A Ilha - Livro 1

13. A Ilha

Victoria recobrava os sentidos pouco a pouco. Sua visão turva se tornava mais nítida e seu corpo estranhamente anestesiado retornava, como se estivesse descongelando lentamente.

A voz e a face em câmera lenta misturavam-se de forma enigmática.

― Vic, já está tudo bem. 

Ressoava amorosamente uma voz bastante atraente aos seus ouvidos. 

― Fique calma que já passou.

Em instantes recobrou mais a consciência e percebeu que tal figura ruiva que a sustentava em seus braços de forma acalentadora era Martina. Ambas recostavam no sofá scarlett, como se o mundo estivesse parado.

― O que aconteceu? O QUE VOCÊ FEZ COM ELA?

Vanessa chega num supetão, aflita e consternada ao ver Victoria grogue nos braços de Martina, sem entender de fato o que ocorreu. 

― Ela desmaiou, se você quer saber.

Com a chegada de Vanessa, a CEO ficou ainda mais perdida sobre o que havia acontecido com ela. Não sabia que tinha desmaiado até Martina dizer.

Martina continuou dirigindo suas palavras a Vanessa e tinha um olhar de desaprovação.

― Victoria deveria estar passando mal antes de vir ao toalete. Por que veio sozinha? Você deveria ter prestado atenção e a acompanhado, não?

A lógica de Martina era algo surpreendente. Vanessa começava a se sentir culpada por algo que provavelmente passou despercebido a seus olhos. Chegou à conclusão que fora um mal súbito e que estava fora do seu alcance.

― Como ousa?

― Como ousa VOCÊ me acusar de alguma coisa? Não passa de uma secretária.

Martina não gritou, mas suas palavras saíram cortantes de sua boca. Se havia algo que a ruiva odiava era levar desaforo para casa por algo que não tinha feito. Ela não iria deixar a assistente confronta-la daquela maneira.

Victoria recobrara os sentidos quase completamente se desvencilhando da ruiva e sentando-se com as mãos na face.

Estar naqueles braços parecia o paraíso, mas a chegada de Vanessa a relembrou do quão inapropriado aqueles pensamentos eram, pois momentos atrás estava tentando se livrar deles.

― Parem com isso, meninas. E não fale assim com a Vanessa, Tina. Eu passei mal aqui. Estava bem antes.

― Tina? 

Vanessa estava tão surpresa quanto Martina.

― Martina! Ah, que seja! Me ajude a levantar Vanessa, vem, não fica parada aí.

Martina simplesmente olhava a assistente ajudar Victoria. Sentiu que não tinha função na cena. Pelo que entendeu desde que chegou, as duas tinham alguma espécie de relacionamento ou no mínimo uma amizade bem colorida.

Decidiu intervir, porém.

― Acho que precisa ver um médico, Victoria. Quer que te leve?

― Obrigada, Martina. Irei ver se consigo comer um pouco e vou tentar tirar o resto do dia para repouso. Volte a Mark, ele deve estar preocupado com a sua falta.

― Vou usar o toalete e retorno.

― Nós o avisamos. Obrigada por cuidar de mim.

O coração de Martina aqueceu com aquele encontro bizarro no toalete.

Ter Victoria em seus braços tão vulnerável levaram seus pensamentos à loucura. Quando se “separaram” Martina sofreu muito, pela amizade, companhia perdida e principalmente o amor perdido. Teve de apagar muita coisa, muitos momentos, muitas lembranças de sua memória para que conseguisse seguir em frente.

Ter Victoria ali, refém dos seus cuidados foi o bastante para acender aquela chama que fora apagada. Victoria não era mais uma mulher jovem e inconsequente como antigamente. Ela havia se tornado uma mulher bastante atraente aos olhos de quem apreciasse.

Martina já tinha aberto a boca para responder algo agradável a Victoria, como nos velhos tempos. Num instante, percebeu um pedágio bastante caro no caminho: olhou a expressão de Vanessa, extremamente séria, provavelmente chingando-a mentalmente.

― Por nada. Se cuida.

As duas saíram e Martina atestou suas suspeitas de que as duas tinham algum tipo de relacionamento, dado o tamanho ciúme que a assistente sentiu. 

Mas como?

Se convenceu que não era de sua alçada e rumou a cabine, para após retornar a Mark.

Victoria não conseguiu sentar para almoçar e foi direto para o carro da assistente solicitando que ela cancelasse o pedido, se possível. Se não, que entregassem em seu apartamento. Quando Vanessa retornou, pediu que a levasse para casa.

No caminho, pediu que a assistente marcasse uma consulta de rotina, embora tivesse ideia do que tinha causado aquele desmaio. Estava certa de que sua pressão baixou de tamanha emoção dos sentimentos que tinha por Martina.

Ligou para Maximiano, que não atendeu e a CEO acabou tendo de deixar uma mensagem na caixa postal.

