Emya aspirou o ar frio da manhã que se iniciava com prazer. Sua montaria parecia perceber a alegria que a tomava e trotava em ritmo constante, emitindo alguns relinchos, quando recebia um afago da dona.
Quando avistou as muralhas de Valesol, um sorriso largo tomou a face nobre e, ao seu lado, Lorde Calil repetiu o gesto, encantado com a beleza da fortificação ao longe e, também, da princesa.
— Me sinto da mesma forma — disse ele, compreensivo. — Já temos problemas demais para nos deixarmos arrastar para uma guerra…
Ela meneou a cabeça. Tinha várias respostas afiadas para aquele comentário, mas preferiu não sonoriza-las. Afinal, o assunto estava quase resolvido e não valia a pena aumentar a tensão, inflamando o ego de homens tão orgulhosos. Incitou o cavalo a ir um pouco mais rápido.
Tinha achado por bem acompanhar os Manir e os ordenados até o local onde o exército axeano se reunia à espera da ordem de seu lorde para atacar a fortificação midiana.
Caminhar em direção ao exército inimigo, mesmo que ao lado de seus nobres comandantes, não deixava de ser uma decisão arriscada. Mas o fato daqueles homens garantirem que estavam em paz, nada lhe dizia até que seus subordinados fossem informados disso. Neste ponto, era muito parecida com Verne. Gostava de ver as coisas acontecerem para não ser pega de surpresa no meio do caminho.
Houve um alvoroço entre os oficiais que estavam à frente do exército axeano, naquele momento. Entretanto, nenhum deles desejava ir contra os líderes das famílias que compunham o reino e, como Lorde Axen não se encontrava presente, nada podiam fazer, exceto, obedecer.
Sobraram desconfianças, claro. Mas a presença dos ordenados e dos líderes dos reinos vizinhos não deixava muita brecha para argumentos contrários. A paz era uma realidade.
No fundo, todos queriam isso.
E era com uma grande sensação de dever cumprido que Emya retornava para Valesol, ainda em companhia de alguns Manirs e dos outros nobres estrangeiros, cuja intenção era oficializar a paz ao assinarem um tratado, do qual os termos seriam discutidos ao longo do dia.
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Marie encarou Ishtar com desconfiança e o mesmo aconteceu com Verne. O espírito tinha acabado de se materializar no meio do salão em que conversavam. Institivamente, Távio e Fenris puxaram as espadas, enquanto o lorde apenas pousou a mão sobre a sua, ainda na bainha.
Até mesmo os espíritos, Joran e Bórian, se mostraram surpresos com a visita.
— Um espírito da tempestade — Bórian informou aos outros e Joran completou:
— Dificilmente se deixam ver. O que o traz aqui, Natural?
Tamar, que estava enroscada em Fantin, com o rosto enfiado entre os cabelos dela, afastou-se para ver o que se passava. A mestra loira estava recostada a uma das janelas do salão. Ao perceber a presença do espírito, afastou-se de Tamar e caminhou até ele.
Havia passado grande parte da noite observando o firmamento com tamanho desalento na face que a companheira lhe estranhava. E mesmo após o raiar do dia, ainda aparentava estar distraída.
Seu alheamento também não escapou ao olhar perspicaz de Melina. Entretanto, a grã-mestra estava mais preocupada com Marie. A sobrinha não escondia a aflição pela esposa e muito menos a raiva que a tomava. Tinha, literalmente, caminhado alguns quilômetros pelo cômodo, até dar-se por cansada e sentar em uma das cadeiras em volta da mesa que era usada pelo extinto Conselho Ancião.
Virnan tinha se apoderado do lugar e fez dele seu centro de operações. Quem a procurasse na sala do trono acabaria por se frustrar, já que ela só ocupou o assento real no dia em que revelou-se uma das herdeiras dele.
Fantin falou, demonstrando que conhecia o espírito. Tinha a voz rouca e carregada pelo cansaço da noite insone.
— Ishtar, por que ela o enviou em vez de usar o laço de comunicação do círculo?
Assim como ocorria com o Pacto Castir, elas podiam comunicar-se com as irmãs de círculo, ainda que de maneira diferente. O laço que tinham era permanente e, embora muito parecido com aquele que as uniu durante o ritual no Salão Lunar, era bem distinto.
