Who You Are

Erika e eu não havíamos saído para correr nessa manhã de segunda. O domingo havia sido cheio de notícias surgindo em todos os tipos de lugares possíveis. Todos especulando os motivos de Erika Anderson e Alex Lancaster terem sido vistas saindo de uma delegacia com o ‘rapaz que deveria ser Arthur Anderson, o filho delas’. Cada um com ideias mais mirabolantes que a anterior. Uma das revistas de fofocas mais odiadas pelos famosos soltou uma matéria, de capa, sobre as grandes possibilidades de eu estar envolvido com drogas e que, por isso, continuava a ser tão recluso, o que era incrivelmente hilário devo dizer.

Por precaução decidimos fazer algum treino em casa mesmo, aproveitando a academia que tínhamos. Motivo pelo qual eu estava sentado em frente a bancada da cozinha com um prato cheio de panquecas com calda de caramelo com tempo de sobra para comer antes de ir para a aula. Alex estava do meu lado com seu prato cheio de omelete e nós dois tínhamos uma caneca de café, Erika estava terminando as panquecas para se juntar a nós. Ouvimos a porta da frente se abrir e fechar, achei estranho porque não esperava que James chegasse tão cedo, mas continuei comendo.

– Eu achei que a idade ia fazer vocês duas serem mais cuidadosas – soou a voz na entrada da cozinha e nós três viramos ao mesmo tempo encontrando Tia Melissa parada com uma mão na cintura, uma sobrancelha erguida e uma pasta de couro preta na mão esquerda – Sinceramente, a imprensa querendo um escândalo e as duas me deixam a porta da frente da casa aberta? Quantos anos vocês duas ainda tem? 25?

– Tia Mel! – falei sorrindo e me levantando para ir abraça-la, passei meus braços em volta dos ombros cobertos pelo blazer branco do terno feminino e a apertei.

– Ai menino que saudade – ela falou me abraçando pela cintura – Você está enorme Art. Meu deus! – ela disse quando a soltei e empurrou meu ombro de leve – Aliás, eu deveria estar brava com você, está me dando trabalho. Se bem que o grande trabalho é culpa das desesperadas das suas mães que não sabem ter calma e agem de cabeça quente. Sério. Qual o problema das duas terem esperado em casa enquanto Joshua ia buscar o Arthur??

– Queria ver se fossem os gêmeos. Duvido que você conseguiria ficar em casa esperando – Alex resmungou rolando os olhos e voltando a olhar seu prato.

– Se fossem meus filhos eles provavelmente estariam na delegacia porque aprontaram alguma, então eu os deixaria lá para aprenderem uma lição – respondeu Melissa se sentando do outro lado de Alex e colocando sua pasta sobre a bancada – E depois, a imprensa não iria se interessar por mim. Então não faria diferença.

– Tia Mel, como estão Tomas e George? Faz tanto tempo que eles não vem nos visitar – comentei ao me sentar novamente e voltar a comer.

– Bom, tínhamos planejado vir no mês passado, mas os gêmeos ganharam um castigo. Na semana seguinte eu ia manda-los no final de semana, mas nenhum dos dois saiu do castigo. Então na sexta eu queria manda-los para que eles fossem ver o jogo do James com você, mas novamente na quarta tive de coloca-los de castigo outra vez – contou Tia Mel enquanto Erika colocava algumas panquecas para ela e uma xícara de café.

– O que eles andam aprontando? – perguntei rindo e imaginando que tipo de coisas meus “primos” poderiam estar fazendo.

– Primeiro foi um projeto da feira de ciências – começou Tia Melissa enquanto tomava seu café – Eles explodiram a garagem, algo haver com amônia na tentativa de fazer um vulcão. Na outra semana eles acabaram por destruir o motor da minivan tentando ‘turbina-lo’ como eles explicaram – dessa vez não controlei o riso baixo ao imaginar os dois tentando turbinar o motor do carro deles – Quarta eu até poderia tê-los liberado do castigo, na verdade não queria muito ter que castigar os dois, mas foi preciso.

– O que eles aprontaram na quarta? – perguntou Alex, já tão curiosa com as peripécias dos gêmeos quanto eu.

– Bom, de algum jeito, eles ajudaram Dalila a pintar de azul o cabelo de uma coleguinha de classe – contou Tia Melissa com um sorriso – Concordo que a garota merecia, mas as mentes do mal dos meus filhos mais velhos não deveriam mesmo envenenar a pobre da irmã mais nova.

Todos nós rimos. Tomas e George nasceram logo antes de eu completar dois anos, apesar de terem nascido em um parto complicado e mais de dois meses antes do previsto eles se desenvolveram bem e eram muito inteligentes. Pelo que eu sabia dos dois apenas Tomas podia dirigir por enquanto e, quando conseguiu a carteira de motorista Tio Ted deu a eles uma minivan que na verdade era o carro antigo da família. Dalila era a mais nova, uma garotinha de pele clara e cabelos acobreados. Tia Mel e Tio Ted haviam adotado ela a pouco mais de seis anos. Na época da adoção ela tinha sete e agora estava para fazer 14 sendo dois anos mais nova que os gêmeos que estavam com 16.

– Mas porque pintar o cabelo da garota? – perguntou Alex controlando o riso e curiosa com os motivos.

