Podia ouvir a voz do rapaz, sabia quem ele era. Seu nome era Mattheus Corbb, ele era um dos zagueiros do time de futebol americano, um dos que estava indo e voltando entre titulares e reservas. Tinha cabelos loiros curtos e olhos azuis claros. Eu podia ouvir risos dos outros jogadores, em sua maioria reservas e zagueiros.
– Eu não estou brincando – ouvi a voz grossa e alta de Mattheus dizer – É bom manter seus olhos longe da minha namorada, sua aberração! – ele completou no momento em que eu tentava passar por entre os outros jogadores e chegar até a borda do círculo em volta dos dois.
– Eu não tenho o super poder de olhar pra uma garota e fazer ela gostar de garotas também – ouvi a voz de Jill dizer num tom cínico e sarcástico – Infelizmente eu não tenho. Mas, felizmente, eu não posso andar por aí de olhos fechados. Então porque você não se concentra mais em garantir que ela prefira mesmo homens do que em obrigar mulheres a não olhar pra sua namorada? – cheguei a tempo de ver Jill com as mãos pra cima e um sorriso debochado encarando o jogador que era mais de 15 centímetros mais alto que ela e, com certeza, uns 50kg mais pesado.
– Garota nojenta – ele disse parecendo irritado – Vou ensinar você a ouvir o que as pessoas descentes te dizem pra fazer – completou ele e eu o vi tirar a jaqueta do time e jogá-la para um de seus colegas segurar.
Eu sabia o que aconteceria em seguida, era fácil presumir. Sabia também que se me envolvesse nisso àquela altura as coisas não seriam simples para mim. Toda a atenção estaria direcionada a mim e eu perderia todo o esforço de anos em permanecer no meu anonimato. O risco que eu correria de descobrirem sobre mim se eu me envolvesse naquele momento era imenso. Mas eu não conseguiria ficar apenas assistindo aquilo acontecer. Eu não conseguiria presenciar um imbecil qualquer humilhando alguém daquele jeito, muito menos sendo a pessoa minha amiga.
Avancei antes de Mattheus e parei em frente a Jill erguendo a mochila dela que estava caída no chão desde o momento que que o jogador tirou sua jaqueta. Não queria que as coisas se tornassem violentas, então decidi me fazer de idiota e fingir que não havia uma briga para começar.
– Onde você tinha se metido? – falei num tom calmo ao me abaixar para pegar a mochila – Vamos logo, estamos atrasados.
– O que você está fazendo, Arthur? – ela perguntou em voz baixa arregalando os olhos ao me ver entrar no meio dos dois já que Mattheus tinha avançado alguns passos.
– Some Anderson – falou o jogador recuperado da surpresa em relação a minha presença – Sua amiga tem assuntos a tratar comigo. Então dá o fora logo porque você não tem nada a ver com isso.
Ele continuou avançando até que senti a mão dele cair sobre meu ombro direito. Ele provavelmente queria me intimidar com sua força e me jogar pra longe se preciso. Mas no mesmo instante em que o senti me tocar eu girei meu corpo e, com um movimento dos ombros, fiz ele me soltar. A repentina saída do meu ombro de sua mão fez ele perder parte do equilíbrio pois tinha tentado se apoiar em mim. Para disfarçar meu movimento eu joguei a mochila de Jill que estava na minha mão direita sobre o ombro. Fingir que não havia notado a briga não parecia ter ajudado, mas eu ainda não queria que as coisas se complicassem.
– Essa não é uma boa ideia Matt – falei com um tom calmo e uma expressão tranquila –Nós dois sabemos que continuar com isso é uma péssima ideia – falei mantendo um discreto sorriso no rosto tentando convence-lo a desistir.
– Alguém tem que ensinar bons modos pra essa garota – ele falou com um sorriso, mas ainda era possível ver a raiva dele na sua expressão – Então é melhor você sair da minha frente antes que eu tenha que te ensinar a obedecer também.
Minha expressão se desmanchou. Não dava mais para fingir que eu estava calmo e que aquela situação toda não era nada demais. Aparentemente, na cabeça desregulada daquele babaca, tudo o que ele estava prestes a fazer, e tudo o que tinha feito também, era justificado. Pra ele aquilo tudo era a coisa certa a ser feita e ele estava praticamente se vangloriando por ser ele a fazê-lo.
Por um instante a imagem das minhas mães se olhando apaixonadamente em quase todos os momentos em que seus olhos se encontravam cruzou a minha mente. O imbecil a minha frente provavelmente se sentiria no direito de dizer a elas e fazer com elas o mesmo que falou e pretendia fazer com Jill. Naquele instante eu quis, mais que nunca, que ele resolvesse atacar de uma vez para que eu pudesse reagir a altura e mostrar quem precisava de uma lição de verdade.
Mas foi apenas por um instante que eu desejei isso e, logo depois, agradeci por ele ainda estar surpreso demais com minha presença ali para decidir avançar contra Jill. Não era correto resolver aquilo com violência e eu fui muito bem criado pelas minhas mães pra ter a consciência disso. Mesmo assim minha paciência foi a zero e minha expressão se tornou séria e até um pouco dura demais para o meu normal.
