A Ordem: O círculo das armas

9. Um amuleto de sangue

Marie encontrou as companheiras em uma sala de jantar reservada. Ela ficava no fim de um corredor estreito e escuro, nos fundos da taverna da estalagem. Um privilégio pelo qual Verne tinha pagado mais caro para que pudessem se manter incógnitos e conversar sem reservas. Contudo, enquanto a dona da estalagem a conduzia para lá, notou que o restante dos homens que acompanhavam o badir, estavam sentados em uma mesa próxima a porta. Fingiam beber e jogar, mas estavam atentos ao resto do salão. Um deles lhe dirigiu um cumprimento quase imperceptível e voltou a baixar os olhos para as cartas.

O Lorde se pôs de pé ao vê-la adentrar na sala e ofereceu o seu lugar a ela, que agradeceu com um gesto gentil, mas optou por sentar entre Virnan e Melina. A mesa estava posta e, obviamente, todos tinham comido satisfatoriamente. Ainda assim, havia bastante comida. Virnan, gentilmente, lhe serviu sem indagar sobre suas preferências, já que era conhecedora dos seus gostos alimentares.

Dedicou-se a saciar sua fome, apreciando o silêncio que faziam. As lembranças do sonho que tivera ainda estavam bem vívidas na mente e o medo que sentiu, permanecia. Ergueu a vista para o badir, capturando uma nota de tristeza em sua face.

Ele aparentava ter envelhecido dez anos em um dia e Melina também se encontrava com semblante carregado. Não poderia ser diferente, já que tinham passado o dia em rituais funerários.

— Amanhã iniciaremos nossa viagem por terra, já fizemos os preparativos. Tornou-se impossível prosseguir de navio, já que os estragos foram grandes e os consertos podem durar algumas semanas. — Melina informou. — Depois que partirmos, Irmão Jonis irá procurar o auxílio da casa de apoio da Ordem na cidade. Até lá, iremos nos manter incógnitos.

Verne tamborilou os dedos na mesa.

— Concordamos que é melhor seguirmos viagem em um grupo menor, para não chamarmos a atenção. Como a grã-mestra não abriu mão de tê-las conosco, nos dividiremos em dois grupos.

Estava claro que eles tinham discutido sobre o assunto ferrenhamente e o lorde perdeu a discussão. Ele desejava seguir viagem com Analyn e a grã-mestra, enquanto as outras iriam em outro grupo. Era uma decisão sensata, Melina reconhecia, mas estava decidida a manter todas juntas e usou como argumento a batalha do dia anterior.

Se fossem emboscados por outro grupo axeano com membros manipuladores de magia, teriam mais chances de reação se estivessem todas juntas. Apesar de que, na vez anterior, somente Virnan e Marie tenham reagido de fato.

A tensão entre eles crescia a cada olhar trocado, no entanto ambos eram líderes e obrigavam-se a manterem uma polidez no trato, a fim de evitar animosidades desnecessárias, diante de uma situação já delicada.

— Fenris e eu as acompanharemos. O restante dos meus homens e outros ordenados partirão ao amanhecer, enquanto nós deixaremos a cidade ao entardecer e nos encontraremos com eles daqui cinco dias. — Finalizou o badir, com voz rouca.

— Acha sensato? — Fenris ariscou-se.

— Já está decidido — o lorde respondeu, deixando claro que não havia espaço para mais perguntas.

Ele caminhou até um pequeno barril no canto da sala e encheu uma caneca de cerveja para si e outra para o cavaleiro. Virnan fez o mesmo com um jeitinho jovial e Fantin a seguiu, achando graça dos homens que estranharam a escolha, pois a bebida não costumava ser apreciada por mulheres em seu reino.

O lorde tomou um gole farto e deslizou a mão pela barba.

— Já que não podemos ir pelo mar, só há uma rota possível para chegarmos a Cidade dos Eleitos. Teremos de seguir até a fronteira de Axen e cruzá-la. São três dias de viagem até lá e mais dois pelas terras axeanas…

— Que estão repletas de soldados vasculhando todas as vilas na fronteira e investigando qualquer viajante que cruze seu caminho. — Fenris completou, abafando um soluço.

Marie passeava o olhar pela sala, prendendo a atenção na janela, por onde pessoas passavam, rápido demais para se darem conta da presença deles.

Virnan lhe tocou o braço.

