A Ilha - Livro 1

12. A Ilha

Sentada estrategicamente num lugar onde a visão do restaurante era ampla, Vanessa olhava o advogado e a ruiva por cima dos ombros retesados da CEO, que ainda não havia percebido a chegada deles. Vanessa era discreta e ia dançando conforme a música. Nada a abalava, mas sabia que Victoria teria alguma reação quando visse os dois juntos.

― O que você está a fim de comer hoje, Vic? Ouvi falar que aqui fazem um fricassé divino.

― Você já veio aqui?

― Sim.

― Huuuum, com quem? Posso saber?

Victoria sentia que era necessário flertar o máximo possível com sua assistente, o máximo que conseguisse fazer fora do ambiente de trabalho. Tinha de saber em que pé estava a vida de Vanessa em se tratando de relacionamentos. Tinha de esquecer Martina, a qualquer custo, nem que usasse a morena para tal.

― Com Osmund… Você conheceu ele no jantar do meu último aniversário, lembra?

― Como ele está?

― Acho que bem, até onde sei. Ele se mudou para perto do Instituto Circense, mas parece que está a cortar gastos e voltará a morar comigo… Bom termos entrado nesse assunto. Fiquei de ligar pra ele hoje e já ia me esquecendo.

Victoria constatou que Vanessa era a irmã mais velha que todo irmão gostaria de ter. Como os dois perderam os pais muito cedo, ela havia se tornado a figura materna dele. Era o elo que ele tinha com o passado, o que sobrou da lembrança que ele não tinha, a própria personificação dos pais. Por ocasião da mudança do menino para perto de onde estudaria, a irmã deixou claro que o apartamento dela sempre estaria aberto para ele, não importava quais circunstâncias acometessem a vida de ambos.

O pensamento foi interrompido por altas risadas provenientes de trás. A CEO não sabia o que de tão engraçado aquelas pessoas estavam rindo e chamando tanta atenção. Quando tentou virar para olhar, a assistente interrompeu seu movimento.

― Vou pedir um fricassé. E você?

― Pode ser o mesmo, Vanessa.

As gargalhadas continuavam. Mark estava a fazer o que sabia de melhor, descontrair a nova amizade que cultivara e Martina surpreendia-se com o humor ácido dele.

Victoria olhou para trás, depositando uma feição séria em Mark, que ao perceber a chefe se pôs de pé vindo ao encontro dela.

― O que tem de tão engraçado em uma conversa sobre assuntos jurídicos? ― perguntou a CEO para Vanessa antes de Mark chegar à mesa.

Isso a deixou extremamente irritada. Sentiu que era ela quem deveria estar fazendo Martina rir, como nos velhos tempos. E que risada gostosa era aquela! A risada da ruiva despertou em Victoria lembranças adormecidas, que ela lutava para esquecer.

Ah, se tudo tivesse sido diferente… 

Como Martina agira tarde em se declarar! Se ao menos tivesse se adiantado um mês a sua declaração de amor, quem sabe o sofrimento fosse menor. Victoria não teria se envolvido com William, talvez. Ou teria? Ela não teria engravidado.

Estava quase certa de que corresponderia aos sentimentos da amiga. O que ocorreu ali fora trágico, ela estava simplesmente fora de si com a gravidez e no outro dia com o falecimento do pai. Então a raiva a acometeu.

Perda. 

A impotência de tomar as rédeas de seu próprio destino. Se pudesse voltar no passado sabia que seria a mesma mulher, porém teria o amor da ruiva e sua companhia que agora desesperadamente ansiava, incompreensivelmente.

Seus pensamentos estavam ali a dar nós complexos na sua mente, pois também não imaginava sua vida sem sua filha. Aceitar a alternativa de não ter se envolvido com William apagava completamente a existência de Lucy.

― Senhoritas! Gostariam de se juntar a nós?

― Obrigada, Mark. Eu e Vanessa estamos passando a agenda da semana, então…

― Ok. Aproveite e agende uma reunião comigo e Martina, pois precisamos do seu aval para algumas coisas que estamos planejando fazer.

Vanessa os olhava atentamente, degustando suas expressões faciais e daria de tudo, qualquer valor em troca e se tornar ouvinte das sinapses do cérebro de Victoria que o devorava com os olhos.

― Pode deixar, Mark. Iremos marcar.

― Bom apetite! 

Ele se retirou normalmente, de forma bastante educada até.

Logo que o advogado juntou-se a Martina, Vanessa percebe a ruiva movimentando-se para ir ao toalete e torce internamente para Victoia não perceber.

Os toaletes ficavam perto da entrada do restaurante e Victoria não perceberia a movimentação da ruiva, ao menos que olhasse para trás.

― Vou ao toalete, Vanessa.

Enorme ironia do destino. 

As duas partem sincronizadamente para o toalete e praticamente não conseguem esconder a cara de eto ao baterem de frente uma com a outra na entrada.

Vanessa percebe as duas chocarem e entrarem em silêncio. O toalete era amplo, todo em mármore branco e um castiçal oponente e luxuoso pendia desde o teto, que era trabalhado em uma espécie do que parecia ser Romero Brito. No centro do recinto havia um sofá scarlett redondo de couro.

Como quem não se engana do próprio endereço, Victoria poderia apostar que Martina iria primeiro lavar as mãos antes de entrar numa das cabines. Um antigo costume da ruiva.

― Certos hábitos não mudam mesmo com o tempo, não é? ― Victoria verbalizou ao vê-la se dirigir a pia.

Os olhos verdes de Martina e sua expressão de pura ternura pela observação da “amiga” recobraram nela um sentimento antigo: a atenção que um dia dela teve!

― Você se lembra?

As duas estavam ali, uma ao lado da outra de frente para o espelho, olhando os respectivos reflexos. Victoria com a mãos espalmadas na pia, totalmente desmantelava pela ruiva, que não fazia ideia da influência que tinha na chefe. 

Martina havia se tornado uma mulher e tanto. Para Victoria era espetacular a olhar, mesmo que pelo reflexo do espelho. O quão longe o verde dos seus olhos poderiam a levar a fazia viajar no infinito.

Por que sentia aquilo? Por que era extremamente difícil lutar por aquele sentimento?

Sentia-se tonta. As pernas bambas não respondiam mais.

Ali ela foi caindo nos braços da ruiva, desmaiada.



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