*
Érion sentiu a mudança nas correntes mágicas que envolviam o mundo, assim como Zarif.
O dragão soltou uma mistura de vapor quente e fogo pelas narinas, enquanto riscava o chão com uma das garras longas e afiadas. Pousou os olhos amarelos sobre seu mestre.
— Você poderia, ao menos, tentar esconder essa felicidade. — Disse o Cavaleiro.
Zarif riu, malvado. Em verdade, nunca se importou em esconder de Érion que o odiava. Só estavam unidos através de um laço mágico, porque ele o enganou.
O mestre continuou:
— Deveria ser mais grato a mim. Afinal, se não tivéssemos feito um pacto, sua existência seria apagada deste mundo.
O dragão soltou outra lufada de vapor, mas permaneceu em silêncio. Agora que sabia que sua antiga senhora estava viva, enchia-se de esperanças de que ela fosse capaz de pôr fim a servidão em que tinha caído. Ainda que estivesse ressentido por ela ter feito um novo pacto, não podia negar a alegria que sentiu ao revê-la. Sua visita a ela teve uma punição dolorosa, mas a recebeu com um incomum bom humor, o que aumentou a ira de Érion.
— Virnantya está na cidade, mas isso não significa que conseguirá frustrar meus planos outra vez. — Fez um gesto afetado, erguendo diante dos olhos, o medalhão que adornava seu pescoço. Um sorriso cruel lhe deformou os lábios. — Antes da última lua cheia, uma guerra irá eclodir e terei poder suficiente para quebrar os círculos que protegem Flyn. Finalmente, irei derrubar os Portões de Cazz.
Desta vez, Zarif não conseguiu ignorá-lo.
— Mas você ainda não tem a pedra do coração.
Era verdade. Se tivesse descoberto antes que a pedra não estava em Flyn, como acreditou por séculos, não teria passado tanto tempo maquinando guerras e procurando almas poderosas para sacrifícios que reforçariam o poder do amuleto que usava.
— Não precisarei dela, afinal. Este amuleto será tão poderoso quanto ela e me permitirá abrir os portões assim que tiver a alma da eleita de Midiane.
Zarif riu, ferindo seus ouvidos.
— Será interessante vê-lo tentar conseguir essa alma — zombou.
O cavaleiro fez uma careta para ele, depois sorriu.
— Não importa que esteja em companhia daquela maldita Castir, o dom dela me pertencerá.
**
— Esta é a cidade da nossa juventude.
— Não exatamente. — Lyla chegou mais perto dela.
Esticou o braço para lhe enxugar a face com as costas da mão e surpreendeu-se por não lhe recusar. Era a primeira vez que se tocavam desde o pacto e a sensação foi deveras inquietante. Era como se estivesse tocando a si mesma, mas de uma forma tão intensa que as emoções pareciam não caber em si.
Assustada com a força daqueles sentimentos, afastou-se. Reparou que Virnan liberou o ar dos pulmões com alívio e não conseguiu evitar a curiosidade. Lhe perguntou, mentalmente, se tocá-la seria sempre assim. Ela respondeu com um inclinar positivo de cabeça e completou:
— Vai descobrir que essa união é muito mais profunda do que imagina.
Aspirou o ar frio da manhã com grande prazer. Um peso lhe abandonava o peito, ainda que nada estivesse explicado e o perigo muito longe de passar. Focalizou a cidade sem conseguir ocultar um sorriso leve e o vento lhe trouxe os aromas dela. Mirou os soldados que se aproximavam rapidamente e uma dúvida se tornou certeza quando os sussurros da cidade cresceram em seus ouvidos. Ainda assim, indagou:
— O que foi que você fez, Lyla? — Levou uma das mãos a cabeça, enquanto Marie se aproximava com uma mistura de surpresa, pela beleza do lugar, e preocupação pelo transtorno que começava a tomar a face dela.
Lyla se empertigou, deixando vir à tona um riso nervoso.
— Assim como você, fiz o que era necessário para salvar nosso povo e impedir Érion de abrir os Portões. Peço perdão por tê-la magoado de diversas formas, mas nunca duvidei do que me disse naquela noite. — Demorou-se, apreciando os cheiros que vinham da cidade, assim como ela. — Meu silêncio tinha propósito. E foi tão ou mais doloroso do que sentiu. Talvez, tenha cometido mais crimes do que você naqueles dias, a começar por ter enganado o Concelho Ancião e a Ordem Castir, dizendo que eu mesma tirei sua vida. Infelizmente, ao cometer esse crime, acabei obrigando Joran e o resto do Círculo do Trovão a fazerem o mesmo.