Alguma coisa interessante?

A mestra sorriu, levemente. Virnan gostava de conversar com ela usando a linguagem de sinais. O fazia com frequência, assim que começou a aprendê-la, mas manteve o hábito após se tornar fluente. Certa vez, lhe perguntou o motivo. Recebeu como resposta um riso cristalino, enquanto ela dizia que um pouco de silêncio fazia bem a alma e que, daquela forma, podia escutar a dela, Marie.

Ficou surpresa com isso, então insistiu em lhe perguntar qual o som da sua alma. A pupila respondeu que ela soava como o seu lar e que era assim que se sentia ao lado dela: em casa. Ouvi-la se expressar daquela forma, foi um alento para o seu espírito e lhe tocou profundamente.

Nada. Respondeu.

Mas não custa manter a atenção. Virnan gesticulou, então assentou as mãos no colo e falou baixo, desprezando a curiosidade de Lorde Verne à sua frente: — Você costumava dizer isso, enquanto treinávamos.

Marie lhe afagou a cabeça, como se fosse uma criança que tinha acabado de fazer uma boa ação. Era algo que costumava lhe fazer com frequência, principalmente, porque gostava de tocar os fios negros e sedosos.

Tive um sonho estranho com você. Revelou, assentando uma seriedade profunda na face. Não havia dúvidas, foi com Virnan que sonhou.

A guardiã sorriu de lado, com um jeitinho devasso e a mestra revirou os olhos.

Pare de me olhar assim! Não foi esse tipo de sonho!

— Tem certeza?! Não tenho problema algum em participar dos seus sonhos dessa forma! — Sussurrou no ouvido dela e lhe fez um carinho nas costas.

A mestra corou, diante do olhar penetrante que recebeu de Lorde Verne. Ele examinava as duas, enquanto o silêncio reinava entre os demais. Marie fingiu uma tosse e se aprumou no banco. Felizmente, ele não conseguia ler os sinais, senão estaria ainda mais corada. Entretanto, o mesmo não acontecia com Fantin, que estava sentada ao lado dele com ar de pilhéria.

Você é impossível!

— Foi você quem começou, Mestra! — Virnan retrucou, travessa.

Só disse que tive um sonho. Você que fez uma má interpretação disso. Tentou manter-se séria.

— Definitivamente, não foi uma “má” interpretação. — Piscou, charmosa.

Lorde Verne depositou a caneca na mesa, com um esgar. O humor inflamado transparecia nos gestos e palavras.

— Você parece bem, Guardiã. Fico “feliz” em constatar que a morte dos nossos companheiros não lhe afetou.

Melina se aprumou no banco, buscando um meio de distrair o badir e evitar uma discussão. Ele estava à procura de briga o dia todo e foi trabalhoso se manter calma ao seu lado durante esse período. O fato de Virnan aparentar a despreocupação costumeira, como se nada tivesse acontecido, com certeza, mexeu com seus brios. Mas não era apenas isso, ela sabia.

Se era briga que Verne queria, havia encontrado a pessoa certa para tirá-lo da calma forçada. A grã-mestra limpou a garganta para chamar a atenção, mas o príncipe continuava mirando a moça, que descansou o queixo no punho cerrado, com ar ligeiramente entediado.

— Eu me sinto muito bem, Badir. Obrigada por se importar com o meu estado. Tenho certeza de que nossos companheiros falecidos caminham para as Terras Imortais envoltos em um manto de glória. Lamento por suas mortes, mas não irei me entregar ao pranto ou procurar briga com os outros à minha volta, porque não consigo me desvencilhar do sentimento de responsabilidade.

Ele apertou a caneca, se deixando tomar pela raiva e Melina inspirou fundo, esperando o teto desabar sobre suas cabeças.

— Ora, sua…

Virnan lançou-lhe um olhar de desdém, entornando parte do líquido em sua caneca. Enfiou a mão entre os cabelos, brincando com uma mecha.

— É isso que está querendo, certo? Desde que entrou por aquela porta, sinto sua raiva direcionada para mim. Você é como aquele comandante convencido, perde a paciência por pouco e é transparente como as águas de um riacho. — Buscou Alina, sentada na cabeceira da mesa, silenciosa. — Começo a achar que ser eleita foi a melhor coisa que lhe aconteceu, Princesa.

