*
Melina uniu as mãos sobre o colo. Alguns fios do cabelo grisalho soltaram-se do coque, graças ao vento que invadiu o salão através da enorme abertura no teto e, junto com ele, pássaros vieram.
— Que tal começar nos explicando como ele foi fechado? — Perguntou.
Narrou, rápida e superficialmente, sua conversa com Maxine. Encarava Virnan ainda incomodada com a nova aparência, era como se estivesse olhando para uma estranha, contudo o sorriso dela abrandava essas impressões e lhe trazia a costumeira calmaria.
— Isso é verdade? — Fantin indagou, sem esconder um riso cético. — Existem outros mundos?!
Mestra Tamar, por sua vez, não duvidava. Era uma estudiosa e estava sempre aberta a novas teorias e descobertas. Foi logo perguntando sobre o que lhe atiçava a curiosidade:
— Você já esteve nas Terras Imortais?
A guardiã endireitou-se sobre o banco que ocupava, deixando um riso divertido escapar. Tamar nunca a decepcionava.
— Sim, Mestra, já estive em Inamia, este é o verdadeiro nome das Terras Imortais. Mas confesso que não gostava muito de lá.
— Por quê?
— A paz que impera naquele lugar, sempre me pareceu um pouco artificial. Talvez me incomodasse porque ainda não era o meu momento de “passar” por lá. — Deu de ombros, coçando o queixo. — Inamia pertence aos espíritos naturais. Para nossas almas, a permanência lá é curta. — Reparou na surpresa que a frase gerou. — Sim, isso implica que há outros lugares para ir através do mundo espiritual ou mesmo dentro dele, mas não vamos nos aprofundar neste assunto. Não temos tempo e, também, possuo um conhecimento limitado à respeito, mesmo sendo uma Castir.
Marie sentou ao seu lado e, por um instante, concentrou-se no calor do corpo dela a roçar no seu braço. Saber que a mestra não tinha ficado chateada com o que fez, foi um grande alívio. Ela lhe confessou seus medos das consequências, assim como na noite em que se casaram, mas deixou claro que não iria se privar daquela felicidade, como tinha feito ao longo dos doze anos que passou com ela na Ordem. Estava disposta a lutar para livrar aquele mundo de Érion e, sobretudo, para estar ao seu lado.
Limpou a garganta, retornando a atenção para Tamar.
— Enagia também não era o meu lugar preferido. Se um dia houve paz entre os Enaens, não cheguei a conhecê-la durante as minhas visitas. É importante que entendam que este lugar é a terça parte de um todo e o poder de caminhar entre esses mundos traz uma grande responsabilidade.
Lyla sentou na borda da fonte, mergulhando uma das mãos na água, sem importar-se com o fato de que o líquido que transbordava e corria em direção aos veios no chão, encharcava suas vestes. O spectu disse:
— Quando os portões foram erguidos, um frágil equilíbrio se instaurou entre os três mundos, mas assim como sangramos quando algo nos fere, o todo também sangrou e coisas ruins nasceram disso. Chamem de demônios, se preferirem, mas entre o nosso povo eles são conhecidos como sombras. E assim como os Castir, eles podiam caminhar entre os mundos, contudo só podiam fazê-lo com os portões abertos.
Fitava as águas enquanto falava.
— O que Érion deseja é a queda dos Portões de Cazz.
A grã-mestra batia as pontas dos dedos indicadores uma na outra, pensativa. Como tinha previsto durante sua conversa com Maxine, aquelas duas estavam lhe dando muito em que pensar.
— Ele também era um Castir, certo? — Indagou de repente. — Afinal, tomou para si o spectu de Virnan. — Reprimiu um arrepio, que lhe chegava a nuca, ao lembrar do dragão.
A rainha interrompeu os movimentos por um instante, fitando-a de esguelha.
— Não exatamente. Meu irmão era um Castane.
— Um aspirante a Castir. — Virnan se adiantou à pergunta que viria a seguir e explicou, então fez um gesto displicente, soprando o ar. — Na verdade, estou simplificando.
