A Ilha - Livro 1

20. A Ilha

runway: pista de pouso

crosswind: vento cruzado

*

Quarenta minutos se passaram e o piloto comunica a todos que a tão esperada hora havia chegado. Avisa que iriam pousar apenas com as rodas traseiras e que quando pousassem tentariam manter o nariz do avião no ar o máximo de tempo possível. As loiras, dessa vez, vieram ver se as passageiras compreendiam bem a posição de impacto. Pelo visto sim. Encontrou-as de pés unidos, abaixadas e com as mãos protegendo as cabeças.

Martina deixou escapar uma risada, o que deixou Victoria curiosa.

― Você é maluca? Nós podemos morrer aqui, sabia?

Martina se lembrou da sua tese de doutorado: um estudo minucioso sobre as diversas posições de impacto e as vantagens e desvantagens de cada uma, um verdadeiro kama-sutra da aviação.

Olhou para a CEO e viu medo em seu olhar, medo que só havia visto uma vez antes, quando recebeu a notícia que seu pai havia falecido.

― Vai ficar tudo bem, Vic, digo, Victoria… Se o piloto errar e as asas tombarem na pista, ainda há tempo de sair e você sabe disso, não sabe?

Victória fez que sim com a cabeça, lágrimas escorrendo dos olhos. Embora fosse uma mulher madura e experiente, o medo do desconhecido e o medo de morrer a assolavam.

― Vamos combinar o seguinte: eu não vou sair desse avião antes de você, ok? Eu te juro por tudo que é mais sagrado que eu vou te proteger.

Martina segurava a mão de Victoria tentando passar confiança. Pela janela já podiam ver a terra se aproximando.

Martina contou então em sua mente o que seriam os metros fora da pista a medida que os segundos passavam:

400…

300…

200…

A 100 metros o piloto advertiu:

― ImpactoImpacto!

Victoria apertava a mão de Martina firmemente como se aquilo fosse salvá-la.

A ruiva manteve a cabeça erguida, olhando para a direta e a esquerda avaliando o equilíbrio da aeronave. As loiras estavam mais pálidas do que folha de papel e não ousaram pedir que Martina se abaixasse.

O avião tocou o chão suavemente, provavelmente resultado do atrito dos pneus traseiros com a espuma na runway.

Um crosswind violento vindo da direita acometeu o avião repentinamente entortando a aeronave e Martina pensou:

Empina o nariz, vai. Vaaaaaai!

E assim o piloto fez e, passado o crosswind, foi abaixando o nariz até que tocou a pista, causando a princípio um barulho tolerável. Porém, logo o desgaste da fuligem encheu a cabine com cheiro de queimado.

O avião foi desacelerando aos poucos. Agora o piloto deveria manter as asas alinhadas e parecia estar fazendo isso bem.

O cheiro de queimado não passou e o alarme começou a soar. Pela cabine começa a subir uma fumaça pela qual Martina começou a ficar realmente preocupada e aflita. Algo tinha de dar errado, afinal.

Ao ver que as marcações na pista da runway haviam terminado, Victoria exclamou em alto tom:

― Martina, a pista já terminou! Por que o avião ainda não parou?

― Calma, ele já vai parar. Deve estar a uns 50 por hora. Coloque a máscara, pois esse ar não está mais respirável.

Martina retirou os cintos para alcançar a máscara que estava embolada com a outra e viu que Victoria estava trêmula quando se apoiou nela para que não caísse.

Nesse meio tempo o avião tombou imprevisivelmente para o lado esquerdo, ainda em movimento, fazendo com que Martina batesse a testa numa quina do bagageiro e sacolejando violentamente todos a bordo do avião.

― Martina! MEU DEUS!

Martina caiu por cima de Victoria, lutando para não desmaiar. Victoria conseguiu apoiá-la junto de si e sentiu-se perder a esperança. O avião tinha parado, finalmente. A fumaça subia dentro e fora do avião.

Martina desacordada em seus braços e sangue escorrendo de sua testa. O alarme soava estridentemente e um incêndio com certeza estava em curso.

O que faria ela sem Martina?

Uma das loiras veio rastejando e toda suja de sangue em ajuda e alcançou uma das máscaras de oxigênio, que Victoria resolveu colocar em uma ainda desacordada Martina.

A outra loira tentava abrir a porta de emergência. Um dos pilotos saiu do cockpit, banhado em sangue, e começou a ajudar.

Meu Deus, me ajuda. O que eu faço? O que eu faço? A fumaça subia mais e estava difícil respirar. Seus olhos ardiam.

Martina se mexeu nos braços de Victoria e abriu os olhos observando a cena em total confusão. Retirou a máscara e olhou para Victoria, já tonta. Usar as máscaras era tolice naquela hora, pois a corrida agora era contra o tempo. Levantou-se e carregou Victoria até a saída que estavam tentando abrir. A porta parecia estar emperrada. Barulhos do lado de fora eram ouvidos.

A ajuda já havia chegado, mas e aquela porta?

A cabine estava uma bagunça de entulhos e objetos misturados. Martina e uma das loiras ajudaram a chefe a se apoiar numa das paredes da aeronave e sentiram quando ela desfaleceu.

― Vic? VIC?

Martina desesperou-se, deixando a chefe com a loira e indo em direção à porta de emergência, já tossindo bastante.

― Não é possível que essa porta não abra! FAÇA ELA ABRIR!

Olhou para o piloto e descarregou toda sua raiva.

― VOCÊ É O COMANDANTE DESSE AVIÃO! FAÇA ALGUMA COISA!

Como se Deus (ou os deuses) a tivessem escutado, a porta deu um estalo, depois outro maior. Martina fez um gesto para que se afastassem da porta. Um grande orifício se abriu. Era a equipe de resgate.

A ruiva correu para Victoria e a agarrou passando um dos seus braços sobre seus ombros e com a ajuda da loira conseguiu que ela saísse primeiro da aeronave. Quando Martina saiu ficou impressionada com a quantidade de ambulâncias que estavam ali. Viu as equipes se concentrarem em Victoria e deitou-se numa maca. Uma equipe passou a cuidá-la e tirá-la dali. Viu o avião de longe, mais destroçado do imaginara.

Se eu tivesse pilotado o avião, isso talvez não teria acontecido, pensou.



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