― Victoria Weber? – atendeu Victoria.

― Sra. Weber, venho informá-la que o voo A232 Rio/Londres desapareceu dos radares há cinco horas atrás, ainda sob o oceano, na área pertencente ao Brasil. No último contato que tivemos com o avião eles avisaram sobre uma área de tempestade que acabaram de passar e que enfrentaram turbulência.

À medida que o homem informava os detalhes Victoria sentia as pernas ficarem bambas.

― Que horas são agora? ― ela pergunta.

― 16:50, Vic. ― Max respondeu.

Victoria já calculava na mente o horário que o voo chegaria a Londres imaginando o rebuliço que iria se formar quando constatassem que o avião não pousaria.

― Muito bem. Daqui a duas horas será o horário que o avião deverá estar pousando em Londres e como sabemos que não vai pousar temos apenas duas horas para planejar o que dizer as autoridades e programar algum tipo de contingência. ― Victoria continuou falando ao telefone indo de encontro à porta.

Ela encerra a ligação após decretar estado de emergência até a hora de chegada prevista do avião a Londres.

― O que aconteceu Victoria?

Max estava em pé atrás dela. O tom da conversa e a postura de Victoria não eram os melhores.

― Um avião sumiu do radar.

Os dois se olharam e sabiam que isso envolvia incluir Martina, pois ela era a diretora de qualidade e segurança da empresa. Não tinha como fugir dela agora.

― Estou aqui para o que precisar. Me mantenha informado. Vai dar tudo certo.

― Obrigada.

Ele fez menção em abraçá-la, mas ela saiu em antecipação.

― Mãe!

― Lucy, o que faz aqui? O que houve com seu cabelo?

Lucy estava ofegante indo em direção à mãe pelo corredor da diretoria. O corredor era largo, trabalhado em madeira em um dos lados. No outro ostentava quadros modernos, alguns com retratos de nudez artística que Victoria nunca havia concordado em tê-los ali, pois a distraía.

Lucy havia cortado os cabelos e feito um moicano. Os dois lados de sua cabeça estavam raspados. Vestia roupas largas com estampas indianas e calçava uma flipflap.

Lucy agarrou a mão da mãe carinhosamente e começou a conduzir a mãe rumo a sala. As duas tinham o hábito de andar de mãos dadas quando estavam juntas. Victoria sentiu seu coração aquecer com o gesto da filha.

― Victoria! Estava te procurando.

Uma voz feminina ressoou atrás delas no corredor amadeirado. A voz era firme, mas ao mesmo tempo suave.

― Ferret?

Uma voz máscula, ligeiramente rouca ressoou após a voz feminina, também do fundo do corredor. Quando Lucy e Victoria se viraram para ver quem as chamava, a cena poderia ser trágica se não fosse cômica.

Martina estava de um lado do corredor e William de outro, os dois pareciam estar se avaliando, tentando lembrar-se um do outro.

― Lucy?

Outra voz jovem e masculina apareceu vinda detrás de Martina. Era um menino alto e ruivo que aparentava ter a idade de Lucy.

― Thomas! O que faz aqui?

Lucy não escondeu seu eto.

― Vim almoçar com minha mãe e esqueci minha carteira aqui. ― Ele parecia igualmente chocado ao ver a menina. O menino era tão ruivo quanto a mãe. ― Mãe, esta é Lucy!

― Martina se virou para a menina e foi em direção a ela, lhe dando um beijo. Logo após se vira para William apertando sua mão grande e bruta.

Victoria continuava estatelada. Era muita informação para sua cabeça.

― Me desculpe. Demorei a te reconhecer, mas você não mudou nada, William!

― Está gostando do prédio?

Enquanto a conversa se desenvolvia, Victoria se colocava ao lado da filha, de mãos dadas, de forma que Lucy a fitava sem entender nada. Thomas mantinha a postura ereta, elegante, embora estivesse mais vermelho que pimentão ao lado da mãe. Tentava fazer uma leitura corporal de sua futura sogra que aparentemente desconsiderava a presença do rapaz.