Durante o ritual, elas se “sentiam” e compartilhavam as emoções e até mesmo a magia. Aquilo ainda era possível, desde que estivessem em meio a uma convergência mágica, mas não era algo constante, como ocorria entre Virnan e Lyla. E a comunicação também não era direta como a delas. Mas conseguiam enviar algumas impressões para as companheiras de círculo e, desta forma, deixá-las cientes de seu estado e necessidades.
O espírito se curvou para ela, mostrando os dentes pontiagudos.
— Ela está bem, mas um pouco desgastada. Por isso, me enviou. — A voz dele se projetou no ambiente, como se fosse o sussurro do vento.
Marie se apressou até ele. Entreabriu os lábios, mas acabou por recordar que não podia falar diante dos outros, então gesticulou e Fantin traduziu:
— Ela está ferida?
Os olhos multicoloridos de Ishtar se fixaram em Marie, e o sorriso já não contornava seus lábios.
— Sim… — Voltou-se para os espíritos dos castir. — Ela disse que o exército de Axen caminha sob a Sombra.
Joran se empertigou.
— Você não entendeu mal? — Indagou. Ishtar fez uma careta, deixando claro que não estava errado. — Como coisas assim conseguiram chegar em Domodo com os portões fechados?!
Bórian passou uma mão no rosto. Pela primeira vez, demonstrava estar incomodado com algo. Perguntou para o mensageiro:
— O que mais ela disse?
— Falou para vocês ensinarem o Círculo de Passagem, pois precisa da ajuda delas — apontou para Marie e depois Melina.
Fantin fez uma careta.
— É tudo?
Ele confirmou e a encarou longamente com um sorriso maldoso. Os lábios dela estalaram em desagrado. Sabia bem o que ele queria. Concentrou-se por um instante e abriu a mão, revelando um grão luminoso. O espírito pousou a mão sobre a dela e a mestra se viu envolvida por uma agradável brisa, que agitou seus cabelos de forma quase carinhosa.
Aquela suave corrente de ar lhe trouxe outra mensagem. Palavras que não alcançaram os companheiros e eram destinadas somente a ela. Piscou um pouco, surpresa com o que ocorria, mas não se manifestou além disso.
Ishtar, finalmente, pegou o grão de magia e uma suave luz dourada se espalhou pelo corpo translúcido, tornando-o sólido como os presentes por um instante.
— Sua magia é realmente doce. Obrigado. — Ele disse. Então, fez uma mesura e flutuou até a janela, onde desapareceu completamente.
— Isso foi interessante. — Melina falou, pousando uma das mãos na madeira fria da mesa.
— Diabos! — Verne deixou escapar, aliviado. A noite tinha sido longa e atormentada com a possibilidade de que as negociações tivessem falhado e tanto a esposa quanto Midiane se encontrassem em perigo.
Ele encarou os espíritos dos falecidos castir.
— O que é esse tal círculo de passagem?
Joran aproximou-se da janela pela qual Ishtar saiu. Estava completamente concentrado nas informações que tinham acabado de chegar. Restou a Bórian responder:
— Magos com magia espiritual podem viajar através das correntes mágicas, assim como os espíritos fazem.
— Sim. Virnan me falou algo sobre isso. — O lorde contou. — Mas disse que havia condições importantes para que fosse possível.
— Correto. A primeira é o que aconteceu durante a noite passada. Um castir pode ir a qualquer lugar através das correntes mágicas, desde que seu spectu já esteja lá. A condição é quase a mesma na segunda. A diferença é que, em vez do spectu, o ponto de referência é um irmão de círculo.
Melina sorriu de lado, compreendendo. Mirou a sobrinha.
— Bem, ao que parece estamos voltando para casa, Marie.
***
Assim que apeou do cavalo, Emya foi informada do retorno do comandante Guil e companhia. Pediu ao comandante permanente de Valesol, cujo nome era Diel, para acomodar os lordes na ala de aposentos da fortaleza que era destinada ao abrigo da família real, quando em visita ao local. Então, partiu em busca de Guil ao lado de Mestre Lian e do guardião Jovan, que também ansiavam por notícias de Petro.
Passaram por Miqueias no caminho. Este os cumprimentou e foi em busca dos companheiros Manir. Encontraram o comandante e o guardião no salão principal de refeições, tão ou mais abatidos do que imaginavam.
