A Organização

Capítulo 10 – Que surpresa!

Renee retornou na intenção de descobrir as vigias a partir da mensagem que escutara da agente que a contatou. Havia reconhecido a voz de Anne, pois sempre trabalhou com ela em suas missões. Algo havia saído do controle, ou então, a Organização não teria interferido. Sua tensão aumentou exponencialmente depois da ligação.

“Como assim, não foi Helen que colocou as vigias em minha casa? Não é possível que já estejam vigiando Helen e agora a mim!”

A mensagem que a agente da Organização ouviu fora clara para ela. A barista representava Helen que era dona da cafeteria e a artista era ela, Renee. Se a barista não havia “aberto”, ou seja, invadido a sua casa, eram os agentes ingleses. E se a cafeteria estava com problemas, era porque chegaram até Helen. Mas como a Organização estava a par e como Anne chegara até ela?

Aproximou-se do portão de sua casa com cuidado. Primeiro olhou para cima, observando as grades incrustadas em cima do muro. Não havia nada de peculiar. Passou os olhos pelo muro, chegando ao mato que crescia em sua base. Observou um leve amassado no mato do canto direito ao portão. Parecia que haviam tentado recoloca-lo em pé, após pisotearem. Colocou a chave e abriu. Não poderia tirar sua pistola do coldre, que carregava nas costas, pois provavelmente ainda era observada de longe por Helen. Logo após passar o portão e fechá-lo atrás de si, retirou a pistola o mais rápido que pôde e caminhou cautelosamente através do pequeno jardim, que antecedia a porta principal, se encobrindo pela escuridão. Esgueirou-se embaixo de uma trepadeira que corria sobre um caramanchão e ficava sob a varanda. Deixou-se acostumar pela escuridão e seus olhos conseguiram focar a entrada. A porta estava devidamente trancada. Estava se arriscando, pois não havia vasculhado a casa à procura das outras vigias. Queria agir dentro de casa normalmente, para que Helen a observasse e tomasse confiança nela. O fato das vigias não serem implantadas por ela, a desnorteou. Torceu para que a varanda, por estar localizada a um metro e meio do solo, não tivesse câmeras. Escalou pelo caramanchão e chegou à varanda se agachando e procurando se esconder nas sombras. Observou através do vidro da porta e não via qualquer movimento. Seu celular vibrou em seu bolso. Pegou-o, pois poderia ser alguém da Organização novamente. Olhou o visor com uma mensagem que dizia: “Entre, a casa está trancada novamente. Cumprimentos de “Cérebro””.

Renee relaxou parcialmente. Abriu a porta, mas mantinha sua pistola na mão. Uma mulher se apresentou com as mãos para o alto, em sinal de rendição.

— Droga, Anne! Tem que me assustar assim?

— Eu não a assustei. Só entrei na casa e a “limpei” para você.

— Que merda está acontecendo? E por que ainda utiliza esse apelido de “cérebro”? É ridículo!

Falou irritada. Odiava ser pega desprevenida.

— Não é ridículo. É inteligente, mas vamos conversar e agradeça a Loren que permitiu que eu viesse.

— Hum… Senta aí.

Renee apontou o sofá com a pistola.

— Guarda essa porra!

Anne apontou para a arma que Renee empunhava. A agente guardou no coldre antes de se sentar demonstrando impaciência, porém provocou a amiga. Estava feliz pelo apoio.

— Você está muito escrachada. Lá na Organização não fala desse jeito.

— Lá na Organização não estamos em missão, estamos relaxadas.

— Tem certeza que a casa está “limpa”?

Renee perguntou preocupada.

— Tenho. Não mexi nas câmeras, só implantei um pequeno vírus através do sistema deles. Essa hora, eles devem estar assistindo jogo de “ping-pong” transmitido direto do Japão. Ruth programou e me enviou. Baixei em uma “lan house” em Fortaleza. Aliás, que cidade “desgrama” para estar quente! Suei que nem porco!

Renee revirou os olhos. Anne costumava assumir vícios de linguagem do lugar que visitava. Era quase um hobby seu.

— Não é ping-pong. É tênis de mesa. Respeita o esporte dos outros!

Renee sacaneou a amiga e continuou a falar.

— Como souberam? Quer dizer, sei que falei com “PC” em São Paulo e com o “Empreiteiro” aqui, mas não costumam dar nossa localização para o núcleo.

— Bom. Primeiro foi a descoberta da Ruth sobre o programa “Torre fulminada” do governo inglês. Depois disso, a Loren expediu um memorando para todos, pedindo que comunicassem, acaso você entrasse em contato. Por último, verificamos todas as contas que pertenciam a você para movimentação bancária. Bingo! “PC e Empreiteiro” entraram em contato e você tinha utilizado a conta de Mila Ortiz. Isso foi no meio da semana passada e Loren me enviou para dar apoio. A missão está oficialmente estabelecida.

