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Dias das Bruxas
Os dias que se passaram foram calmos e lentos. Até mesmo a despedida de Hellen fora tranquila, ainda que Alana desejasse profundamente, arrancar aquele sorriso debochado que a moça tinha, e de preferência aos tapas, principalmente depois que chegou ao seu conhecimento que Eva foi a primeira namorada da senhorita Barros. Enquanto isso, Agatha e Maysa, seguiam que nem os dias, cheias de cuidados e calmaria. Progrediam na construção de um relacionamento, sem a necessidade de definir ou rotular o que tinham, por saberem que muitas vezes, aquilo que é sentido, se faz bem mais importante do que as nomenclaturas.
Sim, cuidado e calma, até porque no centro de tudo aquilo havia uma criança, qual nenhuma das duas teriam coragem de magoar. Por isso, preferiram não colocar suas próprias necessidades em primeiro plano; quando a saudade apertava, ainda que tivessem acabado de se falar, elas roubavam algumas horas, fosse nas tardes ensolaradas, nas caminhadas beira-mar antes de ir buscar Daniel no colégio, ou ainda, nas manhãs chuvosas e manhosas. Porém, quando chegava à noite, e cada uma entrava no seu quarto, ele parecia maior e vazio, e era com a cabeça no travesseiro que tanto loira quanto morena, se perguntavam em como tudo aquilo se desenrolaria. Tarde demais para voltar atrás, Agatha rogava aos deuses para que aquele amor antigo, porém, novo em reciprocidade e vivencia, fosse tão perene quanto a própria eternidade. Maysa, falava com Deus para que a permitisse viver o amor que há tanto tempo lhe fora negado e que agora se mostrava vibrante e completo, esmagando toda e qualquer magoa que ainda pudesse existir dentro dela.
Com a aproximação do dia das bruxas, Agatha e Maysa estavam enroladas com os próprios preparativos. A morena porque estava envolvida mais do que realmente gostaria com a ideia que Alana teve de dar uma festinha justamente na noite das bruxas, já a loira, não pretendia deixar a data passar em branco, afinal, seria justo honrar as bruxas, os druidas, as fadas, os fantasmas e seres místicos de seus contos.
Quando a tarde do dia trinta e um iniciou-se, Agatha já estava na casa de Alana, ajudando a prima com os preparativos finais.
– Eu deveria ter pedido para você fazer isso! __ Alana fez careta, ao sentir mais uma fisgada de dor nas costas, e sentou-se para ficar mais acomodada e terminar a massa do pão.
– Você sabe que pode me pedir para fazer qualquer coisa, mas você é teimosa demais para admitir que não daria conta. __ a morena cortava a carne em cubinhos.
– Característica da nossa família, não me culpe, são os genes. __ fez outra careta de dor e gemeu.
– Alana?
– Está tudo bem. __ respirou fundo. – Embora eu desejasse muito que sim, mas, ainda não está na hora. Aí Thata, como tem sido terrível esses últimos dias. __ fez outra careta. – Que droga, detesto ficar reclamando.
– Meu amor, você pode reclamar o quanto quiser, aproveite que só tem nós duas aqui, porque daqui a pouco o pessoal começa a chegar…
– Nem me fale! Eles também estão me deixando louca, já não basta eu estar me sentindo uma daquelas balsas que fazem travessia Salvador – Mar Grande. Por Hera, estou gigante e eles ainda querem ficar me entupindo de comida, a Eva… ela está surtando, não quer me deixar fazer mais nada.
– Alana como você é boba, só está se sentindo uma balsa, porque está carregando dois marinheirinhos! __ foi certo, os risos de Alana preencheram a cozinha, e pararam quando os gêmeos se mexeram.
– Vamos mudar de assunto, estou aceitando qualquer coisa que me faça esquecer sobre o quanto já posso ser comparada a uma balsa e pior, estou reclamona.
– Você está mesmo falando sério? Você não está uma “balsa”, até acho que, para quem está gravida de gêmeos, você conseguiu manter uma silhueta que ainda causa muita inveja. Agora, rabugenta você está… __ Agatha preferiu não dar mais pano para manga sobre o assunto em questão. – Você sabia que a Olívia pediu a ajuda do Lucas em uma das investigações?
– Não, ninguém me conta mais nada. Ainda bem que tenho você para me atualizar das fofocas. __ a curiosidade começou a falar mais alto. – Estou surpresa, a Olih é tão metódica em suas investigações e sempre preferiu trabalhar sozinha.
– Parece que agora ela está mais disposta a dividir essas coisas. Bom, é um caso de uma pessoa que fugiu de casa, a família está desesperada. Quando falei com ela, ontem à noite, me disse que tinha uma pista e por isso iria chegar aqui um pouco mais tarde.