Na fonte, Lyla aprumou-se, abandonando de vez a brincadeira com a água. Em verdade, se encontrava nervosa e Virnan pressentia que não iria gostar nada do que estava para contar.
— O que ela quis dizer é que, entre o nosso povo, existiam dois tipos de magos com magia espiritual. Aqueles que despertavam uma magia poderosa o suficiente para atrair um espírito e fazer um pacto, eram conhecidos como Castir. Eram os mais poderosos, a elite, se quiserem entender assim. A cada geração, apenas três ou quatro pessoas se tornavam Castir. Já os Castane eram mais numerosos e tão respeitados e admirados quanto. Eles podiam ver os espíritos, usar a magia em harmonia com eles e, algumas vezes, visualizar os outros mundos através do véu, mas não podiam caminhar entre eles ou firmar um pacto.
Se colocou de pé, caminhando pela borda da fonte. Estacou diante do banco que Melina ocupava.
— Não sei em que altura da vida Érion deixou de ser o homem gentil e estudioso que era meu irmão caçula.
Fingiu não ver o torcer de nariz de Virnan. Ela sempre teve uma opinião diferente sobre o rapaz, com quem se indispunha freqüentemente por motivos, muitas vezes, banais. O que piorou bastante após descobrirem o parentesco.
— Fato é que ele trabalhou secretamente ao longo de décadas para alcançar o poder de derrubar os portões e unir os três mundos novamente, entregue a um delírio de grandeza, que o levou a destruir seu reino natal, amigos e família.
Saltou para o chão, imersa em lembranças ruins. Posicionou-se atrás de Virnan, sentando as mãos nos ombros dela. Amava Érion, apesar de tudo. Afinal, eram gêmeos. Mas ao longo da vida foram se distanciando, assumindo personalidades e adquirindo gostos diferentes. Culpava-se por ter preferido fingir-se de cega para os sinais de que ele começava a se corromper.
Enfiou uma mão nos cabelos de Virnan, bagunçando-os. Enquanto se afastava do irmão, aproximava-se cada vez mais da sua protetora, chegando a lhe dedicar um amor fraterno maior do que o que lhe tinha. E que alegria desmedida a tomou quando descobriu aquele laço de sangue, mesmo Virnan tendo relutado muito em aceitar a nova realidade.
— Ele destruiu o Palácio do Sul. — Virnan comentou, fincando as unhas na calça. — Depois, veio para cá, e quando tudo parecia perdido… — Lágrimas surgiram em seus olhos, mas ela não as deixou cair. Contraiu a face em um sorriso vacilante. — Situações desesperadoras, pedem medidas ainda mais desesperadoras. E eu quebrei muitas leis naquele dia.
Fungou e endireitou-se, sentindo a mão de Marie envolver a sua. Lyla retornou a mão para o ombro dela.
— No dia em que Érion invadiu a cidade e lançou aquela monstruosidade em forma de magia sobre nós, Virnan tirou a Pedra do Coração do Salão de Cazz e a usou para ampliar seus poderes e nos salvar. Depois da confusão, Joran e eu a encontramos inconsciente e ainda agarrada à pedra.
Finalmente, a soltou, voltando-se para Marie por um instante. A mestra fitava a esposa, serena. De fato, ela lhe inspirava muita curiosidade e, também, admiração. A tranquilidade em seu olhar, a fez recordar, rapidamente, de Nikal, a pessoa que chegou mais perto de conquistar o coração da irmã no passado.
Afastou a lembrança do nobre cautino, cujos olhos castanhos eram muito parecidos com os da princesa, e retornou ao que dizia:
— Tentei tirá-la de suas mãos — deu a volta até ficar diante da irmã —, mas você a segurava tão firme, que até parecia serem a mesma coisa. Foi quando aconteceu. Era diferente de todas as visões que tive, porque eu caminhei por ela como se estivesse em uma longa estrada. Ainda que não tivessem se passado mais que alguns segundos, eu vi dias, séculos e milênios. Assisti o caos que Érion trouxe ao nosso mundo após matar toda a Ordem Castir e, principalmente, você. Quando sua alma se fundiu a Zarif, na morte, o vi convertê-la em um amuleto tão poderoso quanto a Espada de Cazz e a Pedra do Coração juntos e com esses três objetos em mãos, ele derrubou os Portões e unificou os três mundos.
