A FILHA DO NOIVO

2. O jantar

– Sabe que ainda não acredito que minha mãe vai se casar novamente!? – Caminhava entre o guarda-roupas e a cama onde a mala estava aberta.

– Sim, você já falou isso dezenas de vezes, mas sabe, fico feliz que Vera irá se casar. – Yousef falava ainda deitado e zapeando os canais da tv à cabo. – Faz tantos anos que seu pai foi embora.

– Sef, não vamos falar sobre ele, não estrague meu belo humor. Tem certeza que já guardou tudo que precisava levar?

– Kayla, são apenas dois dias, não toda uma semana como sua mala está pensando que é.

– Você sabe que eu gosto sempre de garantir, vai que acontece alguma coisa, entorno alguma coisa na roupa, gosto de me prevenir. É o jantar de noivado da minha mãe.

– Eu sei, meu amor, logo será o nosso. – Continuei a arrumar minhas coisas, Yousef sabia que eu não pensava em me casar por enquanto, ele com sua firma de turismo, eu tentando me tornar uma associada no escritório de advocacia. – Você sempre foge quando falo em casamento, não é uma coisa pra agora, mas seria bom se começássemos a planejar.

– Sei que é importante para você, mas ainda não estou preparada para assumir isso.

– Sabe que aqui no ocidente é sempre a mulher que precisa insistir para o homem casar e não ao contrário?

– Isso é machismo, achar que apenas as mulheres buscam por casamento, felizmente se apaixonou por uma que vê isso como uma possibilidade futura somente.

– Minha família é rígida e tradicional com isso, Kay, não sei por quanto tempo mais poderei enrolar eles. Já acham um absurdo morarmos juntos sem os votos.

– Quando foi que esse assunto começou mesmo? Estávamos falando da mala e do noivado da minha mãe e “kabum”, se tornou um assunto que já concordamos, ou pelo menos eu achava que tínhamos concordado em deixar para o futuro.

– Tem dias que é impossível falar com você, vou tomar um banho e passar na loja antes de viajar, volto dentro de duas horas no máximo, esteja pronta.

– Estarei. – Ele saiu batendo a porta depois de tomar banho e o silêncio permanecer, então pude finalmente expurgar minha raiva. – Esteja pronta, não fale desse jeito, porte-se como uma mulher, seja menos espalhafatosa, não beba dessa forma. Onde foi que me meti, Senhor? – Fechei a mala e coloquei perto da porta e antes que eu entrasse no banho o telefone tocou.

– Kayla?

– Hey, mãe. Tudo bem?

– Tudo ótimo, estou ligando para confirmar o horário que chegarão.

– Creio que antes das 07:00 PM.

– Você pode nos encontrar direto no restaurante? Bela insiste em que eu vá um pouco mais cedo, disse que gostaria de me dar uma coisa antes que todos cheguem.

– Bela, quem é?

– A filha de Maurice, te falei sobre ela na semana passada, ou será que foi com sua tia, tanto faz, ela trabalha em uma revista de moda na Itália e conseguiu vir para o jantar, até então estaria apenas para o casamento.

– Ah, entendo, mas me diga, mamãe, ela não é uma daquelas mulheres que tentam ditar a moda para todos que a rodeiam, certo?

– Claro que não, como agora, ela está descalça, com um moletom mais largo que a capa do meu sofá e o cabelo parece que não vê um pente há décadas. – Pude ouvir uma gargalhada ao fundo e uma voz rouca e suave ao mesmo tempo.

– Não divulgue isso, Vera, colocará minha fama na lama.  – E mais sorrisos e eu realmente fiquei com ciúmes daquilo.

– Sinto estar perdendo meu posto de filha.

– Não diga isso, Kaykay, você irá amar essa moça, é de um astral lindo. – Para minha mãe, era muito importante ter humor, coisa que havia perdido durante os anos que passei na faculdade e depois no trabalho, num relacionamento onde eu era a todo tempo cortada por não estar me portando feito dama.

– Assim espero, mãe, bem preciso desligar, estava indo tomar banho, Sef logo volta e você sabe como ele é com atrasos.

– Não sei como ainda está com esse rapaz, ele lhe corta as asas. – Minha mãe nunca gostou do meu namorado, mas eu gostava… gostava?