— Alteza — Guil curvou-se de leve, visto que ainda se encontrava ferido. Contudo, os machucados limitavam-se a cortes em cicatrização, graças ao auxílio de Petro, que o imitou, forçando-se a abandonar o aconchego do banco que ocupava.
— Pelo estado de vocês, as coisas não foram tão tranquilas. — Emya constatou o óbvio.
Certamente, ninguém esperava que fosse.
— Infelizmente, Dagui faleceu. — O comandante respondeu. Às suas costas, no chão de pedras polidas e negras, havia um corpo coberto com uma capa vermelha.
— É um grande perda — Mestre Lian declarou, fitando o morto consternado.
Compreendendo o engano, Petro disse:
— Esse não é Dagui, Mestre. Deixamos o corpo dele aos cuidados do mestre curandeiro da fortaleza. Esse é Lorde Axen.
A surpresa estampou-se na face dos recém-chegados e o ordenado fez menção de se aproximar do corpo, mas uma forte corrente de ar o repeliu. Foi empurrado para trás.
— Para sua própria segurança, é melhor não tocar nele — disse uma voz familiar.
O mestre girou sobre os calcanhares e deparou-se com Virnan recostada à uma janela. Esta ficava bem no canto do salão e assim, não a notaram quando entraram.
Emya sobressaltou-se, reparando nos cortes profundos que maculavam o rosto jovem e, também, os braços. Os cortes não sangravam mais, contudo a aparência era vertiginosa, assim como a visão de todo o sangue sobre as vestes dela. Além disso, havia uma estranha mancha enegrecida a se espalhar na altura do pescoço e, também, de um dos braços. Era como se fosse um emaranhado de raízes.
— Guardiã Virnan! — Jovan abriu um sorriso largo e lhe enviou um cumprimento de cabeça.
A princesa deixou um sorriso nervoso escapar. Aquela era a famosa guardiã de quem os ordenados tanto falaram?! Se não soubesse que levava-se, pelo menos, dez anos para alcançar o círculo protetor da Ordem, pensaria que era uma adolescente se encaminhando para a vida adulta.
Abafou esse pensamento, recordando o fato de que era florinae e isso lhe causou certa surpresa. Teve de admitir para si mesma que fez um mau julgamento, pois acreditou que todos os florinae se pareceriam com Lyla: altos, com pele alva e olhos violetas. Pessoas que irradiavam poder, apenas de se olhar para elas e que, de alguma maneira, pareciam inalcançáveis. Se não fosse pelos ferimentos e a narrativa dos ordenados na noite anterior, não daria crédito algum àquela moça.
— É bom revê-lo, Jovan. E a você também, Mestre. Me alegro em saber que conseguiram cumprir a missão que lhes foi dada.
O guardião sorriu de lado e mestre Lian, indagou:
— A grã-mestra e as outras vieram com você? Conseguiram chegar até a cidade dos eleitos? — Engasgou-se um pouco ao proferir a pergunta. — Mestra Marie… Digo, a princesa Analyn está…
Virnan enfiou uma das mãos nos cabelos e os jogou para trás, enquanto a outra sentava na cintura.
— Hmf! Não diga bobagens! O cavaleiro jamais irá pôr as mãos em Marie!
Ela pousou o olhar em Emya e andou até ela, farejando o ar. Por fim, fez uma mesura.
— Perdão por meus modos, Alteza.
As duas mulheres fingiram não notar o bufar de Mestre Lian, cujo olhar recaiu sobre as tatuagens dela. O homem estranhava aquele novo visual.
Emya retribuiu o cumprimento, hesitante. Reparava que os olhos dela eram de um verde tão claro e precioso que a impressão que tinha era de que pareciam ser capazes de enxergar sua alma. E havia as tatuagens, nunca vira tantas em alguém. Geralmente, coisas assim a desagradavam, mas reconhecia que aquelas eram muito belas e combinavam com a dona, ainda que quase nada soubesse dela.
— Certamente. — Sorriu, sem graça.
A florinae chegou um pouco mais perto da princesa.
— Você cheira como Lorde Verne — declarou.
Emya não sabia se aquilo era um elogio ou insulto, então se manteve calada.
— Também reconheço um pouco do cheiro de Marie em você. Aliás, a semelhança é notável, mas peço perdão por achar sua irmã mais bela. — Sorriu de um jeito quase carinhoso. E apesar daqueles ferimentos, Emya a achou muito bonita.
Mestre Lian fez uma careta, que não passou despercebida aos demais.