– Bom, aparentemente a garota loira se acha a mais importante da sala e começou a implicar com Dalila por ela ser ruiva, ter sardas e usar roupas ‘de menino’ – contou Tia Melissa rolando os olhos – Claro que quando descobri os motivos exigi que a escola tomasse providencias e a garota foi suspensa por dois dias por conduta preconceituosa. Mas os três pegaram três dias de suspensão por atentar contra outro estudante. Não que eu concorde com o que eles fizeram, mas a garota merecia mesmo – disse ela dando de ombros.

Nós rimos outra vez. Eu gostava muito de Tomas e George, mas não tínhamos tanto contato porque eles moravam em Los Angeles e pouco vinham para cá. Já Dalila eu não a vi muitas vezes, acho que quando ela foi adotada e no aniversário de 12 anos pelo que me recordo. Mas ela era uma garotinha legal e brincava de tudo com os irmãos mais velhos. Apesar dos dois não andarem com ela sempre eu sabia que eles poderiam ser muito protetores com a irmã mais nova se algo a atingisse.

– Bom – disse me levantando e bebendo meu último gole de café – Eu tenho que ir para a escola e ainda passar no James para ver se ele vai mesmo comigo.

– Pode ir parando ai mocinho – disse Tia Mel me surpreendendo quando eu peguei a mochila que estava no chão – Tenho um assunto muito sério para tratar com você e isso não pode esperar – eu iria responder, mas ela apenas apontou de volta para o banco e eu sentei enquanto ela levantava e vinha ficar na minha frente me olhando de um jeito sério, Erika estava rindo baixinho porque era desse jeito que Tia Mel fazia quando ela precisava convencer minha mãe a fazer algo necessário a imagem de lutadora ou a algum contrato de patrocínio – Muito bem, você tem duas escolhas. Ou eu faço uma nota explicativa e disponibilizo isso a todos pelas redes sociais oficias das suas mães ou você dá uma exclusiva explicando o que aconteceu. Até uma dessas coisas ser feita a mídia não vai largar do seu pé querendo um furo de reportagem. E pode esperar que sua escola vai estar um inferno hoje, soube que tem pelo menos quatro repórteres de revistas de famosos e curiosidades aqui na cidade, além de um ou outro do ramo do UFC fora as revistas de fofocas.

– Vale lembrar que se soltarmos apenas uma nota a imprensa mais sensacionalista louca para inventar um furo vai continuar atrás de você meu amor – comentou Erika com um suspiro, ela havia passado por algo parecido alguns anos atrás quando ela e Alex tiveram que se afastar por quase quatro meses enquanto ela estava em turnê.

Naquele meio tempo Alex acabava saindo com o pessoal da banda, obviamente ela ficava mais para fazer companhia ao tio Ted, mas numa dessas saídas deles depois de um show uma garota se aproximou e a abraçou. Pelo que sei ela tentou beijar Alex que a afastou o mais rápido possível e tio Ted ajudou com isso porque a menina parecia completamente fora de si. No entanto algum fotógrafo estava perto e viu tudo, mas fotografou apenas o momento em que a garota praticamente sentou no colo de Alex.

Erika ficou sabendo do ocorrido na manhã seguinte quando elas conversaram, algo que faziam todos os dias, e Alex contou do ocorrido na festa se lamentando por garotas que não sabiam ter limites. Mas no dia seguinte uma dessas revistas de fofoca surgiu com uma matéria que tinha como título “A separação da década” e trazia na capa a foto da garota no colo de Alex. Na época elas soltaram notas pelas redes sociais e canais oficiais, mas nada fazia as suposições pararem. Apenas depois de Erika e Alex darem uma entrevista juntas e explicarem o caso foi que o assunto morreu.

Aparentemente seria a minha vez de enfrentar aqueles abutres desesperados por encontrar um podre sobre mim ou minhas mães. Tudo o que eles queriam era a declaração errada ou a atitude distorcida ou a foto manipulada que pudessem arranjar e quanto mais rápido eu desse uma declaração clara e irrefutável mais rápido eles estariam longe de mim.

– Eu falei com Joshua mais cedo – comentou Tia Mel me tirando das minhas divagações – Não é prudente você declarar os motivos para estar lá ainda, não antes do garoto ter conhecimento do processo. O que nos deixa com dois dias para você aturá-los. Vou soltar uma nota ainda hoje sobre o assunto para ver se acalmo um pouco os ânimos, mas não vai demorar muito e você vai ter que se pronunciar.

– Sei que não posso mais ficar fora dos holofotes, Tia Mel – comentei com um suspiro e dei de ombros – Sabia disso quando pisei na delegacia. Não vou voltar atrás, nem tenho como agora. O estrago já foi feito. Pode marcar a coletiva, assim que o Joshua disser que posso falar tudo eu vou dar uma exclusiva aos jornalistas que você selecionar.

Dito isso eu me levantei, dei um abraço em Tia Mel e depois segui até Alex. Beijei a testa de uma de minhas mães, depois abracei e dei um beijo no rosto da outra. Me despedi e, com um sorriso, sai de casa encontrando James na porta me esperando. Entramos no carro dele e seguimos direto para a escola. Tudo o que eu poderia fazer era torcer para a situação ainda não estar tão ruim quanto Tia Melissa havia previsto.