A mestra tentou esconder o desconforto que tais palavras lhe trouxeram, fingindo bebericar um pouco de vinho, enquanto o Lorde cerrava os punhos.

— Como você ousa insultar um príncipe badir?! Como ousa insultar a memória dos que se foram? — Grunhiu.

Ela voltou a tomar da cerveja, dizendo:

— Insultei, foi?

Mestra Fantin afastou-se um pouco do badir, escorregando para a ponta do banco. Do pouco que conhecia de Virnan, quanto mais zangado ele ficasse, mais ela iria provocá-lo.

— Do meu ponto de vista, é você quem está insultando a memória deles. — Ela jogou os fios com os quais brincava para as costas. — Seus títulos não significam nada para mim, já que não os usa com a sabedoria esperada para um nobre que tem o destino de seu povo em mãos.

Ele se pôs de pé, rilhando os dentes.

— Você não está usando a razão, Alteza. E não é de agora. — Se pôs de pé também.

Deu a volta na mesa e ficou diante dele, assustadoramente mais imponente e confiante em sua baixa estatura.

— Pessoas como você querem sempre se provar. São inflexíveis, objetivas. É o que ouvi dos seus homens. No entanto, o que dizem e o que vejo são coisas completamente diferentes. Não temos um mínimo de intimidade e, ainda assim, posso dizer sem medo de errar, que durante o caminho até aqui, só estava preocupado com seu próprio umbigo. Não pôde se casar com a mulher que amava e remoeu isso por todos esses anos. Agora, irá perdê-la de fato. Então, fomos atacados e pessoas morreram, aí se deu conta do seu egoísmo.

Verne escorregou a mão para a espada, mas ela continuou:

— Quando quiser agir como um futuro rei, assuma suas responsabilidades quando elas vierem e aceite as consequências de suas decisões quando as tomar. E, por favor, não me procure para descarregar suas frustrações. Eu não serei o seu boneco de treino.

A mão dele tremia no punho da espada, enquanto a verdade se infiltrava em sua mente. Recebia uma lição de uma estranha mulher, com metade de sua idade e vivências; alguém que lhe inspirava os piores instintos, porque era a única que aparentava estar tranquila diante do momento tenso que viviam. Mal se falaram durante toda a viagem até ali e, ainda assim, ela foi capaz de decifrar seus sentimentos como se ele fosse um livro aberto.

Era verdade. Durante aqueles dias, só conseguia pensar em Analyn. Queria que ela o enxergasse de novo, que falasse com ele e demonstrasse os sentimentos que um dia compartilharam. Queria defendê-la a todo custo, como fazia quando eram jovens prometidos. Havia se preparado para reencontrá-la após tantos anos, mas não tinha sido capaz de imaginar o quão avassalador isso seria e acabou por se desviar das suas responsabilidades e modo natural de agir, principalmente, porque ela se mantinha distante e fria, como se jamais tivessem se envolvido.

Perder companheiros em batalha não lhe era uma situação incomum, mas perceber que havia falhado como comandante de homens bons, que lhe serviram fielmente ao longo de anos, porque estava mais preocupado em conseguir a atenção da princesa, foi penoso. De fato, estava mesmo buscando despejar sua culpa em alguém, de preferência uma pessoa de quem desgostasse, como a guardiã.

Inspirou fundo, baixando o olhar.

— Está sentindo pena de si mesmo agora, Badir? Você é um líder, não tem tempo para isso. Então, aja como tal. Guarde sua raiva para os verdadeiros inimigos.

O lorde engoliu em seco e Melina interferiu:

— Já chega. Você está passando dos limites, Virnan.

A guardiã ergueu as mãos, mas continuou a falar. Tinha perdido o tom provocativo. O rosto era uma máscara dura e sem emoções, mas os olhos não escondiam os sentimentos.

— Lorca, Bastus, Vig, Pitarco, Irmão Bran, Irmão Tom, Irmão Túli. Seus homens, nossos irmãos. Nenhum deles será esquecido, enquanto vivermos. Exaltarei sua coragem e nobreza, assim como a do Guardião Milan, de quem ainda não pude me despedir. Farei da maneira correta em um círculo lunar, assim que a primeira lua cheia do mês surgir no céu.

Verne arregalou os olhos.

— Isso é…

— Muito inapropriado. — Fenris concluiu, enquanto ela caminhava até a janela do cômodo.

