A Ilha - Livro 1

18. A Ilha

Quando Thomas chegou à cobertura deparou-se com a banda já tocando algo, mas nenhum sinal do trio Victoria, Vanessa e Lucy. Serviu-se de um pouco de soda do bar e sentou-se de frente para a vista da orla, já cheia para a queima de fogos que se acercava. Este seria seu primeiro ano novo com Lucy.

― Amor?

Quando Thomas se virou não conteve a emoção de ver a namorada em um traje fino. Não que não gostasse de seu estilo um tanto rebelde, com suas batas, roupas indianas, tops e barriga de fora, mas vê-la ali em um vestido clássico chamou muito a sua atenção.

― Que linda!

O menino a beijou amorosamente a agarrando pela cintura, as mãos quase dando duas voltas.

― Você também está lindo. Não sabia que gostava de gravatas.

Lucy, que era bem menor que o namorado, olhava para ele e dava beijinhos em seu queixo.

― Minha mãe me ajudou a colocar, porque eu, sinceramente, não sei dar nó.

― Tadinho do meu amor. E cadê ela?

― Ela não vem. Irá passar a virada com Mark e irá encontrar sua mãe no aeroporto.

― Vou avisar a ela.

Lucy já ia saindo quando ele a puxou pelo braço suavemente, a impedindo de ir.

― Ei, calma, mocinha. Vai com calma. Senão vai deixar sua mãe preocupada. Explique que a minha mãe fez isso porque está tirando algumas dúvidas com o Mark para a viagem, senão ela estaria aqui com certeza! Ela queria muito vir, ouviu?

Thomas segurou o rosto da pequena delicadamente, sabendo da impulsividade de sua namorada. A última coisa que queria era que Victoria recebesse mal a notícia de que a mãe dele não iria passar a virada ali em sua cobertura.

Lucy era impulsiva e tinha que fazer as coisas na hora que elas surgiam para ser feitas e assim foi avisar a mãe de que Martina a encontraria no aeroporto. Vanessa estava entrando pela porta do elevador com Maximiano e Osmund, seu irmão, quando Lucy passou como um foguete, acenou e foi descendo as escadas.

Vanessa não entendeu a correria e deixou os meninos irem para a cobertura. Seguiu Lucy para averiguar do que se tratava, afinal poderia ajudar se fosse algo em que precisasse.

― Mãe? Tudo bem?

Victoria estava sentada na sala de estar, pois tinha acabado de falar com Beltrão. Quando a CEO chegasse ele iria a buscar pessoalmente. No momento o pessoal estava em um hotel confraternizando para a virada do ano, que já havia acontecido, pois eles estavam quatro horas à frente.

― Tudo bem, estava falando com Beltrão. Os convidados chegaram?

A CEO levantou-se e foi de encontro à filha, querendo ouvir notícias da chegada de Martina.

― Todos, menos os Oshikaido e Martina, que irá passar a virada com Mark, mas irá te encontrar no aeroporto. Ela está tirando umas dúvidas com ele para a viagem. Ela queria vir, mas terá de passar com ele.

Enquanto a filha falava, Victoria se dirigia para o bar e ia se servindo de whisky, no automático, deixando Lucy um tanto perplexa. Vanessa chegou na hora e acenou para a menina deixá-las a sós. Victória viu a filha sair e olhou Vanessa de longe, encostando numa das bancadas da sala.

― Você queria que ela estivesse aqui, não é?

― Como sabe?

― Por que eu não eu não aguento te ver sofrer!

Victoria que antes olhava para o espelho do bar olhava agora nos olhos de Vanessa. Até que desviou o olhar e foi chegando em sua direção até recostar-se a seu lado, na bancada. Vanessa tinha a mesma altura que a CEO.

Victoria ignorou completamente o que ela dizia e tomou um longo gole do whisky que bateu completamente redondo em sua garganta, queimando, aflorando toda sua raiva contida. Com os braços cruzados fechou os olhos para aguentar a queimação da bebida.

Não era possível que Martina iria passar a virada com aquele cafajeste, pilantra, devorador de calcinhas. Como eu fui idiota em juntar os dois!

― Vic, eu juro que quase consigo ouvir os teus pensamentos.

Vanessa estava começando a ficar preocupada com Victória que apertava o copo de whisky com tanta raiva que poderia quebrá-lo. Resolveu tirá-lo da mão dela. Estaria ela realmente tão apaixonada e enciumada da ruiva a ponto de se machucar? Vanessa depositou o copo sobre a mesa de centro da sala e retornou.

