A Ordem: O círculo das armas

53. Sobre mentiras e traições

*

Melina pescou o olhar preocupado de Marie durante a corrida.

A sobrinha se materializou à frente dela com Emya à tiracolo, momentos antes. Em poucas palavras a princesa explicou o que se passava, enquanto a mestra complementava as informações que faltavam com gestos vigorosos.

Era uma situação incrível, todavia a grã-mestra nem pensou em duvidar das duas mulheres, principalmente daquela que treinou e com a qual conviveu por vinte anos. Os poderes de Marie eram realmente surpreendentes.

Antes de recorrerem ao uso do laço do Círculo para irem até ela, Marie tentou usar o sinal do círculo protetor, assim como foi feito em Valesol. Tinha esperanças de que isso resolvesse os problemas de comunicação entre os dois grupos, contudo a magia de distorção da Floresta não lhe permitiu criar uma coluna colorida alta o suficiente para ser avistada pelos ordenados.

O espírito Bórian demonstrou um grande embaraço por não ter alcançado a mesma clareza sobre o terreno e criou um círculo de contenção no braço de Marie para receber as instruções dela adequadamente e, assim, poder guiar Emya em segurança até os membros da Ordem, ao passo que a mestra e a tia seguiriam para o local onde Lorde Verne e companhia estavam encurralados.

A grã-mestra expirou forte e sugou um pouco mais de ar para os pulmões, fitando os rastros deixados pelas Sombras. O caminho começava a se tornar íngreme e os obstáculos também eram exaustivos, mas não diminuíram os ritmo da corrida.

O Guardião Dagos que seguia à frente delas parou, voltando-se para Marie com uma indagação muda. A mestra agachou-se por um momento, as mãos unidas sobre o solo rochoso. Em verdade, depois da “imersão” no solo e magia da Floresta de Pedra, o mapa dela estava bem fresco em sua memória, contudo não custava prevenir-se e investigar se a topografia não havia mudado, desde então.

Ergueu-se, fazendo um gesto positivo para o guardião. De fato, havia ocorrido uma leve mudança no terreno, mas nada que prejudicasse o caminho a seguir. Indicou a direção correta e recomeçaram a corrida. Algumas dezenas de metros depois, o som da luta na clareira começou a chegar até eles, então apertaram o passo.

— Pela Ordem! Como vocês passaram por aqui sem perceberem que estavam à beira da morte? — O guardião indagou, quando pisou em falso e quase despencou para a morte.

Seguiam por uma trilha estreita, onde o solo esfacelava-se em alguns pontos e pedregulhos rolavam precipício abaixo, onde encontravam os resquícios de gigantescos pinheiros, que agora não passavam de centenas de estacas petrificadas e mortais. Marie ajudou o rapaz a retornar para a parte segura da trilha, enquanto o guardião que seguia ao fim da fila que formavam, passava os olhos na curva que fariam mais à frente.

Foi uma pergunta retórica, mas a mestra gostaria de poder respondê-la em detalhes, revelando que seu grupo alcançou o penhasco através de outra passagem. Na verdade, apreciaria poder mostrar a todos o que viu quando imergiu na existência daquela lugar.

Ela enxugou o suor que escorria pela testa e traçou gestos no ar, perguntando se o guardião estava ferido. Recebeu uma resposta negativa e ele tornou a assumir a dianteira. Correram mais algumas centenas de metros trilha acima e tanto Melina quanto Marie, começou a acreditar que não alcançariam o grupo antes que seus corações parassem de bater com tanto esforço.

Entretanto, a cada passo dado, o som da luta se tornava mais forte e a ilusão de terreno plano que a magia da floresta moldava, começou a se assentar neles. Todavia, não perdiam o foco.

Quando estavam quase alcançando os companheiros, depararam-se com Sombras à sua espera.

Era um grupo pequeno e ansioso para derramar sangue, como o guardião Dagos veio a descobrir rapidamente. Ele mal teve tempo de conjurar uma proteção, antes de ser atingido por uma forte onda de magia agressiva. Para a sorte do guardião, ele foi atirado contra o paredão e acabou levando Marie junto consigo.