Ela demonstrou estar claramente contrariada e as mãos apertaram as rédeas com mais força, um gesto que apenas Marie percebeu.
— Joran se atiraria das Cachoeiras do Leste, se você pedisse. Mas o resto do Círculo… — Afastou a vista para as formas da cidade ao longe, recordando aqueles com os quais dividiu o nome Castir, mas que nunca a fizeram se sentir querida entre eles.
— O fato de não gostarem de você, não significava que não respeitavam seu sacrifício, ainda mais quando lhes contei a verdade. — Sorriu, relembrando o eto nos rostos dos Castir, principalmente, de Joran. Afinal, ele sempre enxergou em Virnan uma rival. — Foi um momento cômico, apesar da situação. E não nego que senti grande prazer em despejar a realidade sobre eles. Nunca vi Voltruf tão vermelho em sua vida, engasgou-se com toda aquela soberba.
A palidez da guardiã se tornava mais evidente e Marie gesticulou:
Sente-se bem?
Balançou a cabeça negativamente. Lyla sentia a agonia que a tomava e que não era relacionada as verdades que lhe apresentava no momento. Os sussurros aumentavam a cada instante, tornando-se dolorosos para os seus ouvidos. Além disso, a magia em seu corpo vibrava, sentindo a presença de outra quase tão antiga quanto aquele mundo, algo que conhecia muito bem.
— Pelo sangue que derramamos neste mundo, Virnan! Como eu poderia permitir que lhe tirassem a vida?! Aqueles velhos cegos por seus egos inflados, que se achavam sábios, desejavam apagar sua existência deste mundo desde que sua magia despertou. Uma auriva com magia; uma Castir auriva. Você era uma abominação para eles.
— Chega! — Ela rosnou.
Já tinham tido aquela conversa outras vezes, quando a coroa lhe pesava mais do que era capaz de suportar e desejava expor algumas verdades para o reino. Endireitou-se na sela, olhando os rostos curiosos dos companheiros.
— Você é teimosa, irritante, cabeça dura e muito mal-agradecida! — Queixou-se, agastada com os sentimentos que ela emanava.
Virnan jogou um gesto zangado no ar.
— Não me lembro de ter lhe pedido para me salvar! — Deu o assunto por encerrado.
O som da cidade cresceu algumas oitavas, fazendo-a gemer e perder o equilíbrio sobre a sela. Marie esticou a mão para impedi-la de cair. Verne, que assim como os outros prestava uma atenção excessiva na conversa, saltou do cavalo e a ajudou a chegar ao chão, demonstrando um cuidado surpreendente. A fez sentar, notando que sangue escorria de seus ouvidos.
— Por favor! — Ela pediu. — Por favor, faça-os parar! Está muito alto! — Tapou os ouvidos com as mãos e Marie a envolveu em um abraço apertado sem conseguir entender do que a estava protegendo.
— Mas o que está acontecendo? — Fantin agachou-se ao lado delas.
Os guerreiros florinae estacaram a poucos metros deles, aparentemente ansiosos. Eram cinco, no total. O mais alto deles fixou Lyla por um longo instante, antes de saltar do cavalo e dar um passo à frente, lhe oferecendo uma reverência profunda. Os outros o imitaram, silenciosamente.
O primeiro endireitou-se, lançando um olhar curioso para a mulher no chão. Virnan dobrou-se sobre o próprio corpo e despejou o conteúdo do estômago na relva. O corpo tremia e Fantin lhe segurou os cabelos para que não os sujasse com o vômito; e aguardou, paciente, que se recuperasse.
O guerreiro uniu as mãos e sussurrou algo para o vento, separando-as em seguida. Um círculo mágico surgiu entre elas. O lançou no ar e ele desceu até o chão erguendo uma barreira quase invisível. O zumbido nos ouvidos de Virnan diminuiu e ela permaneceu na mesma posição por mais alguns instantes, até que a tontura que a tomou passasse e voltasse a se sentir dona de si. Ergueu a face para os recém-chegados, fazendo uma careta de desagrado.