Uma névoa suave começava a se espalhar pela rua. Fitou a construção em frente, cuja placa de madeira entalhada indicava a venda de uma vasta quantidade de objetos para viajantes. Assistiu, atentamente, o vai e vem dos clientes embriagados ao mesmo tempo em que analisava os arredores. A vida noturna da cidade estava agitada naqueles dias, graças a proximidade de um festival. Isso tornava a presença deles mais fácil de ocultar, mas não significava que podiam baixar a guarda.

— Considera inapropriado honrar as pessoas que morreram lutando ao seu lado?

— Mas o que você quer fazer é destinado somente a príncipes e reis.

Os ombros dela subiram e desceram algumas vezes, enquanto ria.

— Não de onde venho.

— E de qual inferno você saiu? — Indagou o badir.

Ela se voltou para eles.

— Caeles — respondeu.

Houve um longo momento de silêncio entre os ocupantes da mesa. Ao lado de Marie, Melina empalideceu.

— Mas Caeles foi destruído há cinquenta anos. — Fenris comentou.

Virnan cruzou os braços, displicente.

— Você é uma grande mentirosa. — Verne acusou.

Não devia brincar com isso. Marie reclamou.

— Ele perguntou de qual “inferno” tinha saído e eu respondi. Não é uma mentira. Não é uma brincadeira. Mas isso é uma longa, muito longa, história.

Fez um gesto de descaso, afastando uma mecha de cabelo da testa. Então, se escorou na janela.

— Se serve de consolo, Lorde, a morte dos nossos companheiros não poderia ser prevista. Não podíamos imaginar que Axen nos seguiria no mar e que fariam uso de magia para nos capturar. Bom ou mau líder, atento ou distraído, não havia nada que pudesse ser feito para impedir isso.

Verne voltou a sentar, se apossando da caneca de cerveja. As palavras o abandonaram e sentia-se um tolo.

— Às vezes, você fala e age como se tivesse presenciado a mais sangrenta das guerras, Guardiã. — Fenris comentou, olhando para o fundo da sua caneca.

Ela iniciou um sorriso, que não chegou a se concretizar.

— Não é mesmo?

Obviamente, não era a resposta que ele esperava e como ela não aparentava estar disposta a continuar a conversa, entornou a cerveja de uma vez.

— É uma possibilidade. — Fantin falou, interrompendo o novo silêncio que se estendia por longos minutos.

Tinha passado aquele tempo concentrada na figura da guardiã. Remoía a conversa que tiveram no quarto e, agora, o que ela revelou sobre sua origem. Estava certa de que também não pertencia a Caeles.

Em suas viagens, conhecera alguns ex-habitantes daquele reino, que buscaram abrigo em Primian, após a destruição dele. Todos, sem exceção, possuíam a marca do sol. Era uma tatuagem na mão direita, recebida em uma cerimônia no aniversário do primeiro ano de nascimento. Era uma tradição milenar, realizada em um templo no centro da cidade capital de Caeles. A tatuagem era feita através da magia de uma fonte dentro desse local.

Com exceção de algumas cicatrizes, Virnan não possuía a tal tatuagem. E, se fosse o caso, ela teria de ter, pelo menos, cinquenta e um anos de idade. Embora aparentasse estar entrando na casa dos vinte anos, pelo tempo que estava na Ordem, era certo que tinha, aproximadamente, trinta anos. Se fosse descendente dos refugiados de Caeles, a ausência da tatuagem poderia ser explicada, mas ela foi bastante enfática quando disse que o “inferno” de onde saiu era Caeles e não que era de lá.

Resolveu deixar essas análises para depois e se concentrou em outra coisa, baseado no que ela tinha dito.

— Do que fala, Mestra Fantin? — Alina indagou.

— Lorde Verne disse que só havia uma rota possível para chegarmos a cidade dos eleitos. Se Axen não tivesse nos atacado, continuaríamos navegando rumo a águas profundas e daríamos a volta no cinturão de Bévis, passaríamos além do controle marítimo de Axen e chegaríamos às praias onde se inicia a parte leste da Floresta de Pedra. Só teríamos que atravessá-la até alcançarmos a fronteira e o nosso objetivo.

Fez uma pausa para organizar as ideias.