— Não se deixe envolver por ela, Alteza. A guardiã Virnan é famosa pela língua ferina.
O sorriso de Virnan cresceu, junto com um dar de ombros. Lian era outro de seus desafetos. Não que ele fosse um homem desagradável ou de índole duvidosa. Pelo contrário. Mestre Lian era exemplar e sua conduta tinha lhe rendido a confiança quase cega de Melina. No entanto, o mestre considerava a guardiã uma rival, já que guardava sentimentos românticos por Marie.
Ele continuou:
— Que você não deseje o sacrifício de Mestra Marie é perfeitamente natural, Guardiã. Mas não faça declarações tão inflamadas sobre algo que não está em suas mãos. Infelizmente, nossos desejos não têm peso algum nisso. Dito isso, nos explique como veio parar aqui, desse jeito — apontou para os ferimentos dela — e onde se encontram nossas companheiras ordenadas. E não esqueça de falar sobre o defunto no chão.
O gesto de revolta que ela iniciou, foi interrompido por uma tontura e acabou por buscar apoio em Emya. Sangue escorreu de seus lábios, enquanto a mancha no pescoço crescia mais alguns centímetros.
Preocupado, Lian foi até ela e gentilmente a fez sentar-se.
— Deixe-me ver esses cortes antes. — Falou.
— Agradeço sua boa vontade, mas sua magia não pode curá-los, Mestre.
O homem principiou uma careta de raiva, mas ela se apressou a esclarecer:
— Eles não foram feitos por mãos humanas e o seu dom da cura, embora seja muito forte, não pode dissolvê-los.
— Ela tem razão — Petro endossou. — Eu mesmo tentei curá-los, mas não adiantou.
Descrente, Lian não lhes deu ouvidos. Suas mãos começaram a emitir um brilho suave, que se espalhou pelas feridas dela. Contudo, elas não se fechavam.
— Deuses! O que aconteceu com você? O que lhe fez isso?
— Um demônio. — Petro e Guil responderam, quase em uníssono.
O comandante explicou:
— Na noite passada, vimos coisas que jamais poderíamos descrever de outra forma. Estaríamos todos mortos se não fosse pela guardiã.
Petro cruzou os braços musculosos, franzindo o cenho. Ainda estava tentando absorver tudo o que aconteceu no encontro com Lorde Axen. Mas, quanto mais tentava, mais confuso ficava.
Relembrou que encarou o corpo de Ilan Dastur com um nó a se formar na garganta, pelo o que lhe pareceu uma eternidade, ainda que só alguns segundos tivessem se passado. Seu corpo tremia violentamente. Não pelo esforço da luta ou os ferimentos, mas porque não conseguia acreditar que Virnan tivesse quebrado o juramento da Ordem com tanta facilidade. Pior, não podia admitir que ela tivesse feito aquilo com tanta inexpressividade. Era como se o lorde não passasse de um inseto.
O guardião aceitou a ajuda do comandante Guil para ficar de pé, enquanto este indagava para a Castir:
— Quem é você?! — Sustentou o olhar nela por um momento. E enquanto esperava a resposta, encaminhou-se para Miqueias, cuja respiração tornava-se mais ruidosa a cada instante.
Virnan não respondeu. Em vez disso, tomou Lyla nos braços e o spectu escondeu a face entre os cabelos dela. Seu sangue escorreu farto pelas vestes da irmã, ao mesmo tempo que sussurrava:
— Você está uma confusão, Castir. — Falava da tempestade de sentimentos conflituosos que lhe chegavam.
— E de quem é a culpa? — Virnan a apertou mais forte.
Petro se aproximou de Miqueias e avaliou os ferimentos do manir com declarada derrota nas feições.
— Ajude-o. — O comandante pediu, apoiando Miqueias no tronco da árvore sob a qual estavam.
— Sinto muito — Petro disse, encarando as mãos. — Posso tentar aliviar suas dores e fechar alguns dos ferimentos, mas a minha magia curativa é limitada. Ainda mais agora que estou ferido.
O comandante se voltou para as duas mulheres e Petro percebeu seu intento. Pensou em lhe dizer que Virnan também não possuía dons de cura, mas agora não tinha mais certeza de nada sobre a líder do círculo protetor da Ordem. A tinha visto usar magia com clareza, coisa que toda a irmandade acreditava que ela não possuía.
— Abrigue-se em mim — Virnan disse para Lyla.