― De onde papai a conhece, mãe? ― suspirou Lucy perto da orelha da mãe.

― A mãe do seu namorado estudou comigo na faculdade e agora está trabalhando aqui na diretoria.

― Vamos entrar, mãe.

Lucy pareceu ler o pensamento da mãe. Antes de entrar, porém, a CEO se dirigiu ao marido e a Martina.

― Desculpe interromper vocês dois. Martina, poderia vir à minha sala daqui 30 minutos?

― Sim. Eu estarei lá. Estava te procurando agora pouco.

Victoria esperou congelada na frente dos dois na esperança que um deles dissesse mais alguma coisa, mas ninguém falou nada. A situação era estranha. Ela então se despediu e partiu para sua sala com Lucy, vindo a se despedir de Thomas com um gesto da cabeça.

― Ela não mudou nada não é mesmo, Ferret?

― Sim…

Eles olharam Victoria se dirigir até a entrada da sala. Ela vestia um terno cinza claro de corte fino e bastante elegante e calçava um scarpin preto agulha que fazia seus 1m67 parecerem bem mais. Sua passada era desengonçada quando estava nervosa. Seus cabelos estavam presos num coque maltratado pela tarde corporativa carioca. Os braços resvalavam aflitos pelo lado do seu corpo.

Martina deu um suspiro e se virou para William.

― Continua a mesma, só que em outra realidade, outras roupas, mas a mesma desengonçada de sempre.

― Hahahaha, e você com o mesmo humor de sempre! Eu gosto disso. Vocês deveriam ser amigas novamente. ― disse William já se afastando.

― Veremos, amigo!

Martina só restava ser sarcástica após o comentário do piloto.

― Mãe?

Assim como fez com Victoria, Martina olhou William desaparecer pelo corredor. O homem alto que era, até passaria como um homem sério.

― Mãe?

― Sim, Thomas? Desculpe. Muita informação… Muito bonita a Lucy. Você está de parabéns pelo bom gosto. Adorei o estilo e as roupas indianas dela.

― Ela faz as coisas sem me avisar. Ela fez o moicano ontem e quando a vi hoje tomei um susto.

― Ela me pareceu bem madura para a idade dela, bem mais que a mãe quando tinha dezoito anos. E ela não te deve satisfações sobre o que fazer com o cabelo dela, meu filho.

― Eu sei. Mas só queria que tivesse comentado antes ou algo assim.

― Acho que enfrentar a Victoria é que não vai ser fácil, se deseja saber.

― Também acho que não. Ela é meio… ― Ele tentou escolher a palavra correta, mas não encontrava.

― Meio?

― Não sei. Intensa? Me ignorou. ― O menino parecia genuinamente aflito.

― Ela é compenetrada, intensa, mas é bastante transparente. E isso é bom.

Martina poderia dizer isso com propriedade. Na época da faculdade ela passara tempo suficiente com Victoria para traçar seu completo mapa astral.

― De onde a conhece tanto?

― Deixamos essa conversa para outro dia? Já pegou sua carteira?

― Sim, senhora Ferret!

Ele depositou um beijo na bochecha da mãe e foi partindo. Os dois tinham praticamente a mesma altura.

Na sala da CEO uma angustiada Lucy desejava saber todos os detalhes do sumiço do avião, mas sua mãe insistia em dizer que tampouco ela como presidente da empresa sabia de todas as circunstâncias do evento.

Vanessa aparece de repente na porta, trazendo um chá que Victoria havia pedido, causando eto em Lucy e William.

― Mamãe, sempre dando trabalho a Vanessa.

Vanessa deixa o chá na mesa da chefe e ignora a menina, revelando ter agendando uma reunião com o jurídico. Segundo a visão de Victoria era imprescindível conversar sobre as implicações que um acidente de avião acarretaria no financeiro da empresa, que tinha cerca de 40% de seu capital pertencendo a acionistas.