– O único que precisa aprender algo aqui é você Mattheus – falei do jeito mais sério e frio que já pronunciei algo em toda a minha vida – Guarde pra si mesmo essa sua ignorância ridícula e esses seus pensamentos ultrapassados desse tipo de ser humano mesquinho que você é. Seja racional uma vez na sua vida e pare com essa cena idiota.
Todo e qualquer riso que ainda estava surgindo em pontos aleatórios da roda sumiu antes mesmo que eu terminasse de falar. Haviam expressões assustadas e surpresas a minha vista e eu não me importava nem um pouco. Estava incrivelmente cansado de toda aquela decadência e completamente indisposto a tentar manter os ânimos calmos. Já era hora de alguém mostrar a Mattheus Corbb que ele não mandava na escola toda e muito menos nas outras pessoas a sua volta.
– Toda essa palhaçada já foi longe demais – disse olhando em volta e parecia que, pela primeira vez em anos, alguns deles se davam conta de que eu não era só um garotinho nerd que tinha medo da própria sombra – Todos vocês sabem que correm o risco de serem suspensos por fazer o que o Mattheus estava prestes a fazer e mesmo assim ficam aqui em volta para ver. Se esquecem apenas de que isso não é um divertimento, essa merda toda não só uma brincadeira. Agora vamos parar de agir como primatas irracionais e começar a ser pessoas de verdade. Cada um pega suas coisas e vai pra casa ou pra onde quer que tenham que ir.
– Você realmente perdeu a noção do seu lugar não é, Anderson? – falou Mattheus e, quando o olhei de novo ele estava completamente furioso – Foda-se que você é o melhor amigo do James. Essa merda de amizade não vai te salvar hoje.
As pessoas a nossa volta abriram a roda mais um pouco quando ele avançou contra mim. Jill ainda estava as minhas costas e, para evitar que ele redirecionasse sua raiva a ela, eu me mantive completamente entre os dois. Vi Mattheus erguer o braço direito e seu punho vindo na direção do meu rosto. Eu apenas coloquei o braço direito para trás empurrando Jill de forma que eu pudesse recuar o pé direito um pouco e, com a minha mão esquerda, eu dei um pequeno tapa no antebraço do jogador. O potente soco dele foi completamente jogado para longe de mim.
Por causa da velocidade com que joguei a mão dele para o lado o idiota conseguiu se desequilibrar porque acabou dando um passo a mais do que parecia querer. Nisso ele acabou tropeçando em algo no chão, ou em si mesmo talvez. A consequência foi Mattheus Corbb, o grande zagueiro, na opinião dele próprio, indo de joelhos para o chão. Aquilo realmente não era minha intenção e eu olhei em volta torcendo para ver James se aproximar para que eu não precisasse realmente brigar com o jogador que era estúpido o bastante para tropeçar em si mesmo. Tudo o que eu vi foi a garota que estava junto com Jill e os outros dois rapazes com o celular na mão filmando tudo o que acontecia.
– FILHO DA PUTA – Mattheus gritava ainda no chão, um de seus joelhos estava sangrando e as palmas das mãos estavam vermelhas – Eu vou acabar com você Anderson – ele falou me encarando e se levantando.
– O retardado não pode nem admitir a própria incapacidade depois de tropeçar e cair sozinho – ouvi Jill dizer ao meu lado e, quando a olhei, ela estava de braços cruzados com nossos ombros lado a lado.
– Eu vou acabar com vocês dois seus desgraçados – falou Matt se colocando em pé e limpando as mãos nas laterais de sua calça jeans antes de fechar os punhos para nos atacar outra vez.
– Você poderia não provocar ainda mais ele não é? – falei para Jill que deu de ombros e deixou um sorriso divertido surgir em seu rosto.
Mattheus veio para cima de nós dois outra vez. Eu conhecia aquela postura, ele vinha na minha direção como se eu fosse um adversário que ele pretendia levar para o chão. Eu já havia treinado muito com James para saber sobre como desviar e evitar aquele tipo de ataque. Joguei a mochila de Jill para ela um segundo antes do zagueiro estar sobre mim. Mas antes que ele conseguisse me segurar eu me abaixei e girei fazendo o braço dele passar por cima da minha cabeça e saindo da frente dele que passou pelas minhas costas indo direto para o chão outra vez.
Todos estavam paralisados com o que havia acabado de acontecer, ninguém dizia nada, mal pareciam respirar. O riso de Jill era a única coisa a quebrar o silêncio naquela roda e foi na direção dela que eu caminhei logo depois do zagueiro cair. Não me dei ao trabalho de olhar para Mattheus de novo. Assim que me levantei vi James e o treinador do time de futebol correndo na nossa direção. Cheguei perto de Jill e a empurrei levemente pelos ombros na direção onde meu carro e a moto dela estavam parados.
– Já chega disso, Jill – falei num tom baixo – Vamos embora que nós temos mais o que fazer.
Ela riu um pouco, mas virou na direção em que eu a empurrava para ir. Ainda virou para trás tentando me dizer algo, mas ela não teve tempo de nada além de arregalar os olhos.