— E as vigias em minha casa? Aposto nos amiguinhos de Helen, mas…

— Eu não aposto, tenho certeza. O programa “Torre fulminada” foi uma jogada da agência inglesa, para pegar cabeças revolucionárias que atuavam contra o governo inglês e transformá-los em “agentes-marionetes”. Eles investigaram a vida de opositores do governo durante muitos anos, se estes não tivessem família e eram muito atuantes gerando transtornos, raptavam. Depois, utilizaram uma técnica experimental neurológica que chamaram de “Títhetai”, em que apagavam parcialmente a memória, só deixando as experiências interessantes da vida do indivíduo.

— Que experiências interessantes seriam essas?

— Infância, lembranças de família, estudos, mas não as lembranças de como chegaram a ser revolucionários atuantes ou porque da revolta quanto ao sistema. Um grande detalhe deste programa é que só pegaram os grandes. Ou seja, os que tinham potencial para combate, ou os dotados de inteligência acima da média. Também pegaram só líderes.

— Hum… Presumo então, que a doutora fazia cócegas no pé do rei e que ela, ou era muito inteligente, ou muito obstinada.

— Ou os dois, pois eu presumo que essa técnica, deve arrefecer um pouco a “euforia” dos mais acirrados, colocando-os em um patamar de subserviência, senão, não os controlariam.

— Por isso Helen, quando se deparou com a “Organização”, desorientou e teve aquele colapso. Eles podem apagar a memória e nós temos conhecimento que isto pode ocorrer, mas não podem aplacar a sua índole ou as suas convicções.

— Com certeza. Foi um programa não autorizado e experimental. Certamente, depois que pegaram a doutora e a inseriram nesse programa, vigiaram constante e minuciosamente, pois deviam observar que ela não respondeu como o esperado. Ela tinha rotas de fuga planejadas desde muito antes dessa missão, Renee.

— Sim, eu percebi quando a segui. Ela foi muito objetiva no destino, não vacilou um instante e provavelmente, este destino não era o único que ela tinha.

Renee deixou escorregar seu corpo de encontro ao encosto da poltrona e pousou o braço direito sobre a testa, cerrando os olhos.

— A coisa tá feia para o lado da Helen, né?

Anne falou com visível compadecimento da amiga e da “presa”.

— Muito. E o pior é que eu estava certa sobre ela, Anne. Esses “cornos” estragaram a vida dela e possivelmente de muito mais gente. Até quando vamos ter que consertar o que esses “fodidos” fazem?

— Calma, Re!

— Calma? Cara, “eles” estão acabando com tudo que é bom nesse planeta. Acabando até com as pessoas!

Anne levantou e se aproximou de Renee, agachando à frente dela. Pousou sua mão na perna da amiga.

— Eles podem tentar amiga, mas vão ter uns fantasmas por aí como nós, malogrando o intento deles, não acha?

Renee abriu os olhos observando a amiga à sua frente, mas permaneceu com o braço sobre a cabeça.

— Dezoito anos, Anne. São dezoito anos que estou nessa e nada mudou.

— Você acha que nada mudou? E se não estivéssemos atuando?! Não acha que estaria pior? Diga-me quantas vezes não modificamos o contexto e o rumo das coisas?

Renee olhou a amiga fixamente, mas seus olhos estavam embaçados… distantes. Permaneceu por algum tempo assim, sendo observada por olhos atentos. Em dado momento, inspirou fortemente e se aprumou na poltrona.

— Ok!

Falou de súbito e firmemente.

— O que a gente vai atochar no traseiro desses idiotas, agora?

Anne gargalhou, vendo que levantara o ânimo da amiga.

— Nossa! Que violência, Re! Somos da paz, sabia?

— Eu sou da paz… Eles que não são. – sorriu. – Como diria uma velha amiga minha: você não educa uma criança apenas com palavras bonitas. Umas pequenas palmadas no traseiro servem para abrandar o egocentrismo!

Anne riu das palavras da agente.

— Loren?

— Exato. Se ela não fosse minha mentora e heterossexual, eu pegava ela! Pena que tem um péssimo gosto sexual.

Anne gargalhou sabendo que Renee estava sacaneando, pois a agente fazia este mesmo tipo de piada diante da própria mentora.

— Eu devia ter colocado uma escuta direto para a sala da Loren, para ela escutar o que você acabou de falar!

Rebateu levantando-se e caminhou para o escritório.

— E não fez?

Renee socou o ar displicente.

— Droga! Eu jurava que ela me escutaria e cairia em meus braços assim que eu chegasse lá!

Anne ria mais e Renee acompanhou-a logo em seguida.