O guardião Halune impediu que sofressem nova investida, tomando o inimigo para si. Uma das flechas de Melina passou zunindo ao lado da cabeça dele e o primeiro inimigo foi abatido. Halune era um guardião de segunda classe e sabia bem como usar o espaço limitado para conter um adversário, mesmo que muito mais poderoso. Evitava que as Sombras tentassem usar magia novamente e forçava-os a recuar, esquivando habilmente das espadas afiadas, já que eles ainda não tinham iniciado a transformação.

Dagos engatinhou por meio metro, acreditando que todos os ossos do corpo foram esmagados. Balançou a cabeça para afastar a tontura da pancada sofrida e se colocou de pé, gemendo. Pegou os tradicionais bastões do círculo protetor e tentou juntar-se a Halune no espaço diminuto. Todavia, não havia lugar para ele no combate que se seguia.

Melina ajudou a sobrinha a levantar e preparou-se para lançar outra flecha, mas o ângulo não era favorável ao ataque. Disse isso em voz alta, assistindo Dagos encontrar uma maneira de ajudar o amigo. O guardião usou um pouco de magia para fazer um pedregulho rolar e derrubar o adversário de Halune no precipício.

Restava três Sombras ainda e Halune já não aparentava tanto vigor no combate. Sangue vertia farto de alguns ferimentos.

— Você pode me dar um pouco mais de ângulo? — Melina perguntou para a sobrinha.

A resposta de Marie foi rápida e um pouco diferente do que a grã-mestra imaginou. Ela fez duas placas horizontais projetarem-se no paredão, como se fossem degraus. Melina subiu nelas e em poucos minutos o combate chegou ao fim com as Sombras despencando no vazio com flechas enterradas no peito.

**

Virnan juntou as mãos no rosto de Lyla e apertou as bochechas dela como faria a uma criança. Era um gesto corriqueiro entre elas, quando ainda viviam na tranquilidade de Sulitar.

Eu te odeio! — O spectu declarou, estreitando os olhos violetas.

— Sabe que não pode mentir pra mim — relembrou a irmã mais velha, escorregando as mãos para os ombros dela e deixando os sentidos vagarem pelas suas emoções.

As feridas da luta no céu haviam desaparecido, mas deixaram alguma dor que o spectu se esforçava inutilmente para esconder através do semblante emburrado. Lyla entreabriu os lábios e Virnan lhe fez novo carinho. Desta vez, no queixo.

— A resposta continua sendo não. Me recuso a fazer um voto definitivo com você.

O spectu havia acabado de tocar tema, esperançosa de que ela pudesse mudar de ideia após o embate contra a Sombra de Zarif.

Eu te odeio! — Lyla repetiu a mentira, dando um passo atrás para fugir do contato.

Um suspiro audível escapou de Virnan, que não queria retornar a um assunto que considerava enterrado. Não era a opinião de Lyla, que desatou a falar sobre o perigo que correram no combate no céu e como isso poderia ter sido evitado ou resolvido “facilmente” se estivessem ligadas por um voto definitivo.

Toda a discussão se desenrolou através do elo mental, enquanto Virnan e Fantin se aproximavam da entrada Norte da muralha em volta da cidade. Por isso, a mestra indagou sobre a estranha afirmação da amiga e Lyla declarou:

— Ela precisa de um spectu.

— Você é o spectu dela.

— Nosso voto não é definitivo. — Explicou Lyla. — Isso limita nossa magia. Ela sabe disso, mas se recusa a me aceitar.

— Essa maldita magia florinae é muito confusa! — Fantin declarou, passando os olhos no semblante cansado de Virnan que, por sua vez, começou a retrucar:

— Eu já disse que se fizermos isso, você não poderá seguir adiante! Não poderá renascer e…

Lyla a cortou com um gesto irritado.

— E eu já disse que não me importo! Céus, Virnan! Quando você vai entender que eu não dou a mínima para a vida em Inamia? Eu quero ficar com você! Sinto que isso é o correto, que nasci pra isso.

Virnan a fitou agastada.

— Já disse que não.

— Então, aceite outro. Há centenas de espíritos naturais por aqui…

A castir passou a mão no rosto, trincando os dentes.