Virnan engoliu em seco, imaginando o que ela diria a seguir.
— Mas ao fazer isso, ele causou um grande desequilíbrio nas correntes mágicas e o resultado foi a destruição de toda a vida. Só restou um imenso deserto. Nada mais que pó.
Mesmo que tentasse, jamais encontraria palavras adequadas para descrever a morte que viu, mas a guardiã podia sentir a tristeza e o medo que a tomava diante da lembrança daquela aterradora visão.
— Antes de você, só existiram três Castir com dons do ar, mas nenhum fez um pacto com um espírito tão poderoso quanto Zarif. Ele nasceu no momento em que sua magia despertou. Estavam destinados a serem parceiros e compartilharem uma grande quantidade de magia.
Esticou o braço e passou a mão sobre a face dela, aumentando a sensação de tristeza que Virnan captava.
— Sinto muito por todo o mal que lhe causei, mas como disse antes, o futuro muda a cada vez que se olha para ele. Sabendo o que estava por vir, tive de fazer escolhas dolorosas para mim, você e o nosso povo. Infelizmente, a coroa me pertencia naquele momento. — Lamentou.
A Castir estremeceu, encarando-a com olhos úmidos. Assistiu o caminho que as lágrimas traçaram na face alva do spectu, assim como sentiu sua dor e elas misturaram-se às suas próprias.
— Foi você quem sugeriu ao Concelho Ancião aprisionar minha magia e romper meu pacto com Zarif — concluiu com voz embargada. Certa de que o que dizia era a verdade e isso explicava muito sobre a atitude da rainha naquela época.
Lyla curvou os ombros, escondendo o rosto entre as mãos. Pela primeira vez, deixando que tomasse consciência de todo o peso que carregou ao longo de séculos. Abandonou-se em um choro silencioso. Ter de fazer aquelas escolhas foi um tormento. E por muitos séculos indagou-se se tinha feito o correto. Recuou um passo, buscando recuperar a serenidade, ligeiramente envergonhada por desmoronar diante de outros, coisa que uma rainha jamais deveria fazer.
— Era a sua vida e a do nosso povo junto e, consequentemente, um mundo inteiro, ou apenas Zarif. Então, não me permiti ter dúvidas. E apesar de saber o mal que lhe causaria, fui em frente. Contei aos anciões sobre o meu dom e isso os convenceu, mas para minha surpresa e a de Joran, fomos traídos, e o plano quase deu errado. Érion tinha seguidores ali, mas conseguimos despistá-los e quebramos seu pacto.
Enxugou a face com as costas da mão.
— Então, você os convenceu de que tinha me matado com a ajuda de Joran.
Lyla riu entre lágrimas. Elas não tinham parado de cair e Virnan reprimiu a vontade de ir até ela e abraçá-la. Sempre odiou vê-la triste e odiava muito mais a dor que lhe chegava através do laço que compartilhavam.
— Você usou a pedra, não é mesmo? Parou o tempo na câmara na câmara em que me deixou, por isso ainda estou viva. Por isso, não envelheci um só dia até sair de lá. — Concluiu a guardiã.
Ela confirmou com um gesto.
— Como lhe disse antes, naqueles dias cometi mais crimes que você. Sabia que Érion voltaria em breve e que não poderíamos vencê-lo. Minha visão mostrou que, de alguma forma, ele adquiriu o poder de controlar as sombras que transitavam entre os Portões e foi assim que conseguiu conjurar aquele feitiço de indução que teria matado a todos, não fosse por você.
Tamar ergueu a mão e limpou a garganta, perguntando:
— Que feitiço de indução? O que exatamente aconteceu?
Foi Virnan a responder:
— Estávamos nos matando, Tamar. Literalmente. Ele conjurou uma névoa densa e assim que tocava as pessoas, elas se tornavam violentas e começavam a lutar entre si. Mas nós, os Castir, não fomos afetados por ela, que escondia as sombras. Percebemos que os espíritos não seguiam na direção dos Portões, em vez disso, eram absorvidos pela névoa e transportados para além dos muros da cidade. Tentamos impedi-los de todas as formas, mas nada funcionava.
