Olá, amores!
Infelizmente, estou aqui fazendo aquilo que disse que não iria fazer… 🙁
Muitas coisas aconteceram ultimamente na minha vidinha. Algumas boas e outras bem ruins, mas deixemos isso de lado porque tá osso duro de roer… Fato é que não consegui concluir o texto como planejei, embora o capítulo final já esteja bastante adiantado. E bem, também sou uma pessoinha com a mente fora do tempo e foi preciso que alguém me lembrasse que minha última postagem foi há mais de um mês. No fim, acabei deixando vocês na ansiedade. Perdão.
Enfim, estou postando apenas o penúltimo capítulo hoje e ele é bem grandinho, então acho que isso pode compensar um pouco do atraso. rs…
Aproveitando, quero agradecer pela ajuda da Naty Souza neste capítulo e, também, da Cabrita de Paulo. Ambas me deram opiniões preciosas que ajudaram a ajustar algumas cenas. Valeu, meninas!
Quanto ao convite que fiz, para quem tivesse alguma curiosidade sobre o texto, as perguntas serão respondidas no próximo e último capítulo.
Um beijão à todas e muito obrigada pela companhia e paciência.
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— É inútil. — Emya baixou a machadinha que pertencia a irmã mais velha.
Embora pequena, a arma era tão pesada que parecia ser feita de chumbo e isso a fez se sentir fraca. Contudo, era bem ciente do quanto estava cansada e machucada. Naquela altura, até uma pluma lhe pareceria custosa de erguer.
Fitou a pedra no centro da sala, diante da qual se encontrava. Tinha cor âmbar e emitia um brilho suave sempre que a princesa tentava quebrá-la.
Assim que a viu, Emya compreendeu o motivo de Érion não a ter levado consigo para Flyn. O amuleto, — ela se perguntava se poderia realmente ser chamado assim — mais parecia uma coluna preciosa que conectava o chão e o teto da sala. Partes dele se espalhavam pelo lugar como se fossem raízes e ramos petrificados.
Era, ao mesmo tempo, uma visão magnífica e assustadora, ante a sua verdadeira natureza.
— Seria glorioso se pudéssemos destruir esta coisa, Alteza. — Disse o soldado que a acompanhava, após investir contra o amuleto também; a espada dele mostrou-se tão inútil quanto a machadinha. — Entretanto, ao que tudo indica, não é nosso destino…
Ela bufou.
— Eu odeio essa coisa de “destino”! — Declarou. — Eu acreditei que o “destino” era imutável por muito tempo… Acreditei em muitas coisas. Fui tola em relação a maioria delas. Pensei que não havia como salvar a minha irmã do sacrifício para o qual foi eleita e veja onde estamos agora.
Enfiou os dedos nos cabelos bagunçados.
— Nós fazemos nosso destino! — Disse alterada. — E enquanto eu estiver respirando, vou continuar tentando.
Ela voltou a golpear a pedra, tentando não pensar no que poderia estar acontecendo com a irmã no salão ao lado. Obviamente, não acreditou nas palavras de Voltruf, mas compreendia seu intento, assim como entendeu a gama de sentimentos que enxergou nos olhos de Marie. Então, agarrou-se àquela missão como meio honrá-la e ao esposo que sofria andares abaixo daquele piso.
Tinha bastante consciência das suas limitações. Contudo, implorou para todas as forças divinas que lhe dessem a força necessária para continuar.
Quanto mais atacava a pedra, mais conseguia sentir o poder que a arma florinae emanava, contudo, tinha a impressão de que a tucsiana vibrava, destoando da usuária.
Ainda assim, insistiu.
À medida que a certeza da incapacidade de quebrar a pedra se assentou, sua determinação cresceu até se tornar sólida como a rocha que tentava destruir.
Talvez fosse apenas a imaginação de Emya, talvez fosse apenas a força do desejo de proteger sua família e povo, mas em determinado momento ela começou a perceber que a cada novo golpe, a tucsiana tornava-se mais leve e brilhante.
Era como se almejassem a mesma coisa e estivessem se unindo para alcançá-la.
Provavelmente, Emya nunca tentaria encontrar a resposta para o que aconteceu naquela sala. Não por temê-la e, sim, porque naquele breve instante em que a tucsiana brilhou tão forte que quase a cegou, ela finalmente compreendeu o peso do poder e das responsabilidades da irmã e amigas.
Então, a lâmina da machadinha penetrou a pedra.
Não era mais que um arranhão, mas foi o suficiente para que o poder do amuleto jorrasse e Emya foi atirada contra a parede oposta. A sala foi iluminada por uma forte luz vermelha e enquanto tentava ficar de pé, ela esqueceu como respirar, ou melhor, respirar doía tanto que tentou não fazê-lo.
A luz desapareceu e o soldado a fez sentar. Estava tão aflito que mal conseguiu perguntar se ela estava bem. Os ouvidos da princesa, quase não captaram as palavras, pois zuniam como se houvesse um enxame de abelhas dentro da sua cabeça e tudo no que ela conseguia pensar era em como voltar a respirar.
Ouviram gritos do outro lado da porta que dava para o grande salão. Depois, um forte brilho atravessou as frestas dela e tudo voltou a ser silêncio e dor para Emya. A princesa fez os pulmões voltarem a trabalhar, sentindo uma dor cortante nas costas e seu olhar cruzou com o do soldado antes de voltar a fixar o amuleto e perceber que uma gota de líquido prateado escorria do local onde arranhou.
O rapaz murmurou:
— Sei que é estranho dizer isso, mas parece que a senhora o “machucou” e agora ele “sangra”…
A porta rangeu, chamando a atenção dos dois e Marie adentrou na sala. Ela ainda sangrava muito e apoiou-se na parede com olhar fixo no objetivo da missão, como se estivesse hipnotizada por ele. De fato, ela sentia como se ele a estivesse chamando.
Os passos seguintes a levaram até Emya. Pareceram extremamente custosos e gemeu quando escorregou pela parede até sentar ao lado da irmã.
— Isso é ruim… — Emya murmurou, sentindo algum alívio por ter Marie ao seu lado, ainda que a aparência dela continuasse deplorável.
Ela fitava a pedra, mas falava de modo geral. Toda a situação era péssima e, mesmo que não tivesse esclarecido isso, a irmã mais velha concordou com um inclinar de cabeça.
— Eu tentei fazer o que me pediu, mas é como se essa coisa tivesse vida própria. Me repeliu como se não passasse de um inseto.
Novamente, um balançar de cabeça antes que Marie fechasse os olhos e pegasse sua mão. Foi um aperto tão fraco que Emya trincou os dentes com medo do pior acontecer. Não ajudava que a respiração de Marie fosse ruidosa e que ela deixasse um ou outro gemido de dor escapar.
— É… — Sussurrou a princesa com um aperto no peito. — Acho que precisamos descansar um pouco.
Marie abriu os olhos e Emya forçou um sorriso que, sabia, devia parecer doentio graças ao sangue que maculava os dentes e concluiu:
— Só um pouco…
Ela assistiu o soldado sentar-se no chão, antes de resvalar para a inconsciência. O rapaz não escondia a preocupação com as duas, mas nada podia fazer e limitou-se a vigiar o descanso de ambas.
Quando recobrou a consciência, Emya não soube precisar quanto tempo se passou. Não muito, era certo. Mas quando despertou, sua cabeça estava apoiada nas pernas do soldado. Ele foi gentil e respeitoso ao ajudá-la a sentar e depois ficar de pé.
A princesa notou a ausência da dor, embora sentisse um cansaço anormal.
— A mestra a curou — disse o rapaz, mostrando que também recebera cuidados.
Emya buscou a irmã, que andava em volta do amuleto, pensativa. Marie não sangrava mais, contudo os ferimentos ainda estavam abertos e mantinham uma aparência vertiginosa, levando a irmã caçula a se perguntar como ela conseguia ficar de pé. Aqueles cortes deviam estar doendo tanto quanto no momento em que foram feitos, mesmo em processo de cura.
Uma careta foi suficiente para Emya confirmar suas impressões. Marie estava longe de se recuperar completamente e sofria por isso. Todavia, mantinha-se focada na missão.
Outra questão que veio à mente da princesa era sobre o paradeiro de Voltruf. O espírito não estava à vista, mas a irmã não parecia preocupada com isso e supôs que ela estava vigiando o salão ou tivesse retornado para junto dos companheiros.
— Ela está assim há algum tempo… — o rapaz explicou e Emya afastou a vista de Marie para observar o rosto jovem e curtido de sol, onde algumas cicatrizes se destacavam — andando em volta dessa coisa, como se estivesse estudando ela.
Um passo incerto aproximou Marie do amuleto e Emya percebeu que ela havia recuperado sua tucsiana e, agora, as duas machadinhas descansavam na sua cintura . A mestra sentou uma mão trêmula no amuleto, no exato local em que Emya a arranhou. Foi inundada pela dor. Era física, era espiritual, era mental…
Era dor, pura e simples.
Ofegante, Marie se afastou. O estômago revirava-se, ansioso para expulsar o conteúdo que não existia, já que a última vez em que ela se alimentou fora em Flyn, um pouco antes do amanhecer. Estava tão nervosa, na ocasião, que foi preciso Virnan forçá-la a engolir pedaços de pão com uma caneca de chá escuro e amargo que os floras apreciavam. Nada mais passaria por sua garganta, ainda que a mesa do salão de refeições estivesse farta de comida. A ansiedade crescente ao longo do dia a impediu de ingerir qualquer outra coisa além de água, mesmo Emya e Verne tendo insistido muito para que comece um pouco das rações que levaram consigo.
