A Ilha - Livro 1

26. A Ilha

“E agora os principais destaques de hoje no Jornal de Notícias… Victoria Weber a presidente da BRASLFY acorda de um coma de três semanas e tem encontro marcado com a rainha da Inglaterra. As buscas pelo voo A232 se cessam sem sucesso algum e especialistas alertam para a possibilidade de rapto de aeronave.”

Victoria já estava pronta quando Martina chegou. Uma roupa leve cobria seu corpo e os cabelos ligeiramente molhados pendiam para os lados. Sem maquiagem e sem filtros. Crua.

Martina não a via assim desde a faculdade. A ruiva apareceu na porta e estacionou ali, imóvel, com o ombro encostado na guarnição. Ver Victoria em coma por três semanas tinha abalado muito. A ver retornar a si foi a notícia mais feliz da sua vida, apenas atrás da notícia de que iria ser mãe.

Bateu de leve na porta para anunciar sua chegada. A morena estava de costas, tentando alcançar um jarro de flores que estava num armário alto. Olhou para trás e pareceu ver um anjo.

― Oi! Pode me ajudar aqui?

Ela estava inteira, mas isso não significava íntegra. Vestia uma bota ortopédica no pé direito, o que fazia seu andar menos elegante.

― Claro! Por que não se senta e eu termino de arrumar suas coisas?

― É muito gentil, mas eu estou entediada.

Martina a ajudou a se sentar no sofá do quarto, que poderia muito bem se passar por um quarto de hotel, exceto pelo aparato médico e a cama.

Ao ajudar a chefe, Martina não evitou apreciar o perfume oriundo dela, ligando seus sentidos completamente.

― Sei como é.

A própria Martina sentiu muito tédio após dias internada no hospital. Ao que soube contou, o resto dos envolvidos no acidente foram encaminhados a outro hospital e também deveriam estar tendo alta. Saber disso a deixava mais tranquila.

Deixou a morena no sofá, numa posição confortável, com o pé acima da altura do joelho e partiu a arrumar o resto das coisas, a maioria presentes.

― Tem notícias de Vanessa?

A CEO se perguntava como ela estava se saindo como substituta.

― Por que pergunta? … Desculpe, não quis soar rude.

Saiu mais rápido do que ela imaginava. Pela primeira vez sentia ciúmes e demonstrava escancaradamente na frente de Victoria, que no fundo adorou ver sua reação, a forma como seu rosto mudou do branco para o vermelho em segundos e seu olhar de suave para “em alerta”.

Martina era sim rude ás vezes e isso era um traço marcante de sua personalidade. Sua rudeza tinha requintes éticos, porém. De fato, era necessário ser grosseira para manter a postura e colocar limites que muitos pareciam não respeitar.

― Eu sei que é mais forte que você, Martina.

Ela não entendeu muito bem do que a chefe falava, pois continuava a arrumar as coisas e seguia absorta na tarefa.

― O que?

― O seu ciúme.

A ruiva de repente paralisou e abriu um sorriso meio de lado, incompleto, sem jeito.

Victoria havia repensado sua vida inteira naquele quarto de hotel. Os últimos dias, a contar do dia da virada, trouxeram euforia de um vulcão páreo a páreo com o desespero de uma tempestade. Beijou uma mulher. Uma mulher a qual flertava constantemente para esquecer outra que a havia rejeitado. Parecia ridículo quando caiu em si. Mas sabia que precisava daquele momento. Precisava saber qual o seu potencial e até onde iria. Usou-a como cobaia. Vanessa foi uma cobaia a seus olhos.

Repensou suas escolhas, impossíveis de voltar atrás, mas passíveis de corrigi-las dali para frente.

― Não se preocupe comigo.

Martina não pensava em compartilhar de seus pensamentos íntimos com aquela ao qual já a rejeitara vigorosamente e que acabava de se lembrar, possivelmente tinha um caso com a assistente.

― Por que não devo me preocupar?

― Pronto! Tudo pronto. O que falta para partirmos?

Martina só queria uma coisa: terminar aquela conversa.

Victoria entendeu que se quisesse adentrar no terreno “Martina” teria de usar outra abordagem, atropelar a cerca com tudo, pois a mulher estava tentando se proteger de todas as forças.

― Você pode se sentar aqui comigo para esperar o médico?

Martina não tinha escolha, ou sentava ou permanecia ali em pé, a olhá-la sem reação e sem sentido. Pensou que de tudo não seria tão ruim ceder um pouco.

Sentou-se e olhou Victoria na mesma altura. Ela tinha a expressão relaxada e calma, bem diferente da Victoria presidente, corporativa e séria, movida a cafezinhos e reuniões.

Os pensamentos de Martina logo divagaram como que amordaçados pela presença bastante próxima da morena. Os olhos dela poderíam ir de um verde musgo ao acinzentado em segundos. Os lábios eram perfeitos, rosados e delicados, atraentes e lubrificados. Martina esqueceu quem era e o que fazia ali.

Victoria percebeu a confusão mental da ruiva e não iria desistir tão fácil de uma aproximação, mesmo que fosse indireta.

― Ai! Ai! Martina.

― O que? O que foi?