— Você está tão desgastada quanto eu. — O spectu retrucou.
— Mesmo assim, nossa ligação irá curá-la mais rápido e melhor do que se não a tivéssemos. Você só precisa passar algum tempo sem usar magia para se materializar ou transmutar.
A deminara concordou sem protestos. Não estava mesmo em condições de negar aquele cuidado.
— Pensei que iria brigar comigo — disse com um sorriso fraco.
— Ah, isso ainda vai acontecer. Pode ter certeza! Mas estou guardando a raiva para mais tarde.
Lyla bem sabia que era verdade. A revolta dela arranhava a superfície do laço que compartilhavam, contudo não lhe chegava completamente. Virnan falou:
— Spectu to Castir.
Uma luminosidade suave envolveu as duas e Lyla foi atraída para ela, como se estivessem se fundindo. Por um momento, a imagem das duas tremulou diante dos homens. Era como se elas estivessem ocupando o mesmo lugar. As tatuagens da castir brilharam mais fortes e Lyla desapareceu completamente. Virnan deu um tapinha na altura do coração, dizendo:
— Não abuse da hospitalidade e faça silêncio.
Ela deu alguns passos em direção aos homens. Miqueias estava quase inconsciente, mesmo assim uniu dois dedos na testa e sussurrou:
— É uma honra, Domna!
Virnan chegou mais perto, retribuindo o cumprimento.
— Espero poder dizer o mesmo em breve, irmão. — Sorriu. Tocou o ombro dele e círculos se espalharam pela pele morena, curando seus ferimentos. Quando o processo acabou, eles eram cortes em fase de cicatrização. — Perdoe-me se não finalizo a cura, mas a minha magia nata não me permite ir além disso. Se fosse um espírito, seria diferente.
O homem ficou de pé e lhe ofereceu uma reverência profunda.
— Não posso acreditar que estou diante do verdadeiro princ…
Ela o interrompeu com um aceno.
— Esse apelido tende a causar alguma confusão, Garish. É a sua família, não é? Reconheço o brasão no medalhão em seu pescoço.
— Em Axen, se pronuncia Garise. Sim, esta é a minha família. Meu nome é Miqueias. — O guerreiro axeano não conseguia esconder a emoção de encontrá-la. — Perdoe-me se pareço rude. Mas devo concordar com Lorde Axen, achei que fosse mais alta.
Ela riu, lançando um gesto no ar.
— Não se preocupe. Não é o primeiro e nem será o último a me dizer isso. Certo, Petro? — Mirou o companheiro ordenado, maliciosa. — Já faz algum tempo. Obrigada por proteger Lyla.
O ordenado se empertigou e limpou o sangue que escorria do nariz com as costas de uma das mãos.
— Não quero seu agradecimento, guardiã! Quero é entender que merda aconteceu aqui! Vejo você sorrindo como se nada tivesse acontecido, mas acabo de vê-la quebrar o juramento da Ordem e matar um homem!
O sorriso dela aumentou. Apesar de só terem se passado algumas semanas desde que saiu da Ilha Vitta, sentia como se, na verdade, fossem séculos. E admitiu para si mesma que sentia muita saudade daquele lugar e das pessoas que o habitavam.
— Tenha um pouco de calma, homem. Vontade de fazer isso não me faltou, mas esse verme ainda é mais útil vivo do que morto. Por enquanto… — sorriu malvada. — Lhe tirei o ar por apenas um instante.
A expressão em seu rosto acentuava as palavras. Era certo que desejava tê-lo matado. Alívio tomou conta do guardião, que começava a se preparar para fazer novas indagações quando foi jogado para trás por uma forte corrente de ar. O mesmo ocorreu com os outros dois guerreiros. Confuso, Petro ergueu o olhar para o tronco da árvore sob a qual conversavam. Havia marcas profundas nele, marcas de garras. Sentou-se, apressado.
A guardiã estava de pé à frente dele, completamente voltada para a direção oposta. O ordenado baixou a vista para o chão. Sangue escorria dela. Caía em gotas fartas e era absorvido pelo círculo que ainda estava ativo. Virnan recuou um passo e Petro pôde ver Lorde Axen tornar a atacá-la. Contudo, ele não se parecia mais o homem com qual havia acabado de lutar.