Marie deslizou os dedos pela superfície lisa e cristalina, puxou o ar para os pulmões e o manteve ali por um momento longo, antes de soltá-lo devagar. A cabeça girou e fez um grande esforço para manter-se de pé. Fome, sede, cansaço, muito sangue derramado…, aquela pedra maldita ou tudo isso junto. Era impossível precisar a causa exata do mal-estar, todavia ela não tinha tempo para se preocupar com isso. Havia muito a ser feito e pouco tempo para fazê-lo.
Pensou em quando Bórian lhe deu a canção. Até poucos momentos antes, só sabia o que ela poderia fazer. Era cruel, assustador, injusto… E Marie temeu a si mesma assim como Bórian confessou que temia, assim como ele falou que o seu povo temeria quando descobrissem o que ela era.
A canção não passava de um conjunto de palavras antigas, cuja entonação podia variar o significado. Palavras que não causariam mal algum se pronunciadas por qualquer mago, mas que vindas dos lábios de uma amitsha se tornavam um mundo de possibilidades; das mais belas às mais terríveis.
Ela decorou aquelas palavras amaldiçoadas com tanto medo, que o sono a abandonou por dias. Nem mesmo o prazer de estar dormindo entre os braços de Virnan a fez relaxar. Chegou a prometer a si mesma que jamais as usaria, mas ao longo daquele dia suas resoluções foram esmagadas e o pedido de Voltruf as transformou em pó.
Foi horrível, mas agora que tinha usado a canção e sabia como ela funcionava, poderia usar outro de seus dons e trabalhar nela da forma que bem lhe aprouvesse.
Ainda não conseguia compreender bem o que uma amitsha era. Mas sem falar, ela era apenas uma mulher, cujos deuses foram generosos e deram dons mágicos incomuns e poderosos. Certa vez, discutindo o assunto com Bórian e Virnan, ela perguntou à respeito. O espírito disse que os amitshas eram reprimidos pela Ordem Castir antes de alcançarem a idade adulta, portanto, não tinha como precisar o nível de poder dessas pessoas. E após uma longa discussão sobre isso com Virnan, ele contou a história de como uma amitsha começou a grande guerra que resultou na separação dos mundos.
Para os enaens, os amitshas eram tidos como intocáveis. Quase como se fossem deuses. E foi pelo “canto” de um deles que a morte andou pelo Todo. Como a maioria das guerras, ela começou por amor. Um amor proibido, doentio e daninho, alimentado pela inveja e leis proibitivas.
— Acha que consegue destruí-lo?
A voz de Emya pareceu o eco de um passado distante em meio ao silêncio do ambiente. Soou quase infantil e Marie prendeu soprou o ar antes de olhá-la, inexpressiva, ainda que estivesse aliviada por vê-la recuperada.
Não respondeu. Em vez disso, voltou a tocar a pedra. Estava determinada a entendê-la e, assim, encontrar uma maneira de destruí-la. Enquanto Emya esteve inconsciente, o jovem soldado que a acompanhava narrou o que aconteceu quando a princesa arranhou o amuleto e a mestra achou por bem não tentar repetir o feito.
Primeiro, porque ainda estava em processo de cura e necessitava de toda a magia que passava por seu corpo para isso. Tinha de curar os pontos mais críticos, antes de arriscar alguma conjuração, embora tivesse se arriscado ao desviar um pouco dessa magia para curar as feridas de Emya e do seu jovem protetor. Segundo, porque em suas mãos a tucsiana teria um poder devastador.
Se tinha entendido bem, o que ocorreu com Emya foi resultado do seu próprio ataque. O amuleto revidava, espelhando a força do atacante e devolvendo-a em uma escala maior. Certamente, se Marie o atacasse, as consequências seriam desastrosas.
Por isso, ela tentava entendê-lo. E se pudesse fazer isso, conseguiria encontrar o jeito certo de destruí-lo sem causar danos a si e tudo em volta.
Ela passou a mão no rosto e mordiscou o lábio inferior. A cabeça latejava. Estava sedenta e enjoada, e o remorso por ter usado a canção e consumido o poder alheio pesava tanto que a sala começou a parecer insuportavelmente pequena, quente e sufocante. De repente, ela queria fugir, esquecer tudo e todos, esconder-se do mundo e de si.
Marie cerrou os olhos, deslizando a ponta dos dedos pela superfície fria e âmbar e empurrou toda a confusão que sentia para um canto escuro da mente. Todavia, a dor dos ferimentos permaneceu, como um lembrete cruel do que fez e do que ela era.
Um lado seu desejava nunca ter descoberto a verdade, nem feito o que acabara de fazer, mas era apenas um desejo. Algo quase ingênuo para alguém cujos passos levaram a conhecer a miséria humana e, agora, a miséria de outras raças.
O contato com o amuleto amplificou essas emoções e pensamentos, embaralhando-os até o ponto em que perdeu a noção de si mesma. E Marie deixou-se afundar na dor. Era um tormento e, ao mesmo tempo, era revelador e aconchegante. Então, mergulhou mais e mais fundo na magia do amuleto.
Ele era frio, como uma pedra deveria ser. Tinha a aparência que uma pedra deveria ter, até cheirava como uma pedra. Mas estava tão longe disso…
Ela imergiu e se afogou na dor. E quando achou que não seria mais capaz de retornar à superfície daquele mar tempestuoso de sofrimentos, Marie finalmente o entendeu.
Quando voltou a fitar Emya, ela parecia pálida e trêmula e o medo que sentia, muito além das expressões, era quase palpável.
— Por favor, diga que pode destruir essa coisa! — Ela pediu e Marie percebeu o desespero em sua voz.
Foi só quando fitou o soldado, que notou que a atmosfera da sala havia mudado. Estava fria e havia um cheiro estranho no ar. Ela não tinha certeza disso, mas imaginou que se Virnan estivesse ali, ela diria que o lugar inteiro cheirava a medo e coisas ruins.
O amuleto os afetava tanto quanto a ela, embora soubesse que com não-mágicos o efeito devia ser muito mais intenso. Então, Marie ignorou o clamor do amuleto, que parecia implorar para que se tornasse parte dele, e andou até os dois. Não foi nenhum um pouco delicada quando os empurrou para fora da sala.
Assim que se encontraram no corredor que levava aos andares inferiores, os dois voltaram a respirar normalmente, embora estivessem tremendo muito.
— Aquilo foi… — Emya balbuciou, deixando a frase morrer por não conseguir encontrar uma palavra adequada para definir a experiência que acabara de ter.
Quando Marie tocou o amuleto, ele emitiu uma grande quantidade de luz e, logo depois, névoa densa se espalhou pelo ambiente, trazendo consigo o cheiro pútrido da morte e centenas de rostos desfigurados e atormentados flutuaram em meio a ela. Pareciam agitados e sempre que tocavam a princesa e o jovem guerreiro, o tormento deles se tornava seu. E quando ambos começaram a acreditar que não havia meio de escapar daquela agonia, Marie se afastou do amuleto e tudo desapareceu.
Emya deixou a vista pousar no rosto calmo da irmã, antes que ela tomasse a frente e iniciasse a descida dos primeiros degraus da longa escadaria que os trouxera ali. Talvez tenha sido impressão sua, mas naquele breve instante, Marie lhe pareceu inalcançável, quiçá inumana já que não se mostrava nenhum pouco abalada.
Com passadas ligeiras, a mestra os acompanhou de volta ao salão em que haviam deixado Melina e os outros. Àquela altura, os ordenados e soldados conseguiram resgatar Lorde Verne e os outros feridos, então não tiveram dificuldades em descer as escadas, apesar do entulho que se acumulava nelas.
Ali, a vista não era muito diferente do salão do trono. Havia corpos por todos os lados, mas pelo menos tinha gente viva, também.
Melina, que estava sentada no chão desfrutando um momento de descanso após despender uma grande quantidade de magia na tentativa de salvar a vida de Fenris, se pôs de pé assim que percebeu a chegada deles. Perspicaz, a grã-mestra logo notou algo diferente na sobrinha. Não sabia precisar o que, mas raramente se enganava em relação a Marie.
Próximo a estátua do rei Enaen, Lorde Verne jazia no chão sob os cuidados de Mestre Pitacus. Ele estava inconsciente e pela grande quantidade de sangue que perdeu enquanto esperava o resgate, não era possível dizer se iria sobreviver. Mas, caso conseguisse, certamente teria sequelas.
Ainda que estivesse cansada, machucada e aterrorizada, Emya encontrou forças para correr até ele, assim que o viu. Mestre Pitacus a olhou com pena quando se deu conta de sua presença, deixou escapar um suspiro carregado com o sentimento de derrota e regressou para a tarefa de curar o lorde. O mestre era um sujeito franzino e, de algum jeito, conseguia parecer ainda mais raquítico naquele momento. Tinha os olhos injetados e um grande corte na cabeça, mas as mãos percorriam o corpo de Verne com firmeza.
— A perna dele foi dilacerada, mas isso é o de menos. — Explicou Bórian para Marie.
Ele falava baixo, como se estivesse contando um segredo. Cruzou os braços e dirigiu olhares significativos para a direção de onde a mestra e a princesa vieram. Voltruf não estava à vista e ele fitou Marie em busca da resposta para a pergunta que não tinha coragem de fazer.
Marie lhe devolveu um olhar penetrante, quase frio. Pelo menos, foi essa a impressão que Bórian teve. Ele limpou a garganta e disse:
— Você também necessita de cuidados… — Apontou para os ferimentos dela, que desmanchou a rigidez nos traços e gesticulou uma resposta rápida com as mão trêmulas e sujas de sangue.