— Não quero! Ninguém tomará o lugar de Zarif e quando isso tudo acabar você irá para Inamia e eu voltarei a ser apenas uma auriva. Ainda posso servir este reino assim. — Concluiu, deixando claro que era o fim do assunto.

Fantin pensou em fazer coro com o spectu, mas não o fez. Virnan bem sabia o que fazia de sua vida e duvidava que alguém pudesse influenciá-la a mudar de opinião, apenas porque desejava isso. Optou por chamá-la de volta ao assunto em outro momento. De fato, estava mais preocupada com as perturbações no laço que unia o Círculo delas, vindas de Marie e Melina. Entretanto, Virnan exibia aquela estranha calma que muitas vezes a irritava.

Franziu a testa, olhando para a entrada da construção na base da muralha e seguiu a amiga e o spectu para o interior dela. Como sinal de “boas-vindas”, o chão estremeceu e um pouco de pó, oriundo do teto, caiu sobre suas cabeças.

Dois guardas aurivas esticaram-se como felinos ao verem a Castir. Uma olhada mais apurada, revelou para Fantin que eles eram manirs. Um deles abriu um sorriso largo para Virnan e em vez do tradicional cumprimento, ele tomou a mão dela e a trouxe para junto do peito. Não foi um gesto suave, porém revelava que eram velhos companheiros.

— É uma honra servir ao seu reinado, Majestade! — Disse ele, exibindo um sorriso que poderia derreter uma geleira.

— Se me chamar assim de novo, quebro os seus dentes! — Virnan devolveu, soltando a mão dele.

O manir caiu na gargalhada. O chão estremeceu outra vez e ele se afastou, dizendo:

— Depois de hoje, duvido muito que alguém queira lhe tratar de outra forma. A coroa é sua. E se o contrário acontecer, estou muito curioso para ver quem irá sentar no trono, já que não sobraram muitas opções.

Ele ainda ria quando começou a andar em direção a porta pela qual elas tinham passado. Antes de cruzá-la, disse:

— Nos encontramos no campo de batalha, principezinho!

— Imbecil! Devia tê-lo deixado morrer nas colinas do Norte… — Virnan falou baixinho e explicou a Fantin: — Meu primo Izar. Deve ter notado que não é o mais inteligente da família.

Seguiram até o fim do corredor, cruzando com alguns oficiais. As paredes estremeciam a cada novo ataque e Fantin começou a duvidar de que pudessem suportar uma investida direta, contudo, ninguém tinha pressa em se locomover por ali.

Um guarda com olhos inquietos, apressou-se a abrir a porta no fim do corredor. Seu incômodo não era por estar diante de Virnan, mas pelo o que acontecia dentro da sala que guardava. As três adentraram no recinto e Fantin percebeu se tratar da biblioteca particular do chefe da guarda das muralhas. Em comparação a todos os salões e construções amplos que conheceu em Flyn, aquele lugar era estreito, escuro e sufocante.

Não ajudava o fato de já haver seis pessoas lá dentro.

Recostado a mesa no centro do cômodo, Laio sorriu daquele jeito incomodamente semelhante ao de Virnan. Uma moça de cabelos raspados e expressões rígidas estava parada ao lado dele, os olhos passeavam pela sala como se estivesse aguardando que Érion ou seu abominável dragão surgisse a qualquer momento.

Contudo, Fantin estava certa de que o máximo que poderia lhes acontecer ali, era morrerem sufocados ou cozinhados pelo calor intenso que tomava o ambiente. A mestra lançou um olhar desejoso para as janelas cerradas e depois outro cheio de insinuações referentes a elas para o homem sentado atrás da mesa que, obviamente, era o dono da sala.

Pelo o que recordava, nunca conversou diretamente com ele, mas o conhecia das diversas reuniões com os comandantes florinae. Ele era um talto. Os olhos azuis e a barba loura revelavam isso, já que não havia sequer um fio de cabelo na cabeça. Fantin escavou as profundezas da mente em busca do nome dele, mas foi em vão, e Virnan não pareceu muito disposta a cumprimentá-lo com algo mais do que um inclinar de cabeça quando ele se levantou e fez uma mesura.