― Tenho prazer em servir, Lucy. ― finalizou Vanessa, não ignorando o comentário da jovem, mesmo que tarde.

De tudo e todos a CEO só tinha paz em se tratando de Vanessa, sua assistente. Tinha uma afeição imensa por ela. De repente pensou em como nunca havia convidado Vanessa para nenhum programa fora do ambiente de trabalho. Como podia? Vanessa trabalhava ali há eras e era tão solicita desde o primeiro dia que entrou. Ela era realmente a melhor secretária que alguém poderia ter! Sua lealdade era algo impecável.

E que dizer de William? Victoria retirou os olhos de Vanessa e os dirigiu ao seu marido, rolou os olhos e respirou fundo. O olhar era de repreensão e nojo. Ele, distraído, despejava num copo luxuoso uma larga dose de Uísque do mini-bar. Ao vê-lo ali lembrou-se instantaneamente das fotos que Vanessa havia tentado lhe mostrar antes da reunião com os diretores.

Ela sentiu um ímpeto de expulsá-lo. Sentia asco dele e não queria dividir nada com ele, nem mesmo aquele Uísque que era mantido na sala para as visitas que recebia de homens de negócios ávidos por álcool importado. Reuniões tão chatas quanto podiam ser.

Sentiu seu estômago revirar. Esta situação e tantas outras envolvendo sua vida naquele único dia fizeram-na acreditar que o dia não terminaria nunca.

Havia acordado com a preocupação de uma possível traição de seu marido que agora estava praticamente confirmada. Antes do almoço soube da volta de Martina Ferret a sua vida, o que lhe deu uma estupenda chacoalhada. A reunião com os diretores foi um completo balde de água fria, a ruiva aparentava não se lembrar dela e após Victoria entrar no “jogo” de Martina, a mesma não foi nem um pouco discreta na frente de Maximiano ao revelar que lembrava-se muito bem do passado das duas. Tudo isso precedido por uma consulta no “metido a psicólogo” diretor de RH da BRASFLY, que fez a presidente revelar seu passado.

Passado o momento raiva, a CEO concentrou-se a trabalhar com Vanessa. As duas fizeram algumas ligações agendando as reuniões dos próximos dias. Martina já havia mexido vários pauzinhos com a equipe operacional, claramente preocupada com o estado mental da equipe, que poderia já estar abalado com o sumiço da aeronave. Realmente a ruiva demarcava seu território, já colocando os pingos nos “is”, conforme dizia Maximiano ao se referir a alguém que ia além do que era para ser feito.

Depois das reuniões agendadas e o clima menos tenso, os quatro estavam sentados na sala de estar de Victoria. Lucy conversava animada com Vanessa sobre o novo período na faculdade enquanto Victoria olhava William e se arrependia amargamente de ser sua mulher. Ele contava de ocasiões no qual teve de fazer pousos de emergência e contornar situações difíceis. Ele imaginava estar aliviando a aflição da mulher, mas ela escutava e não assimilava. Nada do que ele dizia entrava em sua cabeça.

Victoria gerenciou seus pensamentos de modo a bloquear sua raiva do marido e se preparar para o que viria a seguir. Dali à uma hora o voo que era para chegar a Londres não chegaria e a presidente deveria estar a postos no aeroporto internacional do Rio, o Galeão, de onde o avião havia saído, confirmando para a imprensa que o voo havia sumido dos radares.

Esta jogada em si fora uma das várias recomendações que Martina sugerira em um dos e-mails com a equipe e que Victoria decidiu seguir. Segundo Martina era inteligente antecipar o anúncio, pois mostrava a maturidade da empresa em enfrentar desafios e reagir a problemas. Elas iriam, falariam com a imprensa e iniciariam as investigações e buscas, como Martina previa.