Ela estava bem e em processo de cura; foi a tradução que Melina fez. Tanto a grã-mestra quanto o espírito pareceram céticos em relação àquela afirmação, contudo ele resolveu direcionar a atenção para o objetivo daquela missão, ainda que desejasse muito um pouco de isolamento para lamentar a perda da amiga.
— E o amuleto?
A morte sempre foi temida pelos homens, mas os castirs não se sentiam da mesma forma em relação a ela, já que conheciam o que vinha depois. A vida era um ciclo, a morte também. Em Inamia era possível acessar outros mundos, renascer neles ou ali mesmo, em Domodo. Voltruf nunca teria aquela oportunidade e ele, Bórian, desejava um momento sozinho para poder lamentar por isso e pela amiga que nunca mais tornaria a ver.
A ordenada apontou para cima e depois gesticulou para que ele e Melina a acompanhassem. Entretanto, ela não se moveu e continuou observando o trabalho de Mestre Pitacus. O corpo de Fenris jazia ali perto, coberto pela capa azul marinho de um ordenado. Ela o fitou por um momento, ouvindo a tia dizer:
— Eu tentei… — Melina interrompeu-se sem conseguir seguir adiante.
De fato, embora se mostrasse sempre altiva e confiante em momentos de cura, ela nunca soube lidar com a perda de alguém sob seus cuidados. Simplesmente, não podia escapar ao sentimento de fracasso. Certamente, estava se cobrando demais, todavia isso nunca mudaria. Se foi mesmo o destino ou uma trama de Lyla e Maxine para que um dia seu caminho cruzasse com o de Virnan, não importava. Fato era que “ela” escolhera a Ordem, “ela” decidiu viver sob um manto de paz, ainda que houvesse muita guerra na sombra dele. E a satisfação de devolver saúde e vida a alguém era sempre maior que os momentos de perda e tristeza.
— Você fez o seu melhor. — Bórian a consolou, e ela balançou a cabeça abraçando a verdade de suas palavras, ainda que isso não ajudasse a diminuir o pesar pela vida que se perdeu e que se tornava maior pelo carinho que tinha por Fenris.
As lágrimas chegaram aos olhos de Marie e ela quis muito derramá-las, mas forçou-se a engolir o choro e usou a dor da perda para reforçar sua determinação. O tempo de chorar pelo amigo chegaria e o fato de saber que ele ainda estava vivo espiritualmente a consolova, embora não diminuísse ou apagasse a tristeza pela morte dele.
Ela pousou a mão no ombro de Mestre Pitacus e o homem teve um sobressalto quando percebeu que a magia de Marie o conduzia através do corpo de Verne, mostrando cada um dos pontos críticos para a sobrevivência do badir.
Pitacus piscou algumas vezes, antes de dar-se conta de que já não estava navegando pelo interior do lorde. Outrora, havia participado do treinamento de Marie a pedido da grã-mestra e sabia que ela conseguia enxergar os veios mágicos e não-mágicos com facilidade, mas jamais imaginou que pudesse guiar alguém daquela maneira.
Inspirou fundo, recuperando-se do susto e “viagem”. Murmurou:
— Obrigado, Mestra. Prometo que farei o meu melhor para ajudá-lo.
Normalmente, Marie responderia com um sorriso gentil e ele se viu decepcionado por receber apenas um olhar sem significado perceptível, antes que ela se voltasse para Emya e a abraçasse forte.
— Tenha cuidado — disse Emya, relutante em soltá-la, mas ciente de que fizera o máximo para ajudá-la e a tia. Os passos seguintes estavam além das suas capacidades.
A irmã se afastou devagar e lhe fez um carinho no rosto, gesticulou rápida e vigorozamente para que Melina traduzisse:
— Vocês devem partir imediatamente. Este lugar ainda não é seguro. Procurem abrigo na floresta ao leste, como planejamos. — Melina limpou a garganta e complementou: — Assim que o dia raiar, retornem para a praia e navios da Ordem. Fiquem a salvo.
— E vocês?
— Nosso trabalho ainda não acabou… — Melina apertou a ponta do nariz com dedos manchados de sangue seco. Concluiu: — Assim que destruirmos o amuleto, retornaremos para Flyn. Somos necessárias lá, ainda mais agora que a batalha começou.
Ela fitou as feridas de Marie, cujo processo de cura estava evidentemente acelerado, e franziu o cenho. A sobrinha era uma mulher de muitos dons, entretanto a farta magia que possuía não era capaz de acelerar a cura daquela forma, ainda mais pelo fato de que os buracos na couraça dela indicavam que eram ferimentos fatais. Certamente, Marie deveria estar morta ou a caminho disso.
Notando seu interesse, Marie alternou o peso entre as pernas, fez um gesto de despedida e encaminhou-se para as escadas.
— Cuidem-se… — Emya murmurou para a tia.
— Nos veremos em breve. — Melina tentou transparecer segurança quando a princesa afrouxou o abraço que lhe deu e afastou-se completamente. Então, seguiu os passos de Marie ao lado de um Bórian com semblante apático e torturado.
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“Isso é incrível.” Lyla pensou, enquanto erguia-se a um metro do chão, experimentando as asas longas e vermelhas que saíam de suas costas.
Sua nova transformação era muito mais apropriada para a luta e menos desgastante para si e Virnan. Ela ainda podia assumir a forma de um pássaro, mas as vantagens de se manter na forma humana e ainda assim poder voar, eram inegáveis.
— Que bom que está empolgada! — Virnan ironizou. — Agora dá para se concentrar na bagunça à nossa volta?
Lyla baixou os olhos para ela e retornou para o chão.
— Não seja estraga prazeres! E pare de fingir que não está tão feliz quanto eu. Se antes já achava nossa ligação profunda, agora sequer consigo perceber onde eu termino e você começa e vice-versa.
A atenção de Virnan se prendeu nas marcas no chão, que formavam o círculo que as protegia da tormenta de sangue e morte em volta. Ela fitou as próprias mãos, reparando que as tatuagens haviam se modificado. Agora, eram mais discretas e suaves sobre a pele morena, contudo não perderam a beleza.
Estava feito.
Agora, eram mesmo spectu e castir.
Duas e uma pela eternidade.
O poder que passava pelas tatuagens era quase intoxicante e Virnan quase acreditou que havia consumido alguma droga antes de abandonar a segurança da cidade. Os músculos e as feridas doeram quando deu um passo à frente, contudo, não podia estar se sentindo mais poderosa.
Sombras em transformação completa atingiram a barreira imposta pelo círculo, mas ela não lhes deu atenção. Em vez disso, pegou a mão de Lyla e a trouxe até o peito.
— Nós somos a mesma pessoa agora. E quando tudo acabar, vou te mostrar o que isso quer dizer, exatamente. — Beijou a mão dela.
O contato era muito mais assombroso do que antes e Lyla ofegou ao sentí-la. Não havia palavras passíveis para descrever a mistura de sentimentos que a revolvia ante aquele simples gesto.
— Vai ser sempre assim? — Quis saber, sem explicar ao que se referia.
Todavia, Virnan compreendeu.
— Você me perguntou a mesma coisa há algumas semanas, quando fizemos nosso pacto pela metade. — A soltou devagar. — Sim. Vai ser sempre assim. Acostume-se, deminara. Seremos sempre o reflexo uma da outra e, quando a morte chegar, seremos, de fato, a mesma pessoa.
Finalmente, ela se afastou e olhou ao redor. Mais sombras em transformação plena chegavam até as barreiras do círculo e a magia delas começou a minar a conjuração.
— Você não temia isso… Agora eu vejo, eu sei.
A adaga brilhou, mortal, quando Virnan a retirou da bainha e a fez crescer até se tornar uma espada curta. Ela sorriu solto, como se algo engraçado tivesse lhe ocorrido.
— Não, nunca temi me unir a você. — Respondeu serena.
Lyla deu as costas a ela, tomando uma posição de defesa. As asas se abriram tornando-a uma visão impressionante.
— Você me ama. — Afirmou.
— Sempre amarei. — Virnan admitiu. — Amaria mesmo que nunca tivesse descoberto nosso laço de sangue. Continuaria amando mesmo que gritasse palavras de ódio pelo o que fizemos uma a outra no passado. É simplesmente impossível apagar do meu coração o amor que lhe tenho, deminara. Mas é triste saber que você duvidou disso em algum momento.
Olhou por sobre o ombro e capturou um leve tremor nas magníficas asas.
— Diante do que lhe fiz, creio que é compreensível. — Explicou-se, encolhendo as asas um pouco, como se estivesse prestes a batê-las para alçar vôo.
— Hmf! Naquela época, teria feito o mesmo em seu lugar. Mas é passado e agora devemos nos preocupar apenas com o futuro. Enfim, já tenho tantos pecados… — fungou, girando a espada. — Tomar a sua liberdade acaba de se tornar o maior deles. Ou, talvez, tenha sido o maior dos meus acertos. Diga-me você, se sobrevivermos a esta noite.
— Auriva idiota! Pare de falar besteiras e vamos logo atrás daquela sombra maldita. Estou louca pelo sangue daquela besta.
— E eu que um dia cometi o erro de acreditar que você não passava de uma princesinha delicada…
Virnan gargalhou e desfez o círculo. O silêncio que as envolvia se partiu e foram engolidas pelo rugido da guerra. Antes que as Sombras se aproximassem, Lyla estendeu as asas e algumas penas afiadas se desprenderam delas, atravessaram o curto espaço até os inimigos e alojaram-se nos corações deles.
As duas mulheres fitaram os corpos com o mesmo sorriso malvado nos lábios, então Virnan pegou a espada de um soldado morto e a entregou a Lyla.
— Suas mãos estão livres agora, então faça um bom uso delas.