— Filha de uma…
Lyla fez um gesto brusco.
— Vamos deixar minha mãe em paz, desta vez. — Forçou um sorriso, fixando o guerreiro que criou o círculo. Este se ajoelhou diante dela.
— Se ainda tivesse um coração batendo no peito, ele estaria acelerado pela alegria de revê-la após tanto tempo, minha rainha. — Disse ele, fitando o chão. — Bem-vinda ao lar.
O spectu se aproximou dele, pousando a mão sobre a cabeça de fios tão negros e longos quanto os dela. Fez um ligeiro carinho, apreciando aquele contato.
— Também senti sua falta, Joran.
— Eu não! — Virnan cuspiu no chão e se pós de pé, apoiando-se em Marie. — Poderia ter passado a eternidade sem revê-lo.
O rapaz ergueu o rosto, tomando a mão de Lyla e a beijando, antes de ficar de pé e a abraçar. Só então, dedicou atenção a antiga rival.
— A sua “gentileza” sempre me encantou, Virnantya L’Castir.
Virnan mostrou os dentes, irritada com o deboche. Joran e ela sempre foram como água e óleo, jamais iriam se misturar.
— Façam o favor de explicar que inferno está acontecendo aqui! De preferência, façam isso rápido, pois não estou me sentindo nada bem. — Ameaçou vomitar novamente.
Era verdade, Lyla percebia sua agonia, ainda que se esforçasse para minimizar os efeitos.
— O que foi que você fez, Lyla? Por que os Portões estão aqui?! E por que há tantos espíritos? — Curvou-se, apoiando-se nos joelhos.
A vertigem aumentou. A magia do círculo começava a se desfazer e Marie a reforçou, criando um novo círculo, assim como ela tinha lhe ensinado na noite em que Tamar morreu. Entretanto, ela ficava cada vez mais pálida e não tardou para a mestra perceber que a magia do novo círculo oscilava.
— Ela fez o que era necessário. — Joran respondeu. — Mas este não é o melhor local para conversarmos.
Melina se aproximou a fim de amenizar os ânimos inflamados. A aparência da guardiã tornava-se mais doentia a cada segundo. Sentou uma das mãos nos ombros dela, impedindo que continuasse a discussão, como deixou claro que faria.
— Creio que falo por todos quando digo que apreciaremos imensamente uma explicação do que se passa ou, pelo pouco que entendi, se passou. Mas estamos cansados após longos dias na estrada e diversas situações perigosas.
Apertou os ombros dela, lhe pedindo calma e bom senso com o gesto e recebeu um ligeiro inclinar de cabeça. Uniu as mãos por um momento e espalhou sua aura mágica em torno dela, que relaxou, agradecida.
— Obrigada. — Não ouvia nada, nem mesmo a própria voz.
Como os dons da Grã-mestra lhe permitiam aguçar os sentidos, também era possível reprimi-los, assim como fazia com os dons de Marie. Contudo, ainda sentia o incômodo da magia dos Portões que clamava pela sua. A idosa gesticulou:
Não irá durar muito. Estou cansada.
Respondeu da mesma forma:
Mesmo assim. O silêncio, às vezes, é uma dádiva.
***
Emya aspirou o ar quente do meio da tarde com uma estranha mistura de sentimentos a revolver-se em seu íntimo. Recebeu olhares desconcertados e outros desconfiados, mas não mudou de atitude. Manteve a expressão altiva quando um dos comandantes do exército, que se reunia diante de seus olhos, perguntou:
— Está certa disso, Alteza?
Ela obrigou-se a não demonstrar o desagrado pela insistência daqueles homens em se aperceberem apenas do seu corpo de mulher frágil e delicado.
— É a vontade de Lorde Verne e a de meu pai, o rei. — Respondeu duramente, deixando claro que não aceitaria objeções. — Deseja saber algo mais, Comandante?
O homem se empertigou, fez uma reverência e se afastou para cuidar dos últimos preparativos para partirem. Verne lhe pediu que reunisse o exército e o enviasse para as fronteiras do reino com ordens específicas de como agir. E assim fez com o aval do pai que, como Verne, lhe confiou uma das missões mais difíceis de sua vida e implorava aos deuses que lhe dessem sabedoria para cumpri-la.