— A opção que Lorde Verne está propondo é seguirmos a pé pelas trilhas usadas pelos mercadores, até alcançarmos a fronteira com Axen e cruzá-la, se tivermos a sorte de não sermos interceptados e capturados. Mas outra opção me surgiu. Podemos seguir adiante e entrar no extinto reino de Caeles, em vez de cruzarmos a fronteira entre Bévis e Axen. Iria nos custar mais três ou quatro dias de viagem e, com certeza, não seria agradável.

Verne pousou a caneca na mesa, brutal.

— Fora de cogitação!

— Não teríamos problemas com as sentinelas da fronteira, porque eles não existem lá — Fantin argumentou.

— Mas teríamos com animais, estradas inexistentes, pântanos, entre muitas outras coisas — Fenris atalhou. — As vilas e cidades daquele reino foram reduzidas a cinzas. O Cavaleiro tornou impossível a vida por lá. A água não é boa, a terra não dá frutos, a caça é escassa. E existem histórias de que se tornou reduto de ladrões e assassinos, já que as patrulhas não se arriscam a ir até lá.

— De todo modo, é algo a se considerar. — Melina falou.

— Não acredito que possa estar considerando isso! — Verne cuspiu, revoltado.

Ela segurou o queixo, concentrada em admirar as falhas na madeira do tampo da mesa e voltou a usar o mesmo argumento de quando discutiram a divisão do grupo:

— Temos de ser sensatos, Lorde. Se encontrarmos outra tropa com usuários de magia, ficaremos com sérios problemas. Principalmente, se tiverem amuletos como o nosso último atacante.

Alina se remexeu no banco, brincando com o resto da comida em seu prato.

— Gostaria de saber onde conseguiram um amuleto. — Estalou os lábios. — Não se tem notícia de um há séculos. Se pudéssemos descobrir sua origem, talvez pudéssemos recriá-lo e…

Interrompeu-se quando Virnan atirou a caneca de cerveja na parede. Ela a tinha recuperado da mesa, instantes antes, e vagava pelo cômodo com olhar distante. Obviamente, seu rompante causou fortes impressões nos companheiros, incluindo Marie, que jamais a viu com feições tão perturbadas. Geralmente, era a própria Virnan que causava aquela reação nas pessoas, como tinha acontecido com Lorde Verne.

— Nunca mais volte a repetir uma coisa dessas! Jamais volte a cogitar a possibilidade de fazer aquela abominação!

Os presentes não tiveram palavras por algum tempo, até Alina tomar um alento e falar:

— Pela forma que se expressou, presumo que saiba o que era e como se confecciona.

Virnan lhe dirigiu um sorriso escarninho, pousando a mão no cabo da adaga em sua cintura.

— Confecciona?! Aquilo não é um simples objeto feito pelas mãos de um artesão, Mestra. Será que vocês não perceberam?

— Percebemos o que?

Ela escondeu o rosto nas mãos, prendendo um forte exalar. Estava sendo tola ao fazer aquela pergunta. A maioria dos ordenados no círculo da sabedoria jamais passou pelo círculo de proteção. Existia muitas maneiras de ascender para os círculos superiores sem percorrer o caminho mais árduo, assim como Virnan fizera. Marie e Fantin eram fortes exemplos disso. Ambas possuíam dons incomuns e necessitavam de uma instrução mais acurada, por isso foram instruídas pela própria grã-mestra e, naturalmente, ascenderam ao círculo da sabedoria sem passar pelos anteriores.

No círculo protetor, os guardiões aprendiam a perceber a magia de diferentes maneiras, mesmo que seus traços fossem quase insignificantes. A prática em grupo permitia o fácil reconhecimento da magia de seus companheiros de treino. Era quase impossível para um guardião não perceber a aproximação de outro, mesmo que ele não estivesse usando magia no momento.

Ela inspirou fundo, escorregando as mãos para a cintura.

— Havia dois tipos de magia naquele gelo e uma delas era familiar.

— Não senti nada diferente. — Fantin contou.

Marie mordiscou o lábio, ela tinha sentido. Como seu dom lhe permitia absorver a magia alheia, assim como Virnan, conseguia discernir a magia de cada membro da Ordem. Não percebeu o fato enquanto estava lhe doando a magia de Melina e Fantin, mas quando absorveu a magia que criou o gelo, notou algo familiar. Esperava que fosse apenas uma impressão, mas pela forma que a amiga reagiu ao comentário de Alina, não se tratava disso.