― Vamos para cima Vic, você tem que se distrair, vamos.

Vanessa acompanhou Victoria à cobertura embora soubesse que a chefe não estava com o mínimo de vontade de fazer sala para os convidados, pois a convidada que ela realmente queria que fosse não estava ali. O que ela não entendia era porque tamanho drama, se a ruiva iria embarcar com ela para a Europa em apenas algumas horas a contar. Talvez fosse porque Mark já estava praticamente com território marcado e ganho. Pontos para ela, então.

Vanessa percebeu algo realmente inédito naquela cobertura quando voltou, Osmund estava sorrindo. E com os dentes! Em anos ela nunca havia visto o irmão sorrir. Ele estava numa conversa um tanto animada com Maximiano, que era o mais doce de todas as almas. Sentiu uma gratidão imensa por Maximiano naquele momento e torceu internamente para que os dois virassem amigos.

Maximiano, ao perceber o aspecto cabisbaixo da amiga, deixou Osmund com Vanessa e se juntou a Victoria, cruzando o braço direito ao braço esquerdo dela de forma carinhosa, andando os dois em direção à mesa dos canapés universitários.

― Ou esses canapés estão muito ruins ou você está triste que alguém não veio.

― Continue lendo minha mente, Max.

― Disponha!

Os dois soltaram os braços e se viraram para observar dali a cobertura inteira. Todos estavam conversando animadamente e uma certa harmonia era percebida, ao som daquele violão com a percussão, a iluminação em meia luz, deixando tudo muito íntimo e jovial.

― Não tenho me reconhecido ultimamente, Max. Eu sempre fui tão equilibrada e foi só a Martina chegar, para me abalar as estruturas.

― Você tem de se aceitar, aceitar os seus sentimentos. Se arriscar mais, ver no que dá. Talvez não seja nada do que está pensando.

O diretor olhava Osmund de longe, o admirando.

― Se você se aventurar eu me aventuro. ― respondeu Victoria, se referindo a ele e Osmund.

― O que você quer dizer?

Victoria olhou para ele e apontou com a cabeça para Osmund que agora fazia malabarismo com alguns copos do bar, algo que havia aprendido na escola de circo, arrancando gargalhadas de Vanessa, Lucy e Thomas. As amiga de Lucy estavam babando por ele.

― Se for para sair do armário, vamos sair juntos, Max.

Maximiano ficou desconcertado com a observação da chefe, mas concordou.

― O que podemos fazer é dar uma chance às possibilidades, só isso.

Victoria brindou com Maximiano e o beijou carinhosamente na bochecha. A amizade deles era algo que ela prezava muito.

Assim, bateu 23:30, a banda tocava algum sucesso desconhecido de alguma banda desconhecida e Victoria interrompeu para fazer um mini discurso.

Agradeceu a presença de todos e revelou que aquela estava sendo uma das melhores viradas da sua vida. Disse que nos últimos anos sempre sonhara com algo simples e caloroso, entre amigos e família, que era o que realmente importava. Falou sobre o avião perdido, da dor que sentia pelas vítimas, mas que a esperança era a última que deveria morrer. Falou do novo ano que se iniciaria, da viagem que faria nas primeiras horas do ano e do que a aguardava e que a desejassem sorte. Todos brindaram e se abraçaram.

Perto da meia noite William ligou para Lucy para desejá-la um feliz ano novo e arrancou algumas lágrimas do olhos da filha, que recebeu muitos beijinhos de Thomas, como consolo.

O ano virou, os fogos começaram a queimar e Victoria não parava de pensar em uma coisa apenas: Martina na companhia de Mark, romanticamente falando, entre drinques, risadas e olhares. Viu Vanessa seguir para dentro, cabisbaixa. Algo dentro de si gritou para que a seguisse e assim decidiu abandonar a queima de fogos e segui-la.

Vanessa desceu as escadas suavemente, deslizando as mãos pelo corrimão trabalhado em aço. Desceu de encontro à sala, no que parecia buscar o telefone sem fio. Parou no centro do recinto, olhando o janelão distante que ficava de frente para a orla, refletindo as cores e vibrações da queima de fogos. Percebeu que vinha alguém atrás e pelo perfume reconheceu que era Victoria. Decidiu não se virar e ver até onde a loucura da CEO iria.