— O que você fez?
Virnan fez um muxoxo, fitando o céu alaranjado através da abertura no teto. Logo a noite chegaria e a lua também e aquela conversa começava a se tornar desgastante para si. Contudo, mantinha o controle de suas emoções.
— Retirei a Pedra do Coração do Salão de Cazz. E a usei para amplificar minha magia. Conjurei um círculo como aquele em que mantivemos você, Tamar. Os espíritos não podiam mais ser atraídos para além da cidade. Entretanto, as pessoas continuavam a se matar.
— E então? — Fenris perguntou, cada vez mais assustado com o que ouvia.
Tamar levou a mão ao queixo, recordando o que ela tinha dito, naquela manhã, sobre ter matado uma cidade inteira. Imaginava como teria feito isso. Pousou o olhar nos arbustos e plantas que se espalhavam pelo local, as folhas balançavam ao sabor do vento e a resposta lhe chegou.
— Você roubou o ar deles — concluiu, retornando a vista para ela.
A guardiã ensaiou um sorriso, que não chegou a se concretizar.
— Foi um pouco mais complicado do que imagina, mas no geral foi isso mesmo o que aconteceu. Eles morreram e seus espíritos ficaram aprisionados no círculo.
Estalou os lábios, enfiando a mão nos cabelos que o vento desalinhava. Sabia o nome de cada uma daquelas pessoas, seus medos e anseios e guardaria essas memórias até o fim de seus dias.
— Ordenei que lutassem contra os demônios na névoa, pois somente espíritos são capazes de ferir outros. — Novamente, fazia seus atos parecerem simples, mas a realidade tinha sido bem diferente. Desprendeu muita magia para exercer sua vontade sobre aquela enorme quantidade de almas, mesmo com o auxílio da Pedra. Teve de ir muito além do que qualquer Castir foi e também usou as tatuagens no corpo. — Quando tudo estava terminado, ressuscitei àqueles cujo os corpos estavam sãos e eram capazes de receber a alma de volta.
Fantin estremeceu ao lado de Tamar, recordando o que lhe contou sobre reviver a morte daquele a quem se restaura a alma. A companheira percebeu seu incômodo e a inquiriu com o olhar. Por sua vez, a mestra fitou o de Virnan, que deu de ombros, dizendo que estava tudo bem com um gesto suave. Mas depois de ouvir aquilo, compreendeu o motivo dela estar tão machucada quando chegou à Ordem. Um arrepio lhe percorreu a coluna ao imaginar o que passou.
— Isso é incrível — Verne declarou, abandonando o silêncio. Ao mesmo tempo em que se encontrava admirado, também se sentia apavorado diante do poder que aquela mulher e seu povo possuía. E chegou mesmo a se perguntar o que aconteceria quando estivessem livres para reinar sobre aquelas terras novamente.
— E também foi estupidez. — Lyla reclamou.
Virnan agastou-se, soltando a mão de Marie.
— Da mesma forma que o que você fez também foi. Não preciso ouvir o resto da história para saber que você se sacrificou usando o poder da pedra para fechar os Portões e impedir que Érion tivesse acesso a mais sombras. Deu a sua vida para criar esta maldita fenda temporal, onde o tempo não avança para quem nela reside. Então, criou os círculos que a protegem e depois se prendeu a Adaga! — Ficou de pé. — E, depois, aqueles três imbecis que estão de guarda nas portas deste salão, saíram desta proteção para aprisionar Érion em um círculo de armas. Estou errada?!
O spectu ainda chorava, silencioso, mas não se poupou de um ligeiro sorriso.
— Sabe que está certa. Não podíamos matá-lo. Não tínhamos poder para isso, mas você terá quando fizer um círculo com elas. Não vê? Vocês são cinco.