― Max, boa tarde, querido. Não estou passando muito bem e irei para casa repousar. Deixei com sua secretária alguns papéis assinados, se tiver algo errado me ligue que conversamos. Sei que os dias tem sido uma loucura, mas não esqueça que amanhã a virada do ano é lá em casa, hein. Leve quem quiser. Convidei Vanessa, os Oshikaido e Martina. Beijos, se cuida.

Vanessa acelerou o carro ligeiramente quando Victoria disse que havia convidado Martina, mas sabia que tinha de se controlar. Ela era uma mulher bastante equilibrada, mas aquela ruiva a tirava do sério completamente, primeiro por ser uma ameaça ao “futuro” dela com Victoria, segundo, por ela causar algumas reações em Victoria que nunca tinha visto e terceiro, por ser arrogante.

― O que foi? Por que essa cara, Vanessa?

― Está tudo bem.

― Não, não está. Te conheço. Ficou com ciúme que eu chamei a Martina de Tina? Se quiser te chamo de Van!

A piada de Victoria não colou e Vanessa a ignorou completamente.

― Está tudo bem comigo, Vanessa, foi apenas um mal súbito, eu juro.

― Não precisa jurar. Eu só não gostei da forma como Martina me chamou de “secretária”. Foi bastante arrogante. Quem ela acha que é. Ah! Já sei. Uma das diretoras da BRASFLY!

― Também achei super arrogante. Mas não ligue para ela. A Martina sempre teve esse jeito explosivo, ainda mais quando está com razão, ela tem de responder na hora e doa o que doer. Avaliando bem, acho que você também foi meio rude com ela.

― Eu sei que fui… Mas tomei um susto quando entrei lá! Você estava bem e de repente… Espera… Como você sabe que ela sempre foi assim? De onde a conhece tanto?

― Algum dia te conto.

Vanessa ficou com a pulga mais atrás da orelha ainda. Parou o carro na entrada do prédio de Victoria e desceu para a ajudar a sair, embora soubesse que ela estava bem para fazê-lo sozinha. Abriu a porta e a ajudou.

― Retornarei ao escritório e reagendarei os compromissos do resto do dia da sua agenda. Tem uma reunião com a filial do Reino Unido sobre as buscas do voo. Se você quiser participar por videoconferência é só me avisar que providencio.

― Posse te pedir uma coisa?

Vanessa já ia se dirigindo para o carro e parou no meio do caminho.

― Qualquer coisa.

― Faça tudo isso e volte pra cá. Não quero ficar sozinha no meu último dia do ano.

Qualquer coisa era mesmo QUALQUER COISA. Mandar e desmandar na agenda dela, cuidar dela, servi-la… 

Vanessa perdeu-se um pouco em seus pensamentos, olhando para o chão. Talvez ela só fosse mesmo uma simples e medíocre assistente a disposição de Victoria.

― Lucy não está?

Vanessa volta para a calçada para escutá-la melhor.

― Ninguém está! Lucy tem faculdade até tarde da noite e durante a semana tem dormido na casa do namorado. William viajou e dei folga para dona Laurinha, coitada. Foi para o Sul passar o final do ano com a família.

― Você dispensou dona Laurinha no fim do ano? 

Vanessa estava realmente surpresa com o feito.

― Sim, por quê?

― Nada. Só achei interessante.

Vanessa gostou do que escutou. Dona Laurinha a lembrava muito de sua tia, que até uns tempos atrás trabalhava em casa de família. Vanessa a presenteou no último ano com uma loja na comunidade onde poderia fazer um comércio e se manter. Victoria desconhecia de tal feito.

― O que foi? Não posso fazer uma caridade de vez em quando?

― Sim, com certeza.

― Para ser bem sincera fiz isso de propósito. Quando o William disse que iria passar o fim de ano com aquelazinha, dispensei dona Laurinha. A presenteei com as passagens para o Sul. Ela é um amorsinho, você sabe como. Eu sempre quis presenteá-la com algo que fosse útil para ela, mas nunca o fiz por causa de William. Acabei por dispensar também o pessoal do buffet que sempre contratamos final de ano. Se você percebeu chamei o terço da quantidade de pessoas que chamo para a virada.

― Uau. Que mudança. Dona Laurinha merece. Mas quem preparará a ceia e limpará tudo após a virada?

Victoria não havia pensado nisso.

― Poderia ser eu e você. Somos um bom time.

― Certo.

Vanessa no fundo havia gostado da ideia. 

― Bom já vou indo.

― Você volta?

― Sim.

Como dizer não para aquela mulher? Vanessa entrou no carro e Victoria se inclinou na janela pedindo que ela abrisse o vidro.

― Obrigada, Van.



Notas:



O que achou deste história?

Uma resposta para 13. A Ilha

Deixe uma resposta

© 2015- 2019 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.