– Não vamos entrar nesse assunto, mamãe, logo estarei aí, quero que saiba que estou muito feliz.

– Venha com cuidado e isso muito me alegra. – Desliguei o telefone e passei alguns poucos segundos contemplando o aparelho em minha mão. Desisti de tentar pensar, pois nem mesmo sei o que estava pensando. Me arrumei devagar, maquiagem leve, prendi o cabelo longo e castanho num coque alto e coloquei um brinco que havia comprado, longo com uma pérola na ponta, o vestido na cor feldspato e sandália de salto na cor bege, gostava de tons neutros.

– Está tão arrumada, isso é mesmo necessário. – Desci os olhos para os pés tentando disfarçar a decepção com o comentário.

– Apenas gostaria de estar bem vestida no jantar. – Yousef estava de calça jeans, camisa social branca, um blazer preto e sapatênis. – Talvez você pudesse fazer o mesmo.

– Ah, Kayla, estará apenas sua família e a família do noivo de sua mãe e estou bem vestido para isso. – Suspirei. – Vamos, o caminho é longo. – Olhei para o relógio, marcava quase três da tarde, pensei por vezes ir de avião até o Rio de Janeiro, daria menos de uma hora de viagem, mas às vezes eu gostava de evitar uma briga. – Não adianta ficar com essa cara fechada, amor, veja, não estou tal mal.

– Está bem, Sef, só não me peça agora para ficar sorrindo quando não estou com vontade. – Levantei a alça da mala e a carreguei até o carro, eu mesma a guardei no porta-malas.

– Me desculpe, vai, você sabe o quanto aquela conversa de mais cedo me deixa aborrecido, mas já conversamos sobre isso antes, eu aceitei viver dessa forma, só espero que não demore para que tudo aconteça.

– O fato de que demore ou não para acontecer é relativo, só não me vejo casando agora, você sabe disso.

– Mas temos uma vida estável e estamos conquistando o que desejamos em nossos trabalhos. Diferente de onde moro, aqui você pode ter uma profissão.

– Yousef, chega dessa história, eu respeito sua cultura, agora respeite minha vontade. – Sentei do lado do passageiro, coloquei o cinto e logo liguei o rádio para que não houvesse mais nenhuma conversa.

Sabe quando simplesmente não entendemos estar em determinada situação? Eu estava assim, simplesmente não sabia como havia me metido nesse tipo de relacionamento. Conheci Yousef através de amigos em comum e logo começamos a sair, nos conhecer, isso já faz quase quatro anos e há menos de seis meses decidimos dividir o mesmo teto, abri mão do meu apartamento em Pinheiros para morar em sua casa em Moema. Mesmo fazendo tão pouco tempo, eu já estava completamente arrependida dessa decisão, com o tempo ele vinha se tornando intolerante e agressivo verbalmente. Sempre fui uma mulher tão independente, tão convicta das minhas vontades e hoje venho abaixando minha cabeça para um homem que achei que conhecesse. Meu telefone tocou me tirando do marasmo de pensamentos.

– “Oi, Clara!” “Sim, estamos chegando no Rio já.” “Sim, achamos melhor a viagem de carro.” “Creio que em no máximo uma hora  chegaremos no restaurante.” “Ah, sim, estou sabendo.” “Nos encontramos lá.” – Devolvi o celular para bolsa e aumentei o volume do som, segundos depois o rádio é desligado.

– Por quanto tempo mais vai ficar me ignorando?

– Não estou te ignorando, só não quero conversar.

– Com suas amiguinhas você quer conversar, não é? – Olhei para ele indignada.

– Era minha prima, Yousef, não sei se percebeu eu não conversei, ela apenas queria saber se demoraríamos ainda para chegar. Olha, não sei o que está passando pela sua cabeça, mas eu não quero discutir com você hoje.

– Sempre é assim, Kayla, você nunca quer conversar. Mas não se preocupe, não a farei passar vergonha. – Ligou o rádio novamente aumentando ainda mais o volume dessa vez. Fechei meus olhos e tentei relaxar, só voltei a abri-los quando senti o carro parar. – Chegamos, tente melhorar essa cara de velório que está. – Ele saiu do carro e eu me olhei no espelho por cinco segundos.