Victoria se contorcia um pouco no sofá colocando a mão sobre o ombro direito como se tivesse dado um mau jeito. Martina assustou-se um pouco, mas não era tão tonta de não perceber que Victoria era má atriz.

― Não se mexa, pode piorar. Pode ser um espasmo muscular.

― O que eu faço? Está doendo cada vez mais!

Martina agora tinha dúvidas se ela estava realmente mentindo. Ela mesma já teve fortes espasmos nas costas que só passaram após massagem local. Estaria ela encenando?

― Fique parada que irei massagear seu ombro e logo vai passar.

Genuinamente comovida com as caras e bocas que Victoria fazia para convencê-la de que realmente estava com dor, ficou de lado no sofá, esticou a mão esquerda até o ombro direito de Victoria, a outra mão na altura do outro ombro, encostado no sofá, e começou com um carinho que aos poucos foi virando uma massagem.

Victoria fechou os olhos para se concentrar no toque, pois sabia que se os abrisse estaria a centímetros de Martina e seria difícil manter o teatro que encenava. O toque era muito bom, carinhoso e firme. A morena sentia cada vez mais seu corpo responder e aquilo era definitivamente diferente do que sentiu com Vanessa. Tinha algo a mais. Mas o que era?

O toque de Martina era algo surpreendente que parecia transportar fogo para dentro de si, ativando seus desejos mais insanos.

― Mais para trás um pouco, Tina.

Victoria gemeu baixo.

Martina estava tão concentrada que não percebeu o uso do seu apelido.

Sentido a respiração da ruiva alcançá-la cada vez mais ao lado da face, e cansada de apenas desfrutar do toque, abriu os olhos para aproveitar também do que a visão poderia lhe proporcionar.

O belo teatro que criara deu muito certo. A mulher estava praticamente sobre ela e com ambos os braços a sua volta. E como era linda naquela posição!

Ao perceber que Victoria abriu os olhos, pareceu se encantar com os acinzentados novamente, mas também se concentrava no toque que diminuira a intensidade vendo Victoria relaxar um pouco, sinal de que tinha funcionado.

Victoria parecia enfeitiçada e para ela seria fácil pular daquele precipício e beijá-la ali mesmo.

E assim decidiu.

Sua mão agora tocava de leve a cintura da ruiva, quase que no automático. Sua outra mão queria muito agarrá-la, mas o que faltava?

― Melhorou?

Victoria estava com a cara mais boba alegre que existia e decidiu abraça-la para testar onde daria aquela aproximação. Achou por bem escorregar uma mão pela cintura e a outra por trás, posição já determinada pelo modo como a ruiva deu a massagem.

Só restou a Martina encaixar-se no abraço de Victoria que agarrou sua cintura de forma carente e dominadora, quase dando uma volta.

Sua mão esquerda ficou na altura do rosto da morena e a outra passou por trás da cabeça num abraço íntimo e cheio de significado.

A distância é o que apodrece os sentimentos. A aproximação faz florescer, nascer e germinar o que antes nunca poderia emergir no nada, do longe.

Sentir o corpo uma da outra foi o verdadeiro começo do encontro das almas. No abraço… coisas sendo ditas sem som, sem voz. Martina tentou afastar-se após alguns segundos, desejosa de ver a expressão nos olhos da chefe e Victoria segurando-a para que não a largasse. Querendo mais e mais a segurou ali. Pareceu querer sorvê-la só com o abraço.

Numa briga para terminar o abraço contra continuar nele, Victoria perde para Martina e se afasta a segurando delicadamente, sorrindo, olhando fundo nos seus olhos verdes. Ela não poderia mais fugir.

Aliás, estava fugindo do que?

As duas já estavam quais pilhas prestes a explodir em uma aura sexual que dominava o quarto quando Victoria resolveu soltar Martina, que se viu livre e afastou-se para o seu lado do sofá.

Não conseguiu contar dois segundos quando viu Victoria puxá-la de volta pela blusa e após pelo pescoço surpreendendo-a num movimento que resultou no encontro dos lábios das duas.

O beijo pegou Martina de surpresa e a arrebatou completamente. Esse era o beijo que sempre sonhou ganhar. O beijo que há uns tempos atrás seria capaz de morrer para conseguir.

Victoria que permitiu-se invadir abrindo os lábios e recebendo com luxúria a língua dominadora da ruiva, que a princípio rejeitava mas agora dominava. Sentia cada vez mais a disparidade entre esse beijo e o de Vanessa.

Victoria mordia e sugava, sentido o corpo de Martina contra o seu no sofá. Era uma loucura que ela havia iniciado contra a vontade da ruiva e se perguntava o que se passava na cabeça dela naquele momento.

― Vic!

Alguém bate na porta, afastando as duas e a pessoa que bateu entra. Era o médico com uma prancheta.

Martina resolve se levantar sem saber se consegue. Seu coração acelerado e uma leve tontura evidenciavam o que acabara de acontecer. Ela nunca mais seria a mesma. Foi de encontro às bolsas de Victoria e fingia arrumá-las. A morena a olhava tranquilamente, parecendo ter retirado enorme peso dos ombros. Achava adorável a forma como Martina reagiu. Ela não fazia ideia da tempestade que havia causado nas estruturas da ruiva!



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