A auriva baixou os olhos para o seu próprio sangue nas vestes rasgadas. A magia fluía fartamente pelo corpo, acelerando a cicatrização dos ferimentos. Mesmo assim, algum tempo se passaria até se curar completamente e, pelo o que via à sua volta, as feridas aumentariam bastante antes disso.
Assustadoramente, essa certeza a divertiu e acabou por se dar conta de que estava se sentindo como a mulher de três milênios antes; aquela que, por algum tempo, viveu apenas para a guerra e ansiava as batalhas para poder derramar seu ódio pelo mundo nos desafortunados adversários.
Ela não queria voltar a ser aquela mulher. Contudo, naquele momento em especial, abraçou o lado negro que pensou ter deixado no esquecimento. Para haver paz, antes era preciso haver guerra.
Aspirou o aroma da morte e disse:
— É um bom dia para vestir o sangue dos nossos inimigos! — E fez o ar circular mais forte à sua volta.
Lyla agitou as asas e elevou-se alguns metros do chão, rodopiou para desviar do ataque mágico de uma Sombra, ainda distante delas. Teria revidado se a Sombra não tivesse encontrado um guerreiro auriva no caminho. Ela percebeu que estava mais rápida e leve. Pelo menos, sentia-se assim. A sensação de que fazia parte do ar era tão prazerosa que quase esqueceu onde estava.
“Deixe-me ver”.
A voz de Virnan soou em sua mente, serena. Contudo, a irmã mais velha estava longe da placidez. O que Lyla captava de seus sentimentos poderia ser descrito como frieza e desprezo pelos seres em volta.
Até aquele momento, só tinha ouvido falar da visão dos castirs. A própria Virnan a descreveu séculos antes e, na ocasião, ficou maravilhada com a ideia e até sentiu um pouco de inveja da irmã. Imaginou que a união incompleta era o motivo dela não a ter usado antes, já que viveram diversas situações em que a visão teria sido muito útil, como o combate em Valesol.
Ela bateu as asas com vigor e subiu mais alguns metros, baixou a vista para se deparar com Virnan lutando contra uma Sombra. A castir aproximou-se para usar o manibut e imobilizar o adversário por tempo suficiente para lhe arrancar as mãos e depois a cabeça, então encontrou novo oponente.
Lyla não sabia bem o que fazer, mas quando se era um spectu, grande parte de seus atos eram oriundos do instinto. Foi assim quando firmaram o primeiro pacto. Algo dentro dela agitou-se, como se houvesse uma corda invisível que puxava seus pensamentos para a ideia de liberdade. E o que poderia parecer mais “livre” do que um pássaro cruzando os céus? E quando se deu conta, ela viu-se batendo asas.
Certamente, fora influenciada pela magia aerare de Virnan, mas também foi um reflexo de seus próprios desejos, após tantos séculos presa à adaga dela.
“Deixe-me ver”.
Virnan repetiu a frase e Lyla a obedeceu, sentindo o cordão invisível que puxava seus pensamentos para a irmã. Era como um desejo latente, do tipo que temos ao nos depararmos com uma bela paisagem: “gostaria que alguém mais pudesse ver isso”. Mas com Lyla, o anseio era para que Virnan pudesse alcançar sua visão.
Em um primeiro momento, Lyla observava a última barreira de pé, no instante seguinte ela estava lutando com uma Sombra. Contudo, permanecia no ar, quase imóvel, não fosse o suave bater das asas. Somente quando piscou, é que percebeu que estava compartilhando a visão com Virnan e que o processo também funcionava ao contrário.
Era uma sensação estranha e ao mesmo tempo empolgante.
Passeou a vista pelo campo de batalha com a impressão de que os olhos de Virnan estavam por trás dos seus, registrando cada detalhe do que percebia. Então, esticou as asas e agitou-as, novamente, antes que Virnan se pronunciasse. Era como se não houvessem mais barreiras entre elas; nem mesmo para os pensamentos, ainda que estes continuassem privados. Uma grande quantidade de penas se desprendeu das asas dela e outras cresceram no lugar, em seguida. O vento que Virnan conjurou espalhou-as pelo campo em volta.
O spectu sentiu o “puxão” da magia e o ódio que escavava as estranhas de Virnan com impetuosidade, buscando um meio de se libertar. A castir rasgou o peito do seu novo adversário e assistiu o sangue dele escorrer pelo chão, antes que ele tombasse para o lado. Ela sorriu e depois trincou os dentes quando expulsou a magia para fora do seu próprio corpo, fazendo as penas de Lyla percorrerem a distância que as separava dos inimigos em volta como se fossem adagas.
Durante um mero piscar de olhos, mais de uma dezena de Sombras foi sobrepujada. Os guerreiros florinae com quem lutavam partiram em busca de outros adversários, sem dar maior atenção ao que aconteceu, embora o vento tenha levado para Virnan murmúrios de agradecimento e admiração.
— Seria ótimo se pudéssemos pôr fim à todos assim. — Lyla lamentou, ciente de que o número de inimigos era maior do que a quantidade de penas que podia liberar.
Da altura em que se encontrava, podia perceber os corpos que se acumulavam com rapidez. Mesmo que tivessem tomado precauções e feito planos, mesmo que os floras fossem hábeis no uso da magia, diante daqueles monstros eram uma resistência tão fraca quanto a dos humanos lutando na floresta sob o comando de Tamar e Fantin.
Érion sabia bem disso, afinal se esforçou para criar aquele exército. Certamente, ele se preparou para aquele dia, mas a arrogância sempre foi seu ponto fraco e era com isso que as irmãs contavam.
— Encontre-o. — Virnan disse para Lyla e não precisou especificar para que o spectu soubesse que falava de Zefir. A vez de Érion chegaria, mas antes ela vingaria Zarif.
Uma sensação de formigamento familiar começava a lhe tomar o braço, originada da tatuagem do círculo e ela exalou forte, limpando o sangue que escorria de um corte no queixo.
— Irei até você quando o achar.
— Será um prazer.
** * **
— Inferno! Eles não param de vir. — Fantin reclamou, ofegante. — São como formigas.
Ela uniu as lanças curtas, transformando-as em uma lança longa com duas pontas. Girava-a sobre a cabeça, formando um pequeno fio luminoso que se expandiu empurrando os inimigos para trás. Ao lado dela, Tamar açoitou o ar e o chicote se estendeu com o movimento, atravessou o corpo de uma Sombra e continuou abrindo caminho pelos corpos dos companheiros desta até que quatro corpos caíram à volta delas.
Tamar recolheu o chicote sem olhar para o resultado do que acabara de fazer. Não queria correr o risco de sentir pena daquelas criaturas ou de si mesma por estar matando-as, ainda que soubesse que a existência deles não podia ser comparada com uma vida.
— Está mais difícil do que planejamos, mas não vamos perder a esperança. — Disse ela.
A lança de Fantin voltou a ser duas e ela usou-as para conter um ataque mágico. Mesmo assim, foi atirada contra uma árvore.
— Eu odeio essas coisas! — Ela gemeu, recuperando-se em tempo de revidar, antes que o inimigo se aproximasse. Atirou uma das lanças com tanta força, que a magia da arma deixou um buraco no peito do adversário.
Foi empurrada contra a árvore, outra vez. O atacante era uma Sombra em transformação completa e a pressionava com um sorriso diabólico. Envolveu o pescoço de Fantin com ambas as mãos. Certamente, ele poderia quebrá-lo sem esforço, mas era evidente que satisfazia-se em vê-la sofrer enquanto lutava pela vida.
A mestra conjurou as argolas douradas nos punhos, mas a ausência do ar nos pulmões tornava difícil pensar. As lanças caíram ao chão quando foi atacada e a mente estava tão nublada que não conseguia lembrar como conjurá-las de volta.
Resvalando para a inconsciência, Fantin viu que Tamar também se encontrava com problemas. Ela lutava contra dois adversários, mas três soldados axeanos foram ajudá-la e a distração que proporcionaram permitiu que a bibliotecária conseguisse um pouco de espaço e tempo para uma conjuração, no mínimo, assustadora.
Os punhos de Tamar se tornaram líquidos. Ou, pelo menos, foi essa a impressão que Fantin teve antes de assistir o líquido invadir as Sombras através das bocas e, simplesmente, abrir caminho para fora de seus corpos na forma de estacas de gelo.
Fantin arranhou os braços da Sombra que a sufocava, até as forças lhe faltarem e deixá-los cair na lateral do corpo. A mão dela resvalou na bainha da adaga e com o último resquício de consciência, ela reuniu forças e empunhou a cópia da arma de Virnan. Fincou-a no coração da Sombra e caiu sobre o corpo desta quando ela foi ao chão.
Só então, rolou para o lado, puxando o ar para os pulmões com desespero.
— Eu odeio essas coisas! — Ela repetiu uma e outra vez, até Tamar se aproximar e ajudá-la a levantar.
Chapinhavam na lama, um pouco à frente do círculo de água que Tamar conjurou. Soldados recuavam a cada instante, buscando refúgio além desta. Outros retornavam para o combate ou mantinham-se dentro da água, preparados para sair dela apenas para auxiliar os companheiros caídos.
A bibliotecária começou a guiar a esposa para a água, mas novo inimigo se apresentou. A Sombra despencou de um dos galhos da árvore sob a qual passavam. As garras afiadas deixaram cortes profundos nas costas de ambas. Elas caíram, rolando para lados opostos.
Um pouco atrás da linha da água, na zona segura que limitava o círculo que Tamar criou, arqueiros axeanos e primianos tinham assumido postos nas árvores. As pontas das flechas foram congeladas na água do círculo e assim que as duas mestras foram atacadas, seu oponente se tornou alvo de meia dúzia delas.