A castir encarou as pessoas sentadas no chão no canto da sala. Os demires Guilis e Kalum e a demira Belia não devolveram o olhar.

— Creio que podemos declarar que este reino está oficialmente de ponta-cabeça. — Fantin gracejou, mais de nervoso do que por diversão. Todavia, era o que achava realmente.

Esperava que fosse falar algo como “este reino está oficialmente na merda”. — Lyla seguiu seu exemplo, ainda lançando um olhar magoado para Virnan. Teria se estendido no assunto do voto se não houvessem questões mais importantes a tratar no momento. Entretanto, as negativas da irmã não a fizeram dar-se por vencida.

— Essa frase exata me passou pela cabeça, mas eu não quis ofender os ouvidos sensíveis dos nobres traidores no chão. — Respondeu Fantin, debochada.

O comandante da guarda engoliu em seco e passou a ponta dos dedos na mesa, como se estivesse preocupado com a poeira que se acumulava sobre ela a cada tremor de terra. No lugar dele, Fantin também estaria se sentindo contra a parede ao saber que teria de manter presos três das pessoas mais importantes do reino e acusá-las de conspiração e traição.

Quando conversou com Virnan sobre alguém estar minando as barreiras de dentro da cidade, jamais teria imaginado que os culpados eram aqueles três. Na verdade, tinha se indignado com a aparente recusa dela em ir atrás dos traidores. Contudo, Lyla também percebeu a movimentação e assim que as deixou em segurança no palácio, foi em busca de Laio e informou isso através do laço quando ela despertou.

Desde que ocorreu o ataque durante o ritual lunar, Virnan acionou o tio e seus irmãos manir para investigar outros possíveis traidores. Obviamente, ela estranhou a facilidade com que o palácio foi invadido por homens como aqueles, que não trabalhavam e nem tinham negócios a resolver ali. Após interrogá-los, teve certeza plena de que havia gente poderosa por trás da investida, ainda que os agressores tivessem conseguido ocultar os verdadeiros nomes.

Ao conversar sobre isso com Joran e Lyla, ambos concordaram com a teoria e com as decisões que tomou.

— Vocês fizeram um estrago nesses calhordas. É uma pena que não pude assistir. — Ela disse para Laio e sua acompanhante carrancuda.

O manir ergueu as mãos e deu de ombros.

— Eles reagiram. — Justificou-se. Apesar de se manter sério, o prazer que sentia pela situação era quase palpável; o que fez a mestra ter certeza de quem Virnan herdou o lado sádico.

— Será que sou a única decepcionada por não ver o Demir Karus entre eles? — Disse Fantin, brincando com a ponta da bainha da adaga na cintura. — Na verdade, achei que ele seria o único.

Atrás da mesa, o comandante tornou a engolir em seco, denunciando que ele estava no limite do desconforto.

— Karus é apenas um idiota preconceituoso. — Virnan falou, finalmente. — Mas se tem algo de que não se pode acusá-lo, é de não ter orgulho do seu próprio povo ou de não querer defendê-lo a qualquer custo. Prova disso, é que está junto ao exército do Leste nas barreiras, em vez de esquentando uma cadeira no conforto dos seus aposentos no palácio.

Fez uma pausa, observando os prisioneiros com desdém.

— Existem outros? — Visualizou o gesto positivo de Laio com o canto do olho.

— Ninguém tão importante quanto esses três.

— Quando chegamos às ruínas do Templo Leste, onde estavam se reunindo para minar as barreiras, foi uma confusão. Havia gente correndo para todos os lados, fugindo ou tentando nos matar. — Disse a jovem que o acompanhava. — É possível que alguém tenha escapado, mas duvido muito.

Era um pouco mais baixa que Laio e ostentava um bracelete com o símbolo da família Garish, onde três linhas de tamanhos distintos indicavam que ainda não era uma mestra do manibut, mas já havia passado pela metade do treinamento. Ela corou um pouco, diante da avaliação de Virnan e se colocou mais ereta, ciente de que havia se intrometido na conversa sem permissão. Laio pousou a mão no ombro dela.

— Lembra de Reina, filha caçula de Metius?