A pele do lorde estava negra. Os olhos não possuíam mais íris e estavam completamente vermelhos. Os dedos se alongaram, assim como as unhas, as quais pareciam tão afiadas quanto as penas de Lyla. Ele sorriu, maquiavélico. Então, avançou em direção a Virnan, que saltou para o lado e rolou pelo chão a fim de afastá-lo dos companheiros.
— Para onde está indo, Castir? Pensei que fosse mostrar seu verdadeiro poder!
A guerreira se colocou de pé e pegou a adaga.
— É mesmo um imbecil, Lorde. Deixou Érion fazer isso com você! — Falou, mas estava ciente de que aquele não era Ilan Dastur.
A criatura sorriu mais largo, deixando à mostra dentes pontiagudos. A cada segundo que se passava, mais monstruoso ele ficava. Investiu novamente. As garras desceram em direção a face dela que mesmo tendo desviado do golpe, ainda foi atingida. Quatro cortes transversais gotejaram o sangue dela.
Virnan sentiu o laço conjurar Lyla, mas não lhe permitiu abandonar seu corpo. O spectu estava ferido demais e não seria de ajuda alguma. Distraiu-se em uma rápida “discussão” com ela e o monstro conseguiu se aproximar o suficiente para que uma de suas garras lhe penetrasse o ombro.
A dor que a atingiu era excruciante, graças ao veneno que escapava pelos poros dele. Mas a proximidade lhe permitiu revidar. A adaga rasgou o peito dele, partindo a couraça ao meio. A criatura recuou, mas enquanto o fazia, suas garras cortaram o abdômen dela. Virnan curvou-se e Petro foi em seu auxílio, contudo o monstro o lançou contra a parede do círculo, que acabou por romper-se.
Miqueias e Guil investiram pelas costas dele, mas a criatura que um dia foi Ilan Dastur, desferiu um golpe, que só não os partiu ao meio porque Virnan conjurou uma parede de ar para protegê-los.
Eles recomeçaram a luta e a destruição do lugar. E sobrou à Petro e os outros, assistirem à tudo boquiabertos.
— Deuses! Os dois são demônios! — Guil deixou escapar, enquanto Miqueias divertia-se com o que via. Jamais imaginou que um dia seria testemunha de uma luta daquela mulher.
Axen arrastou as garras pelo chão, subindo em um golpe transversal, que obrigou Virnan a inclinar-se para trás e apoiar-se em uma das mãos para desferir um chute no peito dele. O lorde cambaleou para trás.
— Não pode fugir de mim! — Axen berrou.
— E quem disse que estou fugindo, sombra idiota?
Com um movimento de mão, a castir o aprisionou em correntes de ar. Aumentou a pressão delas ao ponto de ouvir alguns ossos estalarem e um urro animalesco escapou dele. Ela lançou a adaga no ar com movimentos ritmados, os mesmos que mostrou a Fantin, o laço mágico surgiu em sua mão, conectando-a com a arma.
Girou aquele “chicote” sobre a cabeça, cada vez mais rápido e um círculo começou a se formar ali. Ele foi se espalhando pelo entorno e subiu aos céus como um redemoinho de vento e luz.
Virnan estava cansada, graças aos dias desgastantes em Flyn. Recorreu à magia muitas vezes por lá. Fez alguns rituais, em especial um naquela mesma noite, que lhe consumiu uma grande quantidade de magia. Ser atraída para aquele lugar e ter de abrigar Lyla em si, também lhe consumiu bastante.
Definitivamente, foi um grande azar encontrar uma Sombra nesse estado.
Tinha de se apressar para aprisioná-lo antes que o veneno que as garras dele inocularam, se espalhasse pelo seu corpo.
Falou:
— Protector repri!
O círculo desabou sobre ele. O envolveu completamente e começou a penetrar sua carne.
— Essa alma me pertence há seiscentos anos, Castir. Não pode nos separar! — Ele berrou. Desde o momento em que se manifestou, estava claro que era um parasita conectado a alma de Ilan. Devorando-a aos poucos.
— E quem disse que quero separá-los?! — Ela sorriu. — Repri findor.
Cerrou as mãos e o círculo penetrou na carne dele completamente, fazendo com que o aspecto monstruoso desaparecesse e o corpo de Lorde Axen retornasse ao que era. Ele tombou no chão, completamente imóvel.
Ofegante, Virnan guardou a adaga e os guerreiros se aproximaram dela, que farejou o ar, pressentindo a presença de mais alguém no local. Encarava o inimigo inconsciente enquanto elevava a voz e perguntava:
— E você, também deseja sangue esta noite?
