Durante todo o final de semana ficamos sem notícias da família Garcia. Nem Jill tinha conseguido conversar com Lillian além de uma rápida troca de mensagens dizendo que o clima em casa estava tenso, mas que os dois estavam bem. Por mais ansiosos que pudéssemos estar decidimos esperar pela segunda quando os veríamos nas aulas. A situação com a imprensa estava relativamente controlada, segundo Tia Melissa que continuava hospedada com a gente. Por conta disso decidi que James não precisava me acompanhar até a escola naquela manhã e ele pode ir mais cedo para participar do treino, já que o time tinha jogo marcado para sexta-feira e os treinos haviam sido intensificados e concentrados no começo da semana.
Estava entrando no estacionamento quase vazio, a moto preta já estava na vaga habitual, ao lado da BMW de James, e eu estacionei meu Dodge ao lado esquerdo. Jill estava de braços cruzados sentada sobre o banco da motocicleta e ali ficou até que eu parei largando minha mochila no teto do carro e apoiando as costas na lataria logo atrás da porta. Ela tinha olheiras fundas e uma expressão de cansaço de quem não havia dormido nada a noite.
– Está com uma cara péssima – eu falei fazendo ela rolar os olhos sem me responder – O que aconteceu? – perguntei quando ela pareceu decidir que não iria sequer devolver a provocação.
– Não foi nada, apenas não dormi direito – respondeu suspirando – Ainda estou buscando força de vontade pra entrar na escola e ir pras aulas.
– Aconteceu algo, não precisa dizer que não, mas se precisar de alguma coisa pode contar comigo – falei em um tom mais gentil e brando, seja lá qual fosse o motivo era algo sério.
– Valeu, Arthur, mas eu não quero falar sobre isso agora – ela disse se levantando do banco e começando a andar para dentro da escola.
Peguei minha mochila, joguei sobre um ombro e a alcancei com passos mais largos antes de começar a acompanhar seu ritmo quando estávamos lado a lado. Reparei que ela não trazia a mochila e presumi que não estava interessada realmente em prestar atenção a nenhuma das aulas. Depois de subirmos as escadas e entrarmos no largo corredor ouvi ela suspirar e afundar ainda mais as mãos nos bolsos da jaqueta preta. Sem pensar muito no porque senti a necessidade de fazer aquilo, passei meu braço esquerdo por sobre os ombros dela num meio abraço enquanto caminhávamos.
Jill deu um meio sorriso e pareceu ter certo peso tirado de seus ombros que se encolheram um pouco sob meu braço. Quando ela tirou uma das mãos dos bolsos da jaqueta e retribuiu o meio abraço passando seu braço direito pela minha cintura eu soube que algo muito errado estava acontecendo com ela. Mas aquele era o último lugar a ser indicado como ideal para uma conversa profunda, então empurrei minha preocupação para longe dos meus pensamentos e decidi que não a deixaria fugir de uma conversa franca em um momento mais propício.
Encontramos com Carlos e Lillian apenas no almoço, nos reunimos todos numa mesa no refeitório, inclusiva James que deixou a mesa dos jogadores para se sentar conosco e saber que fim havia tido a proposta de minha mãe para Carlos. Estávamos já comendo em um silencio muito desconfortável a alguns minutos quando meu melhor amigo se cansou do suspense e interrompeu a todos nós.
– E então? – ele perguntou olhando diretamente para Carlos que manteve a cabeça baixa – Uma hora vai ter que nos contar o que foi que aconteceu.
Um pequeno silencio, mais desconfortável ainda que o anterior, preencheu o ambiente apesar do barulho do refeitório lotado. Todos encarando Carlos em expectativa até que ele respirou fundo e ergueu o rosto, primeiro encarando James e depois olhando para mim.
– Ele disse que não aprova – começou ele com uma expressão cansada – Mas que não vai me impedir. Já não está bravo por eu não querer seguir o caminho que ele queria – fez uma pausa voltando a encarar seu prato – Só desapontado…e essa é a pior parte.
A mesa que tinha só dois lugares vagos ficou em silencio outra vez. Do meu lado da mesa onde também estavam Geórgia numa ponta, Frederick, Louis e James na outra ponta, quase todos nós desviamos o olhar do rapaz do outro lado. Lillian que estava no banco do meio ao lado do irmão tinha uma expressão triste sabendo o quão era importante para ele não decepcionar os pais. Do outro lado dela Jill ainda se mantinha um pouco distante, mas colocou o braço por trás da mais nova dos irmãos para apertar de leve o ombro de Carlos.
Vi meu amigo se erguer, dar a volta na mesa e se sentar no banco vago ao lado de Carlos. James colocou sua mão esquerda sobre a nuca de Carlos enquanto se sentava de forma a poder olhar para o rosto dele. Quando o jogador começou a falar foi num tom baixo que fazia ser difícil para o resto de nós conseguir entender por conta do barulho contínuo do refeitório.
– Eu sei que nesse momento você está sentindo que a razão da decepção do teu velho é quem você é – ele começou e Carlos ergueu a cabeça para encará-lo – Parece muito que é isso, mas, no fim, ele só está decepcionado com ele próprio. Claro que ele só quer o teu bem, mas o que ele quer pro seu futuro é uma projeção das vontades dele, não da sua. Ele está se decepcionando por projetar as vontades dele em outra pessoa que tem todo o direito de ter as próprias vontades. E eu sei que agora é difícil entender isso, mas com o tempo tanto ele quanto você vão passar por isso.
– O que é que você sabe? – Carlos falou, sua voz baixa, mas nem por isso menos raivosa e irritada – É o capitão do time da escola, o cara popular, o cara que é tudo o que 90% dos outros caras aqui dentro queria poder. O que é que você pode saber sobre decepcionar alguém?
Estava a ponto de me levantar. James nunca foi paciente, nunca teve calma para tratar com a impaciência ou a incompreensão alheia. Por isso já estava pronto para correr para o outro lado e controlar o temperamento explosivo do meu melhor amigo. Mas me surpreendi quando tudo o que o vi fazer foi sorrir compreensivo e calmo. James apenas encarou Carlos com um olhar quase triste e começou a se levantar.
– Sei mais do que gostaria – ele respondeu colocando a mão sobre o ombro de Carlos – Mas ainda não confio o bastante em nenhum de vocês pra deixar que saibam – quando terminou de falar James olhou pra mim, pegou sua bandeja e saiu sem dizer mais nada e eu fui deixado com a bomba de curiosidade que nossos amigos seriam depois dessa declaração.
Como previsto eles me bombardearam de perguntas das mais variadas espécies. O único que se manteve calado encarando as costas de James que voltou a se sentar com o time de futebol foi Carlos que parecia um tanto alheio a confusão a sua volta. Não pude responder nenhuma das perguntas, como meu melhor amigo tinha bem dito, ele ai não confiava em nenhum deles para dividir o segredo que ainda não estava pronto para contar ao mundo. Eu não pude fazer nada além de explicar que James tinha coisas que eram particulares da sua vida e que só seriam expostas quando meu melhor amigo se sentisse confortável com eles.
Jill pareceu compreender rápido que o assunto não iria para frente, quase como se ela também tivesse algum segredo também. Foi ela quem me ajudou a controlar a curiosidade do resto do grupo dizendo que, se quisessem saber, teriam que conquistar a confiança de James. No fim tivemos que voltar para as aulas, mas eu não havia desistido de conversar com Jill ainda naquele dia. Algo estava errado e eu iria tentar ajudar.
N/A: Oii pessoinhas =]