— Mal atingia minha cintura em altura na última vez em que nos vimos. — Virnan sorriu para a moça que relaxou. — Vejo que o seu ganc melhorou ou não estaria no terceiro ciclo de treinamento.

— Está quase tão bom quanto o seu — Laio afirmou e a moça corou novamente. Desta vez, de orgulho.

— Descubra se há mais alguém. — Virnan fechou o semblante, após uma passada de olhos pela sala e um suspiro longo.

Assim como Fantin, ansiava por um pouco de ar fresco, mas naquele momento a discrição era importante e o comandante da guarda fizera bem ao cerrar as janelas para evitar olhares curiosos ou ouvidos extras.

— É preferível que não haja mortes, eles devem ser julgados de acordo com as nossas leis e o povo merece saber o que seus líderes andaram fazendo.

— Não farei promessas — o tio disse.

— Você nunca faz — ela retrucou com um dar de ombros. Um ou dois traidores mortos não lhe tiraria o sono. — Quando resolver isso, vá para as barreiras. Os aurivas precisarão do seu líder por perto, quando elas caírem de vez.

— Conseguimos algum refresco com a captura desses três. — Lyla observou. — Acredito que ainda poderemos “dormir” confortáveis esta noite. Mas logo entraremos em combate direto.

Ela chegou perto dos prisioneiros e o Demir Kalum sustentou seu olhar.

— Não irão conseguir nada de nós. — Disse ele, veemente. — E mesmo que nos matem, quando Érion unir os nossos mundos, vida e morte serão indistintos. O povo florinae não será apenas o erro de uma noite de embriaguês entre humanos e enaens. Marcharemos por todos os mundos, reinaremos sobre eles…

Virnan entortou os lábios, sorrindo sem mostrar os dentes.

— Sua crença é quase tão cômica quanto ver um cão correr atrás do próprio rabo. — Escarneceu.

— Não tenho ideia de quais argumentos meu irmão usou para convencê-los, no passado, mas estão sendo ingênuos se acreditam que ele será grato. — Lyla afirmou. — Se vocês fossem mesmo leais a ele, teriam saído da cidade e auxiliado no confronto que ocorreu há três mil anos. Mesmo assim, estou certa de que isso não teria tanto peso. Neste momento, vocês não passam de insetos que ele terá o imenso prazer de esmagar, assim que cruzar as barreiras.

— Não sabe do que fala, espírito. — Belia decidiu se pronunciar. — Érion nos procurou naqueles dias e contou a verdade sobre a Ordem Castir. Nos mostrou que as Sombras não eram as vilãs, mas sim os Castir, que as caçavam e se alimentavam da magia deles. Por isso, mesmo tendo o poder para unir nossos mundos, eles nunca tentaram. Estou mentindo, Virnantya L’Castir?

— Os Castir conquistaram nossa devoção ao nos fazerem temer as Sombras, enquanto usavam seu poder para controlar o trono e quem o ocupasse. — Guillis afirmou. — Quantas concessões o rei Adrino e você mesma, Lyla, teve de fazer em prol da Ordem Castir? Manipuladores traiçoeiros! Pelo menos, Érion não tem medo de mostrar sua verdadeira face. E daí se alguns humanos fedorentos e uns poucos do nosso provo tiverem de morrer para alcançarmos a união do “Todo”? Afinal, guerra se faz com sangue derramado. — Concluiu Kalum.

— Érion nos mostrou um novo horizonte e dividiu sua magia conosco. — Belia continuou, encarando Virnan. — Não fosse sua maldita intervenção na noite da última lua vermelha, nós teríamos mudado a história do nosso povo e alcançado inúmeras glórias sob o comando de Érion.

O comandante da guarda ficou ainda mais pálido ao ouvir tais declarações. Era perceptível que ele ainda tinha alguma esperança de que a suposta traição dos três não passasse de um mal-entendido. Fantin escorregou os dedos pelas têmporas, dizendo:

— Acho que nunca ouvi tanta merda na vida! Alguém me tire daqui antes que eu resolva quebrar meu juramento à Ordem e acabe por matar esses imbecis de uma forma que nem os espíritos restariam! — Ela começou a se encaminhar para a porta. — Pelos deuses, o que há na cabeça dessa gente? Lama?!