Os homens demonstraram confusão, no entanto uma risada baixa se espalhou pelo lugar e um homem de cabelos ruivos saiu de trás de uma árvore. Zarif se aproximou, desprezando a posição de defesa dos companheiros dela.
— Esta noite não, meu príncipe. — Sorriu, revelando caninos pontudos. — Estava apenas dando uma olhada no que esse idiota axeano andava aprontando. Mas confesso que foi muito prazeroso assisti-lo se divertir com a sua irmãzinha. E agora que você descobriu algo que meu mestre se esforçou muito para esconder, estou ansioso para ver o que virá a seguir.
Enfiou as mão nos bolsos da túnica. Chegou mais perto e Virnan também caminhou em direção a ele, que continuou a falar:
— Sei que prometi que na próxima vez que nos encontrássemos, iríamos lutar. Mas não tenho interesse em fazer isso quando você está tão desgastada. Consigo sentir isso.
Virnan retribuiu o sorriso dele, dizendo:
— E se aquele parasita tivesse conseguido me derrubar?
O riso dele cresceu, maldoso e irônico.
— Ambos sabemos que apesar do desgaste você ainda tem magia suficiente para devastar esta floresta e, mesmo que esta se acabe, ainda pode usar as tatuagens. — Ficou mais ereto e o vento soprou forte, agitando os cabelos cacheados. — Contudo, se algo assim tivesse acontecido, eu o teria destruído. Seu coração é meu, Virnantya. O prazer de arrancá-lo pertence a mim! Então, não caia até lá.
Girou sobre os calcanhares e começou a se afastar, mas interrompeu os passos e se voltou para assistir a risada dela. Era quase música para os seus ouvidos.
— Sabe de uma coisa, velho amigo? Eu senti sua falta. Muito mesmo. — Sentou as mãos na cintura. — Sugiro que se prepare, pois também tenho planos para o nosso próximo encontro. E eles não envolvem ter meu coração arrancado. — Sorriu mais. — Você voltará para mim, Zarif.
Ele a encarou por um longo instante com um sorriso escarninho, então deu-lhe as costas e transmutou para a forma animal, arrancando expressões de surpresa e medo dos companheiros dela.
Virnan inspirou fundo, encarando o corpo no chão. Tornou a sorrir para Lian.
— Sentem-se. Tenho algumas histórias para contar. E no fim delas pedirei a você, Alteza, que convoque seus comandantes e os novos aliados, pois ainda teremos uma guerra.
Aquelas palavras arrastaram um grande pesar para o peito de Emya, enquanto a assistia ficar de pé e se aproximar.
— Mas antes, deixe que me apresente adequadamente. Na Ordem, sou conhecida como Virnan, e atualmente sou a líder do círculo protetor. Mas em meu reino natal, que você já sabe se tratar de Flyn, sou conhecida como Virnantya L’Castir. Atualmente e provisoriamente, eu ocupo o trono.
Mestre Lian engasgou-se, cético. E Petro falou:
— Começo a perceber que os florinae não têm juízo algum.
Um sorriso delineou os lábios de Virnan, que tomou a mão de Emya.
— Mas nada disso é tão importante quanto ser esposa de Marie. — Ergueu a mão dela até a testa, assim como Verne costumava fazer sempre que se cumprimentavam, demonstrando assim o respeito a um parente.
Ai zizuis…
Qta aflição, Virnan ferida… ó q dó.
Espero q Marie e Melina não se demorem.
Amo ver Virnan e Zarif, eles se pertencem.
Afinal, Lorde Axen morreu ou ainda não, isso q dá ela não matar o mala qdo tem oportunidade.
Sou apaixonada por Virnan, mto fofa ela com Emya usando o cumprimento de família.
Guria, tá bom demais… reli todo o romance semana passada, e se tiver alguém lendo este comentário sugiro q faça o mesmo. Vcs não tem ideia como clareia a estória na nossa mente.
Amando mesmooooo…
Que bom que curtiu o capítulo, lindona!
Legal saber que releu toda estória. Realmente dá uma clareada, porque são muitas informações ao longo do texto. Eu mesma tenho esse hábito, mas não leio tudo, apenas os três ou quatro últimos capítulos para não perder o fio da meada. Rsrs…
Beijos!