Soldados cruzaram a barreira da água e auxiliaram as duas mulheres a chegarem até ela. Fantin largou-se no pequeno riacho, resmungando alguns palavrões e Tamar desprezou as próprias feridas para inspecionar as dela.
— Couraças são quase inúteis contra as garras desses malditos. — Fantin gemeu.
— Só fique parada para que eu possa curar um pouco esses cortes. — Tamar ordenou.
— Deixe como está. Você já está usando muita magia. — Afastou-se e fez menção de erguer-se, mas Tamar a puxou e ela caiu sentada.
— Eu conheço meus limites e ainda estou longe de atingí-los, então cale a boca e fique quieta enquanto a curo.
Sem alternativa, Fantin obedeceu, achando engraçado o quanto Tamar havia mudado ao longo das últimas semanas e agora conseguia se impor aos outros com facilidade. Isso sem falar no quão poderosa se tornara, mas isso havia acontecido com todas as que formaram um Círculo com Virnan.
** ** **
Bórian cerrou os punhos quando viu a destruição e os corpos no antigo salão do Grão-mestre Castir. Acompanhou Melina na careta que ela fez pelo mau cheiro que o sangue das Sombras exalava.
Mesmo tendo certeza do que aconteceu, ele ainda tinha um fiapo de esperança de encontrar Voltruf por lá, esperando-os, e tentou não demonstrar sua decepção quando não a viu. No entanto, ele ainda conseguia sentir a presença dela, ou melhor, da magia dela. Claramente, um efeito da presença das muitas estacas de gelo espalhadas pelo salão.
Seguiu os passos silenciosos de Marie até a sala por trás do trono, para o qual fez nova careta antes de partir a madeira lustrosa deste com um golpe seco de espada. Não se preocupou em dar explicações para as duas mulheres e elas também não pediram.
Ainda debaixo do umbral da porta que dava para a sala do amuleto, Bórian abandonou o silêncio e disse:
— Por Cazz! Essa coisa é enorme.
Àquela altura, Melina havia expandido sua aura mágica e reprimido os dons da sobrinha. Assim Marie teve liberdade para falar:
— Emya tentou quebrá-lo com a minha tucsiana, mas só o arranhou e eu nem tentei.
Ela explicou a decisão devagar. Ainda que tivessem pressa para pôr fim ao embate em Flyn, um pouco de calma e racionalidade eram bem-vindos naquele momento. O espírito passou a mão na barba ensanguentada e depois bagunçou os cabelos. Não foi preciso grande esforço para compreender o que se passou e Marie fizera bem em não arriscar.
— Essa coisa tem séculos e inúmeras guerras a alimentaram. Sem falar nas almas poderosas de sacrifícios… Destruí-lo não será fácil e receio que não seja possível. Pelo menos, sem que alguém perca a vida e destrua o templo castir no processo…
Ele interrompeu-se, baixando os olhos para o chão. Diante daquela pedra maldita, sentia que todo o esforço do passado e presente foi inútil. Teve vontade de gritar e esmurrar a parede, quis desistir de tudo e esperar o fim. Mas assim como vieram, esses pensamentos partiram. Ele estava morto, mas sua essência se mantinha enquanto caminhasse por Domodo. Bórian L’Castir nunca foi homem de se entregar ao desespero e o espírito Bórian também não seria.
Ele tornou a passar a mão na barba. Em algum lugar além daquelas paredes frias e manchadas de sangue, um pássaro cantou e ele ergueu o olhar para contemplar o rosto sério e machucado de Marie.
— Foi por isso… — Limpou a garganta, revirando as memórias e teve vontade de rir. — Sim! Essa é a razão dela me pedir para ensinar uma “canção” a você. Não é mesmo? Ela sabia! — Bateu o punho cerrado na madeira da porta.
A seriedade de Marie suavizou e ela concordou:
— Ela desconfiou quando fomos atraídas para cá, na noite do ritual no salão lunar.
— A magia dessa coisa abalou nosso laço. Em um primeiro momento, achamos que vinha de Érion, contudo logo percebemos que ele apenas espelhava esse poder. — Melina complementou, sem desviar o olhar do amuleto. A aura negativa dele a fazia estremecer, entregue a uma mistura angustiante de sentimentos.
— Depois do ocorrido em Valesol, a ideia tomou forma entre Virnan e Tamar. Elas discutiram sobre isso por horas… — Marie fez um gesto cansado.
Finalmente, Bórian entrou na sala e foi envolvido pelas mesmas sensações que Melina.
— Mas Virnan me pediu que lhe desse uma canção antes de ter certeza. Estávamos em Valesol, na época.
A grã-mestra andou em volta do amuleto, com um forte suspiro. Seu rosto se refletia nele, quase como se estivesse convidando-a a fazer parte dele.
— Não vejo motivos para isso o surpreender. — Ela disse, afastando o olhar .
— É de Virnan que estamos falando, afinal. — Os ombros de Marie subiram e desceram duas vezes, como se o simples fato de pronunciar o nome da esposa tornasse desnecessário aprofundar-se na resposta. Mesmo assim, Melina o fez:
— Virnan era uma comandante no exército florinae, uma estrategista. Por mais que esse lado dela tenha ficado dormente pelos séculos aprisionada e os anos pacíficos na Ordem, eventualmente ela reassumiria a verdadeira personalidade durante este conflito. Ela agiria como uma tola se não tentasse obter o máximo de vantagem possível para ganhar essa guerra…
— Mesmo que isso implicasse em me obrigar a fazer algo abominável. — Marie deixou escapar com certa amargura e fitou a porta aberta.
De onde estava, ela conseguia ver perfeitamente a poça de seu próprio sangue, misturado ao de Voltruf e a mancha enegrecida que era tudo que restou da presença de Vermelho. Seus olhos retornaram para a sala em que estavam e resvalaram no amuleto antes de encontrarem os de Bórian. Ele tinha visto, em primeira mão, o quanto ela ficou abalada quando descobriu o que a canção faria e, à sua maneira, tentou consolá-la.
— Sei o que está pensando… — Disse para ele. — Mas depois do que aconteceu hoje e de ver essa coisa à nossa frente, percebo que ela tinha razão.
— E então? — Ele chegou mais perto, claramente incomodado com a falta de emoção nas palavras dela.
— Estou apavorada.
— Não parece.
Ela sorriu de lado, dando de ombros. Chegou perto do amuleto e ergueu a mão, entretanto não o tocou.
— Mas estou. A questão é que eu não posso mais ter medo disso. Sim, é assustador, mas agora percebo que também pode ser libertador. — Respirou fundo antes de voltar a encarar Bórian. — Eu sinto eles. Não apenas isso, também posso ver seus rostos… Ouço o lamento. Achei que você também poderia…
Recolheu a mão e afastou-se, ante o olhar confuso que ele lhe dirigiu.
— Quero que retornem para Flyn sem mim. — Declarou.
— O que está planejando? — Bórian quis saber, cada vez mais preocupado.
Seu desconforto cresceu quando olhou para Melina. A grã-mestra sorriu daquele jeito benevolente com o qual Marie estava acostumada, transmitindo a velha sensação de aconchego. Mesmo sendo um pouco estranho para a mestra ver aquele sorriso querido em um rosto jovem, ela ficou grata por ele.
— Você compreendeu? — A tia indagou e a sobrinha balançou a cabeça, afirmativa.
— Compreendeu o que? — Bórian exigiu saber.
Após tomar um alento, Melina explicou:
— A natureza da magia de Marie sempre nos inspirou cuidado. Sabíamos que ela não podia falar e não havia precedentes em que pudéssemos nos basear para reprimir a força da sua voz, portanto, a solução que encontramos foi o silêncio. Contudo, a magia dela possuía muitas nuances. Entre elas, o fato de que Marie pode ver como a magia alheia funciona e, sendo assim, desconstruí-la e reconstruí-la para usar a seu favor.
— Sim, eu já sei disso. — Ele fez um breve silêncio antes de indagar: — Devo supor que você sabe como desconstruir essa coisa sem matar todo mundo por perto?
— Não e sim. — Marie balançou os ombros. — Acho que posso desfazê-la e libertar as almas aprisionadas nela usando a canção que você me deu e, possivelmente, não destruirei tudo em volta.
— Almas?! Um amuleto é a essência de uma alma mágica. Não há mais nada além da pura magia nele.
A mestra enfiou a mão nos cabelos, onde o sangue que os empapou já havia secado e tornava os fios ásperos.
— Acho que você não prestou atenção ao que eu disse há pouco. Eu os “vejo”, “ouço” eles. Estão aí. — Apontou para o amuleto. — Suas essências estão tão misturadas que eles não têm noção do que são ou quem foram, apenas coexistem em pura energia.
Bórian baixou a cabeça, tentando absorver a informação. Era assustador. Até onde sabia, um amuleto não podia ser desfeito, apenas inutilizado. E a maneira mais fácil de fazer isso era quebrá-lo.
Marie continuou:
— Vai levar um tempo e isso é o que menos temos agora. O nosso Laço está agitado.
— Tamar iniciou o Círculo das Armas. — Melina concordou, olhando para a tatuagem no punho. — É realmente incrível saber disso apesar de estarmos tão distantes.
— É natural, segundo nos ensinaram. — Bórian explicou, ainda tentando pesar tudo o que Marie dissera e comparar com o aprendizado na Ordem Castir. — A magia de vocês nunca mais será a mesma. Ainda que estejam separadas por mares e mundos, vocês estarão sempre em harmonia, principalmente quando executarem rituais que exigem a presença de todas.
Ele esfregou o rosto, fazendo a pele esticar-se rapidamente. Fitava o amuleto, desalentado com a ideia de que ainda existia “vida” em seu interior.
— Você ficará bem? — Melina perguntou para a sobrinha sem esconder a apreensão.