A terra tremeu outra vez e ela interrompeu os passos. A tatuagem do Círculo no pulso ardeu, espalhando o medo em seu íntimo. Ela se voltou para Virnan, afim de se certificar de que estava fazendo uma má interpretação, mas a expressão dela foi suficiente para jogar suas esperanças por terra.

Um soldado adentrou na sala sem bater. Ele encarou o comandante, esbaforido. Adiantou-se para ele, mas assim que percebeu a presença de Virnan, falou para esta:

— Há fogo no horizonte. As informações que nos chegaram do fronte descrevem um ataque impiedoso do dragão aos nossos aliados.

***

Verne rosnou ordens à plenos pulmões e os soldados se dividiram, flanqueando a entrada do que até então acreditavam ser uma clareira. Havia algum tempo, o ataque ordenado tinha parado. Mesmo assim, demorou um pouco para que abandonassem as formações defensivas.

Para que tivessem certeza de que não tornariam a sofrer outra investida por parte ordenada, Emya enviou um bilhete atado a uma das flechas.

— Graças aos deuses! — Fenris exclamou quando o leu.

As primeiras Sombras se acercaram do local de forma intempestiva. Pela surpresa que algumass demonstraram ao verem os midianos prontos para combatê-los, Lorde Verne teve certeza de que ainda acreditavam que eles não haviam descoberto a verdade sobre a Floresta de Pedra.

Como Marie afirmou, antes de partir em busca da tia, o fogo nas flechas ordenadas era proveniente da magia de Melina, então Verne ordenou que os arqueiros recuperassem o máximo de flechas em chamas que conseguissem e quando as Sombras chegaram, foram alvejadas por elas sem hesitação.

Entretanto, o combate direto era inevitável.

Um pouco antes de levantarem o acampamento para seguirem rumo à Cidade dos Eleitos, o lorde havia ordenado que todos os soldados untassem as lâminas das espadas com óleo, o que gerou dezenas de indagações dos subordinados. Assim que perceberam o poder do fogo nas flechas ao atingirem um inimigo tão tenebroso, muitos não esperaram por novas instruções para atearam fogo nas espadas.

Mesmo assim, era impossível comparar as forças dos dois exércitos. Boa parte dos homens foi assassinada antes de conseguirem dar o primeiro golpe e com uma rapidez impressionante, o solo adquiria a cor vermelho sangue.

Os magos que acompanhavam o exército midiano, conseguiram formar uma boa linha de defesa, segurando os ataques mágicos. Aos poucos, os midianos se deslocavam no terreno, oferecendo uma brava resistência aos inimigos. Enquanto se mantivessem na forma humana, eles conseguiriam se manter assim.

O chicote líquido de Voltruf enrijeceu e atravessou duas Sombras ao mesmo tempo. Ela o fez retornar para a forma líquida e partiu em busca de novos adversários. Naquela altura, os homens procuravam apenas conter as Sombras, enquanto ela movia-se entre eles executando-as.

Mas as coisas não ficaram assim por muito tempo, pois a Sombras começaram a realizar a transmutação e, consequentemente, libertarem a fúria esmagadora do seu poder.

— Céus! Espero que Marie e a Grã-mestra não demorem ou estaremos todos mortos quando chegarem. — Fenris falou, antes de enfiar-se no meio do combate, impedindo que Voltruf fosse empalada pelas garras de uma Sombra.

O cavaleiro midiano jogou-se sobre o inimigo e ambos rolaram pelo chão até pararem ao lado do tronco em que se abrigou com Verne no início do ataque. Ele ficou por cima do adversário por um instante breve, antes de ser arremessado para o lado, com se não passasse de um inseto.

Disposto a não ser desprezado, Fenris tornou a ficar de pé e planeou se atirar sobre ele, novamente. Mas antes de fazê-lo, uma estaca de gelo perfurou o crânio da Sombra. O cavaleiro encarou Voltruf com a respiração entrecortada e o espírito lhe atirou aos pés uma haste de gelo.