…………

Estavam olhando a tela de um laptop e finalizando a discussão de algumas possibilidades estratégicas.

— Vai lá, Re. A essa hora a doutora já deve ter sido abordada pelos “caras”. Eles não vão deixa-la solta por aí.

— Não foi abordada ainda. Deixei o “Empreiteiro” de sobreaviso. Ele entraria em contato se algo anormal acontecesse. Eles devem ter estranhado o vírus que vocês colocaram no transmissor. Estão cautelosos por não saberem com quem estão lidando. E depois, se eles entraram na minha casa para colocar as vigias e não enfiaram uma bala na cabeça dela, devem querer algo mais antes de a matarem. – Renee explicou.

— Sim, devem. Devem querer saber tudo da Organização, antes de fazerem um buraco entre os olhos dela. Não iam desperdiçar estes recursos, principalmente sendo um programa ilícito aos olhos do próprio governo, e saírem sem nada. Querem justificar a ação e o dinheiro gasto. O pior, é que essa cidade é um ovo. Não adianta sair da casa, pois não teríamos onde ir.

— É melhor deixa-los na dúvida se foi um vírus ocasional ou intencional. Provavelmente aumentarão a vigia externa da casa. Inutilize o transmissor e tire todas as câmeras, para não termos surpresas deles conseguirem aciona-las novamente. Se tudo der certo, estaremos de volta à Organização em breve.

— Eles podem voltar para recolocar a vigia se não conseguirem limpar o vírus ou acioná-las.

— Não se arriscariam. Não sabem quem eu sou. Só estão me vigiando por conta do contato pessoal que fiz com a Helen. O fato de ter esmagado “sem querer” a primeira câmera que encontrei…

Nesse momento Renee parou e mirou Anne com ira. Anne levou alguns segundos para entender o olhar da amiga, mas depois, percebeu que havia sido pega.

— Por que Ruth mandaria um vírus para você, enquanto ainda estava em Fortaleza? Eu não acredito que vocês estavam me vigiando!

— Para, Re. Eu sei o que está pensando. Não é nada disso!

— AH! Não é nada disso. Então é o que?

— Está vendo como você estava, Re? Você precisava de ajuda! Não conseguiu notar que eu estava aqui na cidade desde o início!

Loren pediu que viesse atrás de mim?!

Anne baixou a cabeça em rendição e depois levantou o olhar desanimado.

— A Organização nunca fez isso! Como Loren pôde? Nós confiamos uns nos outros…

— Re, você está pensando errado. A Loren confia em você. Nós é que não quisemos te deixar sozinha.

— Que parte da história que me contou é a verdade?

Renee estava visivelmente contrariada.

— Tudo, a não ser que vim em seu encalço! Olha, estive só observando de longe…

Anne sabia o que a atitude do núcleo pareceria aos olhos de Renee. Era agente e isso nunca ocorrera. Mas a situação que se encontravam, também não.

— E quando colocou as vigias da Organização na minha casa?

— Um pouco antes da agência inglesa. Foi no mesmo dia e fique feliz por isso, pois consegui saber que invadiram. Você ainda estava em São Paulo com PC. O problema é que você chegou logo depois e percebeu que alguém esteve aqui.

— E eu estou dispersa aos olhos de vocês?

A agente falou com desdém.

— Re…

Renee balançou a cabeça em desânimo e jogou-se na cadeira próxima. Sentia-se traída. Não sabia o que pensar. A Organização não confiara nela. Vendo a atitude da amiga, Anne previu o que viria a seguir.

— Espera aí, Re. Você está pensando errado, já disse! Ninguém está te vigiando por desconfiar de você. Sabemos que não trocaria de lado! Você conhece a Loren, sabe dos nossos valores.

— TEM CERTEZA? NUNCA FOMOS VIGIADOS PELOS VALORES QUE CARREGAMOS! TEM CERTEZA QUE CONFIAM EM MIM?

Os olhos de Renee estavam em brasa, mirando a agente à sua frente. Anne fechou os olhos.

— Re, você se apaixonou. Sabíamos que você poderia ficar dispersa e isso aconteceu, senão você não teria deixado passar esse detalhe de como soubemos da vigia. A gente te quer bem demais, por isso que eu vim! Ninguém queria que nada acontecesse com você…

Anne pausou a fala e deixou seus ombros caírem em rendição, continuando logo em seguida a explanação.

— O resto que contei é verdade e eu soube de todos os outros detalhes enquanto estava aqui…

Anne não sabia o que falar para convencer a amiga. Sabia que a manobra tinha sido arriscada, mas todos ligados a Renee pressionaram o núcleo, até que este aceitou a ação.