Quando a CEO tocou sua cintura, prendeu a respiração e sentia a outra mão tocando seus cabelos. Só poderia estar cheirando-os, pela proximidade que se encontrava, praticamente encostada nela. Quando sentiu os lábios da CEO tocando seu pescoço, causou um arrepio que a estremeceu completamente. Foi quando resolveu se virar e ver com seus próprios olhos se era realidade o que estava acontecendo. Vanessa tinha de ser racional naquela hora.

Victoria evitou encarar os olhos de Vanessa, pois sabia que não conseguiria terminar o que estava decidida a fazer. Encostou a testa na dela, aproximando por fim os corpos de forma completa e enlaçando-a pela cintura. Vanessa não teve alternativa senão abraça-la com uma mão que alcançou a altura do decote traseiro e a outra mão subiu até o ombro.

Victoria pensou consigo na sensação boa que era enganar-se naquele corpo e descobrir-se ali. Respirou fundo e começou a aproximar os seus lábios dos de Vanessa, tentando assimilar toda aquela carga de raiva, renúncia e descoberta. Vanessa deixou-se levar, embora fosse contra seus princípios deixar-se usar, mas aquela era Victoria, a quem sempre fora apaixonada e assustadoramente fiel.

O beijo iniciou-se de forma tímida com selinhos demorados, mas depois encaixou perfeitamente quando Vanessa por fim cedeu os lábios abertos para Victoria, que se aventurou com sua língua já ávida por experimentar o sabor do beijo da assistente. Vanessa a puxou mais para si e gemeu, perdendo a razão e a consciência num beijo profundo, quente e gostoso, com gosto de libertinagem, descoberta e despedida. Ficaram assim por vários minutos até que a queima de fogos terminou.

― Eu acho que o telefone está tocando, Vic.

Vanessa se libertou do beijo, virou-se e atendeu o telefone. Victoria a puxou para si por trás não querendo que o momento acabasse nunca.

― É Martina.

Victoria pegou o telefone das mãos de Vanessa, que saiu do seu abraço e de sorrateiro da sala, deixando a CEO a sós. Victoria sentiu dor ao vê-la partir.

As coisas não tem que ser assim, pensou.

Atendeu Martina que já estava a caminho do aeroporto, conforme combinado e queria saber se gostaria que passasse para pegá-la. A CEO agradeceu, mas negou a carona porque um carro da empresa iria a conduzir conforme agendado.

Desligou o telefone e tentou digerir o que tinha acabado de fazer, ali naquela sala, com Vanessa. Sentiu-se estúpida por ter feito algo que havia prometido que não faria, mas também pensou na conversa que teve com Maximiano, sobre se aventurar.

Foi ao quarto, pegou a mala que havia preparado para a viagem e a arrastou até a porta. Subiu até a cobertura para se despedir de todos com certo aperto no coração. Vanessa estava com uma taça de champanhe na mão, ancorada na varanda, na extremidade da piscina, olhando a orla, enquanto os outros conversavam no lado oposto.

Ao ver a chefe ela veio em sua direção tentando manter a expressão profissional que sempre mantinha. Victória percebeu que havia chorado.

― Eu já vou indo. Deixei um envelope na sua mesa, lá no escritório. Quero que leve com você, abra e formalize amanhã, primeira tarefa do dia, ok?

Victoria viu os olhos de Vanessa encherem de lágrimas e a abraçou apertado vendo Lucy ir andando ao encontro delas, ainda dando tempo de sussurrar algo no ouvido da assistente.

― Me perdoa se te confundo, se te uso. Eu também me sinto mal com isso, meu coração fica apertado.

― Vic, eu te perdoo. Se cuida. Eu sempre estarei aqui para você.

Vanessa saiu do abraço da CEO e visivelmente abalada foi para dentro do apartamento, terminar de chorar o que não tinha chorado. Seguiu para o escritório, lugar onde passou os melhores momentos de sua vida na presença de Victoria. Cada lugar daquele escritório a lembrava da CEO. Havia um envelope em cima do teclado da mesa onde ela sempre sentava.

Enxugou as lágrimas com as mãos e sentou-se lentamente. Abriu o envelope e o que leu a fez chorar mais ainda. Não acreditando do que leu, tateou por seus óculos de leitura na gaveta e enxugou os olhos com um lenço apropriado. Seu coração batia forte no peito.

Era uma carta formal direcionada a toda diretoria da BRASFLY, nacional e internacional, divulgando oficialmente que enquanto Victoria Weber estivesse em viagem quem ficaria em seu lugar como CEO substituta seria Vanessa Valle. 



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