Virnan se jogou no banco, descansando as mãos na borda da mesa. Fitou Alina, dura.

— Para fazer um amuleto realmente poderoso, é preciso uma fonte pura de magia.

Alina se inclinou para a frente, curiosa. Não conseguia esconder a ansiedade para descobrir a resposta ao que considerava uma grande questão, desde que se deparou com a descrição de um amuleto em seus estudos na biblioteca da Ordem.

— Que seria?

— A fonte mais pura de magia que temos neste mundo, é a nossa própria essência vital, nossa alma.

A grã-mestra sentiu o estômago revirar e o mal-estar foi geral entre os ouvintes.

— Um amuleto poderoso precisa de um sacrifício de vida. Não uma vida qualquer, mas a vida de um mago forte e, atualmente, os magos mais poderosos deste continente pertencem a Ordem.

A verdade se abateu sobre todos. Não precisavam ouvir mais nada, no entanto, a guardiã concluiu:

— O amuleto que o mago axeano usava é o resultado do sacrifício da vida do Guardião Milan.

As mãos de Alina tremeram quando ela buscou o copo sobre a mesa, a fim de que a bebida aliviasse o nó que se formou na garganta. Virnan a fixava, com uma seriedade atormentada. A mestra secou o copo, sem se importar com a qualidade questionável do vinho.

— Isso é mesmo odioso… — Fenris deixou escapar, deslizando a mão pelo cabelo longo até os ombros.

— Você ainda quer saber como se faz, Mestra? — A guardiã indagou.

Alina fitou a madeira engordurada da mesa, desconcertada.

— Eu sinto muito. Não imaginava…

Virnan se pôs de pé, novamente. Caminhou até a janela mordiscando o lábio e voltou a olhar para Alina.

— Se está desconfortável agora, imagine como vai se sentir ao deitar-se no altar cerimonial do Cavaleiro para ter o mesmo destino que Milan.

 

— § —

 

 


Boa noite, amores!

Passando para agradecer a companhia maravilhosa de todas. Este capítulo também não teve ilustração, mas prometo fazer algo legal para o próximo.

Beijão!



Notas:



O que achou deste história?

11 Respostas para 9. Um amuleto de sangue

  1. Estou revoltada por ter demorado tanto tempo para começar a ler esta História! Estou me xingando e adorando o que leio.

  2. Caraca, que pesado essa revelação final!! Maluco, tô seca pra conhecer o passado da Virnan, e adorando as tiradas dela hahaha Marie toda coradinha hahaha

  3. olá autora…passando pra agradecer a postagem de uma historia tão maravilhosa como esta! encantada com as personagens, com o enredo, com a promessa de amores e torcendo pelo casal crush virnan/marie, e também torcendo por Fantin que já comecei a pegar um gosto….rsrsrsrs. Espero que arrume alguém pra chamar de meu pra Fantin…rsrsrs, porque aguentar os perigos e problemas que a ordem proporciona sem um amor, não deve ser nada fácil. beijos

    • Oiê, Sophie!

      Ow, Linda, sou eu que agradeço a todas vocês por encontrarem um tempinho para se aventurarem comigo nessa história. Fantin ainda tem muito a nos oferecer e, quem sabe, encontre mesmo alguém para chamar de seu? Tudo é possível.

      Beijo mega carinhoso pra ti! 😉

  4. Faço das palavras da Bibiana as minhas!
    Totalmente envolvida pela história, que está a cada capítulo, melhor!
    Obrigada
    Abraços e bom fim de semana!

  5. Não foi difícil me apaixonar por Virnan. Desde o princípio, todo o mistério que a cerca, a forte personalidade, e a paixão que ela exala, a tornam fascinante. Quero saber mais sobre Marie. Gosto da doçura e da delicadeza, mas vejo tbm força e determinação. Mas faltam tantas peças. Sei que essa é a ideia, ir nos conduzindo aos poucos, mas é impossível não especular rsrs Historia fantástica! Ansiosa pelo próximo capítulo. Beijos

    • Bibiana,

      Sou suspeita para falar, mas considero Marie um dos meus personagens preferidos nessa história. Ela é mesmo como você descreveu, forte e determinada, e está bem próximo de se mostrar para nós.

      Na verdade, ainda há muito por vir. rs…

      Um beijo enorme e até a próxima. 😉

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