Virnan sugou o ar para os pulmões, mirando cada uma das amigas, e pousou as mãos na cintura. No fim, suas suspeitas estavam quase certas. Em sua primeira conversa com Lyla, no dia seguinte a fazerem o pacto, ela disse que a aguardaria diante dos Portões de Cazz e que não estaria sozinha, então pediu que levasse as ordenadas para Flyn. O fato de Marie usar sua adaga sem sentir consequências físicas e a cor da alma de Tamar, lhe trouxe suspeitas de que ela as tivesse unido.
Se era assim, o objetivo da irmã caçula era claro e valia à pena tentar. Junto com as amigas, poderia recriar o Círculo de Armas que aprisionou Érion, mas não imaginava que ela desejasse ir tão longe e buscasse a sexta arma Castir.
— Vocês são um círculo completo. — Lyla concluiu.
**
— Acha que conseguirão? — Voltruf indagou, abandonando o silêncio em que estavam há algum tempo.
Joran parou de fitar o vazio para lhe prestar atenção. A expectativa da resposta era mais que óbvia.
— Lyla acredita que sim.
A moça cruzou os braços, fincando as unhas neles. Joran podia lhe adivinhar os pensamentos que lhe passavam e que não demorou muito para que sonorizasse.
— Me custa acreditar e aceitar que passamos anos tentando concluir o nosso círculo e, no fim, ela o fará com um grupo de perfirians.
Bórian se espreguiçou, recostado à madeira da porta. Coçou a ponta do nariz, fitando o chão.
— Afinal, a culpa é toda nossa. Não é mesmo? — Fez uma ligeira careta para a revolta aparente nos dois. — Nunca a vimos como uma de nós e fizemos todo o possível para deixar isso claro. Então, como poderíamos esperar que ela nos permitisse conhecer seus pensamentos mais íntimos?! — Abanou uma mão diante do corpo. — Não fomos boas pessoas em vida e nos deixamos cegar pela inveja e ciúmes.
— Fale por si mesmo! — Ela aumentou a pressão das unhas no braço, empinando o nariz. — Jamais tive inveja daquela…
— É disso que estou falando, Volt. Como ela afirmou, só enxergávamos a cor da sua pele e olhos e não éramos capaz de aceitar que uma auriva pudesse ter despertado uma magia tão poderosa. Nosso orgulho deminara não permitia isso. Crescemos olhando para os outros de cima, acreditando que éramos melhores que eles e quando ela surgiu, fez todas as nossas crenças ruirem, inflamando nossos egos. Façam um favor a si mesmos, parem de pensar sobre isso. Estamos apenas colhendo o que plantamos, pois se tivéssemos agido diferente no passado, talvez nada disso tivesse acontecido e estaríamos desfrutando da beleza e calma das Terras Imortais.
A companheira engoliu em seco. Não admitiria em voz alta, mas ele estava com a razão. Seu orgulho a cegou para muitas coisas, incluindo seus próprios sentimentos. Retornou para seu lugar e Joran fez o mesmo. O passado não podia ser mudado, restava-lhes torcer para que o futuro fosse diferente.
***
Virnan sentou-se, sentindo uma incômoda sensação de opressão no peito.
— Agora, terei de pedir que se retirem e façam o que combinamos, pois iremos passar a noite aqui. — Disse para os midianos.
Eles se puseram de pé, sem questionamentos. Começavam a se afastar quando chamou Verne.
— Espere um momento, Badir.
Se ergueu, novamente, e caminhou até Melina.
— Grã-mestra, me entregue o medalhão. — Pediu.
Foi com evidente desconforto que a idosa obedeceu, retirando objeto dentre as dobras das vestes. Virnan o apertou entre as mãos por um longo instante, notando a forma que Lyla o fitava. Por fim, entregou-o a Verne.
— Guarde-o com a sua vida, Badir. Você tem a chave de três mundos em mãos.
Ele ergueu o objeto à sua frente, mirando a pedra verde no centro.
— O que exatamente isso quer dizer? — Indagou.
Melina respondeu:
— Eu lhe disse uma vez, Lorde, o objetivo primordial da Ordem nunca foi oferecer conforto e cura às pessoas. Por favor, mantenha-o oculto em baixo de suas vestes.
Ele colocou o medalhão no pescoço e escondeu dentro da túnica.
