A Ilha - Livro 1

11. A Ilha

O carro de Vanessa embora não fosse do ano e nem de luxo, mostrava-se extremamente limpo, confortável e espaçoso. Victoria conhecia que a assistente ganhava quase sete salários mínimos e tinha mais do que certeza que ela poderia ter um carro acima do porte daquele.

― Ainda com esse carro, Vanessa?

― Por que? Não gosta? Achei que gostasse.

― Gosto dele. Mas a salvação dele é a dona que ele tem e não ELE em si.

― Cruzes, Vic! Isso foi um elogio ou uma crítica?

― Os dois. 

As duas riram e se olharam enquanto Vanessa tentava dar ré no carro, ainda dentro da vaga.

― Então… Se não me engano é regra aqui os carros estarem estacionados de ré e não de frente.

Victoria queria mexer com Vanessa de qualquer jeito. Isso a aprazia de tal forma que a fazia esquecer de Martina.

― Por acaso aquele Jaguar preto é seu?

Vanessa apontou para o carro da CEO que estava paralelo ao dela na outra fileira de carros. O carro estava estacionado de frente e ainda por cima torto na vaga.

Victoria riu alto com a constatação do óbvio e em como a assistente era ousada em corrigi-la.

― Ei! Eu sou sua chefe, até onde eu sei! Você tem que fazer o que EU quiser.

― Uau! 

Vanessa arregalou os olhos, sentindo aquecer-se por dentro. Se Victoria lesse seu pensamento não se assustaria, pois sentiu que havia despertado algo em Vanessa. Viu as pupilas da assistente dilatarem. Tamanha excitação, esqueceu completamente a manobra que estava fazendo.

Vanessa também sentiu algo vindo da chefe, que praticamente degustava o seu sorriso e parecia ler se pensamento. Vanessa queria muito, enormemente, desde tempos atrás, ser feita de gato e sapato por Victoria, fazendo tudo o que ela pedisse entre quatro paredes e fora. Sabia, todavia, que a chefe não se sentiria atraída a alguém fútil e superficial que não tivesse quase nada a agregar.

Desde que se apaixonou por Victoria, sabia que se realmente quisesse ser merecedora de ganhar a atenção e amor daquela mulher, deveria crescer profissionalmente, adotar uma postura diferente daquela garota incerta do futuro e de como agir. As atitudes dela deveriam ser de uma mulher madura, centrada, intelectual e assertiva.

― Vamos? 

Victoria julgou necessário pôr fim àquele encanto senão ninguém iria almoçar.

Vanessa saiu com o carro e rumou para o restaurante que ficava a algumas quadras dali. Poderiam ir a pé, mas o tempo estava fechando e caso chovesse não queriam ser surpreendidas. 

Pelo caminho a CEO foi pensando em como é normal julgar as pessoas pelo que elas tem, pelo carro que andam, as roupas que vestem. Ela mesma era bastante julgada por todos e se dava conta disso, podia sentir os olhares quais estocadas de uma espada.

Seria Vanessa assim? 

Num instante olhou a mulher dirigindo, a forma como suas mãos delicadas controlavam o volante com confiança a atraíram de certa forma. Como seria estar num relacionamento com ela? Pelo simples fato de ela não demonstrar uma natureza inquisitiva e crítica já era de grande alívio.

Quando Vanessa chegou a BRASFLY, há mais ou menos quatro anos atrás, ela queria trabalhar como faxineira. Sorte dela foi que a hora que estava na recepção aguardando para ser chamada para a entrevista, Victoria estava lá para receber um grupo de empresários e a percebeu sentada, usando um terninho barato, preto, incrivelmente bem arrumada para a vaga que queria conquistar.

Antes de subir com os empresários foi à recepção e perguntou de quem se tratava. Disseram-lhe que era alguém que iria fazer uma entrevista para entrar para a equipe de limpeza. Instantaneamente decretou que ela queria conduzir a entrevista. A olharam etados, mas não fizeram nada, afinal, ela era a dona da empresa.