— Isso será mais eficiente para matá-los do que a sua cabeça — disse ela.

O desgaste dela também era evidente, assim como a grande quantidade de sangue sobre suas vestes. Aquele combate também estava sendo cruel para o espírito, o cavaleiro sabia. Ela fora ferida no primeiro ataque das flechas e o mesmo aconteceu instantes antes, quando uma sombra a surpreendeu pelas costas. Além disso, havia o esforço de moldar o chicote líquido. Fenris havia notado que a água que ela trouxera em dois odres, já havia sido consumida na luta e, agora, tinha se apossado do odre de um dos soldados mortos para continuar utilizando o chicote e, também, conjurando estacas de gelo.

Pelo o que tinha entendido, nas conversas com Tamar, um mago que possui intimidade com a água pode retirá-la do ar, caso seja necessário. Ele não conseguia imaginar como isso era possível, mas havia muito tempo que deixou de gastar energia para entender a magia. Fato era que aquele lugar era terrivelmente árido e, obviamente, Voltruf tinha se prevenido ao levar a água extra, mas nada a preparou para um combate tão desgastante e nem para as inúmeras flechas em chamas que teve de apagar.

Com um suspiro, Fenris pegou a haste de gelo e girou na mão, acostumando-se com o peso dela. Uma pontada aguda se espalhou pelo corpo dele, avisando sobre um osso quebrado, mas aquela sensação crescente de força que costuma acometer os soldados no ápice da batalha não deixou que ele se inteirasse completamente da dor, então escolheu novo adversário e partiu para o ataque.

Vinte sombras contra cem soldados experientes e sem magia. O resultado estava sendo tão desastroso quanto Verne imaginou antes de partirem naquela missão. Entretanto, nenhum daqueles homens foi até ali sem saber que estavam dando um passo em direção a morte certa. Em verdade, todos foram voluntários quando o Lorde explicou do que se tratava. Mesmo assim, ele não conseguia evitar a tristeza e agonia que o acometia sempre que se deparava com novo corpo no chão.

Resistiram gloriosamente até a chegada de Marie e sua tia. Com a presença delas, os homens entraram em uma formação um pouco bagunçada, que isolou as Sombras no centro do terreno. Melina conjurou um círculo de fogo, prendendo-os no local. Ela fez as chamas crescerem e o círculo encolher, obrigando-os a se aglomerarem.

Mesmo presos, ataques mágicos tentavam forçar a barreira das chamas, por vezes conseguindo ultrapassá-la, porém a grã-mestra continuava jorrando magia para fora de si. Melina deu alguns passos à frente e o fogo andou com ela. Marie se aproximou da tia, agachou-se na frente dela, com as argolas mágicas brilhando em volta dos pulsos, e socou o chão. Foi um movimento ligeiro e violento, como a raiva que a dominou por ver tanta destruição e sangue.

Era um sentimento tão daninho que, por um momento, a mestra acreditou ter se tornado uma estranha para si mesma. Contudo, não tinha tempo para se prender a essas impressões.

A terra estremeceu, causando pânico entre as sombras quando o solo cedeu sob seus pés. Marie abriu os braços e bateu palmas. Uma forte onda de energia se desprendeu dela e enquanto os inimigos despencavam no vazio, hastes de pedra se projetavam das laterais da abertura, espetando-os.

Gritos de agonia se elevaram da fenda e Marie voltou a unificar as mãos. Seguindo seu movimento, a terra se fechou.



Notas:



O que achou deste história?

2 Respostas para 53. Sobre mentiras e traições

  1. Uau é pouco.

    Um cap. sensacional.
    A coisa tá pegando mesmo, Lyla já deveria saber q Virnan é tão teimosa qto ela e q qdo decide uma coisa é dificílimo voltar a trás.
    Na boa estes traidores pra mim parecem Bolsominions…
    Marie e Melina tão numa enrascada… e o poder de Marie sempre me surpreende…
    E mais esta do Zefir??? Onde isto vai nos levar… k k k
    Adorei o cap.

    p.s. esqueci de falar na ilustração do cap. passado, adoro pq nos colocam na estória, cada uma mais linda do q a outra.
    Parabéns Tattah

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