** **
Marie olhava a cidade da sacada do quarto. O palácio era diferente de todos os que conhecia. Ali as paredes, o teto, as janelas e portas, eram exageradamente grandes. Mas, curiosamente, isso não lhe causava a sensação de insignificância.
O mesmo ocorria com a cidade. As ruas eram largas, as construções altas e imponentes. Tudo aparentava ter sido cuidadosamente planejado, pois as construções misturavam-se à vegetação, muitas vezes, fornecendo sustento para a base delas. Foi uma surpresa encontrar uma enorme árvore no meio do salão principal do palácio. O tronco era tão largo quanto uma casa e o trono fora esculpido ao lado dela, que erguia-se mais alta que o teto do salão, onde havia uma abertura para que continuasse a crescer e receber a luz solar.
Não foi possível conter um suspiro de admiração, igualmente reproduzido por Tamar, cujos olhos brilhavam ávidos por conhecerem cada centímetro do lugar.
Os moradores da cidade também lhe inspiraram curiosidade. Percebeu logo que era possível discernir os membros de cada casta com facilidade. Os Deminaras, como Lyla e Joran, possuíam cabelos negros e olhos violetas, levemente repuxados. Eram altos e graciosos nos movimentos. Os Cautinos tinham olhos e cabelos castanhos, mas eram baixos e magros. Os Taltos tinham cabelos loiros e olhos azuis. Já os Aurivas, eram como Virnan, cabelos negros e olhos de um verde tão claro e transparente que, por vezes, pareciam felinos. Destacavam-se facilmente na multidão, graças a pele de tom mais escuro e o porte físico. Mesmo que não se vestissem como guerreiros, não seria difícil identificá-los assim.
Surpreendentemente, a maioria deles era alta ou de estatura mediana, bem diferente da guardiã que era baixinha e franzina. Mas como ela provou inúmeras vezes, o tamanho era insignificante diante de suas habilidades.
O caminho até o palácio foi repleto de silêncio. Contudo, havia uma alegria perceptível nas pessoas, que ao identificarem a Castir e a falecida rainha cavalgando entre Joran e seus companheiros, lhes ofereciam reverências longas. Por parte dos aurivas havia um cumprimento a mais. Ao reconhecerem Virnan, eles fechavam um dos punhos sobre o peito e erguiam o outro sobre a cabeça, também cerrado, ao que ela respondia unindo dois dedos sobre a testa. Nesses momentos, os rostos rústicos se desmanchavam em um sorriso gracioso, como o dela costumava ser quando estava relaxada.
Marie não podia negar que, apesar de todas as estranhas e perigosas situações que os levaram até ali, estava encantada de vê-la entre seu povo. Mesmo que tivesse se expressado tão duramente contra Joran e os outros, percebia uma alegria disfarçada na fisionomia sisuda.
Captou o som dos passos de Lyla um segundo antes dela se aboletar sobre a balaustrada em que se recostava, claramente despreocupada com a possibilidade de uma queda, já que estava morta e podia transmutar para a forma de um pássaro.
— Gosta?
Fez um gesto que abrangia a vista e Marie lançou um olhar para o interior do aposento. Na cama, Virnan dormia, desgastada, após passar mal outra vez, quando a magia de Melina se dissolveu um pouco depois de alcançarem a segurança do palácio.
Inclinou a cabeça, confirmando.
Percebendo seu desconforto, o spectu recitou uma palavra que já estava se tornando comum para ela e abriu a mão, deixando que um círculo escapasse desta. Ele invadiu o corpo da mestra, que pôde perceber como aquela conjuração funcionava, identificando através de seu dom o que era necessário para recriá-lo.
O círculo ressurgiu em sua mão esquerda.
— Não é como a magia da sua tia, mas pode falar sem medo de machucar Virnan. — Garantiu.
Marie ainda se demorou a admirar o círculo, projetando uma adaptação daquela conjuração em sua mente. Após guardar a ideia para mais tarde, ergueu o olhar para ela.
— É linda e diferente de todos as cidades em que já estive. Não sei como descrever direito, mas sinto a magia que a envolve vibrar em mim como se estivéssemos dentro de um círculo como aquele em que você e Virnan fizeram o pacto. — Aprumou-se, pensando melhor a respeito e imitando um gesto característico de Tamar. Pousou a mão no queixo. — Na verdade, acho que é isso mesmo.