― Vocês podem ir para casa, pois daqui a 5 minutos Martina virá a minha sala para passarmos o texto que falarei com a imprensa. Estarei em casa por volta das 9. Me esperem para o jantar.

― Sozinha com ela? ― perguntou William com ciúmes.

― Sim, qual o problema?

Percebendo o fechamento do clima Vanessa chama Lucy para fora da sala e sai com a menina.

― Qual seu problema, William? Estou no meio de uma tempestade anunciada e tenho que ficar a mercê da sua possessividade? Você não manda em mim!

William tinha uma expressão de homem traído no rosto e num supetão agarra o pulso esquerdo de Victoria.

― Ela mal chegou e vocês já estão assim! Imagina daqui uns meses? Só te digo uma coisa, isso não vai ficar assim!

Victoria sentia toda sua raiva aflorar após lembrar-se da foto no celular de Vanessa e tenta se levantar, mas fica presa a ele pelo pulso já roxo.

― ME SOLTA, SEU CRETINO!

― O QUE?

Os batimentos de Victoria estavam mais que acelerados.

― É isso mesmo que você ouviu. Eu sei que me trai, seu galinha! Não tem moral nenhuma para me tratar assim. Eu te vi hoje com aquela vagabunda. Agora saia daqui! Anda, estou mandando! ― expurga Victoria com o olhar parecendo estar prestes a matar alguém.

William tinha uma expressão indescritível no rosto e solta o pulso da mulher que passa a os esfregar com dor.

― Escute uma coisa: você nunca mais vai tocar em mim, entendeu? Eu não vou permitir. Saia daqui! AGORA! ― Apesar do desapontamento com William, Victoria se sentiu determinada a deixá-lo mal com aquilo. ― E se eu me relacionar com Martina é problema meu! SÓ MEU!

William, para não chegar a ponto de esbofeteá-la na cara virou-se e saiu da sala batendo a porta atrás de si.

Ainda mais, Victoria se sentiu estranhamente acalentada por Martina que mesmo de longe e em seu primeiro dia mostrou ser uma excelente contratação, o que fez Victoria se sentir extremamente envergonhada porque ela chegou ao ponto de quase a transferir. Agora precisava dela desesperadoramente.

Se o voo A232 não tivesse sumido do radar, provavelmente quem sumiria do radar seria Martina!

Ao refletir nisso um pensamento novo e totalmente louco surgiu no pensamento da CEO: Ela queria que Martina estivesse ali e queria William longe!

De alguma forma a mulher lhe passava um imenso senso de segurança! Ela era sua nova diretora de segurança e qualidade e sem dúvida a melhor que já teve. E como explicar que em tão pouco tempo já havia se ambientado? Victoria sabia que Martina era expert em segurança e investigação na aviação, mas ela havia conseguido encabeçar contingência em tempo recorde com uma equipe que mal conhecia. Isso foi indiscutivelmente incrível.

Ela se lembrou em como a “amiga” era em tempos de faculdade. Sempre a socorria em projetos fadados a completa destruição. Martina sempre a tirava das maiores enrascadas da história da humanidade onde era um completo “salve-se quem puder”! E lá estava ela agora, demonstrando ser uma imensa ajuda em tempo de aflição.

Victoria agora pensava nas vidas que estavam em jogo, que provavelmente haviam sido ceifadas. Horas atrás quando recebeu o comunicado da torre de controle ficou chocada, mas naquela hora seu instinto de CEO falou mais alto e ela apenas se preocupou com o lado comercial das coisas, o financeiro, a imprensa.

O que dizer das vidas?

Agora que a poeira estava relativamente baixa e os próximos passos estavam bem ensaiados, ela se perguntava sobre o acidente em si e os passageiros, se estavam vivos, se sofreram.

― Victoria?

Victoria estava tão absorta em seus pensamentos que não percebeu a entrada de Martina na sala e quase deu um pulo quando ela chamou seu nome.



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