— Depois de tudo que acabei de ouvir, não sei se quero mesmo saber o que é isso. — Resmungou e se afastou com os outros.
Virnan esticou-se como um felino; a face erguida para o alto. A noite havia chegado, mas o salão permanecia claro, já que uma luz suave emanava das paredes e do fundo da fonte. Uma brisa correu em volta delas, acariciando-as. Fantin também se colocou de pé, dizendo:
— Ele pode não querer saber, mas eu quero — olhou para a Grã-mestra. — Se a Pedra do Coração que a Ordem protege sempre pertenceu aos florinae, como foi parar em nossas mãos?
A guardiã abandonou a contemplação do céu noturno.
— Da mesma forma que a adaga voltou para mim. Certo, Magestade?
— Correto, Castir. Quando morri, era preciso que ela ficasse fora da cidade para que não acabasse sugando a magia dos círculos de proteção e, também, evitar que outros seguidores de Érion, escondidos entre o nosso povo, pudessem pôr as mãos nela. Joran e os outros a levaram e escolheram Nikal para ser seu guardião.
A menção daquele nome trouxe uma expressão de ligeira alegria e surpresa ao rosto de Virnan. Pelo menos, alguém tinha saído ileso daquela luta.
— Nikal é o nome do primeiro Grão-mestre da Ordem. — Alina recordou.
— Ou Grã-mestra, ou ambos — Virnan sorriu de lado. Notou a confusão e explicou: — Nikal não tinha um gênero definido. Às vezes podia ser um rapaz, noutras uma mulher. Às vezes, ambos.
— Acabo de ficar bem confusa! — Fantin declarou.
Virnan gargalhou e Lyla a acompanhou no riso, explanando:
— Não possuir um gênero definido, não é incomum entre os cautinos, Mestra. A magia deles é fluída e diante de sua força, o mesmo pode ocorrer ao seus corpos. Não tentem entender isso, agora. Nosso povo é bastante extraordinário, em muitos sentidos.
A mestra levou a mão ao queixo.
— Fluído é?! — Encarou Virnan, maliciosa. Depois olhou para Marie, que não conseguiu disfarçar o rubor.
A guardiã gargalhou de novo.
— Eu sou uma auriva, sua cretina! Sou exatamente o que está vendo, uma mulher. — E a empurrou em direção ao lugar que ocupava instantes antes. — Volte para o seu lugar, ainda preciso explicar algumas coisas, quando Lyla finalizar.
Após aquele breve momento de descontração, o spectu da rainha explicou que a missão de Nikal deu origem à Ordem. Junto com seus companheiros, se instalaram na Ilha Vitta e, com o passar do tempo, tomaram outros objetivos para si. Os cautinos, apesar de bons guerreiros, eram declaradamente pacifistas e excelentes curandeiros. Deste modo, a Ordem como a conheciam nasceu. A origem florinae explicava as semelhanças no uso da magia e dos círculos em seus rituais e brasão.
Melina complementou as informações. Ao se alcançar o terceiro nível do Círculo da Sabedoria, os mestres obtinham o conhecimento sobre o verdadeiro poder da Pedra do Coração, contudo, somente os Mestres do Concelho e a Grã-mestra, detinham todo o conhecimento sobre sua origem.
Virnan empoleirou-se sobre um dos bancos, dando um tempo para que elas absorvessem tudo que lhes foi explicado. Perdeu-se na contemplação de Marie e acabou tomando um susto quando Lyla falou em sua mente:
— Você está confusa. Não consigo identificar seus sentimentos.
Afastou a vista para ela, respondendo da mesma maneira:
— Estou cansada. Também tenho muito para digerir. — Demorou-se a contemplar a hesitação em sua fisionomia, captando a sua ansiedade e medo. Lyla fugiu do seu olhar. — Eu não te odeio. Ainda tenho raiva e a terei por muito tempo, mas não cabe mais ódio em mim. Entendo o que fez e porquê o fez e, confesso, se estivesse em seu lugar, teria tomado as mesmas decisões.
A deminara se aproximou, hesitante.
— Se você morresse…
— Ele teria uma alma poderosa…
— Não é disso que falo!