— Não se preocupe comigo, não estarei sozinha. — Marie lançou novo olhar para a mancha de sangue no outro salão.
Desta vez, Bórian o acompanhou e não foi capaz de esconder o pesar que o tomou. Não precisava perguntar para saber que aquela mancha vermelha era o último resquício de uma grande amiga.
— Você tem certeza de que essa é a melhor maneira de lidar com essa coisa? — Insistiu ele, preocupado.
— É preciso tentar. — Marie tornou a fitar o amuleto. — Se existem espíritos dentro dessa coisa, destruí-la significa cometer assassinato. Eu sou uma ordenada, não posso tirar uma vida sem que isso me traga uma terrível consequência. Além disso, é o correto a fazer e, também, é uma solução melhor do que atacar usando as tucsianas, me destruir e levar tudo e todos os que estiverem por perto junto.
Ele cerrou os punhos em uma clara discussão interna, mas acabou fazendo um gesto afirmativo com a cabeça e aguardou a ação de Melina. Sem mais delongas, a grã-mestra se aproximou da sobrinha, juntou o rosto dela entre as mãos e beijou-lhe a testa.
— Que os deuses a protejam, filha.
Marie retribuiu o carinho, beijando as mão dela.
— Que assim seja, mãe.
A grã-mestra sentiu o peito aquecer ao ouvir a última palavra e a estreitou entre os braços, fazendo uma oração silenciosa pelo seu bem-estar.
— Nos encontramos em breve. — Prometeu Marie ao se afastar e Melina enxugou uma lágrima, antes de conjurar o círculo de transporte e desaparecer junto com Bórian, em meio a um clarão.
Com um suspiro, Marie fitou a poça de sangue mais uma vez, antes de se voltar para o amuleto gigante.
** *** **
Fantin jogou o inimigo para trás. Ele perdeu o equilíbrio, mas recuperou-se em tempo de bloquear o golpe dela em seu flanco direito. Traiçoeiro, o demônio chutou lama nos olhos da ordenada, mas Fantin não estava disposta a se tornar uma presa e jogou-se nas pernas dele. Os dois rolaram trocando socos e quando a Sombra conseguiu imobilizá-la, quase salivando pela vitória, algo frio e metálico se enrolou no pescoço dela, que sentiu a magia milenar que fluía através do objeto antes de ter sua cabeça separada do corpo.
Tamar recolheu o chicote e ajudou a esposa a se erguer. Por sua vez, Fantin agradeceu em meio a um gracejo:
— Eu já disse que te amo hoje? — Cambaleou até uma das lanças, que deixara cair, e a apanhou.
— Certamente, este não é o momento nem o lugar mais romântico, mas é sempre agradável ouvir isso. — Tamar respondeu, apanhando a outra lança. — Será melhor ainda quando essa confusão acabar e estivermos de volta às nossas vidas normais. Mas para isso, você tem de tomar cuidado.
Empurrou a lança na mão dela e Fantin exibiu os dentes, sem graça.
— Você usa a adaga de Virnan na cintura, mas não sabe manibut, então não chegue tão perto dessas coisas, novamente. E por favor, tente não me deixar viúva hoje.
A tatuagem do círculo ardeu e a resposta de Fantin se perdeu.
— Nossos reforços estão chegando. — Tamar falou. — Melina é a próxima. Ainda bem, porque começo a me aproximar do meu limite. Com efeito, usar uma tucsiana tem muitas vantagens. Se fosse para realizar um círculo tão grande usando a minha magia de ordenada…
— Não vamos pensar nisso. Já está sendo bem ruim assim. E, também, não é como se aquele maldito cavaleiro fosse ficar parado esperando que fizéssemos um novo círculo de armas e, desta vez, acabarmos com ele. Ao menos assim, podemos mantê-lo dentro do nosso alcance e, também, destruir essas abominações. — Disse Fantin, agarrando o primeiro soldado que viu.
Ela estava com a razão, afinal a ideia de refazer o círculo das armas abarcando toda Flyn partiu da própria Tamar, após interrogar os três espíritos dos castirs mortos sobre a conjuração do primeiro círculo de armas. Ainda que fosse uma possibilidade que todas aceitaram ao fazerem um voto com Virnan, não era intenção de nenhuma delas morrer naquele conflito. Tamar ouvira com atenção os relatos sobre a dificuldade que tiveram em manter Érion no mesmo lugar para que pudessem iniciar o ritual.
Obviamente, seria muito pior agora, então sugeriu que iniciassem o círculo das armas durante o combate. Uma vez dentro dos limites dele, Érion não poderia sair, já que toda a conjuração se baseava nas ligações sombrias da magia dele e de seus seguidores demoníacos.
Mas isso não podia ser feito às pressas.
Ela, Tamar, necessitava de água em abundância, assim como Melina precisava de fogo. Se ambas conjurassem apenas seus respectivos círculos elementais, eles funcionariam apenas como barreiras e não teriam influência direta na batalha. Em contrapartida, Virnan e Fantin tinham todo o ar que pudessem necessitar para os seus respectivos círculos e o mesmo acontecia com Marie em relação à terra.
Partiu de um dos comandantes florinae, a ideia de desviar o curso do rio subterrâneo que passava sob a cidade e alimentava os poços e plantações de Flyn. A água foi canalizada até aquele ponto da floresta e as tubulações ocultas com ajuda da magia dos agricultores. Eles também criaram sulcos discretos no terreno, que espalhariam a água por ele, assim como ocorria nas plantações.
Isso resolvido, restava Melina, e foi a própria grã-mestra a sugerir os barris de óleo. Eles foram enterrados no campo aberto e, novamente, sulcos foram impressos no solo para aumentar a extensão do óleo quando derramado.
— Preciso que leve um recado para o comandante — Fantin disse para o soldado.
O rapaz se empertigou, à espera do que deveria dizer. Entretanto, ela o soltou, mudando de ideia.
— Pensando bem, é melhor que eu vá. — Cruzou o olhar com o de Tamar. — Prometo que tomarei cuidado.
Descontente, Tamar concordou:
— Em vez de Brenum, procure os manirs axeanos. O comandante não é o tipo de homem que aprecie recuar em meio ao combate, mesmo que tenhamos um plano de ação. O sujeito é intragável, mas respeitará a decisão dos líderes das grandes famílias de Axen. O comandante Guil, de Midiane, deve estar por perto com os outros.
— Teria sido mais fácil se tivéssemos deixado todos a par dos planos. — Fantin suspirou. — Eu sei! Depois de descobrirmos que Lorde Axen tinha espiões entre o exército midiano e assim quase conseguiu matar a irmã de Marie, não seria muito sábio mostrar todas as nossas estratégias para os aliados.
Fez um carinho no queixo de Tamar e se afastou pedindo que o soldado a guiasse até a linha de frente do combate entre os aliados e Sombras, que não era muito distante dali. Afinal, a luta entre eles ainda se desenrolava dentro da floresta, diferentemente da que os florinae enfrentavam e ocorria em campo aberto.
À princípio, lutar entre as árvores e floresta fechada poderia ser uma desvantagem cruel para o exército aliado, ante a forte magia inimiga. Contudo, era exatamente disso que eles precisavam. As árvores ofereciam bons esconderijos, propiciando emboscadas, além de uma boa altura para os arqueiros agirem.
O terreno havia se tornado a vantagem dos humanos e Virnan fez com que todos os comandantes aliados aprendessem sobre ele, durante a marcha até Flyn.
Anton, Miquéias e o Comandante Guil estavam juntos e Fantin apreciou a objetividade dos homens, que logo puseram o plano em andamento, avisando aos demais oficiais no comando. Logo, soldados ultrapassaram a linha da floresta e adentraram nos campos. Fantin estava entre eles.
A mestra havia decorado todos os mapas do terreno, durante as longas horas de reunião com os comandantes florinae. Mas o que interessava a ela, naquele momento, não era a topografia do terreno e, sim, pontos específicos dele. Locais onde parte dos barris de óleo tinham sido escondidos.
— Onde? — Perguntou Jeil.
A ordenada sorriu de lado. Novamente, a ligação com a tucsiana dava indicativos do que deveria fazer. Palavras ressoavam em sua mente; palavras que nunca ouviu, mas cujo resultado ela já tinha imaginado.
Uniu as duas lanças e girou-as sobre a cabeça, como se estivesse se exibindo para o inimigo. Um círculo luminoso surgiu ali e ele se dividiu em pequenos redemoinhos de luz e vento que se espalhou pelas bordas do campo. Eles tocaram o chão, escavando-o nos locais exatos onde os barris estavam.
Ao verem os tonéis, os soldados foram até eles e sem cerimônia, abriram-nos. O óleo jorrou para o chão. E, assim como ocorreu com a água que Tamar conjurou, o óleo fluiu por pequenos veios. Eles se cruzavam e seguiam adiante como se fossem uma gigantesca teia de aranha. Mais à frente, já bem próximo às barreiras de Flyn, havia outra fileira de barris, e era dever dos soldados florinae abrirem eles.
Satisfeita, Fantin ordenou o toque de retirada e correu junto com os homens em direção aos limites do círculo aquático de Tamar.
A movimentação surpreendeu as Sombras que se encontravam na floresta e estes consideraram a retirada como uma declaração de derrota. Comemoraram aos urros animalescos que as formas demoníacas permitiam. Estavam tão entretidos nisso, que sequer perceberam que, havia algum tempo, chapinhavam na lama. Afinal, os sulcos da água de Tamar, seguiam até os limites da floresta e ali se uniam retornando à fonte em um ciclo ininterrupto.