– Eu até prefiro que ela venha depois, a Olih ajudando na cozinha é um desastre. __ riram relembrando de outras ocasiões onde a moça tentara ajudar sem muito sucesso. – Definitivamente, ela é muito boa como detetive particular, mas para sous-chef…
– Concordo!
– Ela e o Lucas são tão feitos um para o outro, não acha?
– Ainda há dúvidas? __ a morena começava a aquecer os temperos na panela. – Teimosa, cheia de gracinhas e sarcasmo, e um coração do tamanho do mundo, o encaixe perfeito para o Lucas.
– Falando nisso… e você? Encontrou o seu “encaixe perfeito”?
Com um suspiro longo, Agatha acrescentou a carne de cordeiro na panela, mais algumas ervas e tampou. Já sabia como funcionava, se ela não falasse, a prima daria um jeito de descobrir tudo, era melhor falar antes mesmo que Maysa chegasse e Alana resolvesse fazer suas perguntas nada discretas para a loira.
– Eu estou feliz!
– Isso qualquer um pode perceber! Gosto dela, sempre tive uma boa impressão sobre ela. Até o Lucas que costuma ser protetor aos extremos, gostou dela, claro que ele sempre vai aproveitar para relembrar do episódio no dia do seu aniversário, ou fazer a cara de mau e ameaçador… __ segurou a risada.
– Nem comece!
– Você não vai me contar? Nadinha? Não vai alegrar a vida desta pobre grávida que ultimamente só tem imaginado mesmo, porque minha mulher tem medo de me machucarrrrrr! __ caiu na gargalhada, mas logo ficou séria, apesar da reclamação, sabia o quanto a Eva estava sendo paciente e carinhosa com ela.
– Isso é sério? Você quer que eu entre em detalhes? Você não tem vergonha na cara?
– Eu não. Estou grávida, são os hormônios! Conta logo!!!
– Às vezes, acho que você tem alguma tara oculta pela Maysa! __ a expressão era séria, mas controlava-se para não cair na risada, ainda mais depois da expressão incrédula de Alana.
– Ah vá… você já olhou para ela? Mas, já reparou mesmo? Ela tem uns atributos, digamos assim que, interessantes! E nem adianta me olhar assim, se você não vê, é bom saber que outras pessoas veem. Já estou te dando a dica, fica esperta.
– Só não vou te dar uns tapas, porque você está gestante! __ o arquear de sobrancelha e o olhar firme, foram suficientes para Alana gargalhar. – Foi incrível, lindo, perfeito… intenso, muito intenso. __ sorriu feliz ao ter sua mente invadida pelas lembranças daquela manhã, suspirou. – Foi muito mais do que eu poderia imaginar.
– Em nome Hator, salve a grande deusa do amor! Agatha, você está completamente apaixonada!
– Estou! É mais que paixão, eu a amo muito. E talvez, desde sempre! Tenho pensado muito nesses últimos dias, e vejo que foi sempre a Maysa quem eu quis, isso é bem louco!
– Não é loucura, não enxergo loucura. Eu vejo a tua felicidade, eu vejo você transbordando de amor. __ fez uma careta. – Credo, como estou sentimental! E ela?
– Não sei. Quero dizer, eu sei dos sentimentos dela por mim, mas, não sei como ela vai lidar com isso, se vai realmente querer isso.
– Você sabe que vocês precisam superar o passado para poder viver o presente e encarar um possível futuro, certo?
– Estou encarando o futuro, estou vivendo o presente. Estou aproveitando cada segundo que tenho ao lado dela, e obviamente quero Maysa fazendo parte da minha vida em todos os aspectos. Mas, estamos indo devagar, falamos sobre o passado, precisamos falar um pouco mais, já que nem tudo foi contado, mas acredito que isso tem mais a ver com o tempo. Não podemos atropelar as coisas, como diz papai, nada de colocar a carroça na frente dos bois. E ela tem um filho… uma criança está envolvida nisso tudo.
Agatha deu de ombros e foi olhar a panela, Alana deixara a massa do pão descansar, sentiu-se obrigada a apoiar-se na mesa.
– Você tem medo disso? De cuidar do filho de outra pessoa?
– Não, claro que não. Eu amo o Daniel, e você também o conheceu, como alguém não ama aquela criança? Mesmo antes de descobrir esse amor pela Maysa, eu já amava o Daniel. E ele é o mundo dela, tal como deveria ser. Não há nada, absolutamente nada que eu não fizesse por eles! __ assustou-se com as próprias palavras. – Nossa, isso pareceu tão protetor e dramático.
– É porque foi, mas se não é isso, qual o problema?