Virnan saltou para o chão e apertou-se a ela com força.
— Eu te amo, deminara estúpida. Queria que você tivesse tido paz na morte e vou te dar isso, assim como você me deu doze anos de paz, boas e queridas amizades e o amor e parceira da minha alma. — Enxugou as lágrimas dela e beijou-lhe a bochecha, falando em voz alta: — Só me dê um tempo para absorver tudo isso, depois de terminarmos por aqui.
Afastou-se dela, satisfeita pela alegria que emanava. Voltou-se para as companheiras.
— Agora que esclarecemos as coisas, preciso que tomem uma decisão. Necessito saber se estão dispostas a fazer o círculo comigo.
— Achei que isso já estivesse decidido. — Melina declarou. — Os portões precisam ser abertos e nós podemos fazer isso. Por que a hesitação?
A guardião levou a mão à cabeça, bagunçando os cabelos.
— Porque este não é um círculo como o conhecem. É um ritual muito íntimo. Para concluí-lo precisamos que nossas respectivas magias entrem em harmonia e para que isso aconteça, nossas mentes também devem estar assim. Isso implica que temos de nos “abrir” para as outras, revelando nossos pensamentos e sentimentos mais íntimos, até mesmo as lembranças. Confesso que nunca permiti isso ao Círculo do Trovão. Eles não me queriam, eu não os queria e não aceitava a forma que me tratavam. Mas não temo mostrar a vocês quem fui no passado e quem sou agora. Este último, em grande parte, por causa de vocês.
Não tenho problema com isso. Marie gesticulou.
— Eu também não. — Melina afirmou e Tamar repetiu suas palavras.
Contudo, Fantin manteve-se em silêncio.
— Fantin? — Tamar a chamou.
Ela se ergueu, com um sorriso vacilante. Encarou a companheira e, por fim, Virnan.
— Sinto muito, mas acho que não posso fazer isso. — Declarou e afastou-se em direção ao fundo do salão.
Boa tarde, amores!
São muitas emoções, né? rs… Quero agradecer, mais uma vez, a companhia e o carinho de vocês. E aproveito para informar que estarei viajando esta semana e não haverá capítulo no Domingo, mas é provável que consiga postar na Segunda – 09/07.
Um grande beijo e aquele abraço! 🙂
Eita, que a Fantin ficou na retranca agora… Ai, meu deus, será que vão conseguir fazer o círculo?
E sobre as armas, acho que lembro da adaga, do arco e do machado. Quais são as outras? Deu branco… Rrrrsss…
Valeu! Abraços
Oi, Naty!
Vamos torcer para dar tudo certo, né? rs… A Fantin é forte e ainda tem muito para fazer.
Quanto as armas, realmente não falei sobre todas. São elas: Arco, Adaga, Machado, Lança curta, Chicote duplo e a Espada.
🙂
Beijos!
Oi Tathah
Adoro suas histórias e essa não poderia ficar de fora.
A Fatin tem vergonha do passado mais acho que as amigas iram entender. A maior vergonha seja a Tamar saber de tudo e não querer ficar com ela.
Bjus e até o próximo capítulo
Oi, Jamille!
Agradeço a companhia e o carinho, linda. Então, você acertou em cheio. A Fantin tem vergonha do passado, mas como você disse as amigas vão ajudá-la.
Beijos e até!
Tattah, guria…
É inenarrável a emoção ao ler cada cap. eu queria q não terminasse nunca, é um romance q certamente vou reler ao terminar apenas para ter o prazer de ler até os olhos cansarem e estar babando de sono.
Dizer q estou amando é me repetir ao final de cada cap.
Parabéns…
Ah, Nádia, sei nem mais o que dizer, exceto, obrigada!
Beijos!
?
O que Fantin tem a esconder ??? ai Jesus, curiosidade a mil…
Espero que ela mude de ideia e confie no amor das companheiras/amigas/família.
Mais uma vez um capítulo surpreendente ?????
OWwww…
Acho que é mais receio pelo que elas podem ver, Elsa. Teremos a resposta no próximo capítulo!
Beijos!