Lyla cruzou as pernas, arqueando um dos cantos da boca. Sempre que fazia isso, a recordava de Virnan, cujo deboche costumava se projetar nesse tipo de sorriso.
— Está correta, Mestra. Achei que somente Virnan tinha percebido. — Descansou o cotovelo sobre a perna e apoiou o queixo na mão. — Estamos dentro de um círculo semelhante àquele, mas um pouco diferente. É possível sair e entrar nele sem problemas, se tiver as qualidades necessárias. Pessoas não mágicas são repelidas pelos círculos externos de diversas formas. Os magos vão um pouco mais adiante, mas também são repelidos ou, literalmente, barrados. E, se ainda assim alguém indesejável conseguir passar, os protetores irão cuidar dele.
A midiana acompanhou seu olhar, que tinha se introduzido no quarto até parar na cama.
— Entendo. — Recordou quando Virnan falou a Verne sobre os rastros que encontrou. — Aqui, como naquele círculo, espíritos se materializam. É o caso do seu amigo Joran. Ele está morto, certo?
A rainha riu, balançando as pernas. Estava satisfeita por suas percepções, isso indicava que não tinha se enganado nas escolhas que fez junto com Maxine.
— Noivo. Ele era meu noivo. — Contou, divertida com a expressão que tomou a face dela. Então, provocou: — Achou que meu coração pertencia a sua amante, Alteza?
Ela se pôs mais ereta, demonstrando desagrado.
— Já disse para não me chamar assim. Não me considero uma princesa há muito tempo.
— No entanto, não se furta a assumir as responsabilidades de uma. — Retrucou.
— Há coisas das quais não podemos fugir. Você parece entender bem disso. E, sim, por algum tempo acreditei que você amasse Virnan de uma forma não fraternal, como ela foi enfática em afirmar.
A gargalhada de Lyla a envolveu e não se poupou de rir também. Após ver o modo como as duas se comportavam, a ideia caiu por terra. Mesmo assim, não conseguiu abandonar essa impressão até aquele momento.
— Você me diverte. — Brincou com uma mecha dos cabelos. — Mas retornando ao assunto, sim, Joran morreu alguns dias depois de mim. Ele foi um dos guerreiros que prenderam Érion naquela caverna.
Ficou em silêncio, contemplando a cidade, e Marie admirou suas feições por algum tempo, então deslizou o olhar para as pessoas que percorriam os jardins do palácio, aparentemente entretidos em suas tarefas diárias, mas não lhe escapava que, vez ou outra, eram alvo de olhares curiosos.
— Nem todos estão mortos aqui. — Observou.
— É verdade. — Admitiu.
— Como é possível?
A rainha saltou para o chão e aproximou-se, recostando-se na balaustrada, também. Não respondeu a pergunta, pois não queria ter de explicar o que fez mais de uma vez.
— Você sabia que a mãe dela foi uma das guerreiras aurivas mais poderosas do nosso reino?
Marie ocultou o desagrado pela fuga do assunto; abanou a cabeça. Virnan nunca lhe falou da família e jamais lhe fez perguntas à respeito porque sabia que era o tipo de pessoa que só se abria quando desejava.
— Ela serviu ao meu pai durante as Guerras do Continente. Ele nos contou, certa vez, como ela salvou sua vida. Denna Dashtru, apesar de ser uma auriva, era uma das mulheres mais respeitadas de Flyn. Os Dashtru sempre serviram ao Reino do Sul. Dentre todas as famílias aurivas, era a mais poderosa e temida por terem desenvolvido uma técnica chamada Manibut, que lhes permitia lutar contra magos mesmo sem possuírem magia.
Ela recordava da história que a tia contou e as muitas teorias que compartilhou com Tamar antes de descobrir a verdade, mas assistir Virnan a usando no mago axeano não lhe causou grandes impressões. Lhe pareceram movimentos comuns, mas quando pararam para erguer o acampamento, Melina contou o que seus olhos não tinham captado, deixando uma grande curiosidade em si.