– Até que estou bem bonita para estar com cara de velório. – Retoquei o batom nude e desci do carro, Yousef me esperava do lado de fora. Tentou segurar minha mão, mas eu não permiti, mantive minhas mãos e braços livres para cumprimentar minha família. O Restaurante da Lagoa havia sido fechado para a comemoração.

– Kaykay, uau, como você está linda! – Minha mãe veio em minha direção acompanhada de Clara, Maurice e uma outra mulher, recebi um abraço apertado e vários beijos no rosto enquanto Maurice apertava a mão de Yousef.

– Mãe, assim você vai tirar toda minha maquiagem. – Apertei ainda mais no abraço. – Clarinha, que saudade, menina!

– Não sou mais uma menina, me diz que você consegue ver isso. – Abracei a mulher em minha frente, ela realmente não era mais uma menina.

– Vejo sim, não fique preocupada. – Olhei para o lado e minha mãe também somente apertou a mão de meu namorado.

– Kayla, essa é Belinda, minha filha. – Puxou a mulher que estava com uma calça social fina e camisa de seda deixando o colo bem a vista com um blazer branco por cima.

– Me chame de Bela. É um prazer, Vera fala muito bem de você. – Esticou a mão e apertei de volta. – Vera, não me disse que Kayla era uma mulher tão bonita e bem vestida.

– Assumo que até eu estou surpresa com a produção, finalmente minha menina resolveu se vestir bem. – Fiquei vermelha com o elogio e com o comentário da minha mãe.

– Ainda acho uma produção exagerada, disse que deveria estar mais simples, é apenas um jantar de noivado. – Todos olharam para meu namorado que logo saiu vendo os olhares incrédulos.

– Ah, minha filha, não leve em consideração o que esse homem fala. – Me puxou pelo braço e pude ver a mulher me olhando novamente, estava tristemente envergonhada.

– Hoje Sef está realmente insuportável. – Caminhei ao seu lado e abracei minha tia, minhas primas e conheci alguns amigos de Maurice, o carinho entre ele e minha mãe era lindo de se ver, me afastei um pouco enquanto todos conversavam animados.

– Aqui. – Vi uma taça de vinho branco ser posta em minha frente. – Acho que nada melhor que um vinho para conseguir relaxar com tanta família reunida.

– Obrigada. – Sorvi um pouco do conteúdo. – Sinto pelo clima que ficou ainda pouco.

– Não sinta, você está linda, pobre o homem que não pode reconhecer isto. – Encarei a mulher que falava e pude notar melhor seus traços, os olhos cor de avelã, contornados por um lápis marrom, o nariz fino, a boca bem desenhada com lábios cheios, parecia que levavam apenas um brilho. – Se caso fosse comigo eu faria com que ela se sentisse a mulher mais admirada do lugar. – Desviei os olhos quando seus olhos encontraram os meus durante o comentário.

– Ele não é assim tão chato e, por favor, gostaria de não falar mais disso. Você não nos conhece direito…

– Oh, me desculpe, eu tenho essa mania chata de me intrometer em assuntos que não são de minha conta. – Maurice a chamou. – Com licença. – Observei novamente a mulher, tinha um sorriso contagiante e seu andar sempre cadenciado e seguro.

– Ela é uma mulher encantadora. – Clara apareceu ao meu lado e acompanhou meu olhar.

– É o que parece, mas acaba se metendo onde não deveria.

– Não se preocupe, qualquer um que estava ali sentiu vontade de falar e fazer qualquer coisa, que bom que ela teve coragem de falar algo. Foi tão mal assim?

– Não, apenas não gosto que desconhecidos façam comentários sobre minha vida.

– Kay, eu ainda não consigo entender como deixa que ele fale assim com você.

– Ah, Clara, só não estou afim de discutir hoje. – Terminei de tomar o vinho e deixei na bandeja do garçom que passava pegando outra. – Vou ficar perto da mamãe. – Assim fui, me sentei ao seu lado e tentei me inteirar do assunto que acontecia.


Olá novamente, enquanto a segunda parte de “Buscando Ruínas” está sendo escrita venho apresentar uma nova história, com temas mais polêmicos e tensos. Postarei ela todos os dias, não será muito grande, entre 6/7 capítulos (que creio que será como esse, bem grande). Espero que gostem. Até logo.



Notas:



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