Fantin agachou-se ao lado de Tamar, dentro da água. A bibliotecária olhou para a esposa de forma cúmplice, enquanto ela retirava a adaga da cintura e a envolvia com ambas as mãos, trazendo-a para junto do peito.
A bibliotecária sabia o que viria a seguir, porque Virnan explicou o que faria no ritual que realizou quando foi até os salões de Cazz na noite em que deu aquela adaga a Fantin. Mas ainda não conseguia compreender o motivo do desconforto da esposa sempre que ela tocava ou olhava a tucsiana. Era como se uma nuvem negra recaísse sobre suas feições, deixando-a sombria.
— Quando Melina conjurar o círculo do fogo, nós agiremos. — Afirmou a loira, enquanto os soldados continuavam saindo da floresta e cruzando os limites do círculo de água.
**** ****
Melina e Bórian se materializaram ao lado de Virnan.
A grã-mestra mal teve tempo de perceber onde se encontravam, quando Bórian a empurrou para o lado, poupando-a de receber o impacto de um ataque mágico. Ele não teve a mesma sorte. O espírito foi atirado uma centena de metros adiante e caiu sobre os corpos de dois soldados florinae.
Ele rolou para o lado e a dor o atingiu em pequenas, mas constantes, ondas. Se espalhou pelo peito e abdômen, fazendo com que se tornasse difícil pensar em algo mais que continuar deitado. Mas ficar parado como um animal à espera do abate, não era uma opção e Bórian forçou-se a ficar de pé. Ele reparou que estavam próximos à cidade e a barreira que a envolvia se encontrava a uma centena de metros à frente.
Pela localização, ele percebeu que aquela era a última proteção de Flyn.
Ainda no chão, Melina pegou o arco. Sombras se aproximaram rapidamente e ela girou o corpo para ficar de joelhos, já com a primeira de muitas flechas pronta para atirar. Aguçou os sentidos, e fez a primeira vítima: a Sombra que acertou Bórian. Depois disso, outras quatro flechas abriram caminho entre corpos inimigos.
Uma coluna de pedra ergueu-se ao lado dela, protegendo-a de novo ataque mágico e Bórian juntou-se a ela. A grã-mestra pediu que ele criasse uma coluna mais alta, onde pudesse subir e visualizar melhor o terreno. Foi prontamente obedecida. Em poucos instantes, estava a três metros do chão, atirando flechas em tudo que se movia e não parecia humano.
Virnan estava a meia centena de passos adiante e a líder ordenada não se surpreendeu ao vê-la banhada no sangue inimigo. Era tanto, que já não era possível ver o branco nobre das vestes castir. Ela travava um combate intenso e a Sombra com a qual lutava se mostrou um bom adversário. No entanto, a castir não esperou muito para encontrar o momento certo para derrotá-lo. Ela deu um passo atrás e arrastou a espada curta de baixo para cima, deixando um corte profundo no peito da Sombra e, sem lhe dar chance de revide, girou o corpo e enfiou a lâmina no estômago dele.
Novo adversário se apresentou para ela, mas sequer teve uma chance de lutar, já que Melina o alvejou. Virnan observou as chamas consumirem o corpo dele, enquanto limpava a lâmina da tucsiana no tecido das calças. Momentos depois, ela subiu por uma escada invisível e se posicionou ao lado de Melina.
— Onde está Marie?
— Também estou feliz em vê-la, filha. — Melina repreendeu.
Contudo, Virnan não se desculpou.
— Foi um dia bem desgastante, para dizer o mínimo. Marie ficou para concluir a missão e não vai ser algo fácil, como você imaginou.
— Ela está bem? Senti um forte abalo no nosso laço, há algum tempo. Só não consegui identificar o que o causou.
A grã-mestra fez silêncio, recordando a aura estranha que captou na sobrinha. Contudo, preferiu não trazer o assunto à tona.
— Também senti, mas ela não disse nada a respeito. E não é como se tivéssemos muito tempo para conversar. Sim, ela estava bem quando a deixei. Machucada, mas em processo de cura.
Ela passou os olhos pelo campo, sentindo a ânsia do vômito se aproximar. Os sentidos aguçados não a poupavam do cheiro forte. A mão de Virnan pousou no ombro dela quando percebeu o que se passava.
— Gostaria de poder dizer que dá para se acostumar com esse cheiro, mas seria mentira. — Fez o ar que as envolvia virar uma barreira e bloquear o ataque mágico de outra Sombra.
A noite havia tomado o firmamento havia algum tempo, mas a lua gigante que ganhava espaço no céu negro, o fogo nas tochas e armas dos guerreiros florinae — cortesia da própria Melina que alimentou as fogueiras dos acampamentos com seu fogo espiritual antes de partir para a Cidade dos Eleitos — , assim como os clarões do uso da magia por ambos exércitos, iluminava o ambiente.
— Bem, tempo é o que precisamos agora. — Virnan continuou.
Apontou para uma elevação, centenas de metros adiante.
— É para lá que temos de ir. Fique perto de mim, irei abrir caminho.
Melina fitou a barreira, perguntando:
— Acha que isso dará certo?
— Faremos dar. — Garantiu a castir. — Seu círculo irá forçar Érion a rever sua estratégia e colocará fim a esses desgraçados! — Mirou as Sombras com asco.
— Ainda acho que é perigoso. Tomar tempo para nós, é dar tempo a ele também.
— O problema é que não temos escolha. Olhe em volta. Há mais mortos e feridos do nosso lado do que deles. Neste momento, o tempo é tudo. Tempo para Marie destruir aquele amuleto abominável e retornar para cá; tempo para que a lua alcance seu ápice e torne-se vermelha. Érion espera por ela e nós também.
Abaixo delas, Bórian quase perdeu a cabeça ao ser atacado. Seu oponente usava um machado enorme. A lâmina fincou-se na coluna de pedra e a abalou quando Bórian jogou-se no chão para evitar ser atingido. Com destreza, Melina atirou uma flecha na criatura, mas ela desviou a seta com a lâmina do machado. A ordenada tentou outra vez, mas o machado era bastante eficiente contra suas flechas.
— Hm… Um sujeito durão. — Virnan murmurou com olhar sanguinário, enquanto a Sombra continuava atacando Bórian.
Ele tentava fazer com que a Sombra afundasse na terra, como se estivesse em areia movediça, no entanto o oponente parecia estar ciente de tudo que ocorria à sua volta e conseguia escapar da sua estratégia com a mesma rapidez que evitava os ataques de Melina.
Desesperado, Bórian conjurou estacas em circunferência e, novamente, a Sombra escapou. Ela deu um pulo sobrehumano em direção ao espírito; a lâmina do machado indo em direção a ele. Teria sido um golpe fatal se Virnan não interferisse. O machado se chocou com uma barreira de ar, mas a força da Sombra era tamanha que rompeu a proteção.
Felizmente, Bórian já tinha se afastado.
A castir ainda estava sobre a coluna com Melina. Ela deixou um sorriso torto e cruel bordar a boca e disse para a grã-mestra:
— Talvez você queira fechar os olhos, isso não vai ser bonito.
Era um bom conselho, Melina sabia. Mesmo assim, manteve o olhar fixo na Sombra, que havia se voltado para as duas. Claramente irritada pela interferência de Virnan, ela tentou ir até elas, mas bateu de cara em outra parede de ar. Virnan esticou o braço, murmurando algo para o vento. Falava tão baixo que Melina, mesmo com os sentidos aguçados, não conseguiu compreender bem as palavras.
Um círculo brilhou no ar, alguns metros acima da Sombra. Percebendo o que se passava, o demônio tentou escapar da prisão. O ar começou a girar em volta dele, cada vez mais rápido. O círculo foi encolhendo e diminuindo o espaço de movimentação da Sombra até que a ventania a atingiu. Mas não era somente vento, o ar era, literalmente, cortante, e despedaçou o demônio.
— A morte o deixou mais lento. — Virnan falou para Bórian após escorregar até a base da coluna.
Ele encarou o que restou do inimigo em meio a um silêncio sepulcral. Recuperou a espada que estava caída perto da coluna e esperou que ela iniciasse a corrida até o lugar marcado. Não é que não tivesse uma resposta afiada na ponta da língua, apenas estava cansado demais para provocar e se deixar provocar por Virnan, ainda mais por aquele não ser o melhor momento para isso.
No meio de toda a confusão, um rosto conhecido surgiu diante deles. Laio estava ferido, mas uma olhada rápida indicou que não era grave e, mesmo se fosse, Virnan sabia que ele continuaria de pé até não ter mais sangue correndo nas veias. Ela sentou a mão no ombro do tio. Estava ofegante. Ainda que provocasse Bórian, ela própria já não se sentia tão capaz fisicamente, mesmo após o pacto com Lyla.
— Dê a ordem. — Falou para o tio, confiante de que Fantin e Tamar estavam agindo com o mesmo intuito, desde que pressentiram a aproximação de Melina. — Mande abrirem os barris do lado de cá do campo e prepare os homens para recuar.
Laio meneou a cabeça e se afastou. Momentos depois, ouviram sons agudos, oriundos de instrumentos que os guerreiros manirs costumavam carregar. Eram notas específicas que atendiam ao pedido que ela acabara de fazer.
*** *** ***
A maior parte do confronto se concentrava a sul e leste de Flyn, portanto, não foi surpresa para Lyla encontrar Érion nos campos ao norte da cidade. Ele assistia a luta do alto de uma colina, cercado por meia-duzia de Sombras.
Lyla pousou a poucos metros dele e assistiu um sorriso provocador ganhar espaço no rosto de traços semelhantes aos seus, enquanto as Sombras corriam para ela e caíam como moscas ao serem atingidas pelas penas do spectu.
O sorriso dele aumentou quando fitou os corpos dos subordinados.