— Eles nunca esconderam esse conhecimento. Pelo contrário, ensinaram aos seus irmãos. Diferentemente das famílias deminaras, os aurivas eram muito unidos. Mas o treinamento era desgastante e mortes ocorriam com frequência. Aqueles que o concluíam, eram conhecidos como Manir. E por um tempo, chegaram a dizer que eles eram a nona família auriva. De certa forma, eles eram como o nosso Concelho Ancião, líderes de sua casta. Muitas vezes, mais respeitados que os chefes das famílias. Nos campos de batalha, os exércitos os seguiam sem pestanejar, pois eram os guerreiros mais ferozes. — Fez uma pausa, focalizando-a brevemente. — Virnan ainda era criança quando se tornou uma Manir.
Marie remexeu-se, desconfortável.
— Quando essas coisas sobre ela me são reveladas, muitas vezes tenho a impressão de que não estamos falando de um ser humano. — Confessou.
Um sorriso surgiu nos lábios vermelhos de Lyla. Ainda era muito difícil aceitar que conversava com um espírito, principalmente quando sorria ou gargalhava de uma maneira tão vívida.
— De certa forma, é isso mesmo. Temos o sangue mágico dos Enaen, mas nossa aparência é humana. Um pouco diferente da deles, segundo as gravuras que vi em livros antigos e estátuas no Templo de Cazz. Os aurivas são ainda mais diferentes neste quesito. São filhos do nosso povo com humanos. Por isso, sua magia é considerada fraca e foram desprezados pelos Enaen. Mesmo assim, possuem grandes atributos físicos.
Marie inclinou a cabeça, certa de que ainda tinha muito para aprender sobre aquele povo e que o pouco, ou quase nada, que as lendas contavam, era verdade.
— Ela tem muito da mãe. — Lyla continuou. — A beleza não se compara, pois foi a mulher mais bela que meus olhos viram. Mas a personalidade é praticamente igual, e isso sempre gerou confusão. Denna faleceu no mesmo ano que a minha mãe, ambas abatidas por uma peste que dizimou grande parte do nosso povo.
Sorriu, como se estivesse perdida em lembranças felizes. Em verdade, a que lhe visitava naquele momento era um misto de tristeza e alegria.
— Virnan se esforçou para honrar sua memória e assumiu as responsabilidades dela entre os Manir. Tinha um pouco mais de 20 anos quando meu pai a levou para o Palácio do Sul. Foi um pouco conflituoso a ter por perto o tempo inteiro. Ela era uma excelente protetora, obediente, cuidadosa, mas quando o assunto não era o seu trabalho, não se poupava de expressar seu desprezo pelos deminaras e o meu pai. Apesar disso, lutou anos em uma guerra para o colocar num trono em que ele jamais sentou, pois veio a falecer antes da coroação.
Coçou a testa, recordando o passado.
— A guerra teria durado mais alguns anos se os Manir não tivessem resolvido pôr um fim nela.
— Como? — Quanto mais ouvia sobre Virnan, mais se dava conta de que estava longe de conhecê-la completamente, contudo só lhe interessava seu amor.
— Os quatro exércitos eram compostos por todas as castas, mas os aurivas eram a maioria. Depois do evento que culminou no despertar da magia de Virnan, entre outros tão tristes e sanguinários quanto, os Manir resolveram dar um basta na guerra à força. É uma história longa. Talvez lhe conte algum dia. Mas você logo irá perceber que Virnantya Dashtru é mais que uma auriva que teve a sorte de ser agraciada com magia. Antes de ser uma Castir, ela já era tão respeitada, admirada e temida quanto a mãe. — Fechou os olhos por um instante. — É irônico, não é mesmo? Lutamos anos em uma guerra que poderia ter sido resolvida sem derramar nenhuma gota de sangue. Bastava uma cerimônia no Templo de Cazz. Cada Demir só precisaria passar por uma noite de testes e usar a Pedra do Coração.
A menção à pedra deixou Marie em alerta, pois durante o caminho, Melina tinha lhe contado sobre a conversa com Virnan Obviamente, a Grã-mestra ocultou suas intenções em relação ao objeto e o destino dela e do cavaleiro. A rainha percebeu sua curiosidade, mas não entrou no assunto.
— Só precisavam segurar uma pedra e tudo estaria resolvido?! — Indagou, descrente.
A florinae deu de ombros.
