era para ela estar na balada curtindo a vida, ficando com homem, com mulher, com casais, com quem ela quisesse, mas não amarrada a uma velha safada capaz de contar qualquer história para conseguir lhe lamber a xoxota mais uma vez.

O rosto de Lívia corou, nunca imaginou ter que passar por essa humilhação.

— Você me enganou também, Andréa. Mentiu para mim. Me disse que a Lívia foi um caso de um dia só, me jurou que não era nada sério, se ajoelhou ante mim e me garantiu que eu era o amor da sua vida e que nunca tinha me traído. Teve a coragem de me culpar e dizer que eu te joguei nos braços da Lívia sendo que você estava há mais de dois anos comendo a menina! — Disse Marisa, exaltada.

Andréa não teve coragem de responder.

— A Lívia está apaixonada por você, Andréa. Você é responsável pelos sentimentos que fez surgirem nela. Você é a culpada do sofrimento dela hoje. Você tem que entender que não pode brincar assim com as pessoas, Déia. Você é responsável pelo meu sofrimento também. Você partiu meu coração, me enganou, mentiu para mim que sempre lhe fui fiel e dedicada.  Você precisa entender que as pessoas não somos descartáveis, que não estamos aqui apenas para satisfazer os seus desejos e os seus interesses. Você precisa entender que eu não vou permitir que você se livre da Lívia assim tão fácil e depois daqui há cinco, dez anos me arrume mais uma. Você não vai fazer isso, Andréa. Quero você conviva de perto com o sofrimento que causou, quero que você se responsabilize pelos seus atos. Chega da sua infantilidade, da sua irresponsabilidade. Eu já tenho duas filhas para educar, não tenho por que criar você também e ficar consertando os seus erros. Este erro você o vai consertar sozinha. Eu vou garantir que assim seja.

Nenhuma palavra saiu da boca de Andréa, embora ela tenha tentando falar. Estava simplesmente sem palavras. Não conseguia acreditar que a mulher doce, submissa, fiel, dedicada com quem vivera vinte anos tivesse se transformado na pessoa que lhe falava hoje desse jeito. A culpa não lhe permitia dizer nada, sentou com as mãos na cabeça e ficou muda, fechada nos seus pensamentos, como era o seu costume toda vez que algum problema aparecia.

Lívia, por sua vez, chorava feito uma criança, jamais pensou que Andréa fosse capaz de querer se desfazer dela desse jeito, ela sinceramente tinha acreditado em todas as promessas, achou mesmo que todos os cortejos, todas galanterias de Andréa significavam que estava apaixonada também. Nunca pensou ser apenas um “brinquedo sexual” na vida de uma mulher casada entediada.

— O problema é, Andréa, que eu te amo. Eu ainda te amo como a primeira vez que você tomou coragem de me beijar naquele final de tarde depois do cinema. Você se lembra, Déia? Tinha dois meses que a gente saia e ainda nenhuma das duas tinha tomado coragem de beijar a outra, mas naquele dia, naquela ida ao cinema, você me pegou pela mão e me levou para passear na beira do lago e disse que me amava, que eu era a mulher da sua vida e queria viver comigo e com as minhas filhas pelo resto da vida. Você se lembra o que eu respondi, Déia? Você se lembra? Você lembra o quanto a gente se amava naquela época? … Eu ainda te amo desse jeito, mesmo você sendo uma idiota egoísta, uma cafajeste, uma filha da puta mentirosa… eu te amo. Eu quero lutar pelo nosso casamento sim, eu achava que era melhor desistir mas entendi que não dá, que vinte anos da vida é muita coisa para simplesmente jogar na lata do lixo. Mas eu tenho uma condição…

Lívia se levantou para ir embora, não aguentava mais passar por tudo aquilo, estava mais do que claro que Andréa não a amava nem nunca tinha a amado e que Marisa estava disposta a lutar pelo seu casamento… ambas se mereciam, ela não iria participar daquilo, era nova, bonita, não precisava passar por tudo isso.

— A minha condição é que você continue com a Lívia enquanto tentamos recuperar o nosso casamento. Quero que vocês duas continuem namorado, ficando ou como queiram chamar o caso que tinham até semana passada.

Lívia parou de andar e olhou para Marisa.

— Eu não vou passar o resto da minha vida me perguntando o que seria se eu não tivesse descoberto o caso de vocês, não vou passar o resto da minha vida me sentindo menos mulher pensando que se eu não as tivesse separado uma mocinha de vinte cinco anos poderia ter tomado a minha esposa. E também não vou permitir que a Lívia tenha sido usada em vão, os sentimentos dela são reais, são verdadeiros e sinceros, ela não merece que você a descarte como se descarta um copo usado. Essa é a minha única condição.

— E quem disse que eu vou aceitar viver uma situação dessas? — Perguntou Lívia, ofendida.

— Eu digo. — Respondeu Marisa. — Eu vi o amor no seu olhar quando você disse que iria lutar pela Andréa, eu vi os seus sentimentos, li a sua alma, sei que está apaixonada.

— Mas ela não está. — Disse Lívia olhando para Andréa que ainda estava encarando o chão com as mãos na cabeça.

— Quem tem que saber do seu amor é você. Ou não confia no seu taco, menina? Você a ama, então corre atrás, que nesta vida ninguém nunca vai te dar nada de graça, as coisas que a gente ama se conquistam, não caem do céu.

Lívia encarou Marisa sem responder, mas era visível no seu olhar que tinha tomado as palavras de Marisa como um desafio e ela adorava desafios.

— Você vai vir todas as tardes durante seis meses. Vai cozinhar comigo, vai aprender a cuidar da casa, da cozinha, das contas, da roupa, vai aprender tudo o que precisa saber para ser a mulher dela. Eu vou te ensinar como é ser a mulher dela, ao final de contas, faço isso há vinte anos, ninguém pode te ensinar melhor do que eu. À noite te deixo tê-la, é tua, três noites por semana ela será tua. Podes fazer o que quiseres, rebola, te esforça, usa as tuas melhores armas, eu não vou poupar as minhas. É a última chance para você, Andréa, é pegar ou largar. Se largar, está tudo acabado entre nós.

— Eu não quero ficar com mais ninguém, amor, eu só quero você… — Respondeu Andréa com a voz cortada pelas lágrimas.

— Ah! Mas eu quero. Eu quero mesmo. Você não passou dois anos com ela e comigo ao mesmo tempo sem a gente saber? Pois agora vai passar seis meses fazendo a mesma coisa, mas desta vez eu quero saber de tudo, nós vamos saber de tudo. Aproveite, é o seu sonho feito realidade, Andréa, não era isso o que você queria? Não queria ter a nós duas? Pois vai ter. Tem seis meses para decidir com qual das duas vai ficar. E você, garota, tem seis meses para conquistar o amor da sua vida, não desperdice a sua última chance.



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