— Na verdade, a Loren foi a última do núcleo a concordar. Ela estava irredutível, mas pressionamos tanto que ela não teve alternativa. Infernizamos a vida de todos. Loren, mesmo assim, não queria. Ela só ficou à frente, depois que a decisão havia sido tomada. Ela disse que depois da decisão, não poderia deixar a ação na mão de mais ninguém.

Anne baixou a cabeça novamente, vendo que Renee estava estática e não reagia. Sabia que haviam quebrado princípios. Renee fechou os olhos e sentou-se na poltrona pensando em tudo que ouvira. A princípio custava a aceitar que o núcleo tinha tomado esta atitude, mas agora, com o que se delineou, mesmo diante da decisão que a magoou, percebia que tudo ficaria mais fácil. A sua missão tinha se complicado exponencialmente e com a ajuda direta da Organização, tudo caminharia melhor. Porém, sabia que levaria um tempo para retornar a sua confiança. Saber que Loren não tinha compactuado com isso, a fez se sentir mais aliviada.

Levantou-se e olhou para Anne que se encontrava ainda de cabeça baixa. Suspirou.

— Está bem. Vamos continuar, afinal, me livraram de uma boa. Mas não pense que vou esquecer tão fácil, Anne. Ainda terei uma conversa com todos se conseguir retornar.

Anne só balançou a cabeça em aceitação, pois entendia que se ocorresse consigo teria a mesma reação. Mesmo assim estava feliz, pois se não fosse por essa atitude, talvez a amiga estivesse em grandes apuros essa hora. Anne olhou um pouco contrafeita falando.

— Ficarei reclusa mais uma vez, não é?

Renee não conseguiu segurar o riso, desta vez. Esta seria a sua pequena vingança.

— Acho que sim, minha amiga.

— Você me mete nestas encrencas e estou começando a desconfiar que é retaliação!

— Por aquela operação em Taiwan? Já esqueci isso, mulher. Você está paranoica!

Renee voltava-se de costas para sair do escritório ainda sorrindo sarcástica e completou.

— Vou tomar banho e ver se encontro a Helen por aí. E depois, este é um pequeno preço a pagar pelo que fizeram, não acha?

— Eu não tive culpa dos seus seis meses dentro de um bunker! Você era apoio e eu quase fui morta, viu? E depois, não me arrependo de ter seguido você até aqui. Se eu recebesse a notícia de seu funeral por essa missão suicida, juro que te estrangulava com as minhas mãos, mesmo que já estivesse morta!

Anne gritou, pois Renee já estava no corredor em direção ao quarto. A raiva de Renee já se esvaía e deu uma sonora gargalhada antes de entrar no quarto.

****

Renee foi para o centro histórico novamente e se não encontrasse Helen, iria até seu atelier, pois Helen deveria ter voltado para sua casa. Possivelmente encontraria o “Empreiteiro” em sua obra.

Chegou e encontrou a porta aberta e a obra sendo feita, mesmo àquela hora. Já passavam das sete horas da noite, porém, não era incomum, pessoas que queriam adiantar serviços de obra, trabalharem até tarde. Disfarce perfeito.

— Tudo certo?

O Empreiteiro a olhou.

— Para falar a verdade, ainda bem que chegou, pois a doutora não voltou e vimos movimento na casa.

— Merda! Achei que dariam um tempo depois que a Anne descobriu as vigias. Não entendo porque estão tão afoitos.

— Para que se exponham tanto, provavelmente há algo mais que ainda não sabemos.

Renee ficou parada pensando e depois falou.

— Ligue para Anne e avise o que está acontecendo. Eu ficarei aqui à espreita para esperar Helen. Não deixarei que ela entre na casa. Tentarei leva-la para minha casa. Depois que eu interceptar a doutora, se conseguir, tente assustá-los batendo à porta, ou outra coisa qualquer.

— Ok. Vou pedir para Anne se esconder no bunker.

— Bunker? Droga! Até você?

— Não reclame pelas pessoas gostarem de você, Renee. — Ele sorriu – Remodelamos sua adega enquanto estava em São Paulo. Ficou ótimo! Devia passar por lá para ver quando estiver tranquila. Coloquei umas coisinhas que você gosta, também.

A agente estreitou os olhos.

— Como disse, a gente gosta de você, Re.

Renee sorriu para ele movendo a cabeça de um lado para outro.

— E a Anne é uma cobra linguaruda. Já bateu para você a nossa conversa de agora há pouco. Só esperou eu sair para ligar para você.

O “Empreiteiro” sorriu e se voltava para ligar para “Cérebro”.

— E não coloquem nenhum apelido ridículo em mim, desta vez!

Renee caminhava em direção à janela enquanto falava e de repente…

— A “Pombinha” chegou.

Ela se voltou de súbito para “Empreiteiro”.

— “Pombinha”?!Não acredito que estão me chamando de pombinha!



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