— Não é tão simples assim. Você tem de “merecer” o direito de fazer o teste, mas isso não tem nada a ver com guerras. Não vou entrar em detalhes sobre a política do reino naquela época. Fato é que tudo estava uma bagunça. O rei moribundo e sem herdeiros, uma rainha que não podia assumir o trono, os Demir que ansiavam aumentar o prestígio de seus reinos e famílias, entre outras coisas. Tudo isso convergiu para uma guerra.
Marie encheu as bochechas de ar e o soltou devagar, ligeiramente confusa. Abanou a mão ao lado da face, afastando um pensamento estranho e perguntou:
— Por que está me contando essas coisas?
— E por que não deveria fazê-lo? — Franziu o cenho. — Você está aqui, agora. Veio seguindo ela; não por admirá-la, temê-la ou pela curiosidade, mas porque a ama. Estou apenas falando sobre a mulher com quem você se casou há duas noites.
O vento soprou forte e um segundo longo se passou até Marie compreender o que acabara de dizer. Teve vontade de rir, mas se conteve. Fitou Virnan na cama, com uma ligeira tontura pela emoção que a tomou. Não conseguiu formular outra pergunta ou comentário e Lyla continuou:
— As palavras que recitou eram um voto sagrado de união.
A mestra inspirou fundo, fitando a tatuagem na palma da mão com descrença. Era uma brincadeira, só podia ser. Contudo, Lyla mantinha uma expressão terrivelmente séria.
— Se não fosse o desejo do seu coração, as marcas não teriam surgido na sua mão, nem na dela.
Afastou-se da balaustrada e cruzou os braços, enquanto explanava:
— Ao recitarem aquelas palavras, vocês assumiram que suas almas se pertenciam e que o laço e sentimento que as unia seria eterno, até mesmo na morte. — Sorriu de lado. — Um casamento assim é extremamente raro entre o meu povo, pois a maioria é acordada entre as famílias.
— Por quê?! Por que ela não me contou?
— Porque, Marie, ao fazerem esse voto, Virnan garantiu que você se tornasse inelegível para o sacrifício.
Gostei agora da Virnan salvou Marie sem ela saber bela jogada…..
Tattah,
O q te falar??
Flyn não esta sendo nada agradável para Virnan, ela esta sentindo as mortes q causou?
Por isso todo este mal estar?? Sim pq a coitada não esta em condições de ser a guardiã. (tadinha…)
Lyla em seus intentos é uma galhofeira… rindo mto do q ela apronta.
Agora sim Emya mostrou a q veio, q não é apenas a irmã de Marie e tb é forte qdo necessário, adorei vê-la se impondo.
E agora lascou mesmo… CASADAS?? Marie inelegível para o sacrifico…
Virnan rocks… adoro ela… disse desde sempre q ele nunca seria realizado.
Agora resta Marie ter escutado tudo q Lyla falou e não apenas parte e ficar fula da vida com Virnan achando q o casamento foi apenas para salva-la.
Sabe como é as x se escuta apenas o q quer…
Cada cap. mais fantástico q o anterior este romance tá beirando a perfeição e só digo beirando pq se alcançar a perfeição não terá mais o q melhorar e devemos sempre busca-la e nunca alcança-la.
Kkkk… E ápois! Nossa guardiã é esperta. Imagina se ela ia deixar o amor da vida dela morrer nas mãos do cavaleiro! Bem, realmente não está sendo agradável essa chegada, mas tenho a impressão de que ela irá se recuperar rapidinho. 😉
Ah, lindona, obrigada pelo carinho e os elogios. Essa aventura não seria nada sem vocês que o acompanham e sempre me dão um bom feedback.
Beijos!
Tenho um orgulho que só, dessa moça, cada vez se supera mais.
Você me surpreende a cada novo capitulo, a cada novo conto e sempre é um prazer ganhar spolers seus no What’s embora só servem pra me deixar mais curiosa.
Oi, tem WhatsApp?
Índia do meu coração, que posso fazer se você fica me pedindo os spoilers?! Eu dou, mas tu sabe que também cobro a gentileza te aperreando para voltar a escrever comigo! 8)
Haha… Amo tu, xuxu! Obrigada pelo comentário!
Beijos!
MEO DEOS!!!! Tattah do céu!
Essa chegada a Flyn está de matar qualquer leitora!
A última revelação do capítulo arrasou!
Super fã!
Kkkk… Aposto que ninguém esperava por essa, né?
Sempre feliz em surpreender. rs…
Beijos!