Recebeu os empresários e logo após mandou chamar Vanessa pelo telefone. Logo ela entrou e na entrevista a CEO veio a entender sua situação. Ela não se achava capaz para desempenhar nenhum serviço que não fosse de limpeza. Não tivera muita oportunidade de estudo, pois seus pais faleceram quando era jovem e teve de cuidar do irmão mais novo e praticamente sustentar a casa sozinha.

A história de vida dela comoveu bastante sua receptora. Parecia um pouco com a da própria Victoria, exceto pelo fator dinheiro que nunca foi problema.

Ela começou então a pensar onde a colocaria. Explicou que não era preciso muito estudo para desempenhar as funções de uma secretária, por exemplo. Tudo se baseava em atender ligações e controlar agenda. Embora ela parecesse receosa e um pouco fechada logo se animou quando Victoria disse que sua secretária iria ser promovida e que gostaria que ela a treinasse e veriam como iria se sair.

Ela não deu pulos de alegria, mas uma luz brilhou no fim do túnel. Embora estivesse de terninho, percebia-se que era bastante simples, não fazia as unhas nem cabelo regularmente. Sua expressão facial também não era das melhores.

Vanessa começou no outro dia e tratou cada dia de trabalho como se fosse o último, apesar de não dominar a maioria das tarefas. Após um ano como secretária direta da CEO, foi chamada pela chefe em sua sala e conheceu a opinião da mesma, que expressou o pensamento de que a secretária já havia passado da hora de fazer uma faculdade. Ela olhava a chefe etada achando que iria ser dispensada por falta de estudos.

Victoria pegou um espelho que tinha na gaveta e passou para ela, pediu que se olhasse e dissesse o que via. Ela se olhou e nada disse.

― Sabe o que vejo? Eu vejo uma mulher encantadora que não sabe do potencial que tem. Há um ano atrás quando você entrou aqui, não se achava capaz nem de atender um telefone, Vanessa. Olhe para você hoje!

Ela ficou ali se olhando e tentando adivinhar o que Victoria diria após.

― A empresa vai pagar uma faculdade para você, de sua escolha, é claro. Só não escolha medicina, por favor.

Riram da piada e logo depois falaram sério. Ela deveria escolher uma faculdade que pudesse ser depois usada dentro da empresa, algo na área técnica ou em gestão. Ela surpreendeu a mulher e escolheu Relações Internacionais com a justificativa que adorava direito internacional e tudo que tinha a ver com relação a outras culturas. No final da conversa haviam marcado de ir a uma faculdade pegar mais informações no final do expediente. Naquele mesmo dia ela foi matriculada.

Ela começou as aulas e foi mantendo a chefe atualizada sobre o que estudava. Victoria sentiu um pouco de inveja, pois também queria voltar a estudar. Logo, Vanessa começou a ter matérias cada vez mais difíceis que exigiam que ela falasse Inglês. A CEO acabou por colocar uma turma de professores para dar aulas na hora do almoço para os funcionários e Vanessa desde que começou foi a que mais avançou. Hoje, três anos após, já era praticamente fluente em Inglês deixando a chefe cada dia mais orgulhosa.

Brincalhona, Victoria ás vezes a chama no ramal para vir limpar sua sala e acabam rindo muito lembrando do passado. Para a CEO, Vanessa não estava longe da perfeição.

Ao entrar no estacionamento do restaurante, Vanessa pega o bilhete da máquina e o entrega a Victoria pedindo para que ela coloque em sua carteira, que estava no painel do carro. Ela abre a carteira e não deixa de perceber a foto de um rapaz na aba plástica.

― Hmmm. Namorado novo? Nunca vi você com ninguém, Vanessa.

Victoria morria de vontade de saber sobre a vida amorosa da assistente que nunca deixou evidencia de nada relativo a relacionamentos.

― Esse é meu irmão, Osmund. Prefiro ficar só do que mal acompanhada, Vic.

― Poderíamos sair juntas… Digo…. Ah! Você me entendeu.

Havia saído sem perceber e era tarde demais para corrigir.

― O que você mandar, patroa. Combinamos.

Vanessa riu com os lábios fechados e com os olhos enquanto estacionava numa vaga relativamente difícil, e de ré.



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