— Você demorou, irmã. Vejo que finalmente se tornou escrava daquela auriva. — A expressão de asco desfez seu sorriso. — Presumo que eu seja a razão…
— Você sabe que um spectu não é um escravo espiritual, ainda que você tenha tratado Zarif assim… — Ela chegou mais perto.
Em vez da espada que Virnan lhe dera, segurava uma de suas penas, a qual fizera crescer tão longa, rígida e afiada quanto a espada e moldado a extremidade com magia até que se assemelhasse a uma empunhadura. Era uma arma mais adequada para ela, assim pensava.
— Sei que você sempre se achou o centro do universo, mas nem tudo acontece por sua causa. Sim, você pode ter dado o empurrão final para isso acontecer, mas já era um desejo de ambas e o nosso destino também.
— Você sempre preferiu ela em vez do seu próprio sangue. — Érion retrucou, passeando o olhar pela barreira. Mostrava-se despreocupado com a ameaça que a presença dela lhe oferecia.
Entretanto, algo se agitava dentro dele, uma ligação invisível que o avisava da proximidade do perigo na Cidade dos Eleitos. Conhecendo as irmãs, percebeu que estava certo em deixar reforços no local. Contudo, isso não o preocupava. Ainda que conseguissem passar pelas Sombras e chegar até o amuleto, as defesas dele matariam qualquer um, espelhando seus ataques. E, caso alguém conseguisse encontrar uma maneira de escapar a isso, o próprio amuleto se encarregaria de atrair e despedaçar a alma do atacante. Novamente, se a pessoa que tentasse destruir o amuleto superasse a atração, “ele mesmo”, Érion, cuidaria desse inimigo.
Tornou a olhar para a irmã.
— Ela também é sangue do meu sangue, do “nosso” sangue. — Lyla continuou. — E a passagem dos séculos para você ou a morte para mim, não irão mudar isso.
Ela deu mais um passo em direção a ele, mostrando um sorriso torto e provocador.
— Bem, não vamos desperdiçar um tempo precioso voltando à antigas discussões. — Pulou para a frente, direcionando a pena para o peito dele e surpreendeu-se quando ela passou direto pelo seu corpo. Tentou novamente, mas nada ocorreu.
Aparentemente, o Érion diante dela não passava de uma projeção mágica.
— Como…?! Você não está aqui…
Érion riu, debochado.
— Engana-se, irmãzinha. Estou aqui, ainda que não completamente. Deixe-me provar. — Ele ergueu a mão e luz se desprendeu da palma, atirando Lyla colina abaixo.
**** ** ****
A corrida até a colina demorou mais tempo do que o esperado, mesmo com Virnan usando sua magia aerare para manter os atacantes longe. Naquele ponto, o combate era mais intenso.
A medida que as barreiras foram caindo, os inimigos foram se aproximando da cidade e aquele ponto específico já não se parecia com os campos de plantação pelos quais Virnan e Marie passaram dias antes com destino a casa na floresta.
Ao vê-los, soldados aurivas criaram uma linha de defesa entre eles e as Sombras. Melina admirou a resistência daquela gente ante um inimigo tão poderoso. Quando começou a interagir com o conselho de guerra, a grã-mestra se preocupou com as vidas que se perderiam, já que os aurivas formavam a linha de frente do exército. A magia deles era tão fraca que poderia ser considerada inexistente, então como conseguiriam resistir a ataques de monstros que até mesmo os castirs tinham dificuldade em combater?
A resposta veio através de Laio. O tio de Virnan, além de um hábil comandante, também era um ferreiro. Na realidade, o trabalho artesanal também parecia ser uma herança de sangue auriva. Grande parte da casta se dedicava a profissões do gênero quando cumpriam os anos de serviço obrigatório no exército.
“— Mestres artesãos, geralmente, incorporam a pouca magia que possuem às peças que criam.” Dissera Laio. O que fez muito sentido após uma explicação mais detalhada sobre os tipos de magia que aurivas poderiam ter.
Durante a conversa, Melina recordou dos anos em que Virnan passou na Ordem. Para fins de cura, a magia dela não tinha utilidade, sequer poderia ser chamada de magia, mas ela ainda conseguia o feito de canalizá-la pelo corpo e reforçar a musculatura, o que ajudou-a a se tornar uma guardiã poderosa. Na prática, era isso que os artesãos responsáveis pelo fardamento e armamento do exército faziam; eles reforçavam magicamente couraças, armas e escudos.
Virnan caminhou até um dos soldados. Os braceletes prateados dele, indicavam-no como um manir. Tratava-se de seu primo Izar. Ela criou um círculo e este se dividiu em dezenas de outros, que se espalharam pelo ar. Então, tomou o instrumento curvo que o rapaz carregava na cintura, o levou aos lábios e soprou. O som reverberou pelo ar e atravessou os círculos percorrendo grandes distâncias.
Em todos os lugares de Flyn, ele foi ouvido.
Do outro lado do campo, o som foi imitado através das tradicionais cornetas de chifre dos exércitos aliados.
Virnan devolveu o instrumento para Izar, que a fitou com ar descrente. Ela havia mesmo soado um toque de recolher?
— Não se preocupem conosco. Peguem os feridos e retornem para a proteção da cidade. — Virnan instruiu.
— Prima, não há como. Durante o combate, acabamos nos dispersando e afastando demais da barreira. Como estamos em menor número, os demônios que não entraram na luta retornaram para junto da proteção e formaram um cordão de isolamento. — Fez uma pausa para tomar fôlego. — É você quem não precisa se preocupar. Ninguém colocou os pés para fora daquela barreira sem ter consciência de que a morte o aguardava. Somos aurivas, somos soldados, vivemos e morremos pela espada. Faça o que tem de fazer.
Ela deu um soquinho no ombro dele com ar debochado.
— Foi uma declaração emocionante, vindo de um brutamontes como você! — Deu outro soco, desta vez no peito dele. — Agora, faça o que ordenei.
Izar quis protestar, mas ela disse:
— Achou mesmo que os mandaria aqui sem um plano para voltarem?! Nunca fiz tal coisa, nem quando estávamos em meio à guerra pelo trono. — Retrucou, ligeiramente ofendida. — É certo que não planejava fazer o que estou prestes a realizar neste momento, mas quando vi a necessidade de enviá-los para fora das proteções, adaptei os planos. Você mais do que qualquer outro, deveria saber como ajo, afinal, esta não é a primeira guerra que lutamos. Apenas obedeça e não se distraia no caminho. O tempo que terão para chegar à segurança será muito curto.
Empurrou o rapaz sem a menor delicadeza. Com um esgar, ele começou a correr e foi seguido pelos outros. Em todas as partes do campo, os soldados recuaram e as Sombras perseguiram eles.
— Ah, isso vai ser muito cansativo! — Virnan murmurou, afastando-se de Melina, então fez a espada curta retornar à forma de adaga.
Homens, mulheres e Sombras passavam por eles em corrida desenfreada, contornando o círculo de proteção que Bórian havia conjurado para os três.
— Faça logo. — Ele disse para Virnan.
— Ainda não. — Ela respondeu, passando os olhos por todo o campo até onde sua vista era capaz de alcançar. — É necessário esperar mais um pouco ou Melina vai acabar matando nossos companheiros.
Ela segurou a adaga com as duas mãos, claramente nervosa. Quando percebeu que era seguro, começou a recitar palavras ritualísticas. Pequenos círculos de luz foram se formando à volta dela e se multiplicando até que estivesse cercada por milhares de pontos luminosos.
— Obrigada por terem atendido ao meu pedido… Obrigada por me permitirem a honra de guiá-los mais uma vez. Nos veremos nas Terras Imortais. Libertinae.
As luzes se espalharam por todos os lugares e tomaram formas humanas, revelando-se como espíritos. Um exército luminoso que abriu caminho entre as Sombras que cercavam a barreira, protegendo os soldados florinae deles e ceifando o máximo de vidas inimigas que podiam, antes de serem atraídos para os Portões.
Tudo aconteceu muito rápido e antes que Bórian pudesse impedir que Virnan caísse ao chão, guiada pela forte onda de magia que acabara de despender, a castir se recuperou e fitou o resultado do que fez, apertando a adaga com força excessiva. Alguns passos atrás, Melina esticava a corda do arco, apontando uma flecha para o céu.
A grã-mestra atirou a seta que se dividiu em cinco, formando um círculo em chamas. E assim como ocorreu com Tamar, o círculo desceu até ela, encolheu e desapareceu dentro do seu corpo. A líder ordenada voltou a puxar a corda do arco sem nenhuma flecha preparada. De repente, fogo escapou de seus dedos formando uma seta de chamas. Melina apontou para o norte e a soltou.
A flecha não seguiu em linha reta. A magia do ritual a fez realizar uma trajetória circular com tanta velocidade que toda a cidade foi circundada em um piscar de olhos. Por onde passava, atingia os veios de óleo que encharcavam a terra e o fogo crescia neles, como se estivesse a ganhar vida.
O círculo se fechou e tudo em seu caminho foi consumido pelas chamas.
Tattah, capítulo mara! Pena que é o penúltimo…
Vou sentir saudades da Ordem.
Parabéns!
Também sentirei. Querendo ou não, são 2 anos de escrita. rs… A gente se acostuma a pensar nessas meninas com frequência. rs
Tattah
Simplesmente (apesar deste cap. não ter nada de simples) M A R A VI L LH O S O.
Do começo ao fim de tirar o folego, consegui visualizar perfeitamente, parabéns…
Se esse foi o penúltimo cap. mal posso esperar pelo final.
Parabéns… Amei
O final já foi, né? Rs… Mesmo assim